O que a bunda não prejudica.
Por Abdon C. Marinho.
O ASSUNTO mais comentado nessa Ilha dos Amores, no Maranhão e, até mesmo no Brasil tem sido a “performance” de uma professora (?), escritora (?), pesquisadora (?), ativista (?), etc. ocorrida na Universidade Federal dos Maranhão - UFMA, por esses dias. Isso porque a “palestrante” em determinado momento de sua “palestra” subiu à mesa e exibiu as partes pudendas para a seleta plateia.
Pronto! Não teve mais nada de relevante acontecendo no mundo que superasse o “burburinho” causado pelo “evento acadêmico”.
Não interessa se os palestinos no norte da Faixa de Gaza, destruída numa guerra que já ceifou mais de quarenta e duas mil vida, setenta por cento delas mulheres e crianças, estão, literalmente, morrendo de fome; não interessa, também, se o Estado Judeu voltou suas armas para o Líbano, e sua capital, Beirute, enfrenta os maiores bombardeios que se tem notícia em décadas, inclusive, colocando em risco os milhares de brasileiros que moram naquele país; não interessa se a Rússia, que invadiu a Ucrânia em 2022, dia após dia, promove bombardeios naquele país, que resiste bravamente, sequestra crianças, mata e desloca cidadãos; não interessa se a fome na África leva milhares (ou milhões) à morte anualmente ou que as guerras naquele continente são as mais ferozes; não interessa as eleições americanas daqui a duas semanas; não interessa se o fundão eleitoral de 5 bilhões nas últimas eleições foi usado para comprar votos ou para tornar mais ricos alguns espertalhões; não interessa a emergência climática que o mundo todo vive e que ameaça da extinção da espécie humana nas próximas décadas e, porque não dizer, a extinção do próprio planeta.
O único assunto que interessa a uma parcela significativa da nossa sociedade é o c* da palestrante (?) da UFMA.
Viramos um país de idiotas? É isso?
Tenho visto debates acalorados em grupos de WhatsApp, articulistas fazendo artigos ferozes; deputados prometendo o inferno para os promotores do evento, cidadãos indignados, etcetera e tal.
Confesso que tenho tentado entender toda essa balbúrdia em torno desse assunto. E confesso que não tenho conseguido entender razão de tanta polêmica.
Meu Deus, onde já se viu fazer esse tipo de “performance” numa universidade? Numa universidade pública? Usando recursos públicos? Qual o futuro da educação do país? Como ficarão nossas crianças?
Os cidadãos, os representantes do povo estão indignados. Recebi até pedidos para escrever sobre o assunto.
Como disse, não consigo entender a razão de tanta polêmica. Noutros tempos isso seria um assunto discutido com ares de “muxoxo” durante um ou dois dias no departamento da universidade, talvez se estendesse até um outro departamento, e só.
O que vejo são os “cidadãos de bem” e indignados com a performance da “palestrante” acabaram dando uma “audiência” que ela não teria em tempos normais.
Sob o argumento de “protegerem” a universidade acabam por expor a mesma a uma injustificada situação de achincalhamento público.
O que incomodou tanto esses cidadãos de bem?
A palestra de conteúdo, digamos, impróprio, deu-se, pelo que vi, em uma sala ou um pequeno auditório, não deve ter contato com nem cem pessoas na plateia; os que estavam lá, até onde sei, eram adultos; estavam lá por sua livre e espontânea vontade; se aplaudiram ou se vaiaram foi por gosto próprio.
Qual o impacto disso na vida dos cidadãos? No preço do arroz, do feijão, da gasolina ou da inflação?
Ah, mas estavam em um ambiente acadêmico, não podem exibir “as partes” em tal ambiente.
Como disse, eu não consigo entender como uma “performance” que pode ou não ser considerada de bom ou mau gosto ganhe tanto destaque.
Foi a exibição da bunda? Foi por ser a bunda de uma mulher trans? Foi por ser na universidade? Foi por, supostamente, envolver recursos públicos?
Em 1987, portanto, há quase quarenta anos, a rede globo de televisão, com 80% ou mais da audiência em canal aberto exibiu a novela “Brega&Chique”, no horário das 7 horas. Essa novela, na abertura, ao som da música “pelado” do grupo Ultraje a Rigor, exibia um homem totalmente nu, literalmente, pelado com as mãos no bolso, como dizia música.
Chegávamos em casa, voltando do colégio – os que estudavam à tarde –, e lá estava a “família brasileira” no sofá da sala, com um prato de comida na mão vendo uma novela que exibia na abertura um homem totalmente pelado.
Foi assim de abril a novembro de 1987.
No início ainda tentaram censurar diante da pressão de alguns segmentos, mas depois liberaram totalmente a abertura da novela, que foi, inclusive, reexibida outras vezes na parte da tarde. Nos intervalos da novela eram exibidas diversas peças publicitárias dos governos, federal, estaduais e municipais.
Desde então pululam nudes em diversos programas televisivos nas redes de televisões abertas e fechadas, cenas de sexo picantes, sem que isso desperte a atenção ou a indignação de quem quer que seja.
Querem ver outra coisa? Todos os anos os governos federal, estaduais e municipais destinam milhões e milhões dos orçamentos públicos para as festas de carnaval no país inteiro. Me respondam: já viram alguma pessoa indignada pelo fato homens e mulheres se exibirem para milhares ou milhões seminuas e muitas vezes até nuas?
Essa semana o assunto da “performance” na UFMA estava em rede nacional no Brasil Urgente ou no Jornal da Band com os mesmos ares de escândalos que testemunhamos nessas plagas. Aí lembrei que quando mais jovens perdia noites de sonos para assistir os “carnavais proibidões” da … Band.
A performance da UFMA, no ambiente da UFMA é mais danosa do que assistimos diariamente nos vários meios de comunicação de massa, inclusive concessões públicas?
Vejam os senhores que muitos dos deputados indignados e revoltados com o que aconteceu na UFMA, de gosto duvidoso ou não – não me cabe julgar –, destinam milhares de reais para os eventos de conteúdo similar ao que repreendem.
Acho, inclusive, que deveriam destinar suas emendas para bolsas de estudos.
Encerro dizendo que não sou contra ou a favor desse tipo de “performance” numa universidade pública ou privada, mas, dizendo, que se não fosse a “indignação” açodada o assunto teria “morrido” naquela sala e para uma plateia de 30 ou 40 pessoas, se é que tinha esse número de pessoas lá.
O escândalo trouxe uma visibilidade e exposição que os indignados protetores da universidade não queriam (?). Ou será que o que queriam, efetivamente, era “lacrar” em cima do episódio?
Será que a exibição na UFMA causou mais dano do que divulgação feita pelos cidadãos de bem protetores da universidade?
Não deixa de ser bisonho que os mais indignados são justamente aqueles que dia sim e no outro também reclamam contra a censura, a falta de liberdade de expressão, a ditadura do judiciário, o Xandão …
Será que a liberdade de expressão que tanto pregam e dizem defender não alcançaria a aquela performance também?
Se sou convidado para uma festa e ela não faz meu estilo, eu não vou. Se sou convidado para uma palestra e o assunto não tem nada a ver comigo, os premio com minha ausência; se a televisão exibe algo que não gosto, mudo de canal ou desligo a televisão.
Acho que é o melhor caminho.
Abdon C. Marinho é advogado.