AbdonMarinho - QUANDO NÃO SE PODE ERRAR E SE COMEÇA ERRANDO
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 21 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

QUANDO NÃO SE PODE ERRAR E SE COMEÇA ERRANDO


QUANDO NÃO SE PODE ERRAR E SE COMEÇA ERRANDO.

Por Abdon Marinho.

DEN­TRE os muitos “memes” que cir­cu­lam pelas redes soci­ais, um que me chamou muito atenção – e, infe­liz­mente, não era “meme”, tratava-​se de uma tirada humorís­tica –, foi o da patri­ota de Porto Ale­gre, apelidei assim, em que uma uma sen­hora con­clama os patri­o­tas a terem calma pois os OVNIS já haviam chegado ao Rio Grande do Sul com a “mis­são” de oper­arem um trans­plante de cor­pos e que, a par­tir de 1° de janeiro que gov­ernaria o país con­tin­uaria a ser Bol­sonaro só que no corpo do Lula. E con­cla­mava: — calma, patri­o­tas, calma!

Depois que vi um cidadão pendurar-​se no pára-​brisa de um cam­in­hão em movi­mento para pará-​lo; depois que vi cen­te­nas de cidadãos fazendo oração em torno de um pneu; depois que vi mil­hões de brasileiros nos portões dos coman­dos mil­itares, dos quar­téis e até mesmo nos “tiros de guerra”, como se dizia antiga­mente, pedi­rem golpe mil­i­tar – o nome cor­reto é este mesmo, os mili­ton­tos querem repe­tir a história pedindo golpe –, não vi motivos para duvi­dar da veraci­dade do dis­curso da patri­ota gaúcha, sem con­tar que lou­cura por lou­cura, o que sig­nifica uma inter­venção extrater­restre no processo eleitoral brasileiro?

Vive­mos um momento de sin­gu­lar gravi­dade.

Os atos políti­cos dos cidadãos pedindo golpe mil­i­tar, sem nem saberem o que é isso, não pode ser car­ac­ter­i­zado ape­nas como uma bizarrice dos que não não se con­for­mam com o resul­tado do pleito, quando sabe­mos que o pres­su­posto da democ­ra­cia é o recon­hec­i­mento do resul­tado eleitoral quando este lhes é des­fa­vorável – mesmo quando uma eleição ter­mina empatada temos regras para recon­hecer como eleito o mais idoso.

Então, para estas pes­soas, a “vitória” não é a con­sol­i­dação do processo democrático, com eleições per­iódi­cas, através do voto direto e secreto com igual valor para todos, mas, sim, um retorno a um som­brio período dita­to­r­ial, tal qual o instau­rado em 1964, e depois suas suces­si­vas vari­antes de golpes den­tro do golpe, até o fim do régime em 1985.

Os mil­itares brasileiros “gostam do poder”, tanto assim que depois do golpe orig­inário de 1964, foram pro­movendo out­ros golpes com o claro propósito de não deixarem o poder, con­forme o prometido naquele ano, e come­tendo “lou­curas” para per­manecerem no poder, a última delas, o aten­tado do “Rio­cen­tro”, em 1981, que não deu certo em vir­tude das bom­bas, com as quais pre­tendiam matar cen­te­nas ou mil­hares de pes­soas, explodi­rem antes hora, matando ape­nas os que ten­taram plantá-​las no evento.

Outra prova disso é não mostraram qual­quer con­strang­i­mento em acatar todos absur­dos pro­posto pelo tenentinho, até mesmo as ordens ile­gais – como essa de não par­tic­i­par ou não prestar os esclarec­i­men­tos dev­i­dos à comis­são de tran­sição, con­forme deter­mina a lei.

Tais con­sid­er­ações servem ape­nas para dizer que caso tivessem encon­trado um “fiapo” de qual­quer irreg­u­lar­i­dade nas urnas eletrôni­cas e/​ou no processo eleitoral já teriam aten­dido aos ape­los do seu coman­dante e seus seguidores que ocu­pam as por­tas dos quar­téis pedindo golpe mil­i­tar.

Se não fiz­eram é porque sabem não assi­s­tir razão aos autores das incon­táveis nar­ra­ti­vas sobre fraudes eleitorais e que faz­erem isso – tomarem o poder pela força –, ape­nas estariam atraindo para o país toda insat­is­fação mundial que nos últi­mos qua­tro já colo­cou o Brasil na condição de pária do mundo.

Só por isso.

Desde sem­pre os mil­itares brasileiros se acham “tutores” do poder civil. Isso não é de hoje, se querem uma data pre­cisa, podemos dizer que vem desde o “golpe da procla­mação da república”, ficaram cal­a­dos de 1985 até aqui por conta do desas­tre que pro­duzi­ram na con­dução do país nos vinte e um anos que estiveram à frente do poder.

E, registre-​se, só deixaram o poder quando a sociedade já não os supor­tavam mais.

