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A grandeza de Marina.

Escrito por Abdon Mar­inho

A grandeza de Marina.

Por Abdon C. Marinho.

POR ESTES dias pus-​me a pen­sar em Marina. Até a letra da canção de Caymmi, do nada come­cei a can­taro­lar quase que diari­a­mente:

Marina, morena

Marina, você se pintou

Marina, você faça tudo

Mas faça um favor

Não pinte esse rosto que eu gosto

Que eu gosto e que é só meu

Marina, você já é bonita

Com o que deus lhe deu

Me abor­reci, me zanguei

Já não posso falar

E quando eu me zango, marina

Não sei perdoar

Eu já des­culpei muita coisa

Você não arran­java outra igual

Des­culpe, marina, morena

Mas eu tô de mal”.

Por óbvio que a moti­vação para escr­ever não tem como inspi­ração a musa imor­tal­izada por Caymmi, mas, sim, a polit­ica brasileira, Marina Silva.

A razão para isso foi ter assis­tido, há alguns dias, aquela polit­ica acre­ana, que agora, salvo engano, con­corre a uma vaga à Câmara dos Dep­uta­dos pelo Estado de São Paulo, reunir-​se e declarar apoio à cam­panha eleitoral do ex-​presidente Luis Iná­cio Lula da Silva.

Como dizem meus sobrin­hos, “quem vê foto não vê corre”, daí acred­i­tar no imenso sim­bolismo daquela declar­ação de apoio ao sen­hor Lula – que depois dela cole­cio­nou diver­sos out­ros apoios de fig­uras impor­tantes dos meios artís­tico, político, jurídico, etc., até diver­sos min­istros aposen­ta­dos do Supremo Tri­bunal Fed­eral (STF), sem­pre dis­cre­tos, saíram de suas zonas de con­forto para declarar apoio ao ex-​presidente, já o fazendo, como “voto útil”, no primeiro turno das eleições.

Mas foi Marina, pelo menos até onde iden­ti­fiquei, a primeira a fazer o gesto.

E foi este gesto, por todos os seus sig­nifi­ca­dos, que me motivou a escr­ever este segundo texto sobre Marina Silva.

Sim, para os que não lem­bram, em um setem­bro, como este que acaba de findar, que, há oito anos, escrevi sobre a politica.

Marina era a can­di­data a vice-​presidente na chapa de Eduardo Cam­pos, ex-​governador de Pernambuco.

Com o falec­i­mento de Gomes em plena cam­panha eleitoral, em 13 de agosto, Marina foi alçada a condição de can­di­data tit­u­lar à presidên­cia da república, pelo Par­tido Social­ista Brasileiro — PSB, dis­putando, em condições de igual­dade, com a então pres­i­dente Dilma Rouss­eff, can­di­data à reeleição pelo Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT e com o tucano Aécio Neves, can­didato do Par­tido da Social Democ­ra­cia Brasileira — PSDB.

Marina apare­cia muito bem nas pesquisas eleitorais, com chances reais de superar os dois opoentes e torna-​se a pres­i­dente da república quando começou a sofre a maior cam­panha de destru­ição de imagem já posta em prática con­tra uma pes­soa.

Ela foi acu­sada de tudo, até de ser mul­her, negra, ter origem humilde, ser evangélica, ser ambi­en­tal­ista.

Tudo em um viés a destruir sua imagem per­ante a sociedade.

À ausên­cia de provas de quais­quer “malfeitos” frente aos car­gos que ocupou era sub­sti­tuída pela ilação, con­tra ela, con­tra um par­ente, con­tra alguém próx­imo.

A intenção era ape­nas uma: destruir sua imagem e com isso invi­a­bi­lizar sua can­di­datura.

Em uma das peças de cam­panha mais duras e infamantes daquela eleição, induziam os cidadãos/​eleitores a pen­sar que caso ela fosse eleita a comida iria “sumir” da mesa do cidadão.

Todos os dias a artil­haria pesada se voltava con­tra a então can­di­data social­ista.

