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EUA lançam um novo verbo: trumpar.

Escrito por Abdon Mar­inho

EUA lançam um novo verbo: trumpar.

Por Abdon C. Marinho.

ERA UMA tarde modor­renta de domingo. Pas­sava os canais da tele­visão a cabo em busca de algo para assi­s­tir quando, em um canal de clás­si­cos, deparei-​me com a série Roma, que assi­s­tira pela primeira vez lá pelo iní­cio dos anos dois mil. Gostei tanto que até com­prei uma coleção de DVD’s da mesma.

No domingo alcançei a mara­tona da série quando já estava ali pelo Segundo Tri­un­vi­rato (acordo político for­mal­izado entre Marco Antônio, Otávio e Lépido para con­duzir Roma após o assas­si­nato de Caio Júlio César – e que durou de 43 a.C até 33 a.C).

Emb­ora seja cati­vante falar sobre o Império Romano, inclu­sive da ascen­são de César ao poder, o Primeiro Tri­un­vi­rato (a aliança polit­ica infor­mal entre Pom­peu, César e Crasso ocor­rida entre 60 a.C e 53 a.C) e tan­tas outra situ­ações, a parte que inter­essa ao pre­sente texto, que vi retratado na série diz respeito ape­nas ao suposto encon­tro entre o tetrarca da Judéia, Herodes e Marco Antônio.

Herodes busca no Império Romano apoio para se con­sol­i­dar como rei dos judeus e dirige-​se a Marco Antônio nos seguintes termos:

— Soube que vocês, romanos, não pedem sub­or­nos mas que esperam que lhe sejam ofer­e­ci­dos, é ver­dade?

Marco Antônio ape­nas assente e Herodes oferece-​lhe uma quan­tia sig­ni­fica­tiva para con­tar com apoio de Roma, se cer­ti­f­i­cando de que aquele “sub­orno” seria divi­dido entre os três triún­vi­ros.

A série mostra Marco Antônio recla­mando que pode­ria ter pedido mais e que tal sub­orno possa ter sido o iní­cio do fim do Tri­un­vi­rato pois quis pas­sar a perna nos demais.

O leitor aflito ou ansioso deve estar de per­gun­tando o que fatos há mais de dois mil tem a ver com os Esta­dos Unidos da América “terem” lançado no “mer­cado” o verbo trumpar.

Pois é, sucede que dias depois era como se aquela imagem do entreten­i­mento que assi­s­tira anos atrás e que revira naquele final de tarde de domingo estivesse se repetindo, dessa vez exibida e trans­mi­tida por todos os canais de tele­visão do mundo.

O “imper­ador” de Israel foi aos Esta­dos Unidos ter com aquele que se julga imper­ador do mundo em busca do apoio para con­tin­uar a pro­mover o mas­sacre do povo palestino.

No final daquele mesmo dia Trump anun­ciou a intenção de “ficar” com a Faixa de Gaza, o ter­ritório palestino que era (é) o lar de mais de dois mil­hões de pes­soas. São mais de dois mil­hões de pes­soas que o imper­ador amer­i­cano sug­ere que seja desa­lo­ja­dos de suas ter­ras e espal­ha­dos por países viz­in­hos para que ele possa “limpar” o ter­ritório e con­struir sua “reviera” do Ori­ente Médio, de prefer­ên­cia com muitos cassi­nos e cam­pos de golfe.

Esse terá sido o acordo entre os dois imper­adores? Já no dia seguinte o pres­i­dente amer­i­cano anun­ciou a reti­rada e retal­i­ação ao Tri­bunal Penal Inter­na­cional deixando de recon­hecer sua juris­dição por aquele tri­bunal ter incluído o israe­lense entre os crim­i­nosos de guerra do mundo pelo mas­sacre do povo palestino em Gaza.

Tudo parece “encaixar” tão bem que se me dissessem que com­bi­na­ram o ataque ter­ror­ista de 7 de out­ubro de 2023, que deu o pre­texto para a destru­ição de Gaza e o mor­ticínio de mais de 50 mil palesti­nos, a quase total­i­dade inocentes e setenta por cento desse número mul­heres e cri­anças eu não teria difi­cul­dades de acred­i­tar.

