AbdonMarinho - RSS

4934 Irv­ing Place
Pond, MO 63040

+1 (555) 456 3890
info@​company.​com

O Brasil fal­tou as aulas de história.

Escrito por Abdon Mar­inho


O BRASIL FAL­TOU AS AULAS DE HISTÓRIA.

Por Abdon C. Marinho.

NESTE fim de sem­ana ded­i­cado às emoções da final da Copa do Mundo da FIFA entre Argentina e França, dediquei um tempo para assi­s­tir o filme “Argentina, 1985”, inspi­rado na história dos acon­tec­i­men­tos do país título e na luta dos pro­mo­tores Julio Strassera e Luis Moreno Ocampo, e sua equipe de jovens estag­iários, para e levar a jul­ga­mento e à con­de­nação as jun­tas mil­itares respon­sáveis pela tor­tura, assas­si­natos e desa­parec­i­men­tos de mil­hares de argenti­nos.

Sem ofer­e­cer mais nen­hum “spoiler” do filme, devo dizer que senti-​me revis­i­tando o nosso próprio pas­sado, pois emb­ora muito jovem, os fatos que ocor­riam no país dos her­manos chegavam até nós por rádio ou pela tele­visão.

Naquele 1985 o Brasil tam­bém dava adeus à sua ditadura mil­i­tar – uma longa noite que durou 21 anos.

Difer­ente do que ocor­reu na Argentina, o Brasil fez a opção (ou nego­ciou) uma aber­tura grad­ual do régime mil­i­tar para a democ­ra­cia através de uma ANIS­TIA (Perdão geral, esquec­i­mento. Ato do poder público que declara impuníveis deter­mi­na­dos deli­tos, em geral por motivos políti­cos e, ao mesmo tempo, sus­pende diligên­cias per­se­cutórias e anula condenações).

Essa opção que, talvez, tenha nos trazido uma certa “tran­quil­i­dade” privou a maior parte da sociedade civil brasileira de encontrar-​se com o seu próprio pas­sado.

Achamo-​nos, como sociedade, no dire­ito de esque­cer e de per­doar fatos e crimes con­tra a ordem política e con­tra a humanidade dos quais não sofre­mos direta ou indi­re­ta­mente. Per­doamos as mortes, os desa­parec­i­men­tos e as tor­turas que não nos atingiu ou a alguém da nossa família ou algum amigo ou a uma pes­soa próx­ima.

Fize­mos o certo em nome da “paz social”?

Em nome de traz­er­mos os exi­la­dos a par­tir 1979 para que começasse a par­tic­i­par do processo eleitoral e político nos anos seguintes neg­amos à sociedade o dire­ito de con­hecer uma grande parte da nossa história recente.

Sobre os crimes da ditadura con­tra a sociedade civil e con­tra a humanidade, ape­nas o livro Brasil Nunca Mais, que bem poucos brasileiros tiveram acesso, bem difer­ente do ocor­rido na Argentina em que os jul­ga­men­tos, trans­mi­ti­dos via rádio, dava aquela sociedade, o con­hec­i­mento do ocor­rido nas palavras de quem sofr­era os abu­sos, os crimes hedion­dos da tor­tura.

Quando da trans­fer­ên­cia de poder – ou da devolução do poder –, falava-​se muito que não pode­ria haver “revan­chis­mos”, eu mesmo, durante muitos anos, defendi essa tese, que dev­eríamos esque­cer, colo­car uma pedra sobre o assunto e seguir em frente.

Mas, fize­mos o certo ao negar ao povo um encon­tro com o seu pas­sado recente em nome da “paz social”?

Hoje, quase quarenta anos depois, tenho dúvi­das e ques­tion­a­men­tos sobre isso.

Vejo mil­hares de brasileiros (talvez mil­hões) acam­pa­dos em frente aos quar­téis das Forças Armadas, há quase cinquenta dias, pas­sando pri­vações, cla­mando por “inter­venção mil­i­tar”, eufemismo para o que real­mente defen­dem: um retorno a uma ditadura mil­i­tar no Brasil.