O pior de tudo e o que tor­nava mais penosa a sua defesa, era saber que os arti­fi­cies de tal cam­panha para destruir a rep­utação da can­di­data eram seus “com­pan­heiros” de uma vida inteira de lutas.

À época noticiou-​se que Marina chorou quando soube que umas das pes­soas que estariam por trás de insidiosa cam­panha e que falara mal dela, era o ex-​presidente Lula, um com­pan­heiro de toda uma vida polit­ica, desde os tem­pos de enfrenta­mento dos grileiros e destru­idores da Amazô­nia, nos anos oitenta.

O PT e seus ali­a­dos con­seguiram destruir a cam­panha de Marina Silva e foram para o segundo turno con­tra Aécio Neves, ven­cendo por margem estre­ita de votos e dando no que deu.

Foi durante a cam­panha insidiosa con­tra a can­di­data, con­tra a cidadã, con­tra a mul­her, con­tra uma preta, con­tra uma evangélica, con­tra uma ambi­en­tal­ista recon­hecida mundial­mente, que escrevi o texto “O ódio con­tra Marina”, pub­li­cado em 14 de setem­bro de 2014, denun­ciando toda a vio­lên­cia praticada.

Em 2018, Marina ten­tou mais uma vez à presidên­cia da república, sem êxito, o ambi­ente politico já dom­i­nado pelo ódio, como agora, já não admi­tia qual­quer outra can­di­datura que não fosse o “nós con­tra eles”.

Uma can­di­data como Marina não teria – como não teve –, qual­quer chance, ficando atrás, inclu­sive do obscuro e histriônico cabo Dal­cíolo – quem é mesmo esse cidadão? O que já fez pelo país?

Os igno­rantes escol­hem os seus iguais, diz o ditado.

Igno­rada ou tratada com pouco caso no Brasil, Marina Silva é uma das ambi­en­tal­is­tas mais respeitadas em todo o mundo.

Recente em um con­gresso real­izado em Por­tu­gal, quando o pres­i­dente daquela nação-​irmã, Marcelo Rebelo Sousa, anun­ciou a pre­sença de Marina, o auditório em peso levantou-​se para aplaudi-​la de pé.

No texto escrito em 2014 explico que uma das razões do ódio que dis­pen­savam a Marina naquela opor­tu­nidade, além da briga do “poder pelo poder”, tinha, tam­bém, como pano de fundo, o fato daque­les que que a ata­cavam jamais terem con­seguido con­quis­tar a respeitabil­i­dade e o prestí­gio daquela mul­her que fez-​se grande pelos próprios esforços.

Uma cam­ponesa que foi empre­gada domés­tica, alfa­bet­i­zada já adulta, que con­quis­tou mandatos pop­u­lares, inclu­sive, o de senadora da república, e que tornou-​se recon­hecida inter­na­cional­mente por sua luta em defesa do meio ambi­ente, desde os tem­pos em que defender a natureza era coisa de “ecochatos” ou de pes­soas que “não tin­ham o que fazer”.

O gesto de Marina Silva, em recon­hecendo a gravi­dade do momento histórico, superar tudo que lhe fiz­eram e enten­der que o pre­sente e o futuro são mais impor­tantes que os equívo­cos e injustiças do pas­sado, a fazem bem maior que quais­quer dos seus detra­tores de 2014, de antes disso e de depois.

Acred­ito que grande parte dos petis­tas ou mesmo dos ali­a­dos de Marina não ten­ham se dado conta do impor­tante gesto histórico ela prati­cou quando aceitou rece­ber o ex-​presidente Lula e declarar-​lhe apoio no atual pleito eleitoral.

Como diz o antigo adá­gio que, inclu­sive, tornou-​se letra de música: “quem bate esquece, quem apanha lem­bra”.

Ao pas­sar por cima de tudo que lhe fiz­eram em nome de inter­esse maior – que no seu caso, muito longe passa de ser pes­soal –, Marina revela-​se muito além de uma polit­ica, que poderíamos escr­ever com “p” maiús­culo, uma líder de estatura dos grandes que foram deci­sivos para a civilização.

