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Ideário de um mas­cate de sonhos.

Escrito por Abdon Mar­inho


Ideário de um mas­cate de sonhos.

Por Abdon C. Marinho.

PAS­SAVA das 18 horas quando o “cliente” chegou ao escritório – uma exceção na minha agenda de tra­balho que se ini­cia às sete e vai até as dezes­sete horas. Rotina esta­b­ele­cida para fugir do trân­sito já que há mais de vinte anos moro em um sítio no Municí­pio de São José de Riba­mar –, para ser aten­dido. Car­lin­hos Bar­ros, ex-​prefeito de Vargem Grande havia solic­i­tado que o recebesse e tro­casse umas ideias com esse seu ali­ado político de um municí­pio vizinho.

Após dis­cu­tir­mos diver­sos aspec­tos do caso e os cam­in­hos a serem segui­dos – o “cliente” é, tam­bém, advo­gado mil­i­tante –, ele me diz:

— Ah, doutor eu o con­heço de muito tempo, acom­pan­hei os seus esforços para a cri­ação daquele con­sór­cio de municí­pios da estrada de ferro; ah, doutor, o sen­hor não sabe o quanto aquele tra­balho foi e tem sido impor­tante para os municípios.

Con­forme já con­tei em algu­mas crôni­cas aqui, nesse espaço, no final de 2012, iní­cio de 2013, um grupo de prefeitos recém-​eleitos convidou-​me para tra­bal­har com eles a cri­ação de um con­sór­cio inter­mu­nic­i­pal com a final­i­dade de bus­car as com­pen­sações finan­ceiras e soci­ais para mino­rar os impactos cau­sa­dos pela estrada de ferro que trans­porta o minério do Cara­jás, Pará, para o Porto do Itaqui, no Maran­hão.

Tratava-​se de grupo de prefeitos descon­heci­dos, de diver­sos par­tidos, que for­mavam um grupo het­erogê­neo e que tin­ham em comum ape­nas o fato de serem impacta­dos pela estrada de ferro, em maior ou menor inten­si­dade; a grande maio­ria deles se somaram ao movi­mento sem acred­i­tar que fosse pos­sível con­seguir algo ou que tivésse­mos êxito.

Durante quase um ano prati­ca­mente aban­donei o escritório e os finais de sem­ana para acom­pan­har os prefeitos em audiên­cias públi­cas visando dis­cu­tir com a pop­u­lação os impactos ambi­en­tais, econômi­cos e soci­ais para os municí­pios e suas pop­u­lações e con­sti­tuir for­mal­mente o con­sór­cio.

Enten­dia que ser uma causa pelo o Maran­hão (e tam­bém pelo Pará), assim, em todos os municí­pios foram feitas as audiên­cias públi­cas onde alter­nava o papel de orador, advo­gado e jor­nal­ista – como já me ded­i­cava a escr­ever, com­punha tex­tos sobre a importân­cia do con­sór­cio para a econo­mia dos municí­pios.

Nunca gan­hei nada – um cen­tavo que fosse e até gastei do pouco que tinha –, nem mesmo recon­hec­i­mento da parte de quem quer que fosse. Quando, naquele mesmo ano, a Vale con­cor­dou em repas­sar quase 90 mil­hões aos municí­pios, a nossa par­tic­i­pação foi encer­rada.

Mais as con­quis­tas foram além do com­pro­misso da empresa em fazer repasses aos municí­pios, conseguiu-​se, tam­bém, que parte dos impos­tos da min­er­ação fos­sem des­ti­na­dos aos municí­pios impacta­dos e não ape­nas aque­les que eram min­er­adores.

Como dizia naquela opor­tu­nidade, a causa valia a pena.

A man­i­fes­tação do “cliente”/vereador, doze anos depois, é a com­pro­vação disso. Fiz (fize­mos) algo que ajuda os municí­pios e suas pop­u­lações.

E, muito emb­ora não tenha gan­hado nada – como bem aler­tou algum amigo –, sem­pre achei que fazer alguma coisa é sem­pre mel­hor que nada fazer.

Há uns qua­tro anos decidi diver­si­ficar min­has ativi­dades para um setor que sem­pre me foi muito caro: a edu­cação.

Digo isso a par­tir de uma sim­ples con­statação: filho de agricul­tores pobres, nascido, no inte­rior do inte­rior, defi­ciente físico, órfão desde cedo. Se cheguei até aqui foi graças a edu­cação. Só isso.

