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Proibido para deficientes.

Escrito por Abdon Mar­inho


PROIBIDO PARA DEFI­CIENTES.

Por Abdon C. Marinho.*

FERI­ADO DA ADESÃO do Maran­hão a Inde­pendên­cia do Brasil com quase um ano de atraso trouxe a lem­brança que um com­pro­misso profis­sional no iní­cio da sem­ana levou-​me a um edifí­cio público.

Lá chegando percebi que tinha uma rampa de acesso para facil­i­tar o acesso de pes­soas com defi­ciên­cia e/​ou mobil­i­dade reduzida. Os cinco ou seis degraus e existên­cia de cor­rimão me fiz­eram optar pelo cam­inho mais curto.

No saguão fui infor­mado que o com­pro­misso seria no segundo andar e que não have­ria um ele­vador para levar-​me ao local da reunião.

Na vez ante­rior que lá estive para tratar da mesma pauta a direção do órgão público e os téc­ni­cos gen­til­mente desce­ram para nos aten­der em uma saleta impro­visada no térreo. Con­fiando nas várias sessões de fisioter­apia que tenho feito nos últi­mos meses e con­siderando que na reunião have­ria a exibição de slides, tal qual o cav­aleiro errante D. Quixote impus-​me a tarefa de vencer os inter­mináveis qua­tro lances de escada até o local do compromisso.

As difi­cul­dades da subida me fiz­eram obser­var cada detalhe da empre­itada. Os degraus, emb­ora altos para os que têm difi­cul­dades de loco­moção, são lar­gos e, pareceram-​me, den­tro das nor­mas de con­strução; o cor­rimão, em madeira de lei, ao meu sen­tir, estava ade­quado, a ilu­mi­nação pés­sima.

Cheguei ao topo exausto e dando meu reino por uma cadeira.

Find­ada a reunião pus-​me ao desafio de fazer o cam­inho de volta. E, para quem disse que para descer todo santo ajuda, cer­ta­mente não con­hece o for­mato da escada e fato de que à dire­ita de quem desce não pos­sui cor­rimão e, os degraus altos, torna cada passo um risco de estatelar-​se lá embaixo.

Então, para descer pre­ci­sei do braço amigo do meu acom­pan­hante que fez às vezes de cor­rimão portátil.

Ape­nas assim con­segui chegar de volta ao térreo são e salvo.

Pois bem, se você chegou até aqui merece saber que o pré­dio que falo e que rep­re­senta um ver­dadeiro acinte à mobil­i­dade das pes­soas como difi­cul­dades de loco­moção é o Palá­cio Hen­rique de La Roque.

A con­sid­erar a aces­si­bil­i­dade, uma hom­e­nagem infame ao impor­tante político maran­hense.

Nunca tinha ido lá – e devo pas­sar tan­tos out­ros anos sem voltar.

Chega a ser ina­cred­itável que um edifí­cio público que já serve ao gov­erno do estado há mais de vinte anos seja um pré­dio proibido à pes­soas com deficiência.

Vejam, fui lá uma vez, e até que colo­quem um ele­vador, não desejo voltar. Fico imag­i­nando que exceto no térreo o edi­fico não admite que pes­soas com defi­ciên­cia tra­bal­hem nele. É desumano sub­me­ter qual­quer pes­soa com defi­ciên­cia à mis­são de, diari­a­mente, ter que subir e descer aque­las escadas. Só con­seguem com muito sofri­mento e risco de morte diário.

Cadeirantes e defi­cientes visuais, nem pen­sar.

Como deixei claro, a difi­cul­dade é maior – pelo menos no meu caso –, é para descer, vez que a escada não pos­sui cor­rimão à dire­ita de quem desce e a parede (irreg­u­lar) não per­mite qual­quer apoio, sem con­tar a altura dos degraus e a baixa ilu­mi­nação.

Disse que o edifí­cio serve ao estado há vinte anos, mas acred­ito que já se vão quase trinta anos, tempo em que serviu aos diver­sos tipos de gov­er­nos sem que ninguém, uma viva alma se desse conta que nós defi­cientes físi­cos, visuais exis­ti­mos, e mais, que somos sujeitos de dire­itos – e obri­gações.