Guardadas as dev­i­das pro­porções, o “fato político” lembrou-​me do ocor­rido com Luis Car­los Prestes, preso pela ditadura de Var­gas sob o falso argu­mento de que ten­tara um golpe para implan­tar uma ditadura comu­nista no Brasil.

Prestes foi preso, teve a esposa grávida Olga Benário extra­di­tada para a Ale­manha onde veio a mor­rer em 23 de abril de 1942, no Campo de Exter­mínio de Bern­burg.

No dia que Prestes foi solto ele par­ticipou de um comí­cio ao lado de Getúlio Var­gas, o dita­dor que o encar­cerou e extra­di­tou sua esposa.

Em 1988, no auditório da Bib­lioteca Bened­ito Leite, cen­tro de São Luís, ainda estu­dante secun­darista, per­gun­tei a Prestes como tinha sido aquela “exper­iên­cia”.

Com a voz já baixa e cansada da longa viagem e do peso dos anos ele respon­deu: –– naquela ocasião tín­hamos um mal maior a enfrentar. Bem maior que quais­quer outro sen­ti­mento ou inter­esse pessoal.

Como dito acima, guardadas as pro­porções e gravi­dades, o gesto de Marina ao superar tudo que lhe fiz­eram no pas­sado, notada­mente em 2014, a coloca no pata­mar dos grandes líderes que con­seguem enx­er­gar além dos inter­esses pes­soais ou dos próprios sentimentos.

Abdon C. Mar­inho é advogado.

O piso, o Supremo e os oportunistas.

Escrito por Abdon Mar­inho


O PISO, SUPREMO E OS OPOR­TUNISTAS.

Por Abdon C. Marinho.

DESDE que come­cei a exerci­tar meu mag­istério – e já se vão mais de 25 anos –, que advogo para municí­pios. Durante esses anos se dis­cute e se recon­hece a neces­si­dade de rea­justes salari­ais per­iódi­cos para as demais cat­e­go­rias dos servi­dores públi­cos e não ape­nas para os pro­fes­sores (agora, servi­dores da edu­cação).

O que acon­te­cia – e acon­tece –, é que após o rea­juste obri­gatório do salário mín­imo e do piso do mag­istério, as gestões públi­cas munic­i­pais enfrentavam as cobranças dos demais servi­dores, prin­ci­pal­mente da saúde, por rea­justes, o que é, reconheçam-​se, justo e necessário.

São vinte cinco anos, só os anos que acom­panho, que assisto os servi­dores públi­cos da saúde – e de out­ras cat­e­go­rias – recla­marem por mel­hores salários e só con­seguirem uns poucos reais, sem­pre insu­fi­cientes, sequer, para com­pen­sar as per­das salari­ais do ano ante­rior, aliás, dos anos ante­ri­ores, pois já são anos que não têm rea­justes.

Logo, não ape­nas se apre­senta justa como necessária a aprovação de um piso salar­ial para a cat­e­go­ria.

Vou além, necessário se faz a aprovação de pisos salari­ais para todas as demais cat­e­go­rias sob pena de ocor­rer o que já vem ocor­rendo hoje: uma cat­e­go­ria tem seu dire­ito a um salário justo recon­hecido enquanto as demais não tem qual­quer rea­juste.

Onde residiu o equívoco na aprovação da lei do piso para os servi­dores da saúde, objeto do pre­sente texto?

Na des­ti­nação de recur­sos orça­men­tários para custear tal despesa.

Ainda falando do recorte social que acom­panho há um quarto de século: os municí­pios.

Os gestores munic­i­pais não negam aumento aos servi­dores públi­cos, anual­mente, por querer ou por serem “mal­vadões”, pelo con­trário – pode ser até que exis­tam exceções –, a maio­ria, a grande maio­ria, não fazem por dois motivos óbvios: a falta de din­heiro e a imposição de cumprirem o lim­ite de gas­tos com pes­soal.

Como sabe­mos, desde o ano 2000 que está em vigor a Lei de Respon­s­abil­i­dade Fis­cal — LRF, a Lei Com­ple­men­tar nº. 101/​2000, que surgiu jus­ta­mente para orga­ni­zar as finanças públi­cas.

