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Edu­cação: desafios e soluções.

Escrito por Abdon Mar­inho


Educação: desafios e soluções.

Por Abdon C. Marinho.

QUANDO assumirem, em primeiro de janeiro do próx­imo ano, os des­ti­nos de seus municí­pios os novos gestores – e mesmo os que foram reeleitos –, além de garan­ti­rem que tenha medica­men­tos e médi­cos nos hos­pi­tais; que o lixo seja recol­hido; que o ônibus esco­lar e a ambulân­cia esteja fun­cio­nando; que ruas e estradas este­jam trafegáveis, pre­cis­arão ter em mente que os seus mandatos serão deter­mi­nantes para o novo mundo que se descortina diante dos nos­sos olhos.

Em tal cenário faz-​se necessário com­preen­der o papel da edu­cação. A par­tir de agora pre­cisamos preparar as cri­anças que estão ingres­sando nas esco­las e aque­las que lá já se encon­tram para um mundo em trans­for­mação.

Esse é o prin­ci­pal desafio dos novos gestores e edu­cadores: edu­car para um mundo em trans­for­mação.

Lá pela minha infân­cia, lembro-​me bem, dizia-​se que o “anal­fa­beto era como um cego” pois ape­sar de vê não com­preen­dia nada daquilo que via.

O mundo de hoje “diminuiu” de tamanho. Vive­mos em um mundo glob­al­izado, inter­conec­tado e tec­nológico e muito mais com­plexo.

Um mundo que enfrenta, como nunca antes, os desafios do aque­c­i­mento global e de um clima cada vez mais instável, com as estações se mis­tu­rando e sem que con­sig­amos enten­der nada do que se passa.

Um mundo onde os rad­i­cal­is­mos não abrem espaços para o racional­ismo, a tem­per­ança e o bom-​senso.

Um mundo alta­mente tec­nológico e conec­tado colo­cando um cidadão brasileiro a clique de dis­tân­cia de um cidadão japonês ou core­ano ou amer­i­cano ou canadense ou sul africano, etcetera e tal.

Diante disso pre­cisamos enten­der que não é sufi­ciente o mod­elo de ensino que era prat­i­cado a cem ou mesmo cinquenta anos atrás.

Pre­cisamos de uma política de ensino que desde o infan­til I e II e mesmo nos anos ini­ci­ais do fun­da­men­tal pos­si­bilite as mes­mas condições e fer­ra­men­tas de apren­diza­gem as nos­sas cri­anças.

O ex-​ministro da edu­cação, ex-​governador e pro­fundo con­hece­dor da política edu­ca­cional brasileira, Cristo­vam Buar­que, sus­tenta desde muito tempo a neces­si­dade de se “fed­er­alizar” o ensino fun­da­men­tal brasileiro. Em recentes arti­gos sus­ten­tou ser impe­rioso que ao invés de nos pre­ocu­par­mos ape­nas em alfa­bet­i­zar as cri­anças até o oitavo ano de suas vidas dev­eríamos fazer isso já em pelo menos dois idiomas e ainda que pre­cisamos ter a tec­nolo­gia como ali­ada do processo de apren­diza­gem.

Devo dizer aos novos gestores e aos edu­cadores – que já não são tão novos assim –, que os desafios de edu­car­mos cri­anças e ado­les­centes para um mundo em trans­for­mação (e tran­sição) ofertando-​lhes as fer­ra­men­tas necessárias para um mundo glob­al­izado, tec­nológico e conec­tado não é tão difí­cil quanto parece.

Muito emb­ora setenta por cento dos recur­sos da edu­cação sejam des­ti­na­dos con­sti­tu­cional­mente ao paga­mento dos seus servi­dores, difer­ente de out­ras áreas, na edu­cação pública é pos­sível “fazer din­heiro” enquanto se investe.

Os exem­p­los mais claros disso é a polit­ica de con­traturno e a de ensino inte­gral. Na primeira já é pos­sível incre­men­tar em aprox­i­mada­mente trinta por cento a receita enquanto que na segunda pode se chegar a até cem por cento.