Um dos prin­ci­pais dire­tos – garan­ti­dos a todos –, é o dire­ito de loco­moção, o de ir e vir, o de poder aces­sar as repar­tições e órgãos públi­cos.

Para o Estado do Maran­hão, durante todos esses anos, é como se fôsse­mos invisíveis.

A nen­huma das autori­dades estad­u­ais, secretários, ger­entes, inter­mediários ou mesmo puxa-​sacos, que sem­pre cerca o poder, sobrou um mín­imo de sen­si­bil­i­dade para perce­ber que qual­quer pes­soa com defi­ciên­cia não con­segue aces­sar o edi­fico além do térreo.

Cer­ta­mente a engen­haria daria um jeito de implan­tar um ele­vador, mas nada. Em quase três décadas, sei lá, ninguém ligou.

Mas nem falo de obras mais caras ou elab­o­radas – muito emb­ora um edi­fico público tenha o dever de asse­gu­rar aces­si­bil­i­dade para todos –, o que mais me chamou a atenção foi a ausên­cia de um cor­rimão. Um mísero de um cor­rimão para aju­dar a nós, des­graça­dos defi­cientes – que aos olhos do Estado deve­mos ser cul­pa­dos por nossa condição –, a subir e descer escadas de uma repar­tição pública.

Sem­pre que me deparo com situ­ações assim, nos momen­tos de raiva, frus­tração e humil­hação me passa pela cabeça man­dar fazer e insta­lar o c** do cor­rimão no local.

Qual­quer hora dessa ainda faço – e divulgo.

Outra ideia que me ocorre é fazer uma “vaquinha” pedindo a pop­u­lação doações para fazer e insta­lar o ben­dito cor­rimão.

Não é crível que o estado que gasta mil­hões com lagosta, canapés, tru­fas e out­ras gulo­seimas não con­siga, ao menos, tornar acessível a todos os logradouros públi­cos, suas repar­tições ou mesmo colo­car um cor­rimão numa escada.

Igual­mente ina­cred­itável que o Min­istério Público tão dili­gente – e que cer­ta­mente sobre­tudo quando o edi­fico fun­cionava como sede do gov­erno –, nunca tenha se dado conta e cobrado a aces­si­bil­i­dade para as pes­soas com defi­ciên­cia, não ape­nas naquele edifí­cio, mas, tam­bém, em tan­tos out­ros que nos são proibidos o acesso.

Tão ilus­tres e insen­síveis autori­dades são inca­pazes de imag­i­nar o quanto é frus­trante e por vezes humil­hantes não con­seguimos aces­sar os logradouros, repar­tições ou mesmo os meios de trans­porte público e pre­cisamos do socorro de ter­ceiros para fazê-​lo.

Tão ilus­tre quanto omis­sos talvez devessem “pagar pen­itên­cia” no milho por suas omis­sões.

É difí­cil imag­i­nar uma sociedade igual­itária quando mesmo os dire­itos mais bási­cos nos são nega­dos.

Diari­a­mente, em todos os lugares, nos deparamos com desafios a aces­si­bil­i­dade, mesmo quando ten­tam fazer, fazem de forma errada ou inad­e­quada, sem levar em conta a neces­si­dade de acesso de quem vai uti­lizar. Um exem­plo, pre­cisamos de ram­pas, tenho encon­trado algu­mas por onde ando que a elas preferiria uma escada com cor­rimão.

No caso do palá­cio proibido o que me chama atenção é o fato de que todos que o fre­quen­tou e fre­quenta ao longo dos anos, sobre­tudo, quando foi sede do gov­erno, cer­ta­mente perce­beram sua “defi­ciên­cia” mas fiz­eram questão de igno­rar.

O pré­dio não é inad­e­quado e inacessível porque não sabiam ou porque falte din­heiro (até para o cor­rimão) é por insen­si­bil­i­dade e desumanidade.

Repito: para eles é como se não existísse­mos.

Como na Inde­pendên­cia, na aces­si­bil­i­dade o Maran­hão tam­bém chega atrasado.

Abdon C. Mar­inho é advogado.

Sobre inco­erên­cias e oportunismos.

Escrito por Abdon Mar­inho

SOBRE INCO­ERÊN­CIAS E OPOR­TUNIS­MOS.

Por Abdon C Marinho.

