AbdonMarinho - EUA lançam um novo verbo: trumpar.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 09 de Março de 2025



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

EUA lançam um novo verbo: trumpar.

EUA lançam um novo verbo: trumpar.

Por Abdon C. Marinho.

ERA UMA tarde modor­renta de domingo. Pas­sava os canais da tele­visão a cabo em busca de algo para assi­s­tir quando, em um canal de clás­si­cos, deparei-​me com a série Roma, que assi­s­tira pela primeira vez lá pelo iní­cio dos anos dois mil. Gostei tanto que até com­prei uma coleção de DVD’s da mesma.

No domingo alcançei a mara­tona da série quando já estava ali pelo Segundo Tri­un­vi­rato (acordo político for­mal­izado entre Marco Antônio, Otávio e Lépido para con­duzir Roma após o assas­si­nato de Caio Júlio César – e que durou de 43 a.C até 33 a.C).

Emb­ora seja cati­vante falar sobre o Império Romano, inclu­sive da ascen­são de César ao poder, o Primeiro Tri­un­vi­rato (a aliança polit­ica infor­mal entre Pom­peu, César e Crasso ocor­rida entre 60 a.C e 53 a.C) e tan­tas outra situ­ações, a parte que inter­essa ao pre­sente texto, que vi retratado na série diz respeito ape­nas ao suposto encon­tro entre o tetrarca da Judéia, Herodes e Marco Antônio.

Herodes busca no Império Romano apoio para se con­sol­i­dar como rei dos judeus e dirige-​se a Marco Antônio nos seguintes termos:

— Soube que vocês, romanos, não pedem sub­or­nos mas que esperam que lhe sejam ofer­e­ci­dos, é ver­dade?

Marco Antônio ape­nas assente e Herodes oferece-​lhe uma quan­tia sig­ni­fica­tiva para con­tar com apoio de Roma, se cer­ti­f­i­cando de que aquele “sub­orno” seria divi­dido entre os três triún­vi­ros.

A série mostra Marco Antônio recla­mando que pode­ria ter pedido mais e que tal sub­orno possa ter sido o iní­cio do fim do Tri­un­vi­rato pois quis pas­sar a perna nos demais.

O leitor aflito ou ansioso deve estar de per­gun­tando o que fatos há mais de dois mil tem a ver com os Esta­dos Unidos da América “terem” lançado no “mer­cado” o verbo trumpar.

Pois é, sucede que dias depois era como se aquela imagem do entreten­i­mento que assi­s­tira anos atrás e que revira naquele final de tarde de domingo estivesse se repetindo, dessa vez exibida e trans­mi­tida por todos os canais de tele­visão do mundo.

O “imper­ador” de Israel foi aos Esta­dos Unidos ter com aquele que se julga imper­ador do mundo em busca do apoio para con­tin­uar a pro­mover o mas­sacre do povo palestino.

No final daquele mesmo dia Trump anun­ciou a intenção de “ficar” com a Faixa de Gaza, o ter­ritório palestino que era (é) o lar de mais de dois mil­hões de pes­soas. São mais de dois mil­hões de pes­soas que o imper­ador amer­i­cano sug­ere que seja desa­lo­ja­dos de suas ter­ras e espal­ha­dos por países viz­in­hos para que ele possa “limpar” o ter­ritório e con­struir sua “reviera” do Ori­ente Médio, de prefer­ên­cia com muitos cassi­nos e cam­pos de golfe.

Esse terá sido o acordo entre os dois imper­adores? Já no dia seguinte o pres­i­dente amer­i­cano anun­ciou a reti­rada e retal­i­ação ao Tri­bunal Penal Inter­na­cional deixando de recon­hecer sua juris­dição por aquele tri­bunal ter incluído o israe­lense entre os crim­i­nosos de guerra do mundo pelo mas­sacre do povo palestino em Gaza.

Tudo parece “encaixar” tão bem que se me dissessem que com­bi­na­ram o ataque ter­ror­ista de 7 de out­ubro de 2023, que deu o pre­texto para a destru­ição de Gaza e o mor­ticínio de mais de 50 mil palesti­nos, a quase total­i­dade inocentes e setenta por cento desse número mul­heres e cri­anças eu não teria difi­cul­dades de acred­i­tar.

