O MENINO E O FOGUETE: UMA REFLEXÃO SOBRE A DESIGUALDADE.
Por Abdon C. Marinho.
MAIS UM ANO se inicia, com ele todos os desejos de dias melhores, de saúde, sucesso, paz e prosperidade. Pelo menos é isso que consta na milhares de mensagens que recebemos em todos os fins e inícios dos anos.
Este ano, em especial, tais desejos se manifestam com mais intensidade, talvez por coincidir o início de ano com o dos governos estaduais e federal, o que traz uma dupla chance para “esperançar”.
Entretanto, para alcançarmos o que desejamos para o próximo, para o país e demais entes federados, é oportuno refletir sobre o que e como faremos para combater as desigualdades sociais tão presentes nos dias atuais.
Há alguns dias – ainda no ano passado, rsrs –, duas notícias, divulgadas pela imprensa quase que de forma simultânea, chamaram minha atenção: a primeira (ou a segunda) dava conta de um lançamento de foguete no nosso Centro de Lançamento de Alcântara — CLA; a segunda, que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas — IBGE, dos 25 municípios brasileiros com a renda per capita mais baixa, 24 destes estão localizados no Maranhão.
Desde então tenho estado com tal paradoxo na cabeça: somos capazes de lançar foguetes ao espaço, satélites avançadíssimos, quiçá, daqui a alguns anos possamos daqui mesmo mandar homens à lua ou a outros planetas, entretanto, não conseguimos aliviar a fome, a pobreza e a desigualdade social entre nós.
Imaginei a cena de um menino pobre, desprovido de quaisquer perspectivas futuras, daqui, deste lado da Baía de São Marcos, ali na Ilhinha ou Ponta d’Areia ou mesmo de um dos quilombos do lado de lá assistindo ao lançamento do foguete – e serão vários, assim esperamos –, essa cena pedi ao ilustre cartunista Cordeiro Filho que a imortalizasse na ponta do lápis para ilustrar o texto.
O que passa pela cabeça do menino maltrapilho, talvez faminto, que assiste ao lançamento do foguete? O que passa pela cabeça dos milhares de meninos, meninas, homens, mulheres, jovens ou anciãos que diariamente passam fome – e segundo o IBGE são mais de 30 milhões de cidadãos cidadãos –, enquanto assistem numa televisão de uma loja ou escutam em rádio que o país, mais uma vez bateu o recorde de produção agrícola ou que é o celeiro do mundo? Como pode haver mérito em tais sucessos, tecnológicos e/ou de produção agrícola, quando os dados nos revelam o inacesso dos cidadãos a tais benefícios?
Hoje os governadores de todos os estados da federação e um presidente da república assumirão o comando dos estados e da nação.
Daqui a pouco será a vez de centenas de parlamentares, estaduais, federais, senadores, tomam posse como representantes do povo.
Quais os compromissos que terão estes cidadãos em combater o problema da desigualdade social? Como faremos para ofertar a todos os brasileiros as mesmas oportunidades?
Imagino que os dirigentes dos estados e do país assim com os representantes do povo (afinal, representam o povo) saibam que algo muito errado têm feito até aqui a ponto de possuirmos um país tão desigual com o efeito direto na fome de tantos milhões de cidadãos.
A fome é a senhora absoluta da nossa desgraça.
Acho que qualquer outro debate sobre desigualdade social perde o sentido diante da cruel realidade dos que acordam pela manhã e não têm o que comer; mais tarde, precisam ganhar o almoço e no fim do dia o jantar. Ou, como assistimos por diversas vezes, irem dormir mais cedo na vã tentativa de “enganar a fome”.
Vencida a “emergência nacional” de garantir que os cidadãos não passem fome, precisamos corrigir as demais mazelas que puxam o Brasil para o atraso.
Nos últimos anos tenho constatado que a primeira – e talvez a mais urgente –, a ser corrigida é a desigualdade na educação infantil. Precisamos igualar em tecnologia e ferramentas educacionais as escolas do país colocando-as no mesmo nível da rede de ensino privado e dos melhores centros do mundo.
As crianças da rede pública começam o ensino em flagrante desvantagem em relação as crianças crianças iniciam os estudos na escola da rede privada, em todos os sentidos, no acesso às tecnologias, no aprendizado de línguas, etc.
Agora mesmo, redes de rádio e televisão, passam comerciais de escolas privadas chamando para as matrículas e informando que terão ensino de robótica e de línguas estrangeiras já a partir do maternal, aliás, já informam que o aprendizado será bilíngue.
Ora, tal realidade é tão distante da rede pública quanto a da criança maltrapilha que observa de longe o lançamento do foguete.
Exceto pelo pioneirismo de alguns gestores municipais, o ensino de línguas na rede pública só é obrigatório a partir do sexto ano, assim mesmo, o material ofertado é absolutamente incompatível com a realidade dos estudantes que nunca tiveram qualquer acesso à disciplina e não conseguem acompanhar.
Temos nesta única situação duas desigualdades: a primeira que a criança já “perdeu” cinco anos de aprendizado; a segunda, que a partir do sexto ano, com material inadequado, não conseguirá mais acompanhar.
O resultado desta “anomalia” sistêmica será sentida ao longo dos anos na vida acadêmica do estudante, nos anos finais do fundamental, no ensino médio e, até mesmo, no ensino superior, se conseguir chegar lá, uma vez que o ENEM a partir de 2024, conterá questões transversais de língua estrangeira.
Esse é apenas um exemplo de uma das dificuldades que precisamos corrigir com urgência, desde ontem.
Não passa de hipocrisia exigir-se de crianças e adolescentes que não tiveram as mesmas condições de ensino um aproveitamento, pelo menos igual, com os que tiveram todas as condições desde o maternal.
Logo, precisamos de mais investimentos em educação básica. Sem corrigir o ensino fundamental não teremos como alcançar resultados no ensino médio e no superior.
No Maranhão, além da fome, da desigualdade na educação, precisamos de uma política de desenvolvimento econômico regional.
Viajo o MARANHÃO quase todo, por onde passo, seja por cidades pequenas, médias ou grandes, não vemos indústrias de nada; não vemos produção de nada.
O que vemos dia após dia, a qualquer horário que se passé, são homens em idade de trabalho, nas portas ou debaixo de árvores, ociosos, “matando” em joguinho de cartas ou dominó, ou na cerveja ou cachaça; o que vemos são crianças/adolescentes fora da escola quando deveriam estar em sala de aula aprendendo alguma coisa.
Os que possuem responsabilidades, não podem ficar inertes diante de tal quadro.
Urge uma política de industrialização e de produção como forma de romper com o ciclo nefasto que vem se repetindo ao longo das décadas no estado.
Faz-se necessário, com urgência, uma ruptura.
O novo governo, a instalar-se hoje, tem também essa missão.
Não é crível ou aceitável que o nosso estado com tantas potencialidades continue padecendo de tantos males.
Podemos ter portos dos dois lados da baía, podemos ter um sistema rodoferroviário levando e trazendo as riquezas do país inteiro e para o mundo; já temos um centro de lançamento de foguetes; temos solo fértil, água em abundância, terras vastas.
O que falta para transformar tudo isso em riquezas para o nosso povo?
As crianças, adolescentes e jovens não podem se conformar apenas em olhar o foguete subir aos céus.
Abdon C. Marinho é advogado.