PAR­TICIPEI da primeira eleição ainda menino. Foi em 1982, no meu municí­pio, os can­didatos, ainda lem­bro, eram os sen­hores Chico Dias e João Afonso. Perfilei-​me ao lado do primeiro e fui um mil­i­tante aguer­rido par­tic­i­pando de even­tos de cam­panha, comí­cios ou mesmo ape­nas expres­sando min­has opiniões a favor do meu can­didato e con­tra o can­didato adver­sário.

O som que embal­ava a cam­panha – e acho que cem por cento das cam­pan­has daquele ano –, era “morena trop­i­cana”, de Alceu Valença, lançada naquele ano, no disco Cav­alo de Pau, como bem pon­tuou o amigo Max Harley em uma das nos­sas via­gens; o carro de som ia na frente chamando e lá íamos para as passeatas e comí­cios. Em jogo um mandato de oito anos.

Perdemos a eleição, mas man­te­mos a coerên­cia.

Já em 1985, mudei-​me para a cap­i­tal – como tan­tos out­ros –, em busca de mel­hor edu­cação para o ensino médio e uma pos­sível fac­ul­dade. Estu­dando no Liceu Maran­hense e, depois de muito esforço e alguns vestibu­lares, ingres­sei na UFMA, onde fiz o curso de dire­ito.

Neste período ini­ciei pela mil­itân­cia estu­dan­til par­tic­i­pando ati­va­mente dos movi­men­tos pela cri­ação de grêmios estu­dan­tis – uma con­quista com o fim da ditadura –, e de inúmeras out­ras pau­tas como o movi­mento pela con­sti­tu­inte.

Em 1991 ingres­sei no PSB de onde sai no ano pas­sado (2021), depois de 30 anos. Alguns ami­gos, com certa maledicên­cia, dizem que bas­tou alguns “novos social­is­tas” ingres­sarem por uma porta para que saísse pela outra.

Ape­sar da coin­cidên­cia, uma coisa nada tem a ver com outra. Saí bem antes e por out­ras moti­vações que nada têm a ver com o quadro sucessório atual.

Pois bem, faço este ret­ro­specto ape­nas para dizer que desde o iní­cio da minha “mil­itân­cia” política sem­pre pro­curei man­ter um certo nível de coerên­cia.

Não que ache que opiniões sejam imutáveis ou que as pes­soas não pos­sam “mudar de lado”, não pelo con­trário, como dizia Ulysses Guimarães, “ape­nas os muitos tolos são inca­pazes de mudar”.

O que acho, entre­tanto, é que mudanças de rumos, alianças, devem guardar coerên­cia com o que sem­pre se pre­gou ou que se faça uma autocrítica admitindo-​se que a posição ante­rior estava equiv­o­cada.

A ausên­cia disso atende pelo nome de opor­tunismo.

Os últi­mos tem­pos na política estad­ual assis­ti­mos a incon­táveis exem­p­los de inco­erên­cias e opor­tunis­mos. Ás vezes, além do ato em si, mais inco­er­ente e opor­tunista é a crítica ao mesmo.

Vejamos um exem­plo que tem “ren­dido” comen­tários nos últi­mos dias.

O MDB leg­enda que abriga a família Sar­ney decidiu-​se por apoiar a reeleição do atual gov­er­nador e para o Senado da República, o ex-​governador Flávio Dino, que his­tori­ca­mente (?) fez car­reira com críti­cas ao grupo Sar­ney e con­tra quem a ex-​governadora Roseana Sar­ney com­petiu nas eleições ocor­ri­das qua­tro anos antes.

A decisão par­tidária tem “ren­dido edi­to­ri­ais” inter­es­santes.

As críti­cas mais con­tun­dentes, parece-​me, não têm sido ao par­tido por ter apoiado o grupo “adver­sário” mas ao grupo político out­rora crítico do grupo Sar­ney que agora fez aliança com o mesmo, como a dizer que os “apoia­dos” são traidores de uma “causa” por aceitarem o apoio dos “apoiadores”.

Muitos dos críti­cos, registre-​se, nas eleições de 2020, estiveram “sen­tando praça” atrás do apoio dos Sar­ney para os seus can­didatos.

Achei (acho) engraçada tal dis­cussão. Primeiro, por nunca ter visto em tan­tos anos de mil­itân­cia política, alguém recusar apoio de quem quer que seja por “amor a coerên­cia”. Segundo, porque a cobrança por coerên­cia política chega com, pelo menos, três anos de atraso.