Imag­ino que os novos gestores devam se cer­car nessa área de pes­soas que enten­dam a política edu­ca­cional e que sejam com­pro­meti­das com a edu­cação e com o futuro desses mil­hões de pequenos cidadãos que pre­cisam ter garan­ti­dos os seus dire­itos.

Em relação aos municí­pios, é dizer: pre­cisamos que todas as cri­anças desde aque­las em idade de crèche até o nono ano este­jam na crèche/​escola o maior tempo pos­sível.

Para que isso acon­teça é necessário uma busca ativa e um con­t­role rígido da fre­quên­cia esco­lar.

Ah, mais a maio­ria dos municí­pios não pos­suem estru­tura física para acol­her os alunos em tempo inte­gral, esse é um dos prin­ci­pais argu­men­tos que escuto por onde passo e acred­ito que exis­tem muitas maneiras de resolver­mos essa situ­ação e quando vem a estru­tura.

Uma das pos­si­bil­i­dades é o con­traturno com salas mis­tas de cur­sos especí­fi­cos: inglês, espan­hol, música, teatro, artes diver­sas; ou as práti­cas esporti­vas.

Os estu­dantes dos anos finais poderão ter ativi­dades edu­ca­cionais próprias da edu­cação inte­gral sem nec­es­sari­a­mente ficarem vin­cu­la­dos à série a que estão matric­u­la­dos. Essa inte­gração, aliás, se dev­i­da­mente acom­pan­hada por edu­cadores, poderá ter um impacto sig­ni­fica­tivo no cresci­mento int­elec­tual e emo­cional desses ado­les­centes.

Estu­dantes do sexto ao nono (e até mesmo do quinto) podem inter­a­girem em ativi­dades especí­fi­cas de apren­diza­gem e/​ou esporti­vas e cul­tur­ais com acréscimo sig­ni­fica­tivo ao seu apren­dizado e for­mação.

Claro, repito, depen­derá do acom­pan­hamento dos edu­cadores e do seu com­pro­misso com edu­cação e a for­mação dessas crianças/​adolescentes.

Com isso resolve­mos, ao menos, em parte, a questão da falta de estru­tura física.

Existe no mer­cado edi­to­r­ial pro­je­tos educa­tivos com essa final­i­dade.

Uma outra forma de mel­ho­rar a receita da edu­cação com foco em um ensino de mel­hor qual­i­dade é desen­volver uma política edu­ca­cional para os jovens, adul­tos e idosos o nosso velho EJA que agora foi acrescido um I para os idosos.

Com quem falo escuto a mesma coisa, com algu­mas vari­ações: — não adi­anta, começamos as tur­mas com 40 e cheg­amos ao final do ano com 5.

É fato que muitos jovens, adul­tos e mesmo os idosos, não pos­suem muita paciên­cia para o apren­dizado ou para voltarem para as salas de aulas. Os números mostram isso.

Mas não é papel do gestor e, prin­ci­pal­mente, do edu­cador, desi­s­tir desse público.

O que se pre­cisa é de estraté­gia de ensino.

Os jovens, adul­tos ou idosos não querem ir para a sala de aula? Por que não os matric­u­lamos em ativi­dades do seu inter­esse em sis­tema de EaD?

Estu­dava que o ensino de lín­guas para os idosos tem efeitos mag­ní­fi­cos sobre os cére­bros dos mes­mos, evi­tando ou retar­dando inúmeras doenças neu­rológ­i­cas, o mesmo podemos dizer das ativi­dades esporti­vas para esse público.

Sendo o EJAI uma modal­i­dade de ensino com poten­cial para trazer bene­fí­cios edu­ca­cionais e de saúde para o con­junto da sociedade brasileira pre­cisamos ter estraté­gias para o seu fomento. Pode se ado­tar a busca ativa, acom­pan­hamento, cur­sos especí­fi­cos, áreas de inter­esse, aliar a edu­cação à pre­venção de prob­le­mas de saúde e tan­tos out­ros.