Quando surgiu a opor­tu­nidade disse que, ainda que viesse a ser enganado, a edu­cação era uma causa muito impor­tante e que vale­ria muito a pena qual­quer sacrifício.

Quase três anos depois – e com as pes­soas cer­tas –, con­seguimos desen­volver pro­je­tos (no plural) edu­ca­cionais que têm o poten­cial para rev­olu­cionar a edu­cação brasileira elevando-​a para um pata­mar com­patível com a importân­cia do país no cenário mundial.

Esse ideário de empreen­der son­hos tem me feito via­jar muito, con­ver­sar e ouvir as pes­soas sobre os desafios da edu­cação infan­til brasileira.

Esses “estu­dos” ou escu­tas tem me lev­ado a con­cluir que pre­cisamos, pri­or­i­tari­a­mente, vencer dois desafios: tornar a edu­cação brasileira, da crèche ao ensino médio, inte­gral e bilíngue.

Sem essa com­preen­são de que as cri­anças e ado­les­centes pre­cisam ficar mais tempo em salas de aulas e já sendo alfa­bet­i­zadas em pelo menos duas lín­guas difer­entes, não alcançare­mos indi­cadores mel­hores do que os que temos hoje.

Claro que não temos como “do dia pra noite”, colo­car todas as cri­anças e ado­les­centes em tempo inte­gral, até porque falta espaço físico, mas podemos ini­ciar pelo con­traturno de ativi­dades com­ple­mentares, pela jor­nada esten­dida, podemos for­t­ale­cer a Edu­cação de Jovens, Adul­tos e Idosos.

Essas ini­cia­ti­vas – desde que reg­istradas no censo esco­lar –, trazem recur­sos para as redes locais que per­mi­tirão mel­ho­rar a remu­ner­ação dos servi­dores da edu­cação, já que setenta por cento dos recur­sos do FUN­DEB tem essa final­i­dade, e a mel­ho­rar a infraestru­tura física das esco­las e até mesmo con­struir esco­las públi­cas já com o propósito de serem esco­las inte­grais.

Nos diál­o­gos que temos man­tido com os gestores edu­ca­cionais tenho sug­erido que, enquanto não con­seguem colo­car toda rede em tempo inte­gral, criem Cen­tros de Ativi­dades Com­ple­mentares — CAC, per­mitindo que toda a rede usufrua das ativi­dades e das tec­nolo­gias que sejam pos­síveis ofer­tar, lín­guas, teatro, música, artes diver­sas, esportes, etc.

Emb­ora ache lou­vável “exper­i­men­tos” que muitos gestores fazem com um número reduzido de cri­anças – para tes­tar mod­e­los –, acred­ito que esses devam ser exceções.

Pre­cisamos, com urgên­cia, tra­bal­har for­matos uni­ver­sais de ensino, per­mitindo igual­dade de opor­tu­nidades para todas as cri­anças e ado­les­centes.

A uni­ver­sal­iza­ção de opor­tu­nidades e de fer­ra­men­tas de apren­diza­gem terão, tam­bém, como efeito elim­i­nar a neces­si­dade de preparar as cri­anças para os “vestibu­lares” do SAEB.

Entendo que todas as cri­anças pre­cisam rece­ber uma edu­cação de qual­i­dade o tempo todo, não ape­nas aque­las que serão sub­meti­das ao exame do SAEB ou nos anos em que a avali­ação ocorra.

Certa vez, pas­sava pela ponte Timon-​Teresina, lembrei-​me que quando cri­ança, com sete, oito ou nove anos, mais de uma vez, durante os trata­men­tos médi­cos por conta da poliomielite, tive­mos que atrav­es­sar a antiga ponte fer­roviária a pé.

A propósito da uni­ver­sal­iza­ção das opor­tu­nidades, dizia certa vez, a um prefeito ou secretário: — olha, o sen­hor vê aquela cri­ança ali atrav­es­sando a ponte a pé? Aquele menino magrinho, defi­ciente físico, tendo que atrav­es­sar a ponte cox­e­ando, aquele menino era eu.

Em tem­pos de taman­has difi­cul­dades, mas aprovei­tando a boa von­tade dos prefeitos que ini­ciam ou reini­ciam seus mandatos, a questão edu­ca­cional e os cam­in­hos para trans­for­mar o futuro de municí­pios, esta­dos e do país, se reveste de uma pri­or­i­dade quase que abso­luta.

Inve­stir em edu­cação é nos preparamos para o futuro.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado, escritor, cro­nista e um mas­cate de son­hos.

