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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Quinta-feira, 21 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

 

 


DADIDO PARTIU. 

Por Abdon C. Marinho.

— DADIDO chegou! Dadido chegou! 

Era assim, na aldeia da minha infância, que nos referíamos à chegada do meu irmão mais velho  quando ele voltava nos finais semana ou nas férias ou quando aparecia por lá por qualquer outro motivo. 

Ele e minha irmã (mais velha que ele) foram registrados com sobrenomes diferentes do restante da família: Marinho de Melo ao invés de Clementino de Marinho. Na Assembleia, em um período em trabalhamos simultaneamente, ele como assessor de Leal e eu como chefe de gabinete de Juarez Medeiros, não faziam essa ligação. 

Na infância, ainda bem novinho, trabalhava na roça para ajudar a criar os outros irmãos. 

Mas meu pai, na hora que pode, o colocou pra estudar em Governador Archer, município de onde nosso povoado era distrito, distante 18 km. Como não tinha estrada tinha que ficar por lá a semana toda, hospedado na casa das Leonel, um grupo de mulheres que se afeiçoaram a minha mãe e que recebeu Dadido e depois outros de nós para estudar, até que meu pai alugou uma casa da Rua do Sossego, Governador Archer. 

Ele foi o primeiro a ir e quando voltava para o povoado era uma festa.

Lá na mercearia de tio Dió (uma casa grande com vasto alpendre sobre uma calçada alta se dividia entre a parte residencial e uma quitanda que tinha de tudo) as pessoas se reuniam. 

— Dadido me paga uma dose. Pedia o velho Arthur. Sempre o vi como velho, mesmo quando muito jovem. Ele era parente de minha mãe e assinava como Melo (Arthur Maximiano de Melo) e viera com caravana do Rio Grande do Norte para as terras do Mearim. 

— Ô “tie” Dió, coloque uma dose seu Arthur. 

Tio Dió pegava um daqueles “copos de enganar bêbado” e colocava a dose para o seu Arthur que a bebia de uma talagada só. 

Passado um tempo lá voltava Arthur: —Dadido, paga mais uma dose que te dou uma abóbora. 

Dadido autorizava tio Dió. Depois que Arthur tomava umas três ou quatro sempre com a desculpa de dar uma abóbora ou um gerimum ou qualquer outra coisa e Dadido ia cobrar o velho Arthur ia pra cima dele: — vou te dar coisa nenhuma, rapaz, eu só queria era tomar minha dose. 

E todos caiam na gargalhada farta. 

Uma das minhas primeiras lembranças que tenho de Dadido é a do “rapto” para casar. 

Naquele tempo, final dos anos sessenta e inicio do setenta, mesmo para o ginásio (fundamental maior) não haviam professores habilitados no município e a prefeita da época D. Mundinha, “importava” professoras de outros centros urbanos mais desenvolvidos para ensinar o povo. De Timon veio a professora Orieta; de Barão de Grajaú, a professora Socorro e outras de outros lugares.  

Dadido e Socorro se “engraçaram” um com o outro, ele aluno e ela professora, e começaram a namorar. E depois inventaram de fugir para casar. 

Uma noite resolveram fugir a pé com destino ao Centro Novo para “consolidar” a relação, seguiram estrada a fora contando apenas com a claridade da lua. Dona Mundinha, claro, não gostou nada disso – tinha responsabilidade com aquelas moças –, e mandou o jipe da polícia atrás dos fujões. Na hora que estes avistavam o jipe corriam para o mato para despistá-los. E, de despiste em despistes, não foram alcançados. 

E assim, lá pelas tantas, chegaram ao Centro Novo. Meu pai e minha mãe, que ainda era viva, decidiram que teriam de casar, como, aliás, eles queriam. 

Acho que eu tinha uns três anos, se muito, mas tenho a lembrança desse fato. 

Assim, meu irmão, o mais velho dos homens, casou-se com Socorro e viveram um casamento que durou até o dia 1º de novembro de 2024, com seus altos e baixos cumpriram o mandamento do “até que a morte os separe”, mais de cinquenta anos de casamento. 

Com a ajuda de ambas as famílias começaram a vida de casados. 

Depois, em meados dos anos setenta, vieram para São Luís, morar na Vila Bessa, Dadido conseguiu um emprego na COHAB, a companhia de habitação do estado, e depois foi trabalhar como assessor do deputado Raimundo Leal. 