Foi em julho de 2019 que escrevi o texto “Sar­ney & Dino e o acordo que não ousa dizer o nome”. Alguns ami­gos, com cerca malí­cia, dis­seram que o título seria uma cor­ruptela do poema “O amor que não ousa dizer seu nome”, cujo título orig­i­nal é Two Loves (Dois Amores), escrito por Lord Alfred Dou­glas, o amante do genial Oscar Wilde, em setem­bro de 1892.

No texto falava da aliança entre os dois gru­pos políti­cos até então rivais.

Antes e depois do texto que retra­tou pub­li­ca­mente a primeira tertúlia entre os líderes dos dois gru­pos já tinha nar­rado out­ros momen­tos políti­cos entre eles, como, em 198485 em que o “menino” Flávio, esteve prag­mati­ca­mente ao lado de Sar­ney por ocasião da cam­panha das “Dire­tas já” e votação da chapa Tancredo/​Sarney no Colé­gio Eleitoral ou a ten­ta­tiva frustrada de rein­gresso do então juiz fed­eral na política na virada e iní­cio dos anos 2000.

Já no iní­cio dos anos dois mil cogitou-​se uma aliança como esta que alguns acham “estranha”. E devo acres­cen­tar que se não deu certo foi porque o grupo Sar­ney não topou naquela opor­tu­nidade.

Mas a política é dinâmica, tanto assim, que hoje Sar­ney é um dos prin­ci­pais arti­c­ulista do Jor­nal Pequeno. Quem pode­ria imag­i­nar algo assim, há vinte, dez ou cinco anos? (Acho que tal assunto pede um tex­tão, não acham?).

Em out­ras palavras, os Sar­ney e os Dino sem­pre estiveram bem próx­i­mos – isso vem de lon­gas datas, ger­ações.

Quis o des­tino que o “debut” de Dino na política se desse pelas mãos e patrocínio de José Reinaldo Tavares quando este já estava rompido com o grupo Sar­ney – de quem se reaprox­i­mou nos últi­mos anos –, mas nunca cul­ti­varam posições inc­on­cil­iáveis.

As “tími­das” e raras vezes que Dino criti­cou o grupo Sar­ney – e não lem­bro de nen­huma, exceto as ditas nos calores das eleições –, ocor­reram quando Sar­ney era pres­i­dente e quando dis­putou as eleições de 2010, 2014, 2018. Já em 2019, repito, estavam em plena “tertúlia” de aprox­i­mação, como nar­rei no texto referido e em tan­tos out­ros.

Muitos não con­hecem ou con­hece pouco da história política do Maran­hão, por isso pinçam palavras para alardear as inco­erên­cias inex­is­tentes.

Ora, se estava cristal­ino o acordo cel­e­brado em 2019, como falar em inco­erên­cia agora quando ele se con­cretizou com a chapa for­mada?

A inco­erên­cia neste caso é daque­les que silen­cia­ram esperando tirar alguma “casquinha” do acordo Sarney/​Dino e agora sentem-​se frustra­dos por não terem alcançado seus inten­tos.

Estes mes­mos, tam­bém, nada dis­seram quando o gov­erno comu­nista pas­sou a tratar o con­glom­er­ado de comu­ni­cação dos Sar­ney bem mel­hor do que tratava o próprio gov­erno Roseana.

Foram três anos de obse­quioso silên­cio. Como falar agora em incoerência?

E assim se suce­dem os exem­p­los de inco­erên­cia e opor­tunis­mos.

Outro dia tomei con­hec­i­mento que deter­mi­nado can­didato, indig­nado com a fome do povo maran­hense, ingres­sara ou ten­cionava ingres­sar com ação na Justiça con­tra uma fausta lic­i­tação para abaste­cer a coz­inha do Palá­cio dos Leões.

Com os meus botões fiquei a pen­sar, mas esse (e out­ros) não é o mesmo que pas­sou os últi­mos anos (mais de sete) igno­rando inúmeras out­ras lic­i­tações para a comi­lança dos pala­cianos e, pos­sivel­mente, se far­tando delas tam­bém? Só agora percebe que o povo maran­hense passa fome? Nunca lhe ocor­reu que o fato de sessenta por cento da pop­u­lação não ter o que comer encontra-​se dire­ta­mente rela­cionado à far­tura e à riqueza dos seus rep­re­sen­tantes, muitos deles tendo “enri­cado” na vida pública?