A ver­dade de cada um passa longe de ser a ver­dade de todos

Escrito por Abdon Mar­inho

A ver­dade de cada um passa longe de ser a ver­dade de todos.

Por Abdon C. Marinho.

ESSE é um texto para se ler desarmado.

Em 15 de março de 1985 acor­damos estu­pefatos com a notí­cia de que Tan­credo Neves o pres­i­dente eleito e por quem tanto torce­mos – antes, na cam­panha das dire­tas e depois no embate com Paulo Maluf, no colé­gio eleitoral, em janeiro do mesmo ano –, fora inter­nado na madru­gada e não mais tomaria posse naquele dia.

Naquela manhã ainda se deba­tia se seria dado posse a José Sar­ney – que ao longo da car­reira política até então dera sus­ten­tação ao régime mil­i­tar, inclu­sive, fora o pres­i­dente da ARENA até sair para ingres­sar no MDB e ser o can­didato a vice-​presidente na chapa –, ou ao dep­utado Ulysses Guimarães que fora o líder da oposição ao régime mil­i­tar durante toda vida política.

Como sabe­mos, Ulysses Guimarães foi con­tra tal arranjo e um dos defen­sores da nor­mal­i­dade democrática com a posse do vice-​presidente eleito, José Sar­ney, que assumiu interinamente.

Daquele dia até o 21 de abril seguinte o Brasil acom­pan­hou, com os olhos gru­da­dos na tele­visão ou ouvi­dos nos rádios, o calvário de Tan­credo Neves. Coube ao jor­nal­ista Antônio Brito, porta-​voz do pres­i­dente eleito – e que depois se tornaria gov­er­nador do Rio Grande do Sul –, anun­ciar a tragé­dia.

O 15 de março de 1985 teve esse misto de sen­ti­men­tos: era o fim do régime mil­i­tar – cujo o último presidente-​general, João Bap­tista de Figueiredo, recusou-​se a pas­sar a faixa a José Sar­ney, deixando-​a com um aju­dante de ordens –, mas com um amar­gor de con­tinuidade.

Ofi­cial­mente a ditadura chegara ao fim.

O restante da história todos con­hece­mos (ou dev­eríamos con­hecer). Sar­ney tirou os cinco anos de mandato sob o signo da descon­fi­ança e da ile­git­im­i­dade pop­u­lar – o povo que­ria Tan­credo –, cumpriu os com­pro­mis­sos da cam­panha, como reti­rar da ile­gal­i­dade par­tidos e enti­dades, cono­tar eleições livres e uma nova Con­sti­tu­ição Fed­eral, entre out­ros.

E o tempo passou.

Em 15 de março de 2025 comemorou-​se os quarenta anos da rein­sta­lação da democ­ra­cia em nosso país. Muitas saudações, matérias espe­ci­ais nos jor­nais para cel­e­brar os fatos de quarenta anos atrás.

Num daque­les para­doxos que só a história caberá avaliar, no dia seguinte alguns mil­hares de pes­soas foram às ruas para pedir anis­tia aos que, dois anos antes, em 8 de janeiro de 2023, suposta­mente, ten­taram “der­rubar” o gov­erno eleito.

Vejam que situ­ação inter­es­sante: em um dia comem­o­ramos quarenta anos do retorno da democ­ra­cia em nosso país; no dia seguinte, pede-​se anis­tia para aque­les que ten­taram romper com o ciclo democrático e “reim­plan­tar” um régime autoritário no país, nova­mente sob o comando de mil­itares que sessenta anos antes tomaram o poder e só o devolveram às cus­tas de muitos sac­ri­fí­cios, assas­si­natos, tor­turas, bani­men­tos, exílios, vinte e um anos depois.

O clima de polar­iza­ção política impede o cidadão comum, aquele não se encon­tra nos extremos do debate político, de enten­der o que vem acon­te­cendo no Brasil e como deve ou se deve se posi­cionar.

Algu­mas per­gun­tas são impor­tantes para serem feitas:

Quarenta anos após encer­rar­mos a ditadura mil­i­tar, vive­mos numa democ­ra­cia como a fes­te­jada no 15 de março?

Em 8 de janeiro de 2023 viven­ci­amos uma ten­ta­tiva de golpe con­tra essa democracia?

Se vive­mos em uma democ­ra­cia seria legí­timo que se ten­tasse um golpe para devolver nova­mente o poder aos mil­itares e seus aliados?