Veio o ataque ter­ror­ista do Hamas, veio o mas­sacre da pop­u­lação de Gaza na con­traofen­siva israe­lense; veio a destru­ição de toda infraestru­tura do local, veio a fome, a sede, o frio e agora a ideia que aquela faixa de terra tem que ser admin­istrada pelos amer­i­canos para tornar aquele lugar uma “reviera”, de prefer­ên­cia um mega negó­cio imo­bil­iário para encher os bol­sos dos plu­to­cratas que assumi­ram o poder no império do norte.

E o que fazer com aque­les mais de dois mil­hões de pes­soas que ten­tam sobre­viver à todas essas provações da vida? Ora, esses homens, mul­heres, cri­anças, idosos, etcetera serão espal­ha­dos como expa­tri­a­dos pelos países viz­in­hos.

Já nos dias seguintes o gov­erno de Israel falava em um plano de saída “vol­un­tária” daque­las pes­soas pri­vadas de tudo, inclu­sive da vida.

O verbo trumpar talvez tenha no assalto à Gaza sua mais elo­quente man­i­fes­tação. O cidadão que nom­ina o verbo fala sobre aque­les seres humanos, já pri­va­dos de tudo, como estivesse lhes fazendo um bem. Espalhá-​los pelo mundo, expa­tri­a­dos, sem refer­ên­cias, sem unidade, sem a sua existên­cia como um povo.

Veja que não fala em acol­hi­mento no seu país. Muito pelo con­trário, por lá iniciou-​se uma autên­tica “caça às bruxas” con­tra os imi­grantes que não ingres­saram de forma reg­u­lar no país, tratando a todos como mar­gin­ais.

O verbo trumpar encontra-​se pre­sente nas mais estapafúr­dias man­i­fes­tações do homem mais poderoso do mundo.

—Vamos incor­po­rar o Canadá transformá-​lo no 51º estado amer­i­cano;

—Pre­cisamos da Groen­lân­dia para a nossa segu­rança nacional;

—Vamos retomar o Canal do Panamá; e:

—Vamos assumir Gaza.

Tudo isso dito com a tran­quil­i­dade de quem pede um big Mac no McDon­ald. Pior, com dis­sim­u­lação de quem tenta dizer que está “fazendo favor”. Alguém, em sã con­sciên­cia, acha isso normal?

Ao lado disso, a imposição de tar­i­fas desconexas; o desmonte de orga­ni­za­ções mul­ti­lat­erais impor­tantes para o equi­líbrio geopolítico global; o nega­cionismo climático em um momento de emergên­cia inques­tionável e tan­tas out­ras lou­curas.

O verbo trumpar é a com­pro­vação de que o mundo não mais poderá con­tar com o apoio norte amer­i­cano para man­ter o equi­líbrio global, sua sol­i­dariedade em relação a diver­sos temas que eles con­duziam e man­tinham sua importân­cia.

O mundo pre­cisa (terá) encon­trar out­ros pon­tos de equi­líbrios diante da opção do novo gov­erno amer­i­cano de isolar-​se dos demais países e viver para si e para os seus próprios inter­esses indifer­entes ao fato de todos esta­mos na mesma nave.

Como já assis­ti­mos tan­tas out­ras vezes ao longo da história aquilo que ten­tam trans­pare­cer como prova de força é, na ver­dade, a der­radeira prova de decadên­cia de um império.

Como em todos os impérios deca­dentes os inter­esses públi­cos se mis­tu­ram aos inter­esses pri­va­dos dos donos do poder a ponto de não se con­seguir dis­tin­guir onde ter­mina um e começa o outro.

Não é o que esta­mos assistindo? Dizem que a Groen­lân­dia é um inter­esse estratégico do país, mas não tem quem não saiba que a plu­toc­ra­cia quer mesmo o comando da ilha para explo­rar o ter­ritório eco­nomi­ca­mente. No caso de Gaza nem procu­raram dis­farçar: querem expa­triar os palesti­nos para faz­erem a tal Reviera do Ori­ente Médio.

O verbo trumpar se amolda como uma luva à con­statação de Herodes em relação aos côn­sules romanos: o desejo gan­har algo (sub­orno) não é expres­sado mas a máquina se move pelos inter­esses pes­soais dos imper­adores.

Santa hipocrisia.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.