A LRF obriga a União, os Esta­dos e o Dis­trito Fed­eral e os municí­pios a cumprirem o lim­ite de gas­tos com pes­soal. Den­tro de cada esfera, os poderes con­sti­tuí­dos tam­bém são obri­ga­dos a cumprirem o lim­ite de gas­tos com pes­soal.

O artigo 19 da LRF esta­b­elece: “Art. 19. Para os fins do dis­posto no caput do art. 169 da Con­sti­tu­ição, a despesa total com pes­soal, em cada período de apu­ração e em cada ente da Fed­er­ação, não poderá exceder os per­centu­ais da receita cor­rente líquida, a seguir dis­crim­i­na­dos: I — União: 50% (cinqüenta por cento); II — Esta­dos: 60% (sessenta por cento); III — Municí­pios: 60% (sessenta por cento)”.

Só para se ter uma ideia, quando o gov­erno fed­eral, medi­ante por­taria, elevou em 33,24% o piso do mag­istério a maio­ria dos municí­pios brasileiros, ainda falando den­tro do recorte, ultra­pas­saram ou pas­saram a enfrentar difi­cul­dades para man­ter as finanças públi­cas em con­sonân­cia com o lim­ite de gas­tos esta­b­ele­ci­dos na Lei de Respon­s­abil­i­dade Fis­cal.

Os TCE’s, inclu­sive, estão noti­f­i­cando mil­hares deles para que se ade­quem aos lim­ites da lei.

Dito isso, parece-​nos temerário que as Casas do Par­la­mento e a Presidên­cia da República colo­quem em vigor uma lei sem infor­mar aos seus prin­ci­pais des­ti­natários: esta­dos e municí­pios, quais são as fontes de “recur­sos novos” para supor­tar a despesa.

Ora, ao longo dos anos, notada­mente, os municí­pios foram recebendo respon­s­abil­i­dades sem que as receitas aumen­tassem, tal situ­ação tem ger­ado uma série de transtornos as administrações.

Os cidadãos, cada vez mais, con­scientes de seus dire­itos, têm batido cada vez mais e com mais fre­quên­cia nas por­tas dos Poder Judi­ciário, recla­mando por seus direitos.

São raros os dias que não chegam aos gabi­netes dos gestores munic­i­pais uma recomen­dação do Min­istério Público, uma decisão judi­cial, recomen­dando ou deter­mi­nando que se atenda essa ou aquela demanda dos cidadãos – que são jus­tas, repita-​se, mas que, na maio­ria das vezes, não cabem nos orça­men­tos munic­i­pais.

Os municí­pios são deman­da­dos para assi­s­tirem do nasci­mento, com algum auxílio enx­o­val para o bebê até a morte, com o chamado auxílio funeral. Até as carpi­deiras para chorarem nos velórios, o café e cachaça, os municí­pios “ban­cam”.

Agora mesmo saiu uma decisão judi­cial reconhecendo/​determinando que o poder público deve prover o acesso uni­ver­sal às creches.

Claro que é um dire­ito das mães terem creches públi­cas para deixarem os fil­hos e poderem tra­bal­har, mas como os municí­pios poderão aten­der o vol­ume de demanda no tempo exigido?

Outro dia, em uma das min­has andanças, um gestor me procurou com uma demanda inusi­tada: o municí­pio não tinha como supor­tar o vol­ume de req­ui­sições de TFD.

Os que não têm famil­iari­dade com o termo, TFD sig­nifica Trata­mento Fora do Domicílio. Qual­quer cidadão que neces­sita de trata­mento fora do seu domicílio “tem dire­ito” de requerer um auxílio do poder público para si – e na maio­ria dos casos –, para um acom­pan­hante.

O gestor argu­men­tava que mesmo os que “não pre­cisam” estão recor­rendo ao TFD, em detri­mento dos efe­ti­va­mente neces­si­ta­dos.