Se não vive­mos em uma democ­ra­cia o que efe­ti­va­mente se fes­te­jou no 15 de março de 2025?

Se viven­ci­amos uma ten­ta­tiva de golpe con­tra a democ­ra­cia em 8 de janeiro de 2023, os seus par­tic­i­pantes mere­cem respon­der por ela?

O tema da dis­cussão da anis­tia me parece ser uma pauta incon­tornável e quer me pare­cer urgente diante da sev­eri­dade (?) das penas apli­cadas pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF aos envolvi­dos.

Quer me pare­cer que ambas as “facções” políti­cas utilizam-​se da metá­fora do “final de campe­onato” a seu favor. Essa metá­fora é a seguinte: imag­inem um final de campe­onato impor­tante com o está­dio fervil­hando de torce­dores, todos na incon­tida emoção; o jogador marca o gol da vitória, corre para o cen­tro do campo e é abraçado, agar­rado, bei­jado por um, por dois, por três ou mais com­pan­heiros de time. Se você tirar o final de campe­onato, o está­dio lotado, os torce­dores emo­ciona­dos, o clima de eufo­ria, o gol da vitória, o terá será ape­nas dois, três, qua­tros ou mais homens se agar­rando e se bei­jando, muda total­mente o con­texto.

O que acon­tece na atual quadra política brasileira é mais ou menos isso. De um lado temos a facção que sus­tenta ter havido uma absurda ten­ta­tiva de golpe, com des­do­bra­men­tos inimag­ináveis, com mortes, assas­si­natos de autori­dades, reim­plan­tação de uma ditadura civil-​militar, é tudo que isso possa rep­re­sen­tar e de outro lado a facção política que sus­tenta não ter havido nada disso, com pes­soas sendo pres­sas por terem exer­cido ape­nas sua liber­dade de expressão e de protesto con­tra o gov­erno que acabara de se insta­lar. Em tal con­texto “pin­tam” que uma deter­mi­nada sen­hora, mãe de família, com dois fil­hos menores, foi presa e encontra-​se em vias de ser con­de­nada, tão somente por haver pichado com batom ver­melho a está­tua da Justiça, uma outra por ter ido passear na Praça dos Três Poderes por ocasião do ato; ou por ido tirar fotos e escr­ever sobre os fatos que estavam acon­te­cendo.

Ora, em tal con­texto, o Brasil seria uma das piores ditaduras do mundo, talvez com­parada a ditadura norte-​coreana que impõe penas de bani­men­tos ou de tra­bal­hos força­dos e até de morte a alguém que deixou de ado­rar o dita­dor de plan­tão ou que teve um mem­bro da família que fugiu do país.

Quem em sã con­sciên­cia não achará absurdo alguém ser con­de­nado a dura pena por haver pin­tado com batom uma está­tua? Ou mesmo um crime de dano mais grave? Quem achará razoável alguém ser con­de­nado a quase vinte anos de prisão por um crime de dano? Prati­ca­mente a mesma pena de um homicí­dio sim­ples.

Quando digo que a ver­dade de cada um passa longe da ver­dade de todos é porque acred­ito que, sim, ten­taram um golpe de estado. Golpe esse que vinha sendo ungido desde a ascen­são ao poder do ex-​presidente através dos seus ataques con­stantes aos demais poderes e insti­tu­ições da República, prin­ci­pal­mente o Poder Judi­ciário, em seus diver­sos seg­men­tos. Essa ten­ta­tiva de golpe escalou com o resul­tado das urnas des­fa­voráveis ao mesmo ex-​presidente, os diver­sos ques­tion­a­men­tos à lisura do pleito e a ordem de acam­pa­men­tos sin­croniza­dos em frente aos quar­téis como estraté­gia para forçar as forças armadas a tomarem o poder.

Nesse con­texto, o movi­mento de 8 de janeiro de 2023, não foi um movi­mento político espon­tâ­neo, pelo con­trário, foi plane­jado e exe­cu­tado no sen­tido de provo­car uma reação dos atu­ais inquili­nos do poder com pos­sível repressão vio­lenta e der­ra­ma­mento de sangue, capaz de jus­ti­ficar, em um ato der­radeiro, a equiv­o­cada inter­pre­tação do artigo 142 da Con­sti­tu­ição Federal.

Por motivos diver­sos o plano fra­cas­sou, seja porque as forças de segu­rança não rea­gi­ram (ou só foram rea­gir bem depois já no sen­tido de reduzir pre­juí­zos e reti­rar as pes­soas dos pré­dios públi­cos), seja porque, mesmo com o povo nas ruas, as forças armadas não quis­eram par­tic­i­par da falsa quar­te­lada.

