Já não se reconhecem os amigos.
Por Abdon C. Marinho.
DURANTE a última incursão pela baixada e litoral norte do estado o amigo Max Harley contou-nos um fato curioso que serve de guia ao presente texto.
Voltava ele com alguns colegas da região Tocantina (acho que dois) e já no enfado da viagem misturado ao cansaço do sono noturno – vez que saíra de Imperatriz pelas 16 horas –, preocupou-se com a possibilidade do colega a quem passaram o volante na altura de Santa Inês viesse a dormir, foi quando teve uma ideia.
Do nada disse: — rapaz, se tem uma pessoa que eu admiro nesse mundo é o Lula.
Foi o que bastou para o colega que estava no volante “acordasse” e começasse uma pregação contra o presidente da república e exaltasse as qualidades do antecessor, iniciando por dizer: — muito me admira, doutor Max, que você diga uma coisa dessas.
A estratégia de Max para que se mantivessem acordados deu certo e chegaram sãos e salvos na ilha para me contarem a história, ainda que tenham “sofrido” até as altas horas madrugada com um debate político sem qualquer sentido.
O amigo Max disse-nos que o colega tornou-se de tal fanático político que fez uma fotomontagem dele abraçando seu ídolo.
O Brasil é um país doente.
Já disse algumas vezes aqui mesmo a situação do Brasil no quesito relações interpessoais tornou-se uma desgraça.
Já não nos reunimos para falar sobre quaisquer assuntos, tomar um café, um vinho ou chope sem que os ditos protagonistas da política nacional se façam presentes e estraguem o momento de confraternização das pessoas.
São laços familiares abalados, amizades desfeitas por conta de dois seres humanos que não têm qualquer interesse ou sentimento de empatia pelos seus fanáticos seguidores.
O cidadão honesto e livre das paixões que se ocupe de fazer uma “linha do tempo” desde que tais lideranças ingressaram na política verá que o que sempre os norteou foram os próprios interesses, os interesses familiares, de uns poucos nos seus entornos e quando muito de alguma agremiação.
Enquanto isso, na planície, em campanha sem fim, a patuleia até se mata – no sentido literal mesmo –, por tais lideranças.
A impressão que tenho é o brasileiro precisa de um divã, a carência afetiva, a ponto de “cegá-los” em torno de um único assunto é caso para estudo psiquiátrico.
O debate político no Brasil deixou de ser algo saudável para se tornar uma coisa raivosa, sem que ninguém respeite o ponto de vista do outro e sem que os pontos de vistas não transbordem para desavenças pessoais.
A situação chegou a tal ponto que já está difícil “reconhecer” amigos com quem sempre conviveu se harmonicamente por anos, décadas, uma vida inteira.
Muito pior que isso, as pessoas não se dão conta do quanto esse permanente debate político as tornaram chatas, intragáveis. Tudo agora é “faz o L”, é “Bozo”, é “nazifascista” e todas as demais tolices que a grande maioria delas não sabe o que significa.
Um debate horroroso … e sem fim.
Se já era ruim o debate político circunscrito às fronteiras nacionais, agora temos debatedores políticos transnacionais, com as amizades divididas entre trumpistas e não trumpistas.
Não bastasse “emendar uma eleição na outra” agora colocaram a eleição americana entre elas.
Uma loucura sem fim, uma vez que os americanos sempre tiveram profundo desprezo por tudo e todos que esteja abaixo do Rio Grande (a divisa entre Estados Unidos e México).
Foi uma coisa ridícula de assistir os brasileiros “torcendo” como loucos a favor de Trump nas últimas eleições americanas e depois por ocasião da posse, como se ele tivesse qualquer interesse pelos países latinos que não o agir como legítimo representante do imperialismo ianque.
Veja todos os americanos, sejam democratas ou republicanos, pensam neles, neles mesmos e se sobrar algum tempo em como lucrar com algo ainda que isso signifique a destruição do planeta.
Em plena emergência climática, muitos brasileiros cerraram fileiras na defesa justamente daquele que encarna como nenhum outro a ideia do lucro pelo lucro, que não tem qualquer compreensão da importância de se preservar o meio ambiente, e tudo mais de horrendo que possa existir.
Chega a ser patético termos que ouvir: — ah, o Trump vai defender a liberdade de expressão.
O Trump vai defender os interesses das Big Tech’s para que elas façam o que quiserem sem pagarem ou se responsabilizarem pelos danos que possam causar as pessoas.
As pessoas não conseguem entender que a “liberdade de expressão” que muitos defendem é aquela que não os contrariem em nada.
O próprio Trump já no dia seguinte à posse fez criticas mal-educadas e grosseiras contra o sermão proferido por um bispa que na sua pregação pediu clemência, respeito e tratamento digno para os imigrantes, refugiados e gays.
O tolerante Trump, defensor ardoroso da liberdade de expressão (estou sendo sarcástico) chegou a exigir que a religiosa, que nada disse demais, se retratasse.
Uma coisa é certa, o falso libertário não enganou ninguém, faz o que disse que faria, incluindo as coisas que não poderia fazer do ponto de vista das leis, porque o seu objetivo é “jogar para a plateia” para os seus fanáticos seguidores.
Já no primeiro ou segundo dia de mandato disse, com toda fanfarrice tão característica da arrogância americana, que não precisa do Brasil, que o Brasil, sim precisa deles.
Acredito que os nossos patriotas aplaudiram.
Já na primeira semana as primeiras levas de brasileiros estavam sendo deportados para o Brasil – não discuto se estão certos ou errados em relação a imigração ilegal –, mas, a forma, esses cidadãos foram deportados algemados e acorrentados, acredito que nem animais se deve transportar de tal forma.
Acredito que os patriotas brasileiros vibraram.
O Brasil inaugurou a política da “sabujice imperialista” e pior, nem é por uma nação, mas por uma pessoa.
É como se estivéssemos diante da visualização da expressão: “o escravo ama as mãos que segura o chicote que o açoita”.
Não me recordo de ter vivenciado tanto complexo de vira-lata, tanta “panaquice”, tanta falta de respeito e amor próprio.
Sempre gostei muito de política. Desde os meus doze ou treze anos que debato e estudo sobre o assunto e sempre gostei de falar de política.
Nos últimos tempos, diante de tudo que vivemos, deixei de fazer isso – quando muito, deixo para a posteridade minhas opiniões escritas, como essas –, quando alguém fala de politica perto de mim, olho para o tempo e digo: “será que vai chover?”; ou desvio do assunto com um outro tema; muitas das vezes até concordo com o que o interlocutor diz apenas para que ele me poupe e se poupe do desgaste da amizade; o medo do infindável debate político tem me feito evitar reuniões com os amigos.
Muitos desses amigos tornaram-se de tal forma radicais que já não os reconheço, e para evitar desgastes evito certos temas ou encontrá-los.
Acredito que muitas pessoas sensatas passem por igual drama. Somos amigos das pessoas mas abominamos suas convicções políticas radicais – e todos se tornaram radicais.
Isso é muito triste.
Há uma frase de Jean Meslier (1664 - 1729), que é a seguinte: "O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre".
O ambiente político brasileiro da atualidade é tão horrendo que se poderia adotar, ainda que em sentido metafórico, a expressão: “O Brasil só será um país livre quando o último bolsonarista for enforcado nas tripas do último lulista”. Ou vice versa.
Abdon C. Marinho é advogado.
P.S. Me poupem de quererem me convencer de algo a respeito do presente texto.