Me socorre per­gun­tar onde estava este povo nos últi­mos anos que não viram tudo que vinha ocor­rendo e que agora, “do nada” pas­saram a enx­er­gar os “malfeitos” e a terem a solução para tudo.

Onde estavam? Por que de suas tri­bunas e trincheiras nunca abri­ram a boca para diz­erem nada con­tra a fome do povo, con­tra a falta de pro­dução, con­tra o atraso econômico, con­tra o excesso de impos­tos e tan­tas out­ras maze­las que nos ator­menta?

Um dos assun­tos da atu­al­i­dade – além da fome do povo –, que mais des­perta críti­cas é o sis­tema de trans­porte aqua­viário, os ferry-​boat.

As críti­cas são tan­tas – e não digo que não sejam jus­tas –, que não duvido se muitos esfreguem as mãos torcendo por uma tragé­dia.

Pois bem, con­forme res­gatei em um texto ante­rior, há mais de dez anos que o sis­tema apre­senta prob­le­mas, assim como as estradas (estad­u­ais e fed­erais) são de pés­sima qual­i­dade. Neste tempo, maio­ria dos que hoje criti­cam, estavam ou eram sócios do poder, por que nunca dis­seram nada? Por que fin­gi­ram que o prob­lema não exis­tia? Só agora pas­saram a enx­er­gar prob­le­mas que sem­pre estiveram à vista de todos?

Registre-​se, ainda, que se tivesse “vin­gado” a con­tinuidade da aliança que os levou ao poder em 2014 e que os man­teve no poder em 2018, os maran­henses con­tin­uar­iam a pas­sar fome, a sofrer todo tipo de maze­las enquanto estes mes­mos que recla­mam estariam, solen­e­mente, ignorando-​os e se far­tando nos ban­quetes ofer­e­ci­dos no palá­cio fruto dos nos­sos sua­dos impos­tos.

Como se diz, o que falta de coerên­cia sobra de opor­tunis­mos.

Abdon C. Mar­inho é advogado.

A fome como arma política.

Escrito por Abdon Mar­inho

A FOME COMO ARMA POLÍTICA.

Por Abdon C. Marinho.

ESTA­MOS a menos de noventa dias do pleito eleitoral, este ano pre­visto para ocor­rer em 2 de out­ubro, con­forme a leg­is­lação eleitoral.

Este é o período que os espe­cial­is­tas chamam de “micro­processo” eleitoral, a reta final, daqui a pouco serão as con­venções par­tidárias para escolha dos can­didatos, o iní­cio da cam­panha pro­pri­a­mente dita, a uti­liza­ção do rádio e tele­visão para a pro­pa­ganda eleitoral gra­tuita e o voto, quando os eleitores poderão (?) livre­mente escol­her aque­les que irão con­duzir os des­ti­nos do país, dos esta­dos e exercer a rep­re­sen­tação do povo nas casas dos par­la­men­tos.

Pois bem, foi den­tro deste período del­i­cado do pleito eleitoral que o gov­erno e seus ali­a­dos no Con­gresso Nacional con­tando com a cumpli­ci­dade forçada ou não da oposição resolveu aumen­tar o valor do Auxílio Brasil — o ex-​Bolsa Família –, para R$ 600 reais, criar uma “bolsa-​caminhoneiro” de 1mil reais e uma bolsa-​taxista de R$ 200 reais e dobrar o valor do vale-​gás para R$ 120 reais a cada dois meses.

No Senado da República, onde o mod­elo de rep­re­sen­tação dev­e­ria servir para sal­va­guardar os inter­esses dos esta­dos e da própria União às intem­péries dos inter­esses eleitorais, vez que os mandatos são ren­o­va­dos de forma alter­nada de um e dois terços (nesta eleição será de um terço) ape­nas uma voz se ergueu e votou con­tra. Na Câmara dos Dep­uta­dos até que se teve um número supe­rior a esse, ainda assim, infini­ta­mente minoritário ao atro­pelo das nor­mas eleitorais e morais que dev­e­riam nortear as con­du­tas dos homens públi­cos de qual­quer lugar do mundo.