O que fazer? A Con­sti­tu­ição Fed­eral ao con­sagrar a saúde como dire­ito de todos não impõe qual­quer tipo de lim­i­tação.

O texto não admite qual­quer dúvida: “Art. 196. A saúde é dire­ito de todos e dever do Estado, garan­tido medi­ante políti­cas soci­ais e econômi­cas que visem à redução do risco de doença e de out­ros agravos e ao acesso uni­ver­sal e igual­itário às ações e serviços para sua pro­moção, pro­teção e recu­per­ação”.

Agora mesmo o STJ enten­deu que qual­quer um dos entes fed­er­a­dos podem ser aciona­dos para custear o TFD o que muito emb­ora “alivie” um pouco a situ­ação dos municí­pios, não a resolve em abso­luto, uma vez que o cidadão e mesmo o judi­ciário acha “mais perto” impor o encargo ao municí­pio.

Quando o STF sus­pendeu a apli­cação ime­di­ata do piso dos profis­sion­ais da saúde, não foi por intro­mis­são inde­v­ida (?) ou por ser con­tra o piso, mas, sim, porque as autori­dades que se debruçaram sobre o tema, leg­isla­tivo e exec­u­tivo não “desen­ro­laram o nó” do finan­cia­mento.

Vi, outro dia, falarem em des­ti­nar dois bil­hões do chamado “orça­mento secreto” para as San­tas Casas, que sofr­erão um tremendo impacto com a implan­tação do piso; mais recente, vi que falam em des­ti­nar mais dez bil­hões de reais, tam­bém do tal “orça­mento secreto” para fazer face às despe­sas.

Viram como haviam deix­ado de fora da lei o prin­ci­pal? A fonte de financiamento.

Ouvi muita “gente boa” recla­mando da suposta intro­mis­são do STF neste assunto.

Estão equiv­o­ca­dos.

A Con­sti­tu­ição tem como cláusula pétrea, inserida no artigo 5, o seguinte: “XXXV — a lei não excluirá da apre­ci­ação do Poder Judi­ciário lesão ou ameaça a direito”.

Qual­quer um que esteja sofrendo lesão ou ameaçado de vir a sofrer tem o direito/​dever de bater às por­tas do judi­ciário.

A admin­is­tração pública não é uma brin­cadeira infan­til onde as esferas ou poderes con­sti­tuí­dos pos­sam tratar seus cer­cad­in­hos como seu e ninguém “se meter”.

Quando a Con­fed­er­ação Nacional dos Municí­pios — CNM, um dos legit­i­ma­dos para tal, bus­cou o STF pleit­e­ando a sus­pen­são da lei foi con­sciente da efe­tiva difi­cul­dade que um dos des­ti­natários da lei, os municí­pios que rep­re­senta, teriam na sua imple­men­tação, sem que o leg­isla­tivo e o exec­u­tivo já des­tinem uma fonte de receita para pos­si­bil­i­tar o cumpri­mento da lei.

Devo acres­cen­tar que não são dois bil­hões de reais daqui, dez bil­hões de reais dali, que irão pos­si­bil­i­tar o cumpri­mento da lei. Não resolve.

Os municí­pios, prin­ci­pal­mente eles, pre­cisam de “receitas novas” para que pos­sam cumprir as leis ordinárias, como as leis do piso, sem com­pro­m­e­ter o lim­ite de gas­tos esta­b­ele­ci­dos pela Lei Com­ple­men­tar nº. 1012000LRF.

Sem receita nova vai-​se con­tin­uar a enx­u­gar gelo, sem sair de lugar algum.

Uma lei de piso que visa esta­b­ele­cer um piso mín­imo tanto para o setor pri­vado, quanto para o setor público e ainda con­tem­plar o ter­ceiro setor, como a rede filantrópica, pre­cisa levar em con­sid­er­ação as difi­cul­dades de cada um deles.

Uma dis­cussão tão séria como essa, pois de um lado a neces­si­dade urgente de se recon­hecer e se pagar um salário decente aos servi­dores da saúde, de outro as lim­i­tações legais e finan­ceiras de municí­pios, esta­dos e enti­dades filantrópi­cas, não com­porta levian­dades e opor­tunis­mos, como temos acom­pan­hado.