Me per­gunto se estas pes­soas, de todas as idades, sexo, gênero e religiões, estariam fazendo isso se efe­ti­va­mente tivessem con­hec­i­mento do que se pas­sou nos anos de régime mil­i­tar e do sig­nifi­cado disso para o país.

Será que pen­sam que a “inter­venção mil­i­tar”, se fosse exe­quível, seria só a insta­lação de uma junta de coman­dantes mil­itares no poder – ou talvez, man­ter o mesmo gov­er­nante no poder dando-​lhe sus­ten­tação pela força –, e tudo con­tin­uar como dantes? E o que fazer com o Con­gresso Nacional recém-​eleito? O que fazer com o Supremo Tri­bunal Fed­eral e com os demais tri­bunais fed­erais? O que fazer com os gov­er­nos estad­u­ais e com as Assem­bleias Leg­isla­ti­vas? Pren­der todos que dis­cor­darem do régime mil­i­tar que dese­jam? Exi­lar? Pren­der? Matar?

Vemos que não faz qual­quer sen­tido o que querem.

Mesmo essas “mobi­liza­ções” suposta­mente para ten­tar legit­i­mar uma rup­tura insti­tu­cional e a implan­tação de uma ditadura, não fazem sen­tido, pois ilegí­ti­mas na origem.

Os próprios mil­itares brasileiros sabem disso, tanto assim que se man­tém ordeiros den­tro dos quar­téis.

Devem saber que não existe condições para imple­men­tar uma ditadura no país e que 2022 é muito difer­ente de 1964, no Brasil e no mundo.

O ques­tion­a­mento de ile­git­im­i­dade do processo eleitoral brasileiro, por mais que tragam essa ou aquela nar­ra­tiva ou apre­sen­tem ou outra situ­ação ou mesmo fatos pos­síveis de serem ques­tion­a­dos não são sufi­cientes para quer­erem anu­lar o pleito eleitoral.

O processo eleitoral brasileiro é passível de ver­i­fi­cação e audi­to­rias em todas as suas fases.

E na eleição pas­sada, mais do que nas out­ras, foi sobe­ja­mente audi­tado, inclu­sive, pelas Forças Armadas que dis­seram não ter encon­trado provas de quais­quer ilíc­i­tos. Se tivessem tido um pouquinho mais de cor­agem não teriam dito que “o fato de não terem encon­trado, não sig­nifica que não tenha”, ou algo do tipo.

O certo é que não podemos abrir mão da democ­ra­cia que tanto nos cus­tou con­quis­tar porque os der­ro­ta­dos no pleito não se con­for­mam com a derrota.

Um amigo, muito querido, por sinal, enviou-​me um vídeo, onde denun­ci­avam uma prova “cabal” de fraude eleitoral: um morto apare­cia nos sis­temas eleitorais como tendo voltado em deter­mi­nada sessão.

Para quem lida com eleições há muitos anos, sabe que fatos assim podem acon­te­cer.

Às vezes um eleitor assina no caderno de votação no lugar inde­v­ido; pode até mesmo acon­te­cer de um eleitor se fazer pas­sar por outro e pedir ao pres­i­dente que libere a urna pelo fato da bio­me­tria não fun­cionar; pode até mesmo que os inte­grantes da seção de votação come­ter a fraude de votar por quem não compareceu.

Se isso acon­te­cer, a respon­s­abil­i­dade não é “toda” da Justiça Eleitoral, mas, prin­ci­pal­mente, dos par­tidos políti­cos, que nos ter­mos da leg­is­lação eleitoral, podem fis­calizar todas as fases do processo: da inscrição do eleitor até o momento em que o mesmo deposita o voto na urna.

Temos mais 30 par­tidos políti­cos em fun­ciona­mento reg­u­lar e recebendo uma “bolada” dos cidadãos para garan­ti­rem o reg­u­lar fun­ciona­mento da democ­ra­cia, se per­mitem que alguma irreg­u­lar­i­dade ocorra, devem, eles, arcarem com as con­se­quên­cias e não a sociedade.

Uma outra obser­vação a ser feita é que alguma descon­formi­dade que por ven­tura possa ocor­rer, não acon­tece ape­nas em bene­fí­cio de um can­didato, quando e se acon­tece, todos tiram suas van­ta­gens.