Veio o ataque ter­ror­ista do Hamas, veio o mas­sacre da pop­u­lação de Gaza na con­traofen­siva israe­lense; veio a destru­ição de toda infraestru­tura do local, veio a fome, a sede, o frio e agora a ideia que aquela faixa de terra tem que ser admin­istrada pelos amer­i­canos para tornar aquele lugar uma “reviera”, de prefer­ên­cia um mega negó­cio imo­bil­iário para encher os bol­sos dos plu­to­cratas que assumi­ram o poder no império do norte.

E o que fazer com aque­les mais de dois mil­hões de pes­soas que ten­tam sobre­viver à todas essas provações da vida? Ora, esses homens, mul­heres, cri­anças, idosos, etcetera serão espal­ha­dos como expa­tri­a­dos pelos países viz­in­hos.

Já nos dias seguintes o gov­erno de Israel falava em um plano de saída “vol­un­tária” daque­las pes­soas pri­vadas de tudo, inclu­sive da vida.

O verbo trumpar talvez tenha no assalto à Gaza sua mais elo­quente man­i­fes­tação. O cidadão que nom­ina o verbo fala sobre aque­les seres humanos, já pri­va­dos de tudo, como estivesse lhes fazendo um bem. Espalhá-​los pelo mundo, expa­tri­a­dos, sem refer­ên­cias, sem unidade, sem a sua existên­cia como um povo.

Veja que não fala em acol­hi­mento no seu país. Muito pelo con­trário, por lá iniciou-​se uma autên­tica “caça às bruxas” con­tra os imi­grantes que não ingres­saram de forma reg­u­lar no país, tratando a todos como mar­gin­ais.

O verbo trumpar encontra-​se pre­sente nas mais estapafúr­dias man­i­fes­tações do homem mais poderoso do mundo.

—Vamos incor­po­rar o Canadá transformá-​lo no 51º estado amer­i­cano;

—Pre­cisamos da Groen­lân­dia para a nossa segu­rança nacional;

—Vamos retomar o Canal do Panamá; e:

—Vamos assumir Gaza.

Tudo isso dito com a tran­quil­i­dade de quem pede um big Mac no McDon­ald. Pior, com dis­sim­u­lação de quem tenta dizer que está “fazendo favor”. Alguém, em sã con­sciên­cia, acha isso normal?

Ao lado disso, a imposição de tar­i­fas desconexas; o desmonte de orga­ni­za­ções mul­ti­lat­erais impor­tantes para o equi­líbrio geopolítico global; o nega­cionismo climático em um momento de emergên­cia inques­tionável e tan­tas out­ras lou­curas.

O verbo trumpar é a com­pro­vação de que o mundo não mais poderá con­tar com o apoio norte amer­i­cano para man­ter o equi­líbrio global, sua sol­i­dariedade em relação a diver­sos temas que eles con­duziam e man­tinham sua importân­cia.

O mundo pre­cisa (terá) encon­trar out­ros pon­tos de equi­líbrios diante da opção do novo gov­erno amer­i­cano de isolar-​se dos demais países e viver para si e para os seus próprios inter­esses indifer­entes ao fato de todos esta­mos na mesma nave.

Como já assis­ti­mos tan­tas out­ras vezes ao longo da história aquilo que ten­tam trans­pare­cer como prova de força é, na ver­dade, a der­radeira prova de decadên­cia de um império.

Como em todos os impérios deca­dentes os inter­esses públi­cos se mis­tu­ram aos inter­esses pri­va­dos dos donos do poder a ponto de não se con­seguir dis­tin­guir onde ter­mina um e começa o outro.

Não é o que esta­mos assistindo? Dizem que a Groen­lân­dia é um inter­esse estratégico do país, mas não tem quem não saiba que a plu­toc­ra­cia quer mesmo o comando da ilha para explo­rar o ter­ritório eco­nomi­ca­mente. No caso de Gaza nem procu­raram dis­farçar: querem expa­triar os palesti­nos para faz­erem a tal Reviera do Ori­ente Médio.

O verbo trumpar se amolda como uma luva à con­statação de Herodes em relação aos côn­sules romanos: o desejo gan­har algo (sub­orno) não é expres­sado mas a máquina se move pelos inter­esses pes­soais dos imper­adores.

Santa hipocrisia.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

O Cen­tro Novo — Parte I.

