A ascensão do autoritarismo
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- Criado: Sábado, 15 Fevereiro 2025 20:27
- Escrito por Abdon Marinho
A ascensão do autoritarismo.
Por Abdon C. Marinho.
HÁ ALGUNS DIAS reproduzi numa publicação em redes sociais a seguinte frase: “os que não estudam a história estão condenados a repeti-la. E os que a estudam estão condenados a presenciar sua repetição pelos que não a estudam”. Vi tal frase numa publicação da revista Conexão Literatura que não menciona o autor.
Tenho o grave defeito de refletir sobre o que leio, sobre o que vivi, sobre o que presenciei.
Outro dia, no texto “EUA lançam um novo verbo: trumpar”, restou implícito um questionamento que os poucos porém queridos leitores deixaram de se fazer e me fazer – pelo menos nenhum me questionou.
Mais à frente mostrarei o que passou batido.
Voltemos à história.
O pastor luterano alemão Martin Niemöller (1892 — 1984) até o início dos anos 1930, do século passado, foi um simpatizante de muitas das ideias nazistas chegando a apoiar movimentos políticos radicais da extrema direita. Essa situação mudou quando Hitler chegou ao poder e passou a perseguir as igrejas protestantes. Como crítico ferrenho do nazismo implantado passou muitos daquele régime entre prisões e campos de concentração.
As diversas frases de Niemöller ditas naqueles anos e depois viraram uma espécie de poemeto intitulado “First they came”, conhecido em todo mundo assim:
“Primeiro eles levaram os socialistas e eu
Não disse nada — porque eu na era socialista.
Então eles levaram os sindicalistas, e eu
Não disse nada — porque eu não era sindicalista.
Então eles levaram os judeus e eu
Não disse nada — porque eu não era judeu.
Então eles vieram me buscar — e não havia
Sobrado ninguém pra falar por mim”.
Já tem alguns anos o mundo vem experimentando uma escalada autoritária – tanto à direita quanto à esquerda e pelos caudilhos oportunistas que não são nem uma coisa nem outra e que se aproveitam para massacrar o povo.
Essa guinada autoritária foi “exponenciada” com a posse de Trump no comando dos Estados Unidos da América.
Digo escalada autoritária para que haja uma clara distinção entre o que é autoritarismo e conservadorismo.
Winston Churchill, Margaret Thatcher, Ronald Reagan, os Bush, foram governantes conservadores, amantes do livre comércio, do capitalismo, do empreendedorismo.
Vimos, na Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill “segurar” quase sozinho uma guerra mundial em defesa dos valores que todos tinham como certos; com a primeira ministra conhecida por Dama de ferro, por mais que se criticasse sua política, ninguém questionava os valores que a movia; com os mais variados presidentes americanos conservadores ou não, o sentimento sempre foi o mesmo, ainda que se discordasse, não se tinha notícia de presidente querendo mudar os consensos mínimos por interesses pessoais ou ideológicos.
Ortega, Trump, Putin, Bukele, e tantos outros são políticos autoritários, que explorando as necessidades prementes dos seus povos impõem seus modelos de dominação.
Os cidadãos de seus países, assim com o pastor Martin Niemöller, não percebem a distinção entre uma coisa e outra até que o mal acabe por voltar-se contra eles. Acredito ser por isso que vemos tantas pessoas que se dizem cristãos, conservadores, amantes da lei e da ordem aplaudindo regimes autoritários que através de seus líderes “compraram” um ideário de defesa de seus valores.
Em pleno século XXI vemos esses políticos massacrando seus povos para manter-se no poder ou empreendendo guerras de conquista de territórios para “tomar” recursos daqueles povos.
O caso do novo régime americano temos um governante que utiliza-se do poder do cargo para o enriquecimento pessoal – o que é pior.
Fala com uma tranquilidade impressionante sobre anexar o Canadá, sobre tomar a Groenlândia, sobre retomar o Canal do Panamá e ainda sobre expulsar os palestinos de sua pátria histórica e no seu lugar construir a chamada “Reviera do Oriente Médio”. Ou seja, para ele basta querer e dizer.
Ainda que não venha a fazer isso – mas ninguém pode ignorar o que diz o presidente da nação mais poderosa do mundo –, abre o precedente para que outros tiranos façam o mesmo. Com que legitimidade vai sdizer que a China não pode tomar pra si Taiwan ou que Putin simplesmente retalhe para si a Ucrânia?
Aliás, o próprio Trump já disse que tem interesse em fazer uma reuniãozinha com o governante chinês e o russo para “alinharem” suas politicas. A pergunta é: alinharem contra quem?
Agora mesmo o senhor Trump entre um decreto que manda liberar o consumo de plástico ou que suspenda o financiamento de escolas que exigem vacinação contra a COVID, informou que a Ucrânia deve ceder parte de seu território a invasão russa.
Em outra frente, através do vice-presidente, informa que os Estados Unidos (ou seu governo) apoiam o novo partido nazista nas eleições da Alemanha. Quem poderia imaginar que algum dia algo assim fosse acontecer?
O retorno de Trump ao poder inaugurou uma nova ordem mundial: aquela em que países poderosos poderão fazer o que quiserem sem o temor de qualquer censura ou mesmo retaliação, seja política, comercial ou militar.
Inaugura-se uma nova era barbárie onde os mais fortes e ricos saem na frente. As nações e os governantes que pensam apenas nos seus países ou nos interesses de quem os governam podem condenar o restante da humanidade a um futuro sombrio.
Os mesmos conservadores que criticam Maduro ou Ortega por seus regimes sanguinários apoiam as atrocidades cometidas por Israel contra o povo palestino; apoiam o estado-prisão de El Salvador, onde o tal Bukele sai prendendo a torto e direito pessoas por suspeita de cometimento de crimes – até crianças e adolescentes –, e que possuir uma tatuagem no corpo é sinônimo de pertencer ao crime organizado.
Outro dia um querido amigo – que por sinal tem o corpo recoberto por tatuagens –, lançou um elogio ao régime salvadorenho. Pensei comigo: será que ele que se estivesse lá estaria mofando numa prisão?
Os mesmos que olham com indiferença a invasão da Ucrânia pela Rússia e que “babam” de emoção a cada insanidade que sai da boca de Trump ou do seu lugar-tenente, Musk, o mesmo que acumula um cargo no governo e que negocia venda de bilhões de suas empresas ao mesmo governo.
O mundo entra numa era de caos justamente no crucial momento em que precisamos de líderes capazes de trabalhar em conjunto em torno de uma agenda de consenso mínimo para salvar o planeta.
Repetimos o ciclo referido no início do texto: “os que não estudam a história estão condenados a repeti-la. E os que a estudam estão condenados a presenciar sua repetição pelos que não a estudam”.
Não é o que estamos assistindo: o que estudamos a história não estamos vendo os mesmos erros tantas vezes se repetindo?
Ah, sobre a pergunta inserta implicitamente no artigo anterior é seguinte: o topetudo da Casa Branca já ameaçou anexar o Canadá; quer colocar as mãos sobre o Canal do Panamá, a Groenlândia e a Faixa de Gaza; já trata como certo o retalho da Ucrânia, etcetera, enquanto tempo e o que faremos quando ele disser que a Amazônia o pertence e que “tomar de conta” dela?
Aos que se deixam enganar por tão pouco essa é uma reflexão para o final de semana.
Abdon C. Marinho é advogado.
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Abraços.