Isso para dizer que não faz sen­tido anular-​se um pleito eleitoral, envol­vendo quase cento e trinta mil­hões de eleitores porque na seção eleitoral de um povoado de “Muzam­binho” suposta­mente apare­ceu um voto de alguém que não pode­ria ter votado.

De mais a mais, se tem alguém que não pode recla­mar do come­ti­mento de deli­tos eleitoral na eleição pas­sada, é o atual pres­i­dente der­ro­tado: nunca na história deste país vimos um gov­erno come­ter tanto abuso de poder político e econômico como vimos no último pleito. Basta dizer que até “din­heiro público” foi dis­tribuído com as várias des­cul­pas para reverter os votos dos eleitores mais vul­neráveis eco­nomi­ca­mente.

Aos insat­is­feitos com o resul­tado das urnas, o mel­hor a faz­erem é acu­mu­lar forças políti­cas para as próx­i­mas eleições, daqui a dois e qua­tro anos, o que só será pos­sível numa democ­ra­cia, pois ditaduras não real­izam eleições livres e justas.

Em out­ras palavras, não deve­mos brin­car com a democ­ra­cia, pois sabe­mos que os riscos que cor­reríamos se não a tivésse­mos seriam infini­ta­mente maiores que qual­quer insat­is­fação com o resul­tado do pleito.

Quando à pre­ocu­pação de que Brasil vire uma ditadura comu­nista ou que o par­tido político que gan­hou as eleições “acabe” com país, não pre­cisam se pre­ocu­par, mesmo que ten­tem, não con­seguirão fazer isso em qua­tro anos, quando o povo brasileiro, mais uma vez, livre­mente, terá a chance de votar e escol­her o des­tino do país.

Enquanto isso um pas­seio pelos livros de história não faz mal a ninguém.

Na final da Copa do Qatar, que vença a mel­hor. Mas, viva a Argentina!

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

A poliomielite é uma emergên­cia nacional.

Escrito por Abdon Mar­inho


A POLIOMIELITE É UMA EMERGÊN­CIA NACIONAL.

Por Abdon C. Marinho.

NO SÁBADO, dia 3 de dezem­bro, recebi um CARD da Prefeitura de Itapecuru Mirim alu­sivo ao Dia Inter­na­cional das Pes­soas com Defi­ciên­cia, que segue ilus­trando o texto.

Não lem­brava da data – e pas­saria “batido” se não fosse o card rece­bido.

Já da defi­ciên­cia física, cau­sada pela pólio que me acome­teu nos meus primeiros anos de vida, desta até gostaria de esque­cer, mais não con­sigo. Ela me acom­panha por mais de cinquenta anos como uma par­ceira cruel. Algu­mas vezes me fazendo lem­brar que está mais pre­sente do que nunca na minha vida.

Mas o pre­sente texto não se propõe à autopiedade ou auto­comis­er­ação, antes fosse, trata-​se, na ver­dade de um alerta urgente e necessário ao pouco caso com que as autori­dades e prin­ci­pal­mente, a sociedade têm dis­pen­sado a uma doença tão séria e grave quanto a poliomielite, que quando não mata deixa seque­las pelo resto da vida.

Já havia feito esse mesmo alerta – sobre o país encontrar-​se vul­nerável ao retorno da poliomielite –, em 2018, qua­tro anos depois e uma pan­demia no meio, a situ­ação ganha ares de emergên­cia nacional.

Estou na ter­ceira recidiva da poliomielite.

Há alguns anos – acho que pouco antes da pan­demia –, “do nada”, cai no ban­heiro, imag­inei, a princí­pio que fora um escor­regão por está com os pés mol­ha­dos ou um tapete mal colo­cado, ou qual­quer destas coisas que de tão comuns no dia dia a dia não lem­bramos o que se deu. Na ver­dade, quando fui ao médico e perguntou-​me como cai, não lem­brava com clareza como se dera.