A ten­ta­tiva de golpe acabou por se tornar uma espé­cie de “crime impos­sível”.

Assim, como acred­ito que houve uma ten­ta­tiva de golpe (ou uma orga­ni­za­ção política para uma sub­ver­são à ordem jurídica) acred­ito, tam­bém, que muitos daque­les cidadãos que par­tic­i­param dos even­tos do 8 de janeiro de 2023, em maior ou menor gradação, emb­ora ansi­assem pela der­rubada do gov­erno recém esta­b­ele­cido, não tin­ham con­sciên­cia de que estavam par­tic­i­pando de um golpe de estado ou da gravi­dade que tal fato tinha.

Essas pes­soas, esses cidadãos, foram lit­eral­mente usa­dos como “bucha de can­hão” dos orga­ni­zadores da falsa quar­te­lada. Imag­ino até que ten­ham tor­cido para que tivessem sido víti­mas fatais de uma reação poli­cial. Uns trinta mor­tos esten­di­dos no chão e estava pronta a des­culpa per­feita para o retro­cesso insti­tu­cional.

Acred­ito que o STF (não dis­cu­tirei sobre a com­petên­cia nesse texto) come­teu o equívoco de realizar o jul­ga­mento dos fatos ocor­ri­dos no 8 de janeiro de 2023 “de baixo pra cima” ao invés de jul­gar “de cima pra baixo”. É dizer: dev­e­ria ter ini­ci­ado por jul­gar os “grandes”, os que tra­ma­ram, plane­jaram, añuíram, con­cor­daram ou par­tic­i­param de alguma forma, inclu­sive, finan­ceira­mente e só depois, anal­isar e jul­gar as con­du­tas dos “bagrin­hos”, tam­bém, com a per­spec­tiva de que muitos são igual­mente víti­mas, foram usa­dos e ilu­di­dos pelos ver­dadeiros líderes da trama.

Essa cautela – e um jul­ga­mento justo –, evi­taria que se cri­assem nar­ra­ti­vas acerca do que acon­te­ceu e do que se ten­tou fazer no Brasil.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

O Cen­tro Novo — Parte II.

Escrito por Abdon Mar­inho


O Cen­tro Novo – Parte II.

Por Abdon C. Marinho.

PAS­SAVA, certa vez, pelo Cen­tro Novo – ape­sar de ser filho da terra minha área de atu­ação sem­pre foi out­ros recan­tos do estado, nunca tra­bal­hei nos municí­pios da região, fazendo com que vis­ite meu tor­rão menos do que gostaria, o que acaba por jus­ti­ficar aquele velho adá­gio de que “santo de casa não faz mila­gres”, rsrsrs –, mas, numa daque­las vis­i­tas “de pas­sagem” ou para tratar de algo bem especí­fico, avis­tei uma escol­inha em um ponto ele­vado: Escola Munic­i­pal Diolino Cal­heiro.

Fiquei emo­cionado com a sin­gela hom­e­nagem ao meu tio tão amado.

Enquanto con­tava aos ami­gos de viagem sobre o meu tio a memória me reme­tia há dezenas de anos, reme­tia à minha doce infân­cia.

Lembrei-​me que quando voltava para casa, vindo de Gov­er­nador Archer, nos finais de sem­anas ou durante as férias, algu­mas coisas me cati­vavam a atenção, uma delas eu enorme pé de tamarindo que ficava à meio cam­inho da viagem, depois as entradas dos povoa­dos Vences­lau, à dire­ita e do Cen­tro dos Came­los, à esquerda (nunca soube se por lá pas­sou algum camelo alguma vez), depois atravessava-​se um grande ria­cho de águas bravas no inverno para em seguida estar­mos pro­pri­a­mente no Cen­tro Novo, ao dobrar­mos a curva avistá­va­mos a casa do sen­hor Batista, do velho Arthur, para, em seguida a casa do “tie Dió”.

A dis­tân­cia de Gov­er­nador Archer ao Cen­tro Novo era duas léguas, mas como não haviam estradas era como se fosse bem mais. Ao avis­tar a casa de “tie Dió”, sabíamos que está­va­mos em casa.