O impor­tante é que gestores e edu­cadores com­preen­dam a importân­cia de “pen­sarem a edu­cação” fora da caixa. Fun­da­men­tal que haja, da parte de todos, com­pro­me­ti­mento.

A edu­cação nunca foi prob­lema para nen­huma gestão, pelo con­trário, é a prin­ci­pal solução para todos demais prob­le­mas que acome­tem os municí­pios, esta­dos e a nação.

E, em um mundo em trans­for­mação (e tran­sição), a edu­cação é a mel­hor, senão a única solução.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

A tragé­dia fluminense.

Escrito por Abdon Mar­inho


A TRAGÉ­DIA FLU­MI­NENSE.

Por Abdon C. Marinho.

ACRED­ITO que para aque­les que banalizaram a des­graça as ima­gens mais impac­tantes dos últi­mos dias – pelo menos até o surg­i­mento de out­ras mais impac­tantes que não tar­darão a apare­cer –, foram as do tiroteio ocor­rido no horário em que os tra­bal­hadores se diri­giam ao tra­balho, os estu­dantes para as esco­las, entre a polí­cia e traf­i­cantes em plena Avenida Brasil, no Rio de Janeiro.

A pop­u­lação, em meio ao fogo cruzado, teve que descer dos veícu­los para se escon­derem atrás dos mes­mos e/​ou das mure­tas de pro­teção da via. O saldo em vidas humanas per­di­das foi de três pais de família que não voltaram vivos para suas casas. Não foi pior porque, ante a infe­ri­or­i­dade patente, a polí­cia recuou.

Emb­ora já se soubesse, esse acon­tec­i­mento com­pro­vou de forma cristalina que a polí­cia do Rio de Janeiro não estava preparada para enfrentar o “poder de fogo” dos ban­di­dos.

Diante da guerra civil insta­l­ada o gov­erno estad­ual levou doze horas para vir a público para nada dizer.

A cada dia que passa a sociedade brasileira vai percebendo que no Rio de Janeiro – e tam­bém em out­ras partes desse imenso país –, o Estado ou o que se entende por poder estatal, não passa de uma ficção, um poder vir­tual que cobra impos­tos, exerce algu­mas funções pro­to­co­lares, mas que não exerce efe­ti­va­mente o poder.

Em todas as regiões do estado e, sobre­tudo, na cap­i­tal, não existe uma em que os cidadãos não este­jam sub­meti­dos ao jugo do crime orga­ni­zado e/​ou de milí­cias. Em maior ou menor grau os cidadãos são sub­meti­dos aos “donos do poder”, que exercem suas autori­dade e explo­ram as pes­soas da forma que lhes con­vém.

Sabe-​se que em deter­mi­nadas regiões até a fé e a religião das pes­soas é deter­mi­nada por traf­i­cantes e/​ou mili­cianos.

Ainda que vio­lên­cia estar­rece­dora e capaz de fazer aque­les cidadãos diari­a­mente refle­tirem sobre a fini­tude da vida, pois saem de casa sem a certeza se voltarão ao seio dos seus famil­iares, uma outra tragé­dia retratando o caos – e com con­se­quên­cias para o futuro –, começa a se desenhar.

Quando saiu o resul­tado do último IDEB (Índice do Desen­volvi­mento da Edu­cação Básica) duas coisas me chama­ram a atenção.

A primeira, o salto extra­ordinário do Estado do Pará, que saiu das últi­mas posições para a sexta posição – e que já trata­mos aqui em tex­tos ante­ri­ores.

A segunda, a posição, que podemos chamar de vex­atória, do Estado do Rio de Janeiro.

Desde então tenho ten­tando enten­der o que fez o estado que pos­sui a segunda econo­mia do país, que já foi a cap­i­tal do Império e da República, um dos maiores cen­tros cul­tur­ais do mundo, onde se local­iza a Acad­e­mia Brasileira de Letras — ABL, etceteras e tal – poderíamos pas­sar horas descorti­nando as diver­sas van­ta­gens do estado a jus­ti­fi­carem a gravi­dade do mesmo em apare­cer na posição em que figurou.