Depois foram para o Habitacional Turu. Foi nessa época, já em 1985, que mudei-me para ilha, para estudar e tentar a vida. 

Na COHAB ajudou muitos a conseguirem sua casa própria ou mesmo entidades, como a igreja do Turu. 

Como assessor de Leal percorreu o Maranhão todo atendendo as demandas dos eleitores do deputado, de empregos, que na época não eram através de concurso público, a poços artesianos, sistemas de abastecimentos ou rede pública de iluminação. 

Em ambos os empregos sempre estava disposto a ajudar os que precisavam e a receber na sua casa tantos seus parentes como os de Socorro que vinham para a capital para estudar. Foi assim comigo e meus irmãos que vieram antes de mim e com os irmãos de Socorro e, depois, com alguns sobrinhos. 

Com Raimundo Leal desenvolveu uma relação de “pai e filho” a ponto do veterano deputado confiar que lhe representasse em tudo que era evento e até mesmo “tocar” suas campanhas eleitorais quando já se encontrava doente. 

Através de Leal fez amizades com diversos outros políticos entre os quais o saudoso José Elouf. 

Quando da reforma previdenciária, do governo FHC, decidiu por aposentar-se de forma proporcional para evitar perder alguns de seus direitos. 

Aposentado, comprou um sítio na região do Cumbique, e voltou às origens camponesas estabelecendo uma relação quase mítica com a natureza. 

Com uma mão quase “santa” para as plantas, cultivava de tudo: goiaba, melancia, abóbora, feijão, milho, laranja, lima, limão, coco e tantas outros vegetais. 

Quando ia lá me mostrava o que tinha nessa área. Na última vez que fui mostrou-me um frondoso pé de canela e disse que iria produzir umas mudas de “Lalita” para eu plantar no meu sitio. A “lalita” é uma planta que ele mesmo criou que é o cruzamento de laranja, lima e tangerina e tem um sabor único. 

Dizia que as plantas tinham sensibilidade e que, às vezes, quando aparecia por lá alguém “carregado” elas murchavam. Ele já sabendo evitava mostrar determinadas criações para algumas pessoas. 

Essa mesma devoção que tinha com as plantas também devotava aos animais, notadamente os pássaros. Sempre deixava frutas nos pés para que eles se alimentassem e não se incomodavam se eles “destruíam” os frutos. 

Me dizia: — meu irmão, eles precisam mais desses frutos do que eu. 

No sítio, que virou sua razão de vida e seu santuário favorito gostava de receber os amigos para comer uma carne, tomar uma cerveja (sagrada para ele) e sempre cobrava minha presença. 

Embora sejamos de uma família muito grande aqui na ilha éramos apenas nós dois de irmãos. Ele,  mais expansivo, gostando de receber nos finais de semana; eu, já mais reservado e gostando de usar os finais de semana para ler ou escrever. 

Quando tinha algum “evento” mais importante, avisava na véspera: — amanhã estou te aguardando no sítio. Só aviso agora para não da tempo de “inventar” uma desculpa. Vou mandar um dos meninos te buscar. E mandava, ou Denilson (que perdemos há quase três anos) ou Marcos Vinícius ou Assis. 

Foi assim há quinze dias, por ocasião do aniversário de Márcia, a filha mais velha. Quando falou que mandaria me buscar, disse que não precisava, pegaria um carro de aplicativo. Como fiz. Na despedida ele segurou pela última vez no meu braço para ajudar-me a entrar no carro de aplicativo com uma sacola de “lalitas”, que mandou o neto colher na hora e um galho de canela. 

Quando ia, ficava por lá umas duas ou três horas, era apresentado para alguns amigos dele, reencontrava alguns parentes e o via “tirando onda” com os mais próximos, como o Toinho, marido de nossa sobrinha-neta Cristina ou o genro Moura, a quem botou o apelido de “Adamastor”. Intimava dizendo: —meu irmão, todo final de semana o “Adamastor” toma de conta da churrasqueira e queima a carne, eu deixo na esperança dele aprender um dia, e ria. 

A bondade de Dadido fez com que Deus o premiasse com uma boa morte, sem qualquer sofrimento, morreu enquanto dormia. Era o Dia de Todos os Santos, 1º de novembro. 

No seu enterro, no dia seguinte, Finados, os pássaros, como em uma última homenagem, fizeram uma revoada sobre seu túmulo. Só sobre o seu túmulo. 

Foi a confirmação e a dura certeza: Dadido partiu.

Abdon C. Marinho é advogado.