Escrito por Abdon Mar­inho


O Cen­tro Novo — Parte I.

Por Abdon C. Marinho.

QUANDO as man­hãs são chu­vosas – como essa –, assaltam-​me a mente as lem­branças do Cen­tro Novo, minha aldeia, meu tor­rão natal, o lugar onde meu umbigo foi enter­rado para todo o sem­pre e por onde vagam os dentes de leite joga­dos enquanto se pro­fe­riam as palavras mág­i­cas: “Tião, Tião, pega seu dente podre e me dê um são”. Isso ou algo bem pare­cido.

Não sei o motivo das man­hãs chu­vosas me reme­terem a tais lem­branças, talvez, como dito, por ser o lugar das min­has primeiras memórias.

Nasci no Cen­tro Novo em uma manhã enso­larada de domingo. Con­tava ape­nas com a pre­sença de minha mãe, todas as demais pes­soas da casa haviam ido ao Igarapé de Pedrin­has ou para o banho ou para lavar as roupas que seriam usadas durante a sem­ana.

Con­forme já disse em out­ras opor­tu­nidades, está­va­mos ape­nas nós dois – eu e minha mãe –, em casa. Eu, por óbvio, ainda den­tro dela. Não mais que de repente sen­tiu as dores do parto, o oitavo, até ali e, antes que ela con­seguisse chamar por alguém para que fosse atrás da parteira da família, tia Fer­reira, esposa de tio Antônio, irmão mais velho de meu pai, eu “est­reava” no Cen­tro Novo e de lá para o mundo.

O Cen­tro Novo foi o lugar escol­hido para a “assen­tada” dos meus avós, seus fil­hos, fil­has, noras, gen­ros, já alguns netos, e out­ros par­entes vin­dos na car­a­vana do Rio Grande do Norte para o Maran­hão.

Foi o tio Pedro, o caçula dos fil­hos de meu avô que fez a escolha do lugar. Um ou dois anos antes viera como “expe­di­cionário” atrás de um lugar para aco­modar a família que já não tinha como supor­tar a inclemên­cia da seca do sertão nordes­tino. Não tive a opor­tu­nidade de perguntar-​lhe como foi que chegou aquela decisão.

Durante os primeiros anos o Cen­tro Novo foi o uni­verso dos reti­rantes nordes­ti­nos que tin­ham no lugar a razão de suas existên­cias. Com a pas­sagem do meu avô, em 1965, tio Pedro e tio Chiquinho, com os seus, mudaram-​se para Pedreiras. Lá rece­biam os sobrin­hos que os procu­ravam para obterem um estudo um pouco mais avançado. Naquela época Pedreiras era a “cap­i­tal do Mearim” e uma das cidades mais impor­tantes do estado.

Vivi no Cen­tro Novo os primeiros oito anos da minha vida – e as lem­branças para um vida inteira. Foi lá que “estreie”; foi lá que com um ano de existên­cia (ou pouco mais) tive poliomielite; foi lá que perdi minha mãe – e tam­bém diver­sos out­ros par­entes, meu avô, tia Zulima, tia Zefa, minha mãe, minha avó … tan­tos out­ros.

A minha Macondo era um povoado de uma só rua entre os municí­pios de Gov­er­nador Archer e Gonçalves Dias que quando surgiu eram tam­bém povoa­dos desen­volvi­dos de out­ros municí­pios: Codó e Cax­ias.

Na minha infân­cia con­sid­er­ava como lim­ites do povoado, a estrad­inha que dava acesso ao Cen­tro dos Rosas, do lado de Gonçalves Dias; e a entrada para o Povoado Vences­lau ou Cen­tro dos Came­los, pelo lado de Gov­er­nador Archer.

Era esse o meu uni­verso, os lim­ites que pode­ria fre­quen­tar após reapren­der a andar. A nossa casa ficava em um ele­vado aos pés de uma serra a meia dis­tân­cia dos dois pon­tos extremos do Cen­tro Novo. Abaixo de casa e à beira da estrada cor­ria o igarapé de Pedrin­has; feita em pau a piqué, pos­suía, além da parte res­i­den­cial, uns depósi­tos anexos todos com assoalho em madeira uti­liza­dos por meu pai para guardar o arroz que com­prava “na folha” para reven­der depois, quando o preço estivesse bom.

