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A boçal­i­dade cobrou sua conta

Escrito por Abdon Mar­inho


A BOÇAL­I­DADE COBROU SUA CONTA.

Por Abdon C. Marinho.

QUANTO vale a Presidên­cia da República? Ou, talvez a mel­hor forma de per­gun­tar: qual o sig­nifi­cado e importân­cia de se ser pres­i­dente da República?

Acred­ito que valha muito, não pelo salário e/​ou sta­tus, mas pelo sig­nifi­cado de se chegar ao cargo mais alto do país e, mais impor­tante, escol­hido pela maio­ria da pop­u­lação. Numa democ­ra­cia direta, como a nossa, em que cada cidadão tem dire­ito a um voto, chegar à presidên­cia sig­nifica con­tar com o apoio da maio­ria dos cidadãos. Estes, ao escol­her, estão dizendo que con­fiam no indig­i­tado escol­hido para representá-​los e fazer as mel­hores escol­has em seu nome.

Para os políti­cos ser pres­i­dente é ter atingido o ápice da car­reira, ter chegado ao topo. Não é à toa que muitos seriam capazes de vender a mãe – e entre­gar –, por tal honra. Out­ros seriam capazes de dar um rim, ou um braço, quem sabe um ded­inho, para chegar ao topo.

O que sig­nifica você ter chegado ao topo, no lugar onde quase todos dese­jariam estar e perder tal posição? Pior, saber que o seu fra­casso não pode ser cred­i­tado a ninguém que não a si próprio?

Talvez tais inda­gações ten­ham sido respon­sáveis pelo fato do (ainda) inquilino do Palá­cio do Planalto ter demor­ado mais de quarenta horas – quem se deu ao tra­balho de con­tar, disse que foram 44 horas e 34 min­u­tos –, para rea­pare­cer em público e fazer um dis­curso cho­cho, que teve como único ponto pos­i­tivo o fato de ter sido curto, onde agrade­ceu pelos votos rece­bidos, disse que os movi­men­tos pop­u­lares são fru­tos da indig­nação e sen­ti­mento de injustiça de como se deu o processo eleitoral.

De mais a mais disse as man­i­fes­tações pací­fi­cas são bem-​vindas, mas que os méto­dos não podem ser os da esquerda, que sem­pre prej­u­dicaram a pop­u­lação, com invasão de pro­priedades, destru­ição do patrimônio, cercea­mento do dire­ito de ir e vir.

A refer­ên­cia ao dire­ito de ir e vir foi feito para ten­tar “tirar o corpo fora” do movi­mento de cam­in­honeiros que inter­di­tam estradas país, em protestos por sua der­rota, diante da leniên­cia quase crim­i­nosa da Polí­cia Rodoviária Fed­eral — PRF.

Out­ros tópi­cos do seu pro­nun­ci­a­mento tar­dio, não pos­suem relevân­cia. São fru­tos de elu­cubrações e de uma visão de mundo desconec­tada do mundo real, dos cidadãos que acor­dam cedo para ralar muito e poder colo­car o “de comer” den­tro de casa.

No domingo, 30/​10, ainda durante a votação recebo a men­sagem de um dileto amigo: “— anal­iso aqui o futuro do nosso país, Dr., E chego a uma con­clusão: Bol­sonaro é um fra­casso. O cara tem a máquina pública nas mãos, os gov­er­nadores eleitos ou em via de se eleger, todas as polí­cias, forças armadas, evangéli­cos, católi­cos, fal­sos moral­is­tas (esses são muitos).… tem tudo isso. E ainda pena pra vencer um adver­sário que tem uma som­bra de maior cor­rupto do país”.

E acres­cen­tava: “— Dr, eu digo para ami­gos próx­i­mos: eu sendo pres­i­dente vence­ria em 1º turno”.

Àquela hora, o meu dileto amigo ao dizer que o cidadão “penava” para vencer o adver­sário, imag­i­nava que ele iria vencer. Mesmo com mais votos do que o número obtido quando gan­hou, perdeu. E perdeu feio, diante de todas as condições que cri­aram. Até um “estado de emergên­cia” cri­aram durante o micro-​processo eleitoral, a chamada “PEC do deses­pero”, para inun­darem de recur­sos os eleitores mais vul­neráveis e conquistar-​lhes os votos.

