A BOÇALIDADE COBROU SUA CONTA.
Por Abdon C. Marinho.
QUANTO vale a Presidência da República? Ou, talvez a melhor forma de perguntar: qual o significado e importância de se ser presidente da República?
Acredito que valha muito, não pelo salário e/ou status, mas pelo significado de se chegar ao cargo mais alto do país e, mais importante, escolhido pela maioria da população. Numa democracia direta, como a nossa, em que cada cidadão tem direito a um voto, chegar à presidência significa contar com o apoio da maioria dos cidadãos. Estes, ao escolher, estão dizendo que confiam no indigitado escolhido para representá-los e fazer as melhores escolhas em seu nome.
Para os políticos ser presidente é ter atingido o ápice da carreira, ter chegado ao topo. Não é à toa que muitos seriam capazes de vender a mãe – e entregar –, por tal honra. Outros seriam capazes de dar um rim, ou um braço, quem sabe um dedinho, para chegar ao topo.
O que significa você ter chegado ao topo, no lugar onde quase todos desejariam estar e perder tal posição? Pior, saber que o seu fracasso não pode ser creditado a ninguém que não a si próprio?
Talvez tais indagações tenham sido responsáveis pelo fato do (ainda) inquilino do Palácio do Planalto ter demorado mais de quarenta horas – quem se deu ao trabalho de contar, disse que foram 44 horas e 34 minutos –, para reaparecer em público e fazer um discurso chocho, que teve como único ponto positivo o fato de ter sido curto, onde agradeceu pelos votos recebidos, disse que os movimentos populares são frutos da indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral.
De mais a mais disse as manifestações pacíficas são bem-vindas, mas que os métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, com invasão de propriedades, destruição do patrimônio, cerceamento do direito de ir e vir.
A referência ao direito de ir e vir foi feito para tentar “tirar o corpo fora” do movimento de caminhoneiros que interditam estradas país, em protestos por sua derrota, diante da leniência quase criminosa da Polícia Rodoviária Federal — PRF.
Outros tópicos do seu pronunciamento tardio, não possuem relevância. São frutos de elucubrações e de uma visão de mundo desconectada do mundo real, dos cidadãos que acordam cedo para ralar muito e poder colocar o “de comer” dentro de casa.
No domingo, 30/10, ainda durante a votação recebo a mensagem de um dileto amigo: “— analiso aqui o futuro do nosso país, Dr., E chego a uma conclusão: Bolsonaro é um fracasso. O cara tem a máquina pública nas mãos, os governadores eleitos ou em via de se eleger, todas as polícias, forças armadas, evangélicos, católicos, falsos moralistas (esses são muitos).… tem tudo isso. E ainda pena pra vencer um adversário que tem uma sombra de maior corrupto do país”.
E acrescentava: “— Dr, eu digo para amigos próximos: eu sendo presidente venceria em 1º turno”.
Àquela hora, o meu dileto amigo ao dizer que o cidadão “penava” para vencer o adversário, imaginava que ele iria vencer. Mesmo com mais votos do que o número obtido quando ganhou, perdeu. E perdeu feio, diante de todas as condições que criaram. Até um “estado de emergência” criaram durante o micro-processo eleitoral, a chamada “PEC do desespero”, para inundarem de recursos os eleitores mais vulneráveis e conquistar-lhes os votos.
Nunca antes na história deste país – espero que as instituições acordem para o que aconteceu e não normalizem o anormal –, a máquina pública foi tão escancaramento utilizada numa campanha eleitoral eleitoral quanto nestas eleições, notadamente, neste segundo turno. Chegamos ao ponto de ter uma instituição de Estado, a PRF, sendo denunciada e admoestada pela Justiça Eleitoral, por está realizando “operação padrão”, com todas as características de prejudiciais ao adversário.
Não apenas ela. O governo inteiro estava em campanha, mesmo aquelas pessoas que por lei, estão proibidas de quaisquer atividade de cunho eleitoral, estavam de alguma forma, atreladas e fazendo campanha para o atual presidente da república.
E não apenas a máquina pública. A máquina privada também estava na campanha. Nunca, desde que acompanho o processo eleitoral – e já se vão mais de quarenta anos –, tive notícias de tanto “assédio eleitoral”, com os donos de empresas, chefes imediatos, gerentes, constrangendo seus empregados a votarem o seu candidato, no caso p senhor Bolsonaro.