Esse pros­elit­ismo tosco, essa poli­tiquice de se querer des­gas­tar o Supremo Tri­bunal Fed­eral, inclu­sive espal­hando “fake news”, só atra­pal­ham ao invés de aju­dar.

O que os servi­dores da área da saúde pre­cisam é de um fundo con­sti­tu­cional, assemel­hado ao FUN­DEB da edu­cação, mas sem os vícios deste, que garanta o fun­ciona­mento da saúde de forma efi­ciente e o paga­mento de salários dig­nos aos seus profis­sion­ais.

Abdon C Mar­inho é advogado.

P. S. O pre­sente texto é o da sem­ana pas­sada que não saiu porque o autor estava doente.

A DEFESA DA DEMOC­RA­CIA É COM­PRO­MISSO DE TODOS — Parte 2.

Escrito por Abdon Mar­inho


A DEFESA DA DEMOC­RA­CIA É COM­PRO­MISSO DE TODOS — Parte 2.

Por Abdon C. Marinho.

MIL­HARES foram às ruas quando os comu­nistas chi­ne­ses der­rubaram o antigo gov­erno e assumi­ram o poder, mas nem todos os chi­ne­ses estavam na Praça da Paz Celes­tial saudando o ou fes­te­jando o gov­erno que se instalara;

Mil­hares foram às ruas quando os bolcheviques der­rubaram a monar­quia russa e insta­laram o régime comu­nista naquela nação – e depois a espal­hou pelos diver­sos países viz­in­hos para for­mar a União Soviética –, mas nem todos os rus­sos estavam na Praça Ver­melha apoiando o novo gov­erno e a todas as atro­ci­dades que vieram depois;

Mil­hares foram às ruas saudar o fas­cismo de Mus­solini, mas nem todos – muito menos a maio­ria dos ital­ianos ou mesmo dos romanos –, par­tic­i­param ou foram coniventes com a Mar­cha sobre Roma que obrigou antigo gov­erno a ceder e a levar os facis­tas ao poder na Itália no iní­cio do século passado;

Mil­hares de alemães foram as ruas saudar a ascen­são do nazismo na Ale­manha, mas nem todos os alemães par­tic­i­pavam ou apoiavam as pau­tas nazis­tas ou par­tic­i­pavam dos seus comí­cios no Reichsparteitags­gelände – local dos comí­cios do Ter­ceiro Reich, em Nurem­berg, Ale­manha.

Além dos qua­tro exem­p­los acima – nem tanto os dois primeiros cujo os regimes feu­dais os semi-​feudais ced­eram lugar dire­ta­mente às ditaduras comu­nistas –, poderíamos citar inúmeros out­ros exem­p­los ape­nas restri­tos ao oci­dente de fal­sos mes­sias alça­dos ao poder com as fal­sas promes­sas de lib­er­tar o povo e que acabaram por os levar a regimes dita­to­ri­ais e repres­sivos do que aque­les povos jamais pud­eram imag­i­nar.

Um exem­plo, Cuba, a querid­inha dos esquerdis­tas brasileiros, saudada como um paraíso na terra, com indi­cadores soci­ais e edu­ca­cionais ele­va­dos, mas que é uma ditadura repres­siva que impede as pes­soas até mesmo de pen­sar e expor sua liber­dade de pen­sa­mento ou de crítica política. Agora mesmo o régime cubano julga e con­dena cen­tena ou mil­hares de cidadãos porque estes protes­taram con­tra o gov­erno no ano pas­sado.

Um outro exem­plo, a Nicarágua. Quan­tos não saudaram a chamada Rev­olução San­din­ista no inciso dos anos oitenta, como prenún­cio da liber­dade de um povo mas­sacrado pela ditadura de Somoza.

E o que temos na Nicarágua hoje depois que líder Daniel Ortega pren­deu quase toda a oposição para gan­har as eleições? Temos uma ditadura que mas­sacra o povo, a divergên­cia e que, agora mesmo, prende, julga e con­dena a duras penas, pelo “pecado” de protestarem con­tra o régime diver­sos cidadãos, inclu­sive cléri­gos católi­cos.