Nunca antes na história deste país – espero que as insti­tu­ições acor­dem para o que acon­te­ceu e não nor­mal­izem o anor­mal –, a máquina pública foi tão escan­car­a­mento uti­lizada numa cam­panha eleitoral eleitoral quanto nes­tas eleições, notada­mente, neste segundo turno. Cheg­amos ao ponto de ter uma insti­tu­ição de Estado, a PRF, sendo denun­ci­ada e admoes­tada pela Justiça Eleitoral, por está real­izando “oper­ação padrão”, com todas as car­ac­terís­ti­cas de prej­u­di­ci­ais ao adver­sário.

Não ape­nas ela. O gov­erno inteiro estava em cam­panha, mesmo aque­las pes­soas que por lei, estão proibidas de quais­quer ativi­dade de cunho eleitoral, estavam de alguma forma, atre­ladas e fazendo cam­panha para o atual pres­i­dente da república.

E não ape­nas a máquina pública. A máquina pri­vada tam­bém estava na cam­panha. Nunca, desde que acom­panho o processo eleitoral – e já se vão mais de quarenta anos –, tive notí­cias de tanto “assé­dio eleitoral”, com os donos de empre­sas, chefes ime­di­atos, ger­entes, con­strangendo seus empre­ga­dos a votarem o seu can­didato, no caso p sen­hor Bol­sonaro.

Perderam com o uso da máquina pública e pri­vada, com os empresários asse­di­adores, agronegó­cio que deseja “pas­sar a boiada” na questão ambi­en­tal; com as forças de segu­rança, sobe­ja­mente apar­el­hadas, PRF, PF, Polí­cias Estad­u­ais, igre­jas, com pas­tores asse­di­adores intim­i­dando os fiéis; os fanáti­cos rad­i­cal­iza­dos; os lunáti­cos; mili­cianos; o uso, nunca visto de men­ti­ras, que agora chamam de fake news; ódio, intol­erân­cia, etc.

Com tudo isso perdera-​me eleição em um processo eleitoral trans­par­ente – que se não digo limpo, é por conta, prin­ci­pal­mente, dos abu­sos per­pe­tra­dos pelos que perderam, pres­i­dente à frente –, que o resul­tado recon­hecido por quase todas as nações do mundo e insti­tu­ições nacionais ainda na noite de domingo.

Todas as grandes nações e órgãos inter­na­cionais – e mesmo os nacionais –, apressaram-​se em chance­lar o resul­tado das eleições por temerem as ameaças des­feri­das ao longo dos anos e, prin­ci­pal­mente, nos últi­mos meses. A Casa Branca, não levou uma hora para recon­hecer o resul­tado; o Palá­cio do Eliseu a mesma coisa, e assim por diante.

Quando, ainda no domingo ou na segunda-​feira, perguntaram-​me o que achara da der­rota do atual pres­i­dente, respondi de pronto: — a boçal­i­dade man­dou sua conta.

E a boçal­i­dade a que me refiro, não se encon­tra restrita ape­nas ao atual pres­i­dente, mas, tam­bém, ao seu entorno.

Dias antes das eleições a dep­utada eleita Marina Silva (REDE/​SP) foi agre­dida com palavras de “baixo calão” em Minas Gerais durante uma ativi­dade política. Ape­sar das grosse­rias sofridas, ela ape­nas dirigiu-​se à del­e­ga­cia de polí­cia mais próx­ima e reg­istrou um Bole­tim de Ocor­rên­cia.

Às vésperas do segundo turno a dep­utada reeleita Carla Zam­belli (PL/​SP) foi agre­dida com palavras numa dis­cussão política numa das ruas de São Paulo. O que ela fez? Jun­ta­mente com seus segu­ranças, de armas em punho, saíram em perseguição ao suposto agres­sor apontando-​lhes as armas e o man­dando deitar no chão. Registre-​se que até dis­paro foi dado, se perseguiu o sujeito por uma via lotada de transe­untes e aden­trando em um restaurante/​bar tam­bém repleto de cidadãos.

Uma sem­ana antes, foi aquele ali­ado de primeira hora do atual man­datário, Roberto Jef­fer­son, que rece­beu a PF que fora a sua casa cumprir um man­dado de prisão, à bala (mais trinta, dis­paradas com um fuzil) e granadas.

