A desonra da Casa Branca.
Por Abdon C. Marinho.
QUANDO me propus a escrever o presente texto a primeira dúvida a assaltar-me foi se o título seria “ a desonra na Casa Branca” ou “A desonra da Casa Branca”. Acabei optando pelo segundo e, ao final do texto, os leitores podem dizer se acertei ou errei na escolha.
O assunto incontornável do momento é o encontro (ou armadilha) entre o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky e o presidente-gângster dos Estados Unidos, Donald Trump, ladeado pelo não menos gângster vice-presidente, J. D. Vance.
O “encontro” que descambou para uma baixaria jamais vista em uma visita de Estado, muito menos no Salão Oval da Casa Branca já ganhou seu ingresso na história mundial.
Imagino que o “barraco” possa ser interpretado, estudado ou avaliado em três gradações:
Na primeira e mais superficial pode-se dizer que o presidente Zelensky foi humilhado publicamente e que a Ucrânia passará por dias, meses terríveis com o claro risco de ser re anexada à Rússia ou simplesmente desaparecer como nação livre ou perder grande parte de seu território.
Na segunda e intermediária avaliação, pode-se dizer que os EUA protagonizaram em rede mundial a maior vergonha enquanto nação de toda sua história tornado-se aquele personagem de quem não se recomenda a aquisição de veículo usado por não ser confiável ou por não ter palavra ou por não ter qualquer crédito a palavra empenhada ou o contrato fiado.
Na terceira e última avaliação podemos dizer que a humanidade saiu humilhada e derrotada no “barraco” da Casa Branca. O que ficou explícito aos olhos do mundo é que os Estados Unidos estão sendo governados por gângsters que colocam os seus interesses mercantilistas acima de qualquer coisa, inclusive dos interesses da humanidade. O que restou claro é que no médio e longo prazo passará a vigorar no cenário mundial a “lei do mais forte” com uma clara tendência para a “liberação” dos mais fortes esmagarem os mais fracos.
Em relação à humilhação imposta a Ucrânia, que luta bravamente contra uma invasão russa – a segunda desde a extinção da União Soviética –, essa começou com a permissão para que o vice-presidente tivesse assento e voz na reunião de presidentes. Isso foi combinado com Trump. Tivesse o Zelensky a presença de espírito e não tivesse tão fragilizado pela guerra, a primeira coisa que deveria ter feito era ter dito que estava ali para uma conversa de chefes de estado ou seja, de presidente para presidente.
O presidente americano “avacalhou” a reunião ao permitir que um chefe de estado convidado para estar ali fosse “destratado” por alguém que sequer deveria participar do encontro. O vice-presidente arvorou-se de uma autoridade que não possuía para destratar e desrespeitar o convidado do país – que depois, inclusive, foi “convidado” a deixar a Casa Branca –, que lá estava para tratar de assuntos de interesse das duas nações. O “combinemos” de gângsters fez-se tão presente quanto a humilhação imposta ao convidado que Trump não apenas permitiu que o vice conduzisse a baixaria como lhe deu total razão e lhe tomou as dores.
Imagine numa situação coloquial: você convida alguém para ir a sua casa e lá esse convidado é destratado. Você acharia isso correto?
O Zelensky, por suas próprias condições, comportou-se como se estivesse naquele encontro para pedir favor quando na verdade deveria ter ido com o ímpeto de cobrar um compromisso.
O compromisso devido pelos Estados Unidos a Ucrânia de garantir-lhe a segurança estabelecido no Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança, assinado pelos Estados Unidos em 5 de dezembro de 1994.
Por tal memorando a Federação Russa, o Reino Unido e os Estados Unidos estão proibidos de ameaçar ou de qualquer força militar ou coerção econômica contra a Bielorrússia, o Cazaquistão e a Ucrânia, exceto em caso de legítima defesa ou de qualquer outro modo em concordância com a Carta das Nações Unidas.
Nesse contexto os Estados Unidos protagonizaram no barraco da Casa Branca sua auto desmoralização. Naquele dia de infâmia os EUA fingiram desconhecer o acordo do qual foi fiador, pois desde o início da guerra deveriam ter deixado claro que a Rússia estava violando aquele acordo e que isso seria inadmissível, como tenta, ele próprio descumprir o acordo na modalidade da coerção econômica.
Em 1994 os EUA fiaram um acordo que “descumprido” pela Rússia ao invés de ficarem contra quem o desrespeitou se coloca ao seu lado e busca tirar vantagens econômicas em cima da vítima, a Ucrânia.
O “barraco” da Casa Branca destruiu o mito de que os EUA são uma nação com instituições fortes e consolidadas.
O Memorando de Budapeste mal acabou de completar trinta anos e as autoridades americanas agem como se ele nunca tivesse existido.
Muito embora os Estados Unidos sejam dirigidos por presidente que foge da normalidade e tenha um vice-presidente que não fica muito longe disso, não se viu quaisquer outras autoridades americanas lembrando que existem compromissos do país que estão acima dos seus governantes de plantão. Esse é o sentido do termo instituições fortes: os governantes passam, as instituições ficam.
Não se viu “uma instituição” falando em cumprimento do acordo. Aliás, não se ouviu de ninguém a sugestão de que o presidente ao negar apoio ao Ucrânia ou usar da coerção econômica contra o “aliado” em guerra estava descumprindo um acordo do país com aquela nação.
Mesmo os partidos políticos americanos – exceto por algumas manifestações isoladas –, se colocaram contrários a esse comportamento vergonhoso e ultrajante do governo americano.
Em 1994 o Memorando pelo qual os três países abriram mão de seus instrumentos de defesa, foram assinados pelos próprios dirigentes dos países, não é compreensível que uma nação que se diga uma democracia desconheça a natureza de tais compromissos.
Em 1994, Estados Unidos, Reino Unido Ucrânia e Rússia assinaram o acordo – posteriormente China e França também se mudaram dando garantias –, pelo qual a Ucrânia, que abria mão de seu arsenal nuclear em favor da Rússia não seria atacada e nem sofreria coerção econômica por parte daqueles países.
O que aconteceu? Em 2014 a Ucrânia foi invadida e teve um pedaço do seu território (Crimeia) anexado a Rússia; em 2022, mais uma vez a Rússia invade a Ucrânia.
O que se esperava era que todos os países – pelo menos aqueles que foram signatários do acordo –, se colocassem contra e garantissem a segurança da nação invadida.
No “barraco” da Casa Branca o presidente Zelensky errou ao pedir garantias de segurança para os Estados Unidos.
Essas garantias a Ucrânia já as possui desde 1994. Um compromisso assinado pelos Estados Unidos da América.
Uma sugestão para a Ucrânia é ela entrar na justiça americana cobrando o cumprimento dos termos do Memorando de Budapeste. Não apenas as garantias de segurança mas, também, que não sofrerá a coerção econômica que vem sofrendo do atual governo.
Seria importante tal medida para saber se ao menos a justiça daquele país ainda existe.
Encerro repetindo o que já disse anteriormente, o mundo caminha a passos largos para um retrocesso jamais visto em sua história. O que os grandes querem travar não é apenas relações onde valham a lei do mais forte, querem mais que isso, almejam uma nova ordem mundial sem qualquer conceito do que seja honra, dignidade e respeito.
No final de tudo, mais do que nunca, a humanidade é a grande derrotada pela ambição dos homens.
Abdon C. Marinho é advogado.