As lem­branças já foram das dores da queda e das difi­cul­dades para voltar a andar mesmo uti­lizando o apoio das ben­galas – sim, durante um tempo tive fazer uso de dois apoios para con­seguir andar –, depois de muita fisioter­apia, gelo, etc., voltei a pre­cisar ape­nas de uma. Ainda assim, as con­se­quên­cias desta recidiva ainda se fazem muito pre­sente e dolori­das, o pé dire­ito, por exem­plo, encontra-​se mais “virado”, lev­an­tar e calçar um sap­ato pela manhã já é um desafio, as dores no cal­can­har, por está “mais virado” não dão trégua e, o aumento de um ou dois qui­los no peso ou uma bolsa mais pesada que car­rego à tira­colo são motivos para o agrava­mento das dores.

Como já era “caseiro”, a angús­tia de ter que colo­car um sap­ato para ir a qual­quer lugar ou mesmo enfrentar um com­pro­misso profis­sional – que no meu caso ocorre nos tri­bunais ou repar­tições públi­cas, sem­pre em espaços amplís­si­mos –, fez aumen­tar a minha “cas­mur­rice”. Tenho preferido os com­pro­mis­sos vir­tu­ais e quando os pres­en­ci­ais se tor­nam inevitáveis, “escalo” alguém para me acom­pan­har e me apoiar nos deslo­ca­men­tos mais lon­gos.

Outra providên­cia exigida por essa ter­ceira recidiva foi “mon­tar” uma acad­e­mia de ginás­tica em casa – a fisioter­apia na clínica, até pelos horários restri­tos, não fun­cio­nou como gostaria – e con­tratar um fisioter­apeuta que aten­desse em domicílio para acom­pan­har meu trata­mento.

Quem vê min­has posta­gens sobre a “vida de atleta” que levo ou da minha impro­visada acad­e­mia pode pen­sar que trata-​se de um luxo ou osten­tação ou, mesmo, de uma diver­são – pois procuro me diver­tir ou levar com “graça” o pade­cer –, mas, na ver­dade, tem sido uma neces­si­dade imposta pela doença.

Depois dessa última recaída, muitas vezes acordei no meio da madru­gada com von­tade de ir ao ban­heiro (do lado da cama, prati­ca­mente) e esper­ava a hora que teria que lev­an­tar defin­i­ti­va­mente para evi­tar sen­tir dores nos pés mais de uma vez.

Aos poucos, a “vida de atleta” vem me per­mitindo gan­har um pouco mais de mobil­i­dade e a superar as difi­cul­dades acima nar­radas.

O prob­lema do tornozelo talvez só seja resolvido com um sap­ato espe­cial ou uma órtese.

Na segunda recidiva – há mais de uma década –, a pólio me impôs a uti­liza­ção da uma ben­gala.

Muito emb­ora a ben­gala tenha um certo charme, a imposição do uso me cau­sou um certo abalo emo­cional – imag­ino que ocor­rerá o mesmo se tiver que usar a órtese ou sap­ato espe­cial –, pois antes andava “pra cima e pra baixo” sem qual­quer prob­lema além de me cansar mais rápido que os demais, porém ia todos lugares soz­in­hos, sem pre­cisar de qual­quer apoio, pegava ônibus e até ven­cia alguns quilômet­ros sem me cansar muito.

Tal qual deu-​se na ter­ceira recidiva, pas­sei a sentir-​me um pouco mais fraco, as vezes pre­cisando me apoiar para andar um pouco mais, situ­ações que não enfrentava ante­ri­or­mente.

Foi aí que os médi­cos da rede Sara recomen­dou o uso da ben­gala – que ia cumprindo total­mente a mis­são até esta ter­ceira recidiva.

Quando tive a poliomielite, na primeira infân­cia, os médi­cos de então dis­seram que eu não con­seguiria voltar a andar.

Acho que só fui con­seguir andar depois de dois ou três anos. Mas a par­tir daí, até a segunda recidiva, levei uma vida “nor­mal” den­tro das min­has limitações.

Com a segunda recidiva veio a neces­si­dade da ben­gala e agora, a “guerra” que nar­rei acima.

A guerra que enfrento há mais cinquenta anos é a que pre­tendo evi­tar ou aler­tar com o pre­sente texto.

Ontem, dia 10 de dezem­bro, em todo estado, foi o dia D da vaci­nação con­tra a poliomielite.