Essas pes­soas – e não ape­nas elas – copi­aram o “cacoete” do pres­i­dente de se acharem “donas do país” e par­ti­ram para as boçal­i­dades mais tacan­has.

Fiz­eram das men­ti­ras ou fake news um mundo para­lelo no qual tudo ia muito bem, obri­gado.

As boçal­i­dades do ainda pres­i­dente são de todas con­heci­das, basta dizer, con­forme ref­er­en­ci­ado no texto do fim sem­ana, o com­por­ta­mento que teve durante a pan­demia, e que segundo dizem, pode ter lev­ado a morte mil­hares de pes­soas.

Neste Dia de Fina­dos, enquanto pen­sava nos meus que par­ti­ram, inclu­sive, na pan­demia, pen­sei por um momento naque­les que super­aram as per­das pes­soais para votar em alguém que riu da suas dores, que escarneceu do seu sofri­mento, que fez piadas enquanto choravam.

Como disse no texto ante­rior, mesmo recebendo pedi­dos de pes­soas queri­das, não tinha como “deixar pas­sar”. Por isso, depois de 20 anos sem votar no PT (na eleição de 2018 me ausen­tei do segundo turno) votei nele nova­mente.

Um amigo que acred­ito pen­sar igual ao que me moveu, escreveu:

— Os “mínions” não enten­dem que não vota­mos em Lula por ser o mel­hor, mas, sim, por ter se tor­nado a única alter­na­tiva diante de dis­cur­sos e ati­tudes anti­democráti­cas de Bol­sonaro, tivesse ele ficado CAL­ADO ao longo desses meses e colo­cado min­istros com­pe­tentes e não, sim­ples­mente, par­ceiros ide­ológi­cos, teria sido eleito com ampla folga! Mas não, ele é campeão em se auto sab­o­tar para ale­grar aque­les 30% de malu­cos que procu­ram uma borda na terra plana para pular!

O atual inquilino do Planalto é, de fato, o único respon­sável por sua der­rota. Não adi­anta dizer que é hon­esto, que mel­horou a econo­mia, que fez isso ou aquilo – sendo ver­dade ou não –, pois exis­tem coisas que são inegociáveis.

Pois é, como dizia meu velho pai, que era anal­fa­beto por parte de pai, mãe e parteira: “mais cedo ou mais tarde, a boçal­i­dade cobra sua conta”.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

PS. As ilus­trações do texto foram col­hi­das da inter­net.

Com a democ­ra­cia não se deve brincar.

Escrito por Abdon Mar­inho


COM A DEMOC­RA­CIA NÃO SE DEVE BRINCAR.

Por Abdon C. Marinho.

COR­RIA o ano de 1992 quando come­cei atuar com mais efe­tivi­dade no processo eleitoral. Ainda estava no segundo ano do curso de dire­ito. Par­tic­i­para como mil­i­tante das eleições ante­ri­ores e aquela iria atuar mais na linha de frente pois um amigo era can­didato a vereador, Con­ceição Andrade, do PSB, can­di­data a prefeita.

A Justiça Eleitoral na cap­i­tal fun­cionava toda no pré­dio do TRE, na Areinha. No piso supe­rior fun­cionava a segunda instân­cia e no infe­rior fun­cionavam as zonas eleitorais que, se não me falha s memória, eram ape­nas cinco, de primeira à quarta e a mais nova, sep­tu­agésima sexta. O acesso aos cartórios era por fora e, quando se tinha que tratar de algo na segunda instân­cia acessava-​se o segundo pavi­mento pela porta prin­ci­pal – deve­mos recor­dar que nem se falava no anexo, era só o pré­dio prin­ci­pal. As aglom­er­ações eram inevitáveis e sem­pre muito ani­madas.

Faço tal ret­ro­spec­tiva porque foi por essa época que aprendi min­has primeiras lições de dire­ito eleitoral: que os pra­zos na justiça eleitoral são peremp­tórios (que per­ime; que não admite dúvi­das ou objeções; deci­sivo, ter­mi­nante; que põe termo à ação ou instân­cia judi­cial) e preclu­sivos (rel­a­tivo a preclusão – con­clusão de um processo, pelo fato de não ter a parte prat­i­cado certo ato, den­tro do prazo estip­u­lado pela lei ou pelo juiz).