O exem­plo, talvez, mais claro é o da Venezuela. Quan­tos não saudaram a chegada de Chávez ao poder como prenún­cio da lib­er­tação do povo venezue­lano da explo­ração dos con­glom­er­a­dos econômi­cos estrangeiros, dos gov­er­nos cor­rup­tos, etc? E o que temos hoje na Venezuela, em pouco mais de vinte anos desde que os chav­is­tas chegaram ao poder? Acho que tudo pode ser resum­ido numa frase: a destru­ição de uma nação.

O resto, a fome, à mis­éria, a pros­ti­tu­ição, a vio­lên­cia, o nar­cotrá­fico, etc., etc., são ape­nas fru­tos da destru­ição da nação.

Os ver­dadeiros democ­ratas não podem olhar para tais países e, por con­veniên­cia ide­ológ­ica ou afinidade política, dizer que tudo vai muito bem ou que se trata de assun­tos inter­nos de países estrangeiros para silen­cia­rem diante dos descal­abros.

Mas, voltando ao assunto do texto, durante muitos anos, enquanto estu­dava sobre o fas­cismo e o nazismo – o comu­nismo deixo de fora pelas razões expostas acima –, como os cidadãos ital­ianos e alemães se deixaram “seduzir” pelas pau­tas de Mus­solini e Hitler, sendo povos, há cem anos, tão evoluí­dos politi­ca­mente? Como per­mi­ti­ram que líderes abso­lu­ta­mente loucos lev­assem à destru­ição de suas nações e causassem tanto sofri­mento aos povos do mundo? Foram seduzi­dos com as promes­sas de grandezas de suas nações? Pelas promes­sas de riquezas para os seus povos?

Os livros de história e os doc­u­men­tários diver­sos nar­ram as ascen­sões do fas­cismo, na Itália e do nazismo, na Ale­manha. Ori­gens, méto­dos, fun­da­men­tos, podem até diver­girem, mas numa coisa se igualam: a uti­liza­ção dos mecan­is­mos da democ­ra­cia para destru­ição da própria democ­ra­cia.

Um argu­mento e uma imagem é comum a ambos: que falam em nome do povo e exibem ima­gens de seus atos políti­cos, como se ali, naque­les even­tos, estivessem toda a pop­u­lação do pais – ou mesmo que estivessem –, que suas pau­tas eram jus­tas, cor­re­tas, hon­es­tas e não ape­nas a busca do poder pelo poder.

Merece estu­dos soci­ológi­cos – e depois históri­cos –, a atual quadra política brasileira.

Com cem anos decor­ri­dos desde a mar­cha sobre Roma empreen­dida por Mus­solini, e pouco menos que isso, desde que Hitler e seus nazis­tas ascen­deram ao poder na Ale­manha, valendo-​se da frag­ili­dade e dos mecan­is­mos democráti­cos da República Weimar, os fatos que ocor­rem no Brasil talvez não expliquem, mas, cer­ta­mente, aju­darão a enten­der o ocor­rido naque­las nações.

Imag­inem que cem anos depois, com todo pro­gresso cien­tí­fico, tec­nológico e de comu­ni­cação, temos um líder político exercendo mandatos con­sec­u­tivos há quase trinta anos, sem nunca ter erguido a voz uma única vez em defesa da liber­dade – ao con­trário disso, sem­pre teve um com­por­ta­mento em defesa da ditadura mil­i­tar, de tor­tu­radores, con­tra as mino­rias, etc., e tal –, que agora (somente agora) diz estar numa “cruzada” con­tra os que querem acabar com a liber­dade do povo – e grande parte da sociedade, que se diz con­sciente e esclare­cida, porque sabe uti­lizar o What­sApp, acred­ita.

