AbdonMarinho - A ascensão do autoritarismo
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 09 de Março de 2025



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A ascen­são do autoritarismo


A ascen­são do autoritarismo.

Por Abdon C. Marinho.

ALGUNS DIAS repro­duzi numa pub­li­cação em redes soci­ais a seguinte frase: “os que não estu­dam a história estão con­de­na­dos a repeti-​la. E os que a estu­dam estão con­de­na­dos a pres­en­ciar sua repetição pelos que não a estu­dam”. Vi tal frase numa pub­li­cação da revista Conexão Lit­er­atura que não men­ciona o autor.

Tenho o grave defeito de refle­tir sobre o que leio, sobre o que vivi, sobre o que pres­en­ciei.

Outro dia, no texto “EUA lançam um novo verbo: trumpar”, restou implíc­ito um ques­tion­a­mento que os poucos porém queri­dos leitores deixaram de se fazer e me fazer – pelo menos nen­hum me ques­tio­nou.

Mais à frente mostrarei o que pas­sou batido.

Volte­mos à história.

O pas­tor luter­ano alemão Mar­tin Niemöller (18921984) até o iní­cio dos anos 1930, do século pas­sado, foi um sim­pa­ti­zante de muitas das ideias nazis­tas chegando a apoiar movi­men­tos políti­cos rad­i­cais da extrema dire­ita. Essa situ­ação mudou quando Hitler chegou ao poder e pas­sou a perseguir as igre­jas protes­tantes. Como crítico fer­renho do nazismo implan­tado pas­sou muitos daquele régime entre prisões e cam­pos de con­cen­tração.

As diver­sas frases de Niemöller ditas naque­les anos e depois viraram uma espé­cie de poemeto inti­t­u­lado “First they came”, con­hecido em todo mundo assim:

Primeiro eles levaram os social­is­tas e eu

Não disse nada — porque eu na era socialista.

Então eles levaram os sindi­cal­is­tas, e eu

Não disse nada — porque eu não era sindicalista.

Então eles levaram os judeus e eu

Não disse nada — porque eu não era judeu.

Então eles vieram me bus­car — e não havia

Sobrado ninguém pra falar por mim”.

Já tem alguns anos o mundo vem exper­i­men­tando uma escal­ada autoritária – tanto à dire­ita quanto à esquerda e pelos caudil­hos opor­tunistas que não são nem uma coisa nem outra e que se aproveitam para mas­sacrar o povo.

Essa guinada autoritária foi “expo­nen­ci­ada” com a posse de Trump no comando dos Esta­dos Unidos da América.

Digo escal­ada autoritária para que haja uma clara dis­tinção entre o que é autori­tarismo e con­ser­vadorismo.

Win­ston Churchill, Mar­garet Thatcher, Ronald Rea­gan, os Bush, foram gov­er­nantes con­ser­vadores, amantes do livre comér­cio, do cap­i­tal­ismo, do empreende­dorismo.

Vimos, na Segunda Guerra Mundial, Win­ston Churchill “segu­rar” quase soz­inho uma guerra mundial em defesa dos val­ores que todos tin­ham como cer­tos; com a primeira min­is­tra con­hecida por Dama de ferro, por mais que se crit­i­casse sua política, ninguém ques­tion­ava os val­ores que a movia; com os mais vari­a­dos pres­i­dentes amer­i­canos con­ser­vadores ou não, o sen­ti­mento sem­pre foi o mesmo, ainda que se dis­cor­dasse, não se tinha notí­cia de pres­i­dente querendo mudar os con­sen­sos mín­i­mos por inter­esses pes­soais ou ide­ológi­cos.

Ortega, Trump, Putin, Bukele, e tan­tos out­ros são políti­cos autoritários, que explo­rando as neces­si­dades pre­mentes dos seus povos impõem seus mod­e­los de dom­i­nação.

Os cidadãos de seus países, assim com o pas­tor Mar­tin Niemöller, não percebem a dis­tinção entre uma coisa e outra até que o mal acabe por voltar-​se con­tra eles. Acred­ito ser por isso que vemos tan­tas pes­soas que se dizem cristãos, con­ser­vadores, amantes da lei e da ordem aplaudindo regimes autoritários que através de seus líderes “com­praram” um ideário de defesa de seus val­ores.

Em pleno século XXI vemos esses políti­cos mas­sacrando seus povos para manter-​se no poder ou empreen­dendo guer­ras de con­quista de ter­ritórios para “tomar” recur­sos daque­les povos.

O caso do novo régime amer­i­cano temos um gov­er­nante que utiliza-​se do poder do cargo para o enriquec­i­mento pes­soal – o que é pior.