Ainda me vem à lem­brança as palavras do secretário da segunda ou primeira zona, Vic­tor Hugo, quando chegá­va­mos para pro­to­co­lar alguma petição ou con­tes­tação e o prazo se esgo­tara: — meu doutor, o prazo ter­mi­nou há dois min­u­tos (ou cinco, ou dez), o sen­hor sabe que os pra­zos são peremp­tórios e preclu­sivos, vou rece­ber e cer­ti­ficar. Ainda que se ten­tasse argu­men­tar que fora, um dois ou três min­u­tos de atraso, a resposta já vinha pronta: — doutor, prazo é prazo.

Feito isso, o juiz só tinha o tra­balho de colo­car o despa­cho padrão de não recon­hecer da recla­mação ou da defesa por ter sido pro­to­co­lada fora do prazo.

Outro episó­dio lap­i­dar sobre a questão de prazo e opor­tu­nidade deu-​se no pós eleições de 1994. Dois can­didatos um eleito e o outro não (José Car­los Sabóia e Haroldo Sabóia) travaram uma briga judi­cial pelos votos grafa­dos com a vari­ação “Sabóia”. Haroldo recla­mava que os votos com tal vari­ação, mesmo nos municí­pios onde tinha votação, tin­ham sido atribuí­dos a José Car­los.

Para o que inter­essa ao pre­sente texto, após muitas idas e vin­das, o Tri­bunal Supe­rior Eleitoral — TSE, deu ganho de causa a Haroldo e deter­mi­nou a recon­tagem dos votos. Mon­tadas as Jun­tas para a apu­ração dos votos ques­tion­a­dos, os rep­re­sen­tantes dos dois can­didatos (advo­ga­dos, del­e­ga­dos e fis­cais) tin­ham mis­sões antagôni­cas, os de Haroldo, a respon­s­abil­i­dade de val­i­dar os votos em seu favor; os de José Car­los, de impug­nar.

A impug­nação dava-​se voto a voto. O pres­i­dente da mesa chamava um voto atribuindo-​o a Haroldo, o rep­re­sen­tante de José Car­los na mesma hora, antes de dar tempo de chamar o próx­imo voto, tinha que dizer: “impugno”. Isso, cen­te­nas, mil­hares de vezes. Se o rep­re­sen­tante se dis­traia ou pis­cava, per­dia a chance de impug­nar.

Ainda que se ten­tasse argu­men­tar, lá vinha resposta cor­tante e defin­i­tiva do juiz/​presidente da junta: — doutor, a impug­nação dar-​se voto a voto. E a mais cruel: —doutor, o dire­ito não socorre aos que dormem, cumpra seu papel.

Ainda restava a opção de se fazer um recurso, tam­bém, oral, para ser lavrado na ata de apu­ração e que o resul­tado já era de todos con­heci­dos.

Eis que, trinta anos depois, na prin­ci­pal eleição do país, a de pres­i­dente da República, me deparo com uma inusi­tada e desproposi­tada ten­ta­tiva de tumul­tuar o processo eleitoral – o que nos levaria à chancela de república de bananas –, tendo por moti­vação uma suposta fraude eleitoral,

Na noite de segunda-​feira, da sem­ana ante­rior a data eleição, nos aparece para con­ceder entre­vista, em frente ao Palá­cio da Alvo­rada – o que me fez lem­brar o não tão saudoso tempo do gov­erno Figueiredo, até pela lumi­nosi­dade do local e o ar de gravi­dade –, o min­istro das comu­ni­cações e o coor­de­nador de comu­ni­cação da cam­panha à reeleição do pres­i­dente da República.

A denún­cia (?) for­mu­lada pelos dois imberbes em matéria eleitoral era que a eleição estaria com­pro­metida porque as inserções de rádio do can­didato não pas­saram como dev­e­riam ou não pas­saram nas emis­so­ras do nordeste.

Foi o que bas­tou para a malta lig­ada ao pres­i­dente inun­dassem as redes soci­ais, gru­pos de aplica­tivos e até mesmo segui­men­tos da mídia profis­sional com denún­cias de fraude eleitoral e que as eleições pres­i­den­ci­ais dev­e­riam ser adi­adas – talvez até, quem sabe, já diplo­mar o recan­didato por conta do “não fato”.

Os advo­ga­dos pres­i­den­ci­ais pro­to­co­laram uma rep­re­sen­tação (?) que, apan­hado de sur­presa o pres­i­dente do TSE, deter­mi­nou que em 24 horas apre­sen­tassem provas.