O que mais me chamou a atenção é que, muito emb­ora os anos ini­ci­ais e finais do ensino fun­da­men­tal não sejam tão ruins, o estado fica em uma posição inter­mediária, no “meião” entre os demais, quando pas­samos a anal­isar os indi­cadores do ensino médio há uma piora sig­ni­fica­tiva, levando-​o para as últi­mas posições do rank­ing.

Vejam, são os jovens que dev­e­riam estu­dar mais para con­struírem mel­hores per­spec­ti­vas de vida para o seu futuro que se “desin­ter­es­sam” pela edu­cação levando a uma queda abrupta do indi­cador de avali­ação do ensino.

A per­gunta que se faz necessária é o que está “seduzindo” esses mil­hões de jovens para que abdiquem de um futuro com mais edu­cação, com mais for­mação, com mais con­hec­i­mento, com mais pos­si­bil­i­dades de cresci­mento pes­soal?

Trata-​se, por óbvio de uma per­gunta retórica, a resposta se encon­tra no iní­cio do texto: esses jovens sendo “ali­ci­a­dos” pelas várias modal­i­dades do crime que infesta o estado para ingres­sarem nas suas facções, que daqui a pouco – pouco mesmo –, poder­e­mos chamar de exérci­tos do crime orga­ni­zado.

O que nos resta saber é se esses ali­ci­a­men­tos de jovens que estão aban­do­nando os estu­dos ainda ocorre de maneira vol­un­tária ou se já estão ali­ciando de forma com­pul­sória, isso é, obri­g­ando essas cri­anças e ado­les­centes a virarem “sol­da­dos” do crime.

A tragé­dia está se desen­rolando à vista de todos e começa a apare­cer nos indi­cadores da edu­cação básica.

As autori­dades pre­cisam saber inter­pre­tar os números, enten­der as ori­gens dos prob­le­mas para poder enfrentá-​los.

Mais, ou fazem isso a par­tir de agora, com dis­ci­plina e seriedade ou não terão outra chance para faz­erem isso.

O Rio de Janeiro com uma econo­mia tão forte e os mil­hões ou bil­hões que recebem dos roy­al­ties do petróleo e tan­tos out­ros de out­ras fontes, com o suporte do gov­erno fed­eral, pre­cisa colo­car toda a sua edu­cação, do ensino infan­til ao médio, em sis­tema inte­gral, com os alunos entrando na escola às sete da manhã e só saindo no começo da noite.

Essa é a primeira medida para evi­tar o assé­dio do crime sobre essas cri­anças e jovens.

Outra medida é con­t­role rig­oroso da pre­sença desses jovens em sala de aula ou nas ativi­dades educa­ti­vas que os formem de acordo com suas habil­i­dades ou inter­esses pes­soais.

Os municí­pios, o estado e união pre­cisam encarar esse desafio como pri­or­i­dade número um. E se falamos isso em relação ao Rio de Janeiro não é porque a situ­ação seja difer­ente em out­ros esta­dos é que lá a tragé­dia já começa a apare­cer nos indi­cadores edu­ca­cionais.

Outro dia o gov­erno fed­eral reuniu todos gov­er­nadores com a mis­são de encon­trarem estraté­gias para com­bater o crime orga­ni­zado que se alas­tra sobre o país e que ameaça tomar o poder, inclu­sive insti­tu­cional – talvez por isso se reuni­ram –, sur­gi­ram as ideias de enfrenta­mento as mais inter­es­santes.

Urge que enfrente­mos o crime orga­ni­zado, esta­mos diante de uma emergên­cia nacional, diante de gru­pos crim­i­nosos que já agem e pos­suem o pode­rio econômico das máfias.

Entre­tanto, nessa etapa, estare­mos ape­nas com­bat­endo os efeitos do fra­casso estatal. Pre­cisamos fazer isso, com certeza, mas para­lelo a esse enfrenta­mento pre­cisamos fazer o com­bate da vio­lên­cia na sua origem com políti­cas públi­cas que assis­tam as pes­soas desde o iní­cio de suas vidas.