Fala com uma tran­quil­i­dade impres­sio­n­ante sobre anexar o Canadá, sobre tomar a Groen­lân­dia, sobre retomar o Canal do Panamá e ainda sobre expul­sar os palesti­nos de sua pátria histórica e no seu lugar con­struir a chamada “Reviera do Ori­ente Médio”. Ou seja, para ele basta querer e dizer.

Ainda que não venha a fazer isso – mas ninguém pode igno­rar o que diz o pres­i­dente da nação mais poderosa do mundo –, abre o prece­dente para que out­ros tira­nos façam o mesmo. Com que legit­im­i­dade vai sdizer que a China não pode tomar pra si Tai­wan ou que Putin sim­ples­mente retalhe para si a Ucrânia?

Aliás, o próprio Trump já disse que tem inter­esse em fazer uma reuniãoz­inha com o gov­er­nante chinês e o russo para “alin­harem” suas polit­i­cas. A per­gunta é: alin­harem con­tra quem?

Agora mesmo o sen­hor Trump entre um decreto que manda lib­erar o con­sumo de plás­tico ou que sus­penda o finan­cia­mento de esco­las que exigem vaci­nação con­tra a COVID, infor­mou que a Ucrâ­nia deve ceder parte de seu ter­ritório a invasão russa.

Em outra frente, através do vice-​presidente, informa que os Esta­dos Unidos (ou seu gov­erno) apoiam o novo par­tido nazista nas eleições da Ale­manha. Quem pode­ria imag­i­nar que algum dia algo assim fosse acontecer?

O retorno de Trump ao poder inau­gurou uma nova ordem mundial: aquela em que países poderosos poderão fazer o que quis­erem sem o temor de qual­quer cen­sura ou mesmo retal­i­ação, seja política, com­er­cial ou mil­i­tar.

Inaugura-​se uma nova era bar­bárie onde os mais fortes e ricos saem na frente. As nações e os gov­er­nantes que pen­sam ape­nas nos seus países ou nos inter­esses de quem os gov­er­nam podem con­denar o restante da humanidade a um futuro som­brio.

Os mes­mos con­ser­vadores que criti­cam Maduro ou Ortega por seus regimes san­guinários apoiam as atro­ci­dades cometi­das por Israel con­tra o povo palestino; apoiam o estado-​prisão de El Sal­vador, onde o tal Bukele sai pren­dendo a torto e dire­ito pes­soas por sus­peita de come­ti­mento de crimes – até cri­anças e ado­les­centes –, e que pos­suir uma tat­u­agem no corpo é sinôn­imo de per­tencer ao crime orga­ni­zado.

Outro dia um querido amigo – que por sinal tem o corpo recoberto por tat­u­a­gens –, lançou um elo­gio ao régime sal­vadorenho. Pen­sei comigo: será que ele que se estivesse lá estaria mofando numa prisão?

Os mes­mos que olham com indifer­ença a invasão da Ucrâ­nia pela Rús­sia e que “babam” de emoção a cada insanidade que sai da boca de Trump ou do seu lugar-​tenente, Musk, o mesmo que acu­mula um cargo no gov­erno e que nego­cia venda de bil­hões de suas empre­sas ao mesmo gov­erno.

O mundo entra numa era de caos jus­ta­mente no cru­cial momento em que pre­cisamos de líderes capazes de tra­bal­har em con­junto em torno de uma agenda de con­senso mín­imo para sal­var o plan­eta.

Repeti­mos o ciclo referido no iní­cio do texto: “os que não estu­dam a história estão con­de­na­dos a repeti-​la. E os que a estu­dam estão con­de­na­dos a pres­en­ciar sua repetição pelos que não a estudam”.

Não é o que esta­mos assistindo: o que estu­damos a história não esta­mos vendo os mes­mos erros tan­tas vezes se repetindo?

Ah, sobre a per­gunta inserta implici­ta­mente no artigo ante­rior é seguinte: o topetudo da Casa Branca já ameaçou anexar o Canadá; quer colo­car as mãos sobre o Canal do Panamá, a Groen­lân­dia e a Faixa de Gaza; já trata como certo o retalho da Ucrâ­nia, etcetera, enquanto tempo e o que fare­mos quando ele disser que a Amazô­nia o per­tence e que “tomar de conta” dela?

Aos que se deixam enga­nar por tão pouco essa é uma reflexão para o final de sem­ana.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Comen­tários

0 #2 Maria do Remé­dio San 20-​02-​2025 18:38
Admirável doutor Abdon, agradeço pelo exce­lente texto, usare­mos como estudo do Serão.
Abraços.
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0 #1 Antônio Car­los Ferna 17-​02-​2025 01:06
Ótimo e opor­tuno texto. Parabéns, Dr Abdon Mar­inho. O mundo dev­erá se pron­tif­icar de olhos bem aber­tos a esse sujeito incon­se­quente. Cristo falou: VIGIAI.
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