Um erro do pres­i­dente do TSE. Por se tratar de matéria rel­a­tiva a pro­pa­ganda eleitoral, o pedido dev­e­ria ter sido encam­in­hado a um dos juízes da pro­pa­ganda (ou mesmo a ele, se estiver nessa mis­são), iden­ti­f­i­cando cada uma das emis­so­ras e data em que a suposta inserção não foi exibida, já inde­ferindo de plano, todas aque­las que não estivessem den­tro do prazo esta­b­ele­cido na lei e res­olução do TSE.

Em se tratando de suposta irreg­u­lar­i­dade em pro­pa­ganda, o rito a ser ado­tado era o rito próprio esta­b­ele­cido na res­olução que trata de pro­pa­ganda.

O pres­i­dente, talvez por excesso de zelo, deter­mi­nou foi que jun­tassem provas e, após isso, inde­feriu a ini­cial por não ter encon­trado quais­quer ele­men­tos probante do que fora ale­gado, mais pare­cendo, como acen­tuou no voto, uma cortina de fumaça com a intenção de tumul­tuar o processo eleitoral, como, de fato tumul­tuou.

Na mesma noite em que inde­feriu o pedido da cam­panha do pres­i­dente, noticiou-​se que ele con­vo­cara uma reunião com seu comando de cam­panha eleitoral na qual se fiz­eram pre­sentes, entre out­ros, o min­istro das relações exte­ri­ores, os coman­dantes das forças mil­itares, etc.

Um absurdo, uma lou­cura total.

Espero, até, que tal notí­cia seja falsa, uma vez que desde o fim do régime mil­i­tar não tín­hamos notí­cias de mil­itares par­tic­i­pando de reuniões de cam­panha.

Foram além. Depois da suposta reunião, o pres­i­dente declarou que iriam as últi­mas instân­cias con­tra a decisão do TSE que deter­mi­nou que local ideal da tal rep­re­sen­tação era a lata de lixo.

Após a reper­cussão neg­a­tiva junto ao eleitorado que bus­cavam con­quis­tar ou diante da recusa dos mil­itares em par­tic­i­par de qual­quer aven­tura golpista, parece-​me que resolveram acor­dar para a real­i­dade. Já vimos o min­istro das comu­ni­cações dizer que não era bem isso, que a falha fora da cam­panha, etc.

A mim, sobra a per­cepção que estas pes­soas não estão em seu juízo per­feito, só isso para jus­ti­ficar tan­tas coisas fora de rumo.

A democ­ra­cia brasileira é recente mas con­sol­i­dada. Não é admis­sível que a toda hora a coloque em prova ou que “se brinque” com ela.

O processo eleitoral brasileiro, até nos mín­i­mos detal­hes, é reg­u­lado por leis e por res­oluções. Na lei temos solução para tudo, fora da lei temos a bar­bárie.

Será que alguém em seu juízo per­feito cog­i­taria par­al­isar o processo eleitoral de uma eleição pres­i­den­cial porque uma emis­sora de rádio FM, lá de Afuá (PA) ou de Canindé do São Fran­cisco (AL) ou mesmo a emis­sora de Luis Domingues (MA), as 23 horas de um dia qual­quer, deixou de trans­mi­tir uma inserção.

A paranóia e a mania de perseguição os levou a cog­itarem um com­plô envol­vendo as emis­so­ras de rádio, o par­tido adver­sário e o próprio TSE para prejudicá-​los. Daí a neces­si­dade de se con­vo­car o min­istro das relações exte­ri­ores, comu­ni­cações, coman­dantes das forças armadas com o comando da cam­panha eleitoral para saberem o que fazer.

Aí, se rebe­lam e criti­cam o TSE, quando eles, par­tidos e mem­bros da cam­panha dev­e­riam ter feito o “dever de casa” fis­cal­izando, em cada municí­pio ou junto a todas as emis­so­ras, o cumpri­mento do plano de mídia.

A respon­s­abil­i­dade por tal fis­cal­iza­ção, repete-​se, é dos par­tidos e can­didatos, sem­pre foi assim. Cabendo ao TSE, tão somente, junto com eles e com o pool de emis­so­ras, a definição do plano de mídia, jul­gar dire­ito resposta, os abu­sos cometi­dos e as recla­mações dos par­tidos e can­didatos se feitas em con­formi­dade e nos pra­zos esta­b­ele­ci­dos na res­olução.