Perderam com o uso da máquina pública e privada, com os empresários assediadores, agronegócio que deseja “passar a boiada” na questão ambiental; com as forças de segurança, sobejamente aparelhadas, PRF, PF, Polícias Estaduais, igrejas, com pastores assediadores intimidando os fiéis; os fanáticos radicalizados; os lunáticos; milicianos; o uso, nunca visto de mentiras, que agora chamam de fake news; ódio, intolerância, etc.
Com tudo isso perdera-me eleição em um processo eleitoral transparente – que se não digo limpo, é por conta, principalmente, dos abusos perpetrados pelos que perderam, presidente à frente –, que o resultado reconhecido por quase todas as nações do mundo e instituições nacionais ainda na noite de domingo.
Todas as grandes nações e órgãos internacionais – e mesmo os nacionais –, apressaram-se em chancelar o resultado das eleições por temerem as ameaças desferidas ao longo dos anos e, principalmente, nos últimos meses. A Casa Branca, não levou uma hora para reconhecer o resultado; o Palácio do Eliseu a mesma coisa, e assim por diante.
Quando, ainda no domingo ou na segunda-feira, perguntaram-me o que achara da derrota do atual presidente, respondi de pronto: — a boçalidade mandou sua conta.
E a boçalidade a que me refiro, não se encontra restrita apenas ao atual presidente, mas, também, ao seu entorno.
Dias antes das eleições a deputada eleita Marina Silva (REDE/SP) foi agredida com palavras de “baixo calão” em Minas Gerais durante uma atividade política. Apesar das grosserias sofridas, ela apenas dirigiu-se à delegacia de polícia mais próxima e registrou um Boletim de Ocorrência.
Às vésperas do segundo turno a deputada reeleita Carla Zambelli (PL/SP) foi agredida com palavras numa discussão política numa das ruas de São Paulo. O que ela fez? Juntamente com seus seguranças, de armas em punho, saíram em perseguição ao suposto agressor apontando-lhes as armas e o mandando deitar no chão. Registre-se que até disparo foi dado, se perseguiu o sujeito por uma via lotada de transeuntes e adentrando em um restaurante/bar também repleto de cidadãos.
Uma semana antes, foi aquele aliado de primeira hora do atual mandatário, Roberto Jefferson, que recebeu a PF que fora a sua casa cumprir um mandado de prisão, à bala (mais trinta, disparadas com um fuzil) e granadas.
Essas pessoas – e não apenas elas – copiaram o “cacoete” do presidente de se acharem “donas do país” e partiram para as boçalidades mais tacanhas.
Fizeram das mentiras ou fake news um mundo paralelo no qual tudo ia muito bem, obrigado.
As boçalidades do ainda presidente são de todas conhecidas, basta dizer, conforme referenciado no texto do fim semana, o comportamento que teve durante a pandemia, e que segundo dizem, pode ter levado a morte milhares de pessoas.
Neste Dia de Finados, enquanto pensava nos meus que partiram, inclusive, na pandemia, pensei por um momento naqueles que superaram as perdas pessoais para votar em alguém que riu da suas dores, que escarneceu do seu sofrimento, que fez piadas enquanto choravam.
Como disse no texto anterior, mesmo recebendo pedidos de pessoas queridas, não tinha como “deixar passar”. Por isso, depois de 20 anos sem votar no PT (na eleição de 2018 me ausentei do segundo turno) votei nele novamente.
Um amigo que acredito pensar igual ao que me moveu, escreveu:
— Os “mínions” não entendem que não votamos em Lula por ser o melhor, mas, sim, por ter se tornado a única alternativa diante de discursos e atitudes antidemocráticas de Bolsonaro, tivesse ele ficado CALADO ao longo desses meses e colocado ministros competentes e não, simplesmente, parceiros ideológicos, teria sido eleito com ampla folga! Mas não, ele é campeão em se auto sabotar para alegrar aqueles 30% de malucos que procuram uma borda na terra plana para pular!
O atual inquilino do Planalto é, de fato, o único responsável por sua derrota. Não adianta dizer que é honesto, que melhorou a economia, que fez isso ou aquilo – sendo verdade ou não –, pois existem coisas que são inegociáveis.
Pois é, como dizia meu velho pai, que era analfabeto por parte de pai, mãe e parteira: “mais cedo ou mais tarde, a boçalidade cobra sua conta”.
Abdon C. Marinho é advogado.
PS. As ilustrações do texto foram colhidas da internet.