Imag­inem que tem um líder que fala que acabou com a cor­rupção no gov­erno. Mas, nunca, em tempo algum, tive­mos tanta cor­rupção, até mesmo no seio da família deste líder, grande parte dela insti­tu­cional­izada através de vários mecan­is­mos – mas o povo, tão esclare­cido por saber aces­sar as redes soci­ais, acha que está tudo certo, que o que vale é ape­nas impedir que os cor­rup­tos de out­rora voltem à cena do crime, para os da atu­al­i­dade tudo está muito bem, ainda que grande parte deles sejam ori­un­dos do antigo régime.

Resta-​me a impressão de que as pes­soas são ou estão dis­postas a acred­itarem em qual­quer coisa que lhes digam ou aceitar como qual­i­dades os defeitos de quem admira.

Uma última prova disso é o que teste­munhamos no último Sete de Setem­bro.

Mil­hares de pes­soas reunidas na Praça dos Três Poderes, na cap­i­tal da República, para fes­te­jar a Inde­pendên­cia do Brasil, não uma inde­pendên­cia qual­quer, mas “data cheia” do bicen­tenário.

Era mil­hares pes­soas vesti­das com as cores nacionais – talvez cen­te­nas de mil­hares –, famílias inteiras, idosos, jovens, cri­anças, cidadãos que pro­fes­sam os diver­sos credo reli­giosos, mil­hares para saudar à Pátria, mas, mil­hares deles, para engrossar as fileiras do “seu líder”.

E o que era para ser um ato cívico de saudação à pátria, tornou-​se um comí­cio político/​eleitoral à vista de todos, de reli­giosos, de mil­itares (até gen­erais), das famílias brasileiras, das del­e­gações estrangeiras que vieram pres­ti­giar o aniver­sário da nação – bem pou­cas na ver­dade, ape­nas o pres­i­dente de Por­tu­gal, Marcelo Rebelo de Sousa, além de out­ras autori­dades estrangeiras, como José Maria Neves, pres­i­dente de Cabo Verde; gen­eral Umaro Sis­soco Embaló, pres­i­dente da Guiné-​Bissau; doutor Zacarias Albano da Costa, secretário-​executivo da Comu­nidade de Países de Lín­gua Por­tuguesa (CPLP) e Con­stan­tino Alberto Bacela, min­istro de Moçam­bique para Assun­tos da Casa Civil.

Não bas­tasse a baix­eza de se trans­for­mar a data mais impor­tante da nação – que por sua importân­cia dev­e­ria ser posta acima de tudo –, evento político/​eleitoral, os pre­sentes ainda tiveram que ouvir um dis­curso de cam­panha indigno até mesmo de ser feito por o mais reles dos can­didatos a vereador em quais­quer cafundós do país, cujo o “ponto alto” ou seria o “ponto baixo”, em qual­quer escala de grandeza, foi o chefe da nação “puxar um coro” de que seria “imbrochável” – termo que muito emb­ora os dicionários cul­tos descon­heçam –, sabe­mos do que se trata.

Lá estava o chefe da nação, no dia ímpar da pátria, pro­movendo tal espetáculo, para cri­anças, jovens, idosos, sen­ho­ras, pes­soas de diver­sos cre­dos reli­giosos e que inte­gram o que chamam de a “família cristã” brasileira.

Lá estavam sol­da­dos e gen­erais assistindo ao avil­ta­mento da pátria.

Ninguém protestou – durante ou depois –, no máx­imo, silen­cia­ram e deixaram de respon­der ao coro de “imbrochável”, como fiz­eram mil­hares de out­ros.

Imag­ino que Mus­solini e Hitler, mesmo no auge de suas lou­curas, nos seus ensande­ci­dos dis­cur­sos mega­lô­manos, nunca ousaram tanto.

E no Brasil? Alguma vez nestes duzen­tos anos de inde­pendên­cia do Brasil assis­ti­mos a maior desre­speito a nação?

Acred­ito que não.

Mas, se esta­mos dis­pos­tos a fin­gir que nada acon­te­ceu, aplaudir, apoiar para que con­tinue assim, talvez não ten­hamos do que recla­mar no futuro.

Abdon C. Mar­inho é advogado.