Ao sus­citarem uma falsa polêmica, por ignorân­cia ou má-​fé, a per­gunta que se impõe é: que tipo de erva esse povo con­some? Pen­sam que a democ­ra­cia é a Casa da Mãe Joana?

O que acon­te­ceu nesta última sem­ana foi algo muito sério. Em nome de inter­esses pes­soais, se faz ques­tion­a­men­tos inde­v­i­dos, envolve-​se as Forças Armadas em assun­tos que não são de sua alçada e se frag­iliza a democ­ra­cia.

Acho impe­rioso que após as eleições se faça uma rig­orosa apu­ração dos fatos e se puna, como se deve, os respon­sáveis pela pataquada.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Lín­gua não é osso …

Escrito por Abdon Mar­inho


LÍNGUA NÃO É OSSO

Abdon C. Marinho.

IBN AL-​MUKAFA (que sig­nifica Ibn filho de Mukafa, que, por sua vez rece­beu o nome de Mukafa, por ter sido tor­tu­rado pelo gov­er­nador a quem servia como cole­tor de impos­tos que sus­peitara de sua hon­esti­dade), nascido no ano de 724, na Pér­sia, era homem de rara cul­tura, escreveu ou cole­cio­nou histórias, segundo ele, vin­das de cul­turas bem mais anti­gas e dis­tantes no livro inti­t­u­lado Calila e Dimna.

Em uma frase mar­cante, ainda na apre­sen­tação do livro diz: “o machado corta a árvore, e esta volta a nascer e crescer; a espada corta a carne e que­bra o osso, e a ferida sara e o osso solda – mas feri­das que a lín­gua abre nunca se cica­trizam”.

Gan­hei o livro de pre­sente lá no ini­cio dos anos noventa e desde então nunca mais dele me afastei, exceto pelos perío­dos em que esteve emprestado ou que alguém o pediu emprestado e não devolveu forçando-​me a com­prar outro.

Refle­tia outro dia sobre o mile­nar ensi­na­mento tran­scrito acima e pen­sava na situ­ação do pres­i­dente do Brasil e can­didato à reeleição.

Pois bem, a lem­brança e cor­re­lação que fiz entre o tal político e os ensi­na­men­tos do livro de Ibn Al-​Mukafa foi que, se não tivesse quais­quer out­ras razões para não sufragá-​lo nas urnas, uma razão, à vista de todos, um imped­i­mento moral e ético me impediria de fazê-​lo: o seu com­por­ta­mento durante a pan­demia, a falta de con­sid­er­ação, respeito, empa­tia, sol­i­dariedade àque­les que per­diam seus pais, avós, tios, fil­hos, ami­gos.

Como ele próprio con­fes­sou, em data recente, suas “alo­pradas”.

Um pres­i­dente da República não pode, não deve e não tem o dire­ito de “alo­prar” durante o momento mais grave vivido por seus con­ci­dadãos.

Mesmo quando não se pode fazer nada, sobra o dever de ser solidário.

Foi o que não tive­mos.

Já se foram quase 700 mil vidas per­di­das sem que hou­vesse um gesto sin­cero de sol­i­dariedade de sua excelên­cia para com às víti­mas e/​ou seus famil­iares e ami­gos.

Perdi diver­sas pes­soas que me foram caras em vida e de quem a lem­brança me enche de saudade.

Entre tan­tos, uma das primeiras pes­soas que perdi foi a pro­fes­sora Nancy, de Mara­caçumé. Con­heci Nancy em uma das cam­pan­has de Cafeteira – já não lem­bro se na de 1994 ou na 1998 ou no inter­valo de ambas –, ela era vereadora na época, aju­dava dezenas de pes­soas e tinha uma respon­s­abil­i­dade espe­cial com a for­mação de seus famil­iares, irmãs, sobrin­hos, etc.

Durante anos, sem­pre que descia para região do alto Turi encostava em sua casa.

Nos últi­mos anos os afaz­eres de ambos nos afas­tou, mas sem­pre que pas­sava por Mara­caçumé e par­ava para o tradi­cional cafez­inho na D. Cláu­dia, per­gun­tava por ela e deix­ava recado.

Em fevereiro de 2020, na última viagem antes da pan­demia, con­seguimos nos reen­con­trar e tro­car umas ideias.