O que tive­mos, na votação desta PEC (pro­posta de emenda con­sti­tu­cional), tam­bém apel­i­dada de PEC kamikaze; PEC das bon­dades ou Pro­grama Eleitoral do Cen­trão — PEC, foi a classe política nacional — com raras e hon­radas exceções –, bur­lando a leg­is­lação eleitoral e votando, despu­do­rada­mente, na defesa dos próprios inter­esses.

Em out­ras palavras, frau­dando a eleição às por­tas do pleito.

A lei eleitoral, em vigên­cia de 1997, ou seja, há um quarto de século, é bas­tante clara: “§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a dis­tribuição gra­tuita de bens, val­ores ou bene­fí­cios por parte da Admin­is­tração Pública, exceto nos casos de calami­dade pública, de estado de emergên­cia ou de pro­gra­mas soci­ais autor­iza­dos em lei e já em exe­cução orça­men­tária no exer­cí­cio ante­rior, casos em que o Min­istério Público poderá pro­mover o acom­pan­hamento de sua exe­cução finan­ceira e admin­is­tra­tiva”. Lei nº. 9.504÷1997, artigo 73.

Ainda que se alegue que o dis­pos­i­tivo acima foi inserido pela Lei nº. 11.300÷2006, já se vão dezes­seis anos em que os gov­er­nantes estão legal­mente proibidos de, no ano eleitoral, faz­erem o que, agora fal­tando menos de noventa dias para as eleições, os “donos do poder” no Brasil fiz­eram.

Pior do que isso. Fiz­eram com a “cumpli­ci­dade” de todos, políti­cos da situ­ação, da oposição, da imprensa, das enti­dades da sociedade civil, etc.

Ninguém – ou quase ninguém –, levantou-​se para dizer: — ei, isso não pode; isso é fraude eleitoral; não se pode mudar as regras do jogo com a bola rolando ainda mais para explo­rar uma neces­si­dade tão pre­mente da pop­u­lação quanto a fome.

Não tenho notí­cias nem mesmo de que o Min­istério Público Fed­eral – ou o que sobrou dele –, tenha “se lev­an­tado” para dizer que a PEC é fla­grante­mente incon­sti­tu­cional e que os seus partícipes dev­e­riam ser con­sid­er­a­dos inelegíveis.

Nada. Ninguém disse nada. O Brasil de forma acel­er­ada vai se tor­nando o país do vale-​tudo.

— Ah, Abdon, tu és con­tra aumen­tar os auxílios soci­ais com o povo pas­sando fome? Con­ceder bolsa a cam­in­honeiros e taxis­tas, com os preços dos com­bustíveis nas alturas? Aumen­tar o vale-​gás para impedir que o povo volte a coz­in­har na lenha?

Não, de forma alguma. O que sou con­tra é que os gov­er­nantes (exec­u­tivos e leg­is­ladores) que foram incom­pe­tentes na con­dução do país e nos levaram a isso, agora queiram tirar bene­fí­cios da própria incom­petên­cia explo­rando a fome e a mis­éria do povo.

E vejam que não fazem questão de dis­farçar o caráter eleitor­eiro da PEC e do “pacote de bon­dades”: os acrésci­mos e novos bene­fí­cios con­ce­di­dos encer­ram em 31 de dezem­bro de 2022.

Ora, quer dizer que até dezem­bro os brasileiros vão “resolver” suas vidas e não vão mais pre­cisar do auxílio Brasil “turbinado”, do vale-​gás; do vale-​caminhoneiro; do vale-​táxi e dos demais pen­duri­cal­hos?

Os dados sobre a fome no Brasil são ante­ri­ores ao ano eleitoral.

Desde o ano pas­sado – e até antes –, temos assis­tido as pes­soas faz­erem filas para rece­berem ou mesmo com­prarem ossos ou car­caças de fran­gos na intenção de suprirem a neces­si­dade de pro­teí­nas; há muito tempo as insti­tu­ições de pesquisas apon­tam para o empo­brec­i­mento da pop­u­lação, para o fato de con­seguirem pagar suas con­tas bási­cas; para o aumento do número de pes­soas vivendo nas ruas por não poderem pagar o aluguel ou vivendo da cari­dade alheia; há muito tempo que os podem ir ao super­me­r­cado com­prar o que comer voltam com o car­rinho cada vez mais vazio.