Com a pro­du­tivi­dade em alta, tanto de suas roças, quanto das com­pras que fazia, man­dara fazer um outro depósito maior na frente de casa no outro lado da estrada, para armazenar o arroz.

Quando era tempo de col­heita, ainda muito cri­ança, cinco, seis anos, acom­pan­hava meu pai, mon­tado em can­galha de bur­ros, pelas veredas, até as roças dos que venderam o arroz na folha para bus­car as sacas de arroz. Chegando lá, enchíamos as sacas de estopa, cos­turá­va­mos as “bocas” com bar­bante e agul­has, colocá­va­mos uma saca de cada lado dos bur­ros e voltá­va­mos para casa onde pesá­va­mos o arroz e colocá­va­mos no depósito; pelas veredas lá iam diver­sos bur­ros car­rega­dos de arroz, meu pai, meus irmãos mais vel­hos cada em um burro, as vezes puxando out­ros con­duzindo o com­boio. Não raro um burro “desem­bestava” com a carga ou atolava e o serviço dobrava.

No fim dia, pelas 16 horas, íamos “tratar” os ani­mais, que con­sis­tia levá-​los para o banho no igarapé ou no poço e depois alimentá-​los com milho e/​ou out­ras mis­turas para prepará-​los para a lida do dia seguinte.

Como já dito, meu pai tam­bém tinha suas próprias roças onde cul­ti­vava, arroz, fei­jão, milho, abób­ora, macax­eira, melan­cia, quiabo, max­ixe e tudo mais que uti­lizamos para nos ali­men­tar e ali­men­tar os bur­ros, vacas, por­cos, gal­in­has, etc. A mão de obra era do meu pai e dos meus irmãos, exceto vez ou outra quando o tra­balho aper­tava e havia neces­si­dade de se pagar alguma diária. Eu, por conta da pólio, par­tic­i­pava levando vez ou outra a refeição na roça ou uma cabaça com água fresca para eles.

Nos tem­pos de safra, aos fins de tarde, estendia-​se uns encer­a­dos e todos se ocu­pavam da debulha do milho ou do fei­jão. A debulha era um momento de lazer, até o horário de ir dormir se ficava naquele tra­balho enquanto se con­ver­sava ou se con­tavam cau­sos. O arroz para o con­sumo, quando não pilado no pilão era lev­ado para alguma usina, mas isso era exceção.

Vez ou outra apare­cia pelo Cen­tro Novo um ou outro “repen­tista” para que­brar a rotina.

Quase em frente a nossa casa, à dire­ita, ficava a casa de tia Malfísia, a irmã mais velha de meu pai e sua con­sel­heira, já a con­heci viúva, morava com uma das fil­has, Salete, e a neta, Fátima; ao lado de sua casa morava a outra filha, Cícera (Ciça) casada com Pingo e suas fil­has, Taz­inha e Neguinha; e já próx­imo ao depósito de papai, a Família Bizunga, que não sei se tinha algum par­entesco conosco (acred­ito que não).

Quase em frente, mas à esquerda de nossa casa ficava a casa de Batista, um con­tra­parente que tam­bém viera do Rio Grande do Norte e mais à frente, o ter­reno onde ficara a casa do meu avô. Aos fundo desse ter­reno havia um enorme pomar com man­gas de diver­sas espé­cies (manga rosa, espada, mesa, fiapo, massa …) sob a som­bra do arvoredo, nos dias livres, fazíamos diver­sas brin­cadeiras.

Esses foram os primeiros anos no cen­tro do uni­verso de uma cri­ança.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Já não se recon­hecem os amigos

Escrito por Abdon Mar­inho


Já não se recon­hecem os amigos.

Por Abdon C. Mar­inho.

DURANTE a última incursão pela baix­ada e litoral norte do estado o amigo Max Harley contou-​nos um fato curioso que serve de guia ao pre­sente texto.

Voltava ele com alguns cole­gas da região Tocan­tina (acho que dois) e já no enfado da viagem mis­tu­rado ao cansaço do sono noturno – vez que saíra de Imper­a­triz pelas 16 horas –, preocupou-​se com a pos­si­bil­i­dade do colega a quem pas­saram o volante na altura de Santa Inês viesse a dormir, foi quando teve uma ideia.