Aí veio a pan­demia, cerca de um mês – ou pouco mais que isso –, me alcança uma lig­ação do tele­fone de Nancy. Atendi: — oi, Nancy. Do outro lado linha respon­dem: — oi, doutor, não é Nancy, ela foi trans­ferida com urgên­cia para São Luís.

Acho que era uma sexta-​feira. No domingo, uma outra lig­ação: — doutor, Nancy não se encon­tra mais entre nós.

Uma morte que além da perda, trouxe con­se­quên­cias para diver­sas out­ras pes­soas.

Se não me falha a memória, a morte de Nancy deu-​se entre as seguintes colo­cações de sua excelên­cia: “brasileiro pula em esgoto e não acon­tece nada” , 26 de março e “eu não sou cov­eiro”, de 20 de abril.

Depois de Nancy foi a vez de outro grande amigo, Adal­berto Nasci­mento, ex-​prefeito de Belágua, com que tive a honra e ale­gria de tra­bal­har durante quase dois mandatos inteiros.

Adal­berto era uma pes­soa extra­ordinária com quem dava gosto con­ver­sar. Sem­pre que tinha opor­tu­nidade, já depois do seu mandato, o con­vi­dava para tomar um cafez­inho no escritório.

No iní­cio de junho um dos seus fil­hos me avi­sou que ele fora inter­nado, acho que menos de uma sem­ana depois recebi outra lig­ação, essa avisando que ele não resi­s­tira.

O iso­la­mento não per­mi­tiu que sequer pudésse­mos nos des­pedir dele. O cortejo com caixão fechado cir­cu­lou pelas ruas da cidade.

O amigo Adal­berto perdeu a vida entre duas frases de sua excelên­cia: “a gente lamenta todos os mor­tos, mas é o des­tino de todo mundo”, de 2 de junho; e, “é como uma chuva, vai atin­gir você”, de 7 de julho, quando o número de víti­mas já atin­gia 66.741 mortes.

Adal­berto tinha ape­nas 60 anos quando foi “atingido pela chuva”, deixou oito fil­hos entrando na vida adulta.

O fim do ano trouxe-​me mais um desalento.

Um amigo de infân­cia, com quem brin­cava, com quem ia para escola quase todos dias, Gec­i­mon Pereira, pegou COVID-​19 e não resis­tiu. Tinha prati­ca­mente a minha idade, uma vida inteira pela frente, fil­hos e netos com quem par­til­haria muitas coisas boas.

Perdi essa amizade de uma vida inteira entre duas frases de sua excelên­cia: “país de mar­i­cas”, dita em 10 de novem­bro; e “se tomar vacina e virar jacaré não tenho nada com isso”, dita em 17 de dezem­bro, aquela altura o país já con­tava com 184.827 mortes pela pan­demia.

Em junho de 2021 per­dia outro grande amigo, José Raimundo Fer­reira Verde, o nosso Verde, cuja a história se con­fun­dia com a história recente da Assem­bleia Leg­isla­tiva do Maran­hão. O con­hecia desde que fui tra­bal­har naquela Casa, no iní­cio de 1991. Desde então, até o seu perec­i­mento, man­tive­mos uma firme amizade.

Verde teve um ataque cardíaco ful­mi­nante em decor­rên­cia da COVID-​19.

No mês de sua morte, sua excelên­cia nos brindou com as seguintes frases de “con­forto”: nunca vi ninguém mor­rer por tomar hidrox­i­cloro­quina”, o medica­mento que que­ria porque que­ria fazer fun­cionar con­tra o vírus; e “quem pegou o vírus está imu­nizado”.

Por este período – ou pouco antes –, quase perdemos um dos meus irmãos, o que vem logo antes de mim, Fran­cisco.

Não fosse a pro­teção de São Fran­cisco e o severo mon­i­tora­mento feito por um sobrinho e um irmão, talvez não estivesse aqui para con­tar a história.

Quando vimos as taxas de oxigênio baixar e o pul­mão se com­pro­m­e­ter, fui avisado: — tio, temos que levar o tio urgente para São Luís. Assim foi feito.

No tra­jeto de Gonçalves Dias pra cá, feito em alta veloci­dade, e, ainda assim con­sumiu umas três ou qua­tro “balas” de oxigênio até ser inter­nado em um hos­pi­tal da cap­i­tal. Durante todo o tempo meu sobrinho e meu irmão, que são médi­cos, rece­beram meu pedido para que não se afas­tassem dele por motivo algum.