A casa de “tie Dió” era uma casa grande com um amplo alpen­dre com piso de cimento queimado, que para alcançar pre­cisamos subir alguns degraus. Além do alpen­dre o imóvel pos­suía dois ambi­entes, a parte res­i­den­cial e a parte com­er­cial, uma qui­tanda, com enorme bal­cão de madeira e prateleiras onde se colo­cava de tudo, arroz, sardinha, man­teiga, café, far­inha, açú­car, diver­sos tipos de bebidas alcoóli­cas, fumo de rolo, cig­a­r­ros, querosene, tudo ali sep­a­rado numa mis­tura de aro­mas úni­cas. Sobre o bal­cão um vis­tosa bal­ança de dois pratos onde eram pesadas as com­pras: um kilo de arroz, uma quarta de café, meio quilo de fumo e por aí se ia. Tudo pesado e embrul­hado em um papel grosso que era cor­tado com uma régua de madeira.

Ao lado da casa de tio Deolindo, seguindo o mesmo padrão, a casa de prima Clarice.

No lado oposto da estrada, um pomar com fru­tas diver­sas, com destaque para as mangueiras, tendo ao cen­tro um poço, na ver­dade um cacim­bão redondo com uma borda quase um metro de altura bem cimen­tada em cimento queimado, a água era reti­rada com a ajuda de uma linda gan­gorra, onde se enrolava uma corda de cân­hamo.

O poço da comu­nidade já era um local nato de encon­tro. Os viz­in­hos chegavam com suas latas para reti­rarem a água que levariam para coz­in­har ou beber. Em torno do poço, enquanto um vai tirando a água e outro aguarda a vez vai se tro­cando infor­mações sobre o dia a dia, a col­heita, o que se fez ou que se deixou de fazer.

O poço de “tie Dió”, emb­ora não fosse comu­nitário, tinha esse papel. Já o poço da casa de meu pai, por ser um pouco mais para den­tro da pro­priedade era uti­lizado basi­ca­mente por nossa casa e por uns poucos viz­in­hos. Era tam­bém uma cacimba toda revestida em madeira e mais pro­funda Igual­mente pos­suía uma gan­gorra em madeira tra­bal­hada.

Esse con­junto era o cen­tro cul­tural do Cen­tro Novo. Durante o dia as pes­soas ficavam por lá con­ver­sando, mas para a noite, ficavam no alpen­dre ou den­tro da qui­tanda, onde toda hora chegava alguém para com­prar algo ou tomar uma dose con­haque ou cachaça da terra.

Sem­pre tinha gente pela qui­tanda, pelo alpen­dre ou sob a som­bra das árvores do pomar.

O mel­hor momento do ano era durante as férias.

Era por ocasião das férias esco­lares que todos voltavam para o Cen­tro Novo, os que estu­davam em Gov­er­nador Archer, os que estu­davam em Gonçalves Dias e, prin­ci­pal­mente, aque­les que estu­davam em Pedreiras. Esses além, voltarem traziam as pri­mas e pri­mos já rad­i­ca­dos por lá para pas­sarem as férias no Cen­tro Novo.

Eram dias inteiros de brin­cadeiras, de pas­sar­in­hadas, de ban­hos nos ria­chos e açudes, de pas­seios.

As noites, até o cansaço chegar, eram gas­tos com brin­cadeiras de roda, queimado, caí no poço, cão-​cão, esconde-​esconde …

Eram momento em que os maiores já se aproveitavam para um flerte mais furtivo ou para ensa­iar um namoro com a prima ou primo, roubar um beijo, etc.

Quando coin­cidia de apare­cerem pelo Cen­tro Novo em junho a ale­gria era maior, acendia-​se as fogueiras e os vas­tos ter­reiros rig­orosa­mente limpos eram ilu­mi­na­dos enquanto a cri­ançada brin­cava até tarde da noite, enquanto assavam milho ou batatas.

Fui dos últi­mos a ir para escola por conta da poliomielite, achavam que não estava preparado para morar na cidade, por conta disso ficava ainda mais ansioso enquanto esper­ava os irmãos voltarem para darem um pouco de “movi­mento” para o Cen­tro Novo.

Ainda vindo na estrada, do mesmo lado da casa de “tie Dió” ficava a casa de tia Chiquinha e a frente a casa de seus fil­hos e out­ros par­entes.

Mais adi­ante ficava nossa casa. A casa dos meus primeiros dias e da minha infân­cia. Onde fui tão feliz e tão triste ao mesmo tempo.

Na última vez que estive no Cen­tro Novo percebi que muito do que nar­rei nesse e em tan­tos tex­tos só existe nas min­has lem­branças.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado, escritor, cro­nista.