As infor­mações que me chegaram até a sexta-​feira, 9, além da der­rota da seleção brasileira para a seleção da Croá­cia, foi que o Brasil está per­dendo a guerra para a poliomielite, depois de anos a doença volta a ameaçar a pop­u­lação brasileira, prin­ci­pal­mente, as cri­anças, que não podem se defender.

A cober­tura vaci­nal até a data acima, se não me falha a memória, era de cerca de 70% (setenta por cento) quando dev­e­ria ser, de no mín­imo, 95% (noventa e cinco por cento).

Já há sus­peitas de casos de poliomielite no con­ti­nente amer­i­cano – inclu­sive no Brasil –, o que torna urgente a mobi­liza­ção de todos os cidadãos de bem para que vacin­emos todos que pre­cisam ser vaci­na­dos.

O regresso de tal molés­tia em ter­ritório nacional, pos­sivel­mente, com as mutações que o vírus deve ter sofrido, é algo que torna inse­guro não só a saúde das cri­anças, mas tam­bém de adul­tos. Não é demais lem­brar que quando Franklin Delano Roo­sevelt (18821945) teve poliomielite já con­tava com 39 anos de idade.

Pre­cisamos encarar a ameaça de rein­tro­dução da poliomielite no país como uma vitória da ignorân­cia.

Desde 1989 que não reg­istrá­va­mos casos de pólio no Brasil graças a par­tic­i­pação de todos na cam­pan­has de vaci­nação coman­dadas pelo “Zé Got­inha”. Nos últi­mos tem­pos a ignorân­cia foi “levando van­tagem” e afa­s­tando a pop­u­lação das cam­pan­has de vaci­nação levando-​nos ao risco que todos cor­re­mos hoje, em nome de uma suposta liber­dade indi­vid­ual que coloca em risco a vida é segu­rança de todos.

Faz-​se necessário que as autori­dades públi­cas cobrem com mais ênfase a vaci­nação de todos. Seja no momento de matric­u­lar as cri­anças nas esco­las – só se admitindo aque­las que este­jam imu­nizadas; seja no cadas­tro de pro­gra­mas assis­ten­ci­ais públi­cos – igual­mente exigindo a carteira de vaci­nação dev­i­da­mente preenchida.

Sem um nível de enfrenta­mento próprio das “guer­ras” não con­seguire­mos vencer a molés­tia mais uma vez.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado e defi­ciente.

Ainda é cam­panha … no grupo da família.

Escrito por Abdon Mar­inho


AINDA É CAM­PANHANO GRUPO DA FAMÍLIA.

Por Abdon C. Marinho.

ALGUNS ASSISTI uma troca de men­sagens acalo­rada entre dois dos meus ama­dos sobrin­hos – irmãos entre si –, no “grupo da família”.

O assunto era o mesmo de sem­pre dos últi­mos meses, quiçá anos: o cadáver insepulto da eleição pres­i­den­cial que teima em não des­en­car­nar.

A troca de men­sagens, por vezes áspera, remetia-​me à ideia de que a eleição ainda iria ocor­rer e não que já pas­sara e que o gov­erno eleito, a ser empos­sado no primeiro dia do ano que vem, já está fazendo suas próprias besteiras, e isso, inclu­sive, já servia de munição no debate entre ambos.

Como não cos­tumo travar qual­quer debate em grupo – muito emb­ora tenha opinião for­mada e exposta sem­anal­mente nos nos­sos tex­tos –, ape­nas reg­istrei as colo­cações deles evi­tando “tomar par­tido” no acalo­rado debate.

Depois, cá com os meus botões, pus-​me a refle­tir sobre o que vem acon­te­cendo no Brasil.

Como, na nossa família, exceção feita a minha pes­soa, nunca tive­mos sig­ni­fica­tivo enga­ja­mento político, imag­ino as frat­uras expostas do processo eleitoral ainda se fazem pre­sentes na maio­ria dos lares brasileiros, entre os gru­pos de ami­gos ou mesmo entre os cole­gas de empre­sas ou repartição.