A prin­ci­pal política pública é a oferta de edu­cação inte­gral, de qual­i­dade e pelo menos bilíngue para todas as cri­anças e ado­les­centes, de sorte que essas cri­anças e ado­les­centes já come­cem a se prepararem para o mundo glob­al­izado e tec­nológico em que vive­mos.

Não adi­anta só com­bater os ban­di­dos “for­ma­dos” é necessário impedir que eles sur­jam, é necessário que os chefes do crime dispon­ham de um exército de pes­soas prontas para sub­sti­tuírem os que estão sendo pre­sos ou mor­tos em con­fronto com a polí­cia.

Ao meu sen­tir as autori­dades do país estão “per­di­das” nessa questão de com­bate a vio­lên­cia, ao crime orga­ni­zado, etcetera. Até onde soube, tan­tas autori­dades impor­tantes reunidas ninguém se deu conta de que não adi­anta tratar ape­nas dos efeitos, pre­cisamos com­bater as causas do prob­lema sob o risco de ape­nas “enx­u­gar gelo”.

Não soube que alguma das autori­dades pre­sentes tenha fal­ado de edu­cação para as cri­anças e jovens – e isso é fun­da­men­tal.

As autori­dades públi­cas desse país pre­cisam enten­der que é urgente uma ação assertiva com vis­tas a edu­cação inte­gral de todas as cri­anças e ado­les­centes (e mesmo adul­tos) como estraté­gia para com­bater os demais males que estão tomando de conta do país.

A tragé­dia que se desenha no Rio de Janeiro pre­cisa servir como alerta para os demais esta­dos da fed­er­ação.

O bor­dão é sur­rado mas necessário: sem edu­cação não tem solução.

Abdon C. Mar­inho é advogado.

Dadido partiu.

Escrito por Abdon Mar­inho


DADIDO PAR­TIU.

Por Abdon C. Marinho.

DADIDO chegou! Dadido chegou!

Era assim, na aldeia da minha infân­cia, que nos refer­íamos à chegada do meu irmão mais velho quando ele voltava nos finais sem­ana ou nas férias ou quando apare­cia por lá por qual­quer outro motivo.

Ele e minha irmã (mais velha que ele) foram reg­istra­dos com sobrenomes difer­entes do restante da família: Mar­inho de Melo ao invés de Clementino de Mar­inho. Na Assem­bleia, em um período em tra­bal­hamos simul­tane­a­mente, ele como asses­sor de Leal e eu como chefe de gabi­nete de Juarez Medeiros, não faziam essa lig­ação.

Na infân­cia, ainda bem nov­inho, tra­bal­hava na roça para aju­dar a criar os out­ros irmãos.

Mas meu pai, na hora que pode, o colo­cou pra estu­dar em Gov­er­nador Archer, municí­pio de onde nosso povoado era dis­trito, dis­tante 18 km. Como não tinha estrada tinha que ficar por lá a sem­ana toda, hospedado na casa das Leonel, um grupo de mul­heres que se afeiçoaram a minha mãe e que rece­beu Dadido e depois out­ros de nós para estu­dar, até que meu pai alu­gou uma casa da Rua do Sossego, Gov­er­nador Archer.

Ele foi o primeiro a ir e quando voltava para o povoado era uma festa.

Lá na mer­cearia de tio Dió (uma casa grande com vasto alpen­dre sobre uma calçada alta se dividia entre a parte res­i­den­cial e uma qui­tanda que tinha de tudo) as pes­soas se reu­niam.

— Dadido me paga uma dose. Pedia o velho Arthur. Sem­pre o vi como velho, mesmo quando muito jovem. Ele era par­ente de minha mãe e assi­nava como Melo (Arthur Max­imi­ano de Melo) e viera com car­a­vana do Rio Grande do Norte para as ter­ras do Mearim.

— Ô “tie” Dió, coloque uma dose seu Arthur.

Tio Dió pegava um daque­les “copos de enga­nar bêbado” e colo­cava a dose para o seu Arthur que a bebia de uma tala­gada só.