Enquanto via sua excelên­cia fazer uma imi­tação grotesca de alguém mor­rendo pela falta de oxigênio, lembrei-​me do sofri­mento do meu irmão e a angús­tia que acome­teu a todos nós, seus irmãos, sobrin­hos e ami­gos, sem saber se ele sobre­vive­ria ou não.

Nancy, Adal­berto, Gec­i­mon, Verde e tan­tos out­ros que pere­ce­ram em uma conta que já chega a quase 700 mil vidas per­di­das para a pan­demia, não são ape­nas números.

Durante esse tempo todo sua excelên­cia não se dig­nou a expres­sar um único sen­ti­mento de empa­tia pelas víti­mas ou pela dor dos seus famil­iares e ami­gos.

Nunca foi capaz de encer­rar um pas­seio de fim de sem­ana para hipote­car sol­i­dariedade.

Fez, ao con­trário, foi debochar, cam­panha con­tra a vaci­nação – com grave reflexo, inclu­sive, nas cam­pan­has de vaci­nação reg­u­lar –, “torcer con­tra o sucesso” de deter­mi­nado imu­nizante, por sen­ti­mento poli­tiqueiro e mesquinho.

Ainda que, difer­ente do que apon­tam diver­sos estu­dos cien­tí­fi­cos, seu com­por­ta­mento não tenha sido cau­sador de nen­huma morte, ape­nas o deboche, o menosprezo, a falta de sol­i­dariedade, já seriam sufi­cientes para votar con­tra sua pre­ten­são de con­tin­uar dirigindo o país.

Com todo respeito que tenho pelos que pen­sam difer­ente, o sol­i­dariedade aos que pere­ce­ram, reforça, o imper­a­tivo ético para que faça isso.

Agora mesmo vejo sua excelên­cia, com olhar com­pungido, em com­er­ci­ais de cam­panha “pedir perdão” por seu com­por­ta­mento, cuja definição mais branda seria abjeto.

A minha fé impo­ria a obri­gação de per­doar, entre­tanto, para que haja o perdão é necessário que o arrependi­mento seja ver­dadeiro, e não é isso que vemos.

Os que con­hecem a Palavra mel­hor do que eu, sabem que o próprio Jesus Cristo disse: “vás e não peques mais”.

Se, enquanto pede perdão, o pecador con­tinua a incor­rer nos mes­mos peca­dos, não merece o perdão.

Foi o que vimos no tris­te­mente famoso episó­dio do “pin­tou um clima”.

A frase de sua excelên­cia foi: “Parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menin­in­has, três, qua­tro, boni­tas; de 14, 15 anos, arru­mad­in­has num sábado numa comu­nidade. E vi que eram meio pare­ci­das. Pin­tou um clima, voltei. “Posso entrar na tua casa?» Entrei. Tinha umas 15, 20 meni­nas, num sábado de manhã, se arru­mando —todas venezue­lanas. E eu per­gunto: Meni­nas bonit­in­has, 14, 15 anos se arru­mando num sábado para quê? Gan­har a vida. Você quer isso para a tua filha, que está nos ouvindo aqui agora. E como chegou neste ponto? Escol­has erradas».

Não bas­tasse a gravi­dade incon­ce­bível de um quase sep­tu­a­genário dizer que “pin­tou um clima” referindo-​se a uma ado­les­cente de 14 ou 15 anos, o episó­dio que ten­tou explo­rar é uma men­tira grotesca.

As garo­tas que viu arru­madas, e por quem “pin­tou um clima”, não estavam se pros­ti­tuindo, como disse; a casa onde entrou, não era uma casa de pros­ti­tu­ição e, sim, uma ação social de acol­hi­mento.

O desejo de fazer explo­ração política ao invés de agir como um chefe de nação respon­sável ou mesmo um pai de família, o fez descam­bar, mais uma vez, para a agressão aque­les a quem dev­e­ria e teria o dever de acol­her.

Tudo que vive­mos nos últi­mos anos e mesmo episó­dios recentes, não podem ser nor­mal­iza­dos.

Não, não tem perdão.

Um ditado do meu inte­rior diz: “lín­gua não é osso mas que­bra caroço”.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.