Ape­sar de todo instru­men­tal que pos­suem os gov­er­nantes só se deram conta da “emergên­cia” e da “calami­dade” que levaram o país agora, fal­tando menos de noventa dias para as eleições.

Mas, pas­mem, já sabem que a “emergên­cia” e a “calami­dade” ces­sarão no final de dezem­bro, cer­ta­mente Papai Noël ou o Ano Novo, trarão a solução para os prob­le­mas que cri­aram ou que não foram capazes de resolver.

Vejam que os políti­cos não se dão conta da enorme con­tradição do seu dis­curso pois à medida que se acham mere­ce­dores do voto da pop­u­lação pelo “belís­simo” tra­balho que fiz­eram à frente da nação, votam uma PEC recon­hecendo que esta­mos em emergên­cia e em estado de calami­dade com o povo mor­rendo de fome nas ruas e sem poderem aguardar mais três meses.

Os gov­er­nantes estão no poder há qua­tro, oito, doze, vinte ou trinta anos – muitos deles até mais do que isso –, pas­saram a achar que se não aprovassem uma PEC fal­tando menos de noventa dias para o pleito o povo brasileiro, pelo menos uma grande parcela da pop­u­lação iria mor­rer de fome.

Daí a urgên­cia. O povo não teria como esperar pelo pacote de bon­dades para depois das eleições sob o risco de pere­cer. Meu Deus! Como são gen­tis e pre­ocu­pa­dos.

Há anos no poder não foram capazes de atacar as causas dos prob­le­mas que nos afligem, mas, agora, se vestem de “valente” para, com o nosso din­heiro, atacar os efeitos – e, em seus próprios bene­fí­cios.

Sei per­feita­mente da grave situ­ação que passa o país, sei das neces­si­dades do povo brasileiro e nem pre­cis­aria que insti­tu­ições de pesquisas me dissessem, todos dias, todas as sem­anas, sou abor­dado co pedi­dos de cidadãos para com­prar comida, por um emprego, etc., como disse, desde muito tempo, os gov­er­nantes só desco­bri­ram agora.

Vejo gen­erais, coro­néis, juris­tas, políti­cos, min­istros, “todos” se dizendo pre­ocu­pa­dos com risco de fraude nas urnas eletrôni­cas – quando, desde 1996, não se tem notí­cia ou reg­istro de nen­huma incon­formi­dade e para qual exis­tem diver­sos mecan­is­mos de segu­rança –, mas que não se dão conta que a ver­dadeira fraude é aquela que acon­tece à vista de todos com a explo­ração da von­tade do povo a par­tir da neces­si­dade inadiável que tem o cidadão de alimentar-​se a si e a sua família.

Estes ilus­tres falas­trões emude­cem diante da fraude eleitoral mais man­i­festa e cruel e que não depende de sofisti­ca­dos pro­gra­mas de com­putação para serem com­pro­vadas: basta olhar em volta

A ver­dadeira fraude eleitoral se man­i­festa com a desigual­dade entre os com­peti­dores e é isso que esta­mos assistindo no Brasil.

Vemos aque­les que têm mandato dis­porem de mil­hões e mil­hões de reais do orça­mento da União e dos esta­dos para tocarem suas cam­pan­has – parte deles do chamado “orça­mento secreto” –, e dis­porem de bil­hões de reais dos recur­sos dos fun­dos par­tidário e eleitoral em detri­mento dos cidadãos comuns que tam­bém têm o dire­ito e a garan­tia con­sti­tu­cional de par­tic­i­parem dos negó­cios do país.

A explo­ração da fome da fome, da mis­éria e a desigual­dade finan­ceira dev­ido a uti­liza­ção de recur­sos públi­cos por uns em detri­mento de out­ros, são as prin­ci­pais e mais graves for­mas de fraudes eleitorais.

Os cidadãos de bem não podemos e não temos o dire­ito de se calar­mos diante delas.

Um der­radeiro acréscimo: não há que se falar em democ­ra­cia quando o processo eleitoral não asse­gura entre os que pleit­eiam mandatos ele­tivos qual­quer isono­mia.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.