Além do “grupo da família”, em out­ros em que fui colo­cado, parece que o único assunto exis­tente e per­ti­nente é o resul­tado eleitoral com pre­gações, vejam só, mesmo em gru­pos de advo­ga­dos, de pro­postas ou defesa de rup­turas insti­tu­cionais.

Fico sem enten­der nada, os advo­ga­dos, somos, nos ter­mos da Con­sti­tu­ição da República, artigo 133 “o advo­gado é indis­pen­sável à admin­is­tração da justiça, sendo invi­o­lável por seus atos e man­i­fes­tações no exer­cí­cio da profis­são, nos lim­ites da lei”.

Ape­sar disso, vejo alguns cole­gas na defesa intran­si­gente de retro­ces­sos e, pas­mem, de um retorno à ditadura mil­i­tar ou de uma nova ditadura – pois as ditaduras mil­itares nunca são as mes­mas e nunca são iguais, elas sem­pre encon­tram uma forma de “se pio­rarem” para se man­terem no poder.

Ora, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de rep­re­sen­tantes eleitos ou dire­ta­mente, nos ter­mos desta Con­sti­tu­ição”. Artigo 1º, pará­grafo único, da Con­sti­tu­ição Fed­eral.

Se não acred­i­ta­mos no princí­pio da sobera­nia pop­u­lar e achamos que os mil­itares que não tiverem o voto de ninguém devem inter­vir no poder esta­b­ele­cido con­forme o estado democrático de dire­ito, é porque deix­amos de acred­i­tar no próprio país.

E retorno ao assunto prin­ci­pal nos trouxe aqui:

Imag­ino que ainda hoje, mais de trinta dias após o pleito, irmãos este­jam intri­ga­dos, pais mal falando com fil­hos, avós sem abençoar netos, já sem poderem com­par­til­har a ale­gria dos almoços de domingo.

Imag­ino ami­gos inven­tando des­cul­pas para não se encon­trarem ou cole­gas de tra­balho que limi­tam os con­tatos ao essencial.

Ainda hoje, tem-​se notí­cias de pes­soas sendo agre­di­das ou asse­di­adas por seus posi­ciona­men­tos políti­cos em locais públi­cos, no Brasil e no exte­rior.

E, até pior, vemos autori­dades – sobre­tudo do judi­ciário –, sendo ata­cadas ou con­strangi­das por onde pas­sam, como se fos­sem respon­sáveis pelo resul­tado eleitoral adverso de um can­didato que perdeu a eleição para si próprio.

É como se estivésse­mos voltando ao está­gio de bar­bárie – pior com muita “gente boa” achando “bonito”.

O que dizer da situ­ação de um sen­hor de 80 anos – vamos abstrair que se trata de um dos maiores artis­tas do país, recon­hecido por sua int­elec­tu­al­i­dade, a ponto de torna-​se mem­bro da Acad­e­mia Brasileira de Letras –, ser agre­dido por cidadãos brasileiros enquanto se diri­gia para acom­pan­har um jogo da seleção brasileira pela Copa do Mundo?

Acaso ele – e qual­quer outro cidadão –, não tem o dire­ito de ter sua prefer­ên­cia política e votar em quem quiser?

Se igno­rar­mos que temos de espe­cial na nossa democ­ra­cia é o fato dos cidadãos, inde­pen­dente de qual­quer condição finan­ceira, int­elec­tual, de cor, raça, gênero e tan­tas out­ras, tem o dire­ito de votarem em quem quis­erem e que seu voto tem a mesma valia, talvez este­jamos acometi­dos por alguma descon­formi­dade cog­ni­tiva.

O princí­pio con­sti­tu­cional da sobera­nia pop­u­lar mate­ri­al­izado no voto livre e secreto é a bal­iza que deve submeter-​se todos os cidadãos, inde­pen­dente de con­cor­dar­mos ou não com a escolha feita. A única lim­i­tação a tal bal­iza é o respeito e garan­tia às mino­rias. Garan­tias de que as mino­rias são igual­mente sujeitas de dire­itos e obri­gações não podendo em razão disso sofrer qual­quer tipo de retal­i­ação.