Pas­sado um tempo lá voltava Arthur: —Dadido, paga mais uma dose que te dou uma abób­ora.

Dadido autor­izava tio Dió. Depois que Arthur tomava umas três ou qua­tro sem­pre com a des­culpa de dar uma abób­ora ou um ger­i­mum ou qual­quer outra coisa e Dadido ia cobrar o velho Arthur ia pra cima dele: — vou te dar coisa nen­huma, rapaz, eu só que­ria era tomar minha dose.

E todos caiam na gar­gal­hada farta.

Uma das min­has primeiras lem­branças que tenho de Dadido é a do “rapto” para casar.

Naquele tempo, final dos anos sessenta e ini­cio do setenta, mesmo para o giná­sio (fun­da­men­tal maior) não haviam pro­fes­sores habil­i­ta­dos no municí­pio e a prefeita da época D. Mund­inha, “impor­tava” pro­fes­so­ras de out­ros cen­tros urbanos mais desen­volvi­dos para ensi­nar o povo. De Timon veio a pro­fes­sora Ori­eta; de Barão de Gra­jaú, a pro­fes­sora Socorro e out­ras de out­ros lugares.

Dadido e Socorro se “engraçaram” um com o outro, ele aluno e ela pro­fes­sora, e começaram a namorar. E depois inven­taram de fugir para casar.

Uma noite resolveram fugir a pé com des­tino ao Cen­tro Novo para “con­sol­i­dar” a relação, seguiram estrada a fora con­tando ape­nas com a clar­i­dade da lua. Dona Mund­inha, claro, não gos­tou nada disso – tinha respon­s­abil­i­dade com aque­las moças –, e man­dou o jipe da polí­cia atrás dos fujões. Na hora que estes avis­tavam o jipe cor­riam para o mato para despistá-​los. E, de despiste em despistes, não foram alcança­dos.

E assim, lá pelas tan­tas, chegaram ao Cen­tro Novo. Meu pai e minha mãe, que ainda era viva, decidi­ram que teriam de casar, como, aliás, eles que­riam.

Acho que eu tinha uns três anos, se muito, mas tenho a lem­brança desse fato.

Assim, meu irmão, o mais velho dos homens, casou-​se com Socorro e viveram um casa­mento que durou até o dia 1º de novem­bro de 2024, com seus altos e baixos cumpri­ram o man­da­mento do “até que a morte os sep­are”, mais de cinquenta anos de casa­mento.

Com a ajuda de ambas as famílias começaram a vida de casa­dos.

Depois, em mea­dos dos anos setenta, vieram para São Luís, morar na Vila Bessa, Dadido con­seguiu um emprego na COHAB, a com­pan­hia de habitação do estado, e depois foi tra­bal­har como asses­sor do dep­utado Raimundo Leal.

Depois foram para o Habita­cional Turu. Foi nessa época, já em 1985, que mudei-​me para ilha, para estu­dar e ten­tar a vida.

Na COHAB aju­dou muitos a con­seguirem sua casa própria ou mesmo enti­dades, como a igreja do Turu.

Como asses­sor de Leal per­cor­reu o Maran­hão todo aten­dendo as deman­das dos eleitores do dep­utado, de empre­gos, que na época não eram através de con­curso público, a poços arte­sianos, sis­temas de abastec­i­men­tos ou rede pública de ilu­mi­nação.

Em ambos os empre­gos sem­pre estava dis­posto a aju­dar os que pre­cisavam e a rece­ber na sua casa tan­tos seus par­entes como os de Socorro que vin­ham para a cap­i­tal para estu­dar. Foi assim comigo e meus irmãos que vieram antes de mim e com os irmãos de Socorro e, depois, com alguns sobrin­hos.

Com Raimundo Leal desen­volveu uma relação de “pai e filho” a ponto do vet­er­ano dep­utado con­fiar que lhe rep­re­sen­tasse em tudo que era evento e até mesmo “tocar” suas cam­pan­has eleitorais quando já se encon­trava doente.