Do nada disse: — rapaz, se tem uma pes­soa que eu admiro nesse mundo é o Lula.

Foi o que bas­tou para o colega que estava no volante “acor­dasse” e começasse uma pre­gação con­tra o pres­i­dente da república e exal­tasse as qual­i­dades do ante­ces­sor, ini­ciando por dizer: — muito me admira, doutor Max, que você diga uma coisa dessas.

A estraté­gia de Max para que se man­tivessem acor­da­dos deu certo e chegaram sãos e salvos na ilha para me con­tarem a história, ainda que ten­ham “sofrido” até as altas horas madru­gada com um debate político sem qual­quer sen­tido.

O amigo Max disse-​nos que o colega tornou-​se de tal fanático político que fez uma fotomon­tagem dele abraçando seu ídolo.

O Brasil é um país doente.

Já disse algu­mas vezes aqui mesmo a situ­ação do Brasil no que­sito relações inter­pes­soais tornou-​se uma des­graça.

Já não nos reuni­mos para falar sobre quais­quer assun­tos, tomar um café, um vinho ou chope sem que os ditos pro­tag­o­nistas da política nacional se façam pre­sentes e estraguem o momento de con­frat­er­niza­ção das pes­soas.

São laços famil­iares abal­a­dos, amizades des­feitas por conta de dois seres humanos que não têm qual­quer inter­esse ou sen­ti­mento de empa­tia pelos seus fanáti­cos seguidores.

O cidadão hon­esto e livre das paixões que se ocupe de fazer uma “linha do tempo” desde que tais lid­er­anças ingres­saram na política verá que o que sem­pre os nor­teou foram os próprios inter­esses, os inter­esses famil­iares, de uns poucos nos seus entornos e quando muito de alguma agremi­ação.

Enquanto isso, na planí­cie, em cam­panha sem fim, a pat­uleia até se mata – no sen­tido lit­eral mesmo –, por tais lid­er­anças.

A impressão que tenho é o brasileiro pre­cisa de um divã, a carên­cia afe­tiva, a ponto de “cegá-​los” em torno de um único assunto é caso para estudo psiquiátrico.

O debate político no Brasil deixou de ser algo saudável para se tornar uma coisa raivosa, sem que ninguém respeite o ponto de vista do outro e sem que os pon­tos de vis­tas não trans­bor­dem para desavenças pes­soais.

A situ­ação chegou a tal ponto que já está difí­cil “recon­hecer” ami­gos com quem sem­pre con­viveu se har­moni­ca­mente por anos, décadas, uma vida inteira.

Muito pior que isso, as pes­soas não se dão conta do quanto esse per­ma­nente debate político as tornaram chatas, intragáveis. Tudo agora é “faz o L”, é “Bozo”, é “naz­i­fascista” e todas as demais tolices que a grande maio­ria delas não sabe o que sig­nifica.

Um debate hor­ro­roso … e sem fim.

Se já era ruim o debate político cir­cun­scrito às fron­teiras nacionais, agora temos debate­dores políti­cos transna­cionais, com as amizades divi­di­das entre trump­is­tas e não trumpistas.

Não bas­tasse “emen­dar uma eleição na outra” agora colo­caram a eleição amer­i­cana entre elas.

Uma lou­cura sem fim, uma vez que os amer­i­canos sem­pre tiveram pro­fundo desprezo por tudo e todos que esteja abaixo do Rio Grande (a divisa entre Esta­dos Unidos e Méx­ico).

Foi uma coisa ridícula de assi­s­tir os brasileiros “torcendo” como loucos a favor de Trump nas últi­mas eleições amer­i­canas e depois por ocasião da posse, como se ele tivesse qual­quer inter­esse pelos países lati­nos que não o agir como legí­timo rep­re­sen­tante do impe­ri­al­ismo ianque.

Veja todos os amer­i­canos, sejam democ­ratas ou repub­li­canos, pen­sam neles, neles mes­mos e se sobrar algum tempo em como lucrar com algo ainda que isso sig­nifique a destru­ição do plan­eta.

Em plena emergên­cia climática, muitos brasileiros cer­raram fileiras na defesa jus­ta­mente daquele que encarna como nen­hum outro a ideia do lucro pelo lucro, que não tem qual­quer com­preen­são da importân­cia de se preser­var o meio ambi­ente, e tudo mais de hor­rendo que possa existir.