Ao longo da minha vida par­ticipei de inúmeras eleições e perdi – ou os can­didatos para quem torci, perderam –, a maio­ria delas. Talvez por isso tenha apren­dido, e aceitado, que a der­rota eleitoral faz parte do processo e o que nos cabe fazer, se quis­er­mos nos man­ter nos proces­sos eleitorais futuros é tra­bal­har mais.

Tal pre­missa, entre­tanto, só fun­ciona den­tro do estado democrático de dire­ito. Nas ditaduras, como pregam, os donos do poder sem­pre encon­trarão artifí­cios e sub­ter­fú­gios para igno­rar os resul­ta­dos das eleições. Uma vez é a des­culpa da fraude, noutra vez que a justiça “pen­deu” para um lado, outra que o sis­tema eletrônico não é con­fiável e por aí vai, como na parábola do lobo e do cordeiro.

Enquanto isso con­tam com séquito de ado­radores que, talvez, por neces­si­dade de “per­tenci­mento” acha que tudo vai certo e que o certo é que encontra-​se errado ou, pior que isso, que não existe mais o certo ou o errado, tudo não pas­sando de uma questão de “ponto de vista” ou do inter­esse a ser defen­dido.

Isso vem acon­te­cendo com pes­soas bem próx­ima a nós – como disse no iní­cio “no grupo da família” –, são ami­gos, são famil­iares, são viz­in­hos, são ami­gos.

À procura de um sap­ateiro que pro­duza sap­atos sob medida fui ao João Paulo por estes dias, ainda muito cedo, pas­sei em frente ao 24º Batal­hão de Caçadores do Exército (não sei se ainda se chama assim) e depare-​me com a Praça Duque de Cax­ias, em frente ao mesmo, trans­for­mada em um acam­pa­mento, tomada por inúmeras faixas pedindo golpe militar.

Por ser muito cedo, não deu para perce­ber a pre­sença de “mul­ti­dão”, mas, por outro lado, chama a atenção que mais de um mês depois das eleições pres­i­den­ci­ais ainda este­jamos este nível de incon­formismo ou de manip­u­lação dos cidadãos que não querem – e por isso não aceitam –, que o can­didato vence­dor seja diplo­mado e assuma ao cargo para o qual foi eleito.

Decerto que isso não é nor­mal.

Imag­ino (ape­nas imag­ino) que o vem ocor­rendo no Brasil – este nível de rad­i­cal­iza­ção política –, seja algo semel­hante ou muito próx­imo do que ocor­reu (e ocorre) em muitos países europeus e de out­ros can­tos do mundo em jovens e adul­tos “se deixaram” rad­i­calizar a ponto de irem se inscr­ever para “lutar con­tra as forças do mal” no Estado Islâmico. De repente, em diver­sos países europeus, vimos jovens até mesmo ado­les­centes de ambos os sexos fugirem de casa e atrav­es­sar “meio mundo” para serem explo­rados de todas for­mas por aque­les “líderes” numa guerra que não era sua. Quan­tos não foram abu­sa­dos, não perderam a vida, viraram pri­sioneiros ou escravos e até hoje fazem seus pais sofr­erem?

O nível de rad­i­cal­iza­ção política que vemos no país hoje é muito semel­hante ao que vimos acon­te­cer na Europa com estes mil­hares de jovens e/​ou ado­les­centes que deixaram seus lares e seus países para irem a “luta con­tra o mal” junto ao Estado Islâmico.

Os nos­sos “jihadis­tas” acam­pa­dos em frente aos quar­téis e tiros de guerra, tam­bém, dizem que estão lutando con­tra o mal, con­tra o comu­nismo (os comu­nistas estão na outra esquina pron­tos para tomar o poder, estuprar nos­sas fil­has, abolir nos­sas pro­priedades, etc), con­tra o satanismo (Satanás, o próprio, está chegando com seu exército do mal para per­verter nos­sas almas) e por aí vai.

Agem e dis­cutem como se “mundo fosse acabar amanhã”.

A ninguém socorre a ideia de que foi ape­nas uma eleição e que daqui a qua­tro anos ter­e­mos outra é mais outra qua­tro anos depois e assim sucessivamente.

Calma, patri­o­tas! Calma!

Abdon C. Mar­inho é advogado.