Através de Leal fez amizades com diver­sos out­ros políti­cos entre os quais o saudoso José Elouf.

Quando da reforma prev­i­den­ciária, do gov­erno FHC, decidiu por aposentar-​se de forma pro­por­cional para evi­tar perder alguns de seus dire­itos.

Aposen­tado, com­prou um sítio na região do Cumbique, e voltou às ori­gens cam­pone­sas esta­b­ele­cendo uma relação quase mítica com a natureza.

Com uma mão quase “santa” para as plan­tas, cul­ti­vava de tudo: goiaba, melan­cia, abób­ora, fei­jão, milho, laranja, lima, limão, coco e tan­tas out­ros veg­e­tais.

Quando ia lá me mostrava o que tinha nessa área. Na última vez que fui mostrou-​me um fron­doso pé de canela e disse que iria pro­duzir umas mudas de “Lalita” para eu plan­tar no meu sitio. A “lalita” é uma planta que ele mesmo criou que é o cruza­mento de laranja, lima e tan­ge­rina e tem um sabor único.

Dizia que as plan­tas tin­ham sen­si­bil­i­dade e que, às vezes, quando apare­cia por lá alguém “car­regado” elas mur­chavam. Ele já sabendo evi­tava mostrar deter­mi­nadas cri­ações para algu­mas pes­soas.

Essa mesma devoção que tinha com as plan­tas tam­bém devotava aos ani­mais, notada­mente os pás­saros. Sem­pre deix­ava fru­tas nos pés para que eles se ali­men­tassem e não se inco­mo­davam se eles “destruíam” os fru­tos.

Me dizia: — meu irmão, eles pre­cisam mais desses fru­tos do que eu.

No sítio, que virou sua razão de vida e seu san­tuário favorito gostava de rece­ber os ami­gos para comer uma carne, tomar uma cerveja (sagrada para ele) e sem­pre cobrava minha pre­sença.

Emb­ora sejamos de uma família muito grande aqui na ilha éramos ape­nas nós dois de irmãos. Ele, mais expan­sivo, gostando de rece­ber nos finais de sem­ana; eu, já mais reser­vado e gostando de usar os finais de sem­ana para ler ou escr­ever.

Quando tinha algum “evento” mais impor­tante, avisava na véspera: — amanhã estou te aguardando no sítio. Só aviso agora para não da tempo de “inven­tar” uma des­culpa. Vou man­dar um dos meni­nos te bus­car. E man­dava, ou Denil­son (que perdemos há quase três anos) ou Mar­cos Viní­cius ou Assis.

Foi assim há quinze dias, por ocasião do aniver­sário de Már­cia, a filha mais velha. Quando falou que man­daria me bus­car, disse que não pre­cisava, pegaria um carro de aplica­tivo. Como fiz. Na des­pe­dida ele segurou pela última vez no meu braço para ajudar-​me a entrar no carro de aplica­tivo com uma sacola de “lal­i­tas”, que man­dou o neto col­her na hora e um galho de canela.

Quando ia, ficava por lá umas duas ou três horas, era apre­sen­tado para alguns ami­gos dele, reen­con­trava alguns par­entes e o via “tirando onda” com os mais próx­i­mos, como o Toinho, marido de nossa sobrinha-​neta Cristina ou o genro Moura, a quem botou o apelido de “Adamas­tor”. Inti­mava dizendo: —meu irmão, todo final de sem­ana o “Adamas­tor” toma de conta da chur­rasqueira e queima a carne, eu deixo na esper­ança dele apren­der um dia, e ria.

A bon­dade de Dadido fez com que Deus o pre­mi­asse com uma boa morte, sem qual­quer sofri­mento, mor­reu enquanto dormia. Era o Dia de Todos os San­tos, 1º de novem­bro.

No seu enterro, no dia seguinte, Fina­dos, os pás­saros, como em uma última hom­e­nagem, fiz­eram uma revoada sobre seu túmulo. Só sobre o seu túmulo.

Foi a con­fir­mação e a dura certeza: Dadido partiu.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.