Chega a ser patético ter­mos que ouvir: — ah, o Trump vai defender a liber­dade de expressão.

O Trump vai defender os inter­esses das Big Tech’s para que elas façam o que quis­erem sem pagarem ou se respon­s­abi­lizarem pelos danos que pos­sam causar as pessoas.

As pes­soas não con­seguem enten­der que a “liber­dade de expressão” que muitos defen­dem é aquela que não os con­trariem em nada.

O próprio Trump já no dia seguinte à posse fez crit­i­cas mal-​educadas e gros­seiras con­tra o ser­mão pro­ferido por um bispa que na sua pre­gação pediu clemên­cia, respeito e trata­mento digno para os imi­grantes, refu­gia­dos e gays.

O tol­er­ante Trump, defen­sor ardoroso da liber­dade de expressão (estou sendo sar­cás­tico) chegou a exi­gir que a reli­giosa, que nada disse demais, se retratasse.

Uma coisa é certa, o falso lib­ertário não enganou ninguém, faz o que disse que faria, incluindo as coisas que não pode­ria fazer do ponto de vista das leis, porque o seu obje­tivo é “jogar para a plateia” para os seus fanáti­cos seguidores.

Já no primeiro ou segundo dia de mandato disse, com toda fan­far­rice tão car­ac­terís­tica da arrogân­cia amer­i­cana, que não pre­cisa do Brasil, que o Brasil, sim pre­cisa deles.

Acred­ito que os nos­sos patri­o­tas aplaudiram.

Já na primeira sem­ana as primeiras levas de brasileiros estavam sendo depor­ta­dos para o Brasil – não dis­cuto se estão cer­tos ou erra­dos em relação a imi­gração ile­gal –, mas, a forma, esses cidadãos foram depor­ta­dos alge­ma­dos e acor­renta­dos, acred­ito que nem ani­mais se deve trans­portar de tal forma.

Acred­ito que os patri­o­tas brasileiros vibraram.

O Brasil inau­gurou a política da “sabu­jice impe­ri­al­ista” e pior, nem é por uma nação, mas por uma pes­soa.

É como se estivésse­mos diante da visu­al­iza­ção da expressão: “o escravo ama as mãos que segura o chicote que o açoita”.

Não me recordo de ter viven­ci­ado tanto com­plexo de vira-​lata, tanta “panaquice”, tanta falta de respeito e amor próprio.

Sem­pre gostei muito de política. Desde os meus doze ou treze anos que debato e estudo sobre o assunto e sem­pre gostei de falar de política.

Nos últi­mos tem­pos, diante de tudo que vive­mos, deixei de fazer isso – quando muito, deixo para a pos­teri­dade min­has opiniões escritas, como essas –, quando alguém fala de polit­ica perto de mim, olho para o tempo e digo: “será que vai chover?”; ou desvio do assunto com um outro tema; muitas das vezes até con­cordo com o que o inter­locu­tor diz ape­nas para que ele me poupe e se poupe do des­gaste da amizade; o medo do infind­ável debate político tem me feito evi­tar reuniões com os ami­gos.

Muitos desses ami­gos tornaram-​se de tal forma rad­i­cais que já não os recon­heço, e para evi­tar des­gastes evito cer­tos temas ou encontrá-​los.

Acred­ito que muitas pes­soas sen­sa­tas passem por igual drama. Somos ami­gos das pes­soas mas abom­i­namos suas con­vicções políti­cas rad­i­cais – e todos se tornaram rad­i­cais.

Isso é muito triste.

Há uma frase de Jean Mes­lier (16641729), que é a seguinte: «O homem só será livre quando o último rei for enfor­cado nas tri­pas do último padre».

O ambi­ente político brasileiro da atu­al­i­dade é tão hor­rendo que se pode­ria ado­tar, ainda que em sen­tido metafórico, a expressão: “O Brasil só será um país livre quando o último bol­sonar­ista for enfor­cado nas tri­pas do último lulista”. Ou vice versa.

Abdon C. Mar­inho é advogado.

P.S. Me poupem de quer­erem me con­vencer de algo a respeito do pre­sente texto.