Daí soar com gravi­dade ímpar o fato de mil­hares, talvez mil­hões de brasileiros, estarem acam­pa­dos em frente aos quar­téis pedindo “socorro” as forças armadas.

Não con­hecem a história? São igno­rantes ou ape­nas idiotas?

Digo isso porque não como igno­rar o resul­tado das urnas sem uma rup­tura insti­tu­cional o que só será pos­sível com a implan­tação de uma ditadura mil­i­tar que feche os órgãos de rep­re­sen­tação política, do Con­gresso Nacional às Câmaras de Vereadores; o fechamento dos órgãos da justiça; e a inter­venção nos gov­er­nos estad­u­ais.

É bom que se diga que não é pos­sível a existên­cia de uma meia ditadura. Uma ditadura mil­i­tar fed­eral com democ­ra­cia nos esta­dos e municí­pios ou com poderes con­sti­tuí­dos autônomos.

Por isso é tão grave que esta­mos assistindo atual­mente no país. Tão grave que cla­maria por uma inter­venção tanto do gov­erno que sai quanto do gov­erno que vai entrar no sen­tido de bus­car a paci­fi­cação da nação.

É necessário o con­venci­mento de vence­dores e der­ro­ta­dos para fato de que nas democ­ra­cias tanto a vitória quanto a der­rota são pas­sageiras.

Os der­ro­ta­dos de hoje, daqui a qua­tro anos, poderão ser­mos novos vence­dores – o mesmo val­endo para os vencedores.

A democ­ra­cia, já disse isso dezenas de vezes, passa pelo recon­hec­i­mento do resul­tado das eleições. Esse é o pres­su­posto do estado democrático de dire­ito.

Não é isso que esta­mos assistindo.

Mesmo pes­soas suposta­mente esclare­ci­das, com a respon­s­abil­i­dade de recon­hecer a importân­cia da democ­ra­cia no processo civ­i­liza­tório as temos visto fazendo número e apoiando rup­tura insti­tu­cional.

E vão além, outro dia vi impor­tante atriz da tele­dra­matur­gia brasileira defend­endo que com­er­ciantes usassem uma iden­ti­fi­cação nos seus comér­cios afir­mando que votara ou seria defen­sor do gov­erno eleito.

Emb­ora seja uma tolice – assim como os diver­sos “memes” que cir­cu­lam nas redes soci­ais –, cog­i­tar tal absurdo tem uma sim­bolo­gia ainda mais grave: era assim, uti­lizando a Estrela de Davi, que os nazis­tas iden­ti­fi­cavam os empreendi­men­tos judeus para que fos­sem van­dal­iza­dos ou para que fos­sem boico­ta­dos.

Assi­s­tir a mesma coisa no Brasil quase cem anos depois é algo per­tur­bador.

Onde fra­cas­samos? O que fize­mos de errado para mil­hares, mil­hões de brasileiros pedi­rem golpe mil­i­tar e a supressão da democ­ra­cia? Onde o processo civ­i­liza­tório fra­cas­sou ao ter­mos cidadãos, mil­hares deles, nas suas redes soci­ais, incen­ti­vando que boicote à esta­dos fed­er­a­dos, a pro­du­tos de empre­sas, ou que com­er­ciantes “mar­quem” seus comér­cios com iden­ti­fi­cação de prefer­ên­cia política, como faziam os nazis­tas nos anos trinta do século pas­sado? Será que não apren­demos nada com a história brasileira e mundial?

Volto ao “meme” fake da patri­ota gaúcha e que nos remetes ao próprio título do texto para dizer o seguinte:

Como o can­didato der­ro­tado, até hoje, não apare­ceu para recon­hecer o resul­tado eleitoral e tal mutismo serve como com­bustível para incen­ti­var que seus ali­a­dos e seguidores fechem rodovias e pro­movam atos políti­cos que visam a supressão da democ­ra­cia, caberia ao can­didato vito­rioso tra­bal­har dobrado para paci­ficar o país.

Não é isso que temos visto.

Dando razão ao “meme” fake da patri­ota de Porto Ale­gre, quer nos pare­cer que os ovnis que dis­seram estar esta­ciona­dos sob o Rio Grande do Sul já oper­aram o trans­plante de cor­pos entre Lula e Bol­sonaro.

Basta obser­var que o silên­cio do primeiro coin­cide com o destem­pero ver­bal do segundo.

Não é novi­dade que o Lula sem­pre abu­sou do dire­ito de falar sandices, só sendo super­ado pelo sen­hor Bol­sonaro, que é insu­perável neste que­sito.

Ocorre que, esperava-​se do Lula, diante do país abso­lu­ta­mente divi­dido e raivoso, ele mod­erasse a lín­gua e, junto com os seus, tra­bal­hasse pela paci­fi­cação do país e não é isso que não esta­mos vendo.

Não que ache algo demais no muito que diz, ocorre que o momento não é ade­quado.

Tal qual o atual pres­i­dente, o sen­hor Lula, pres­i­dente eleito, trata de ten­tar apa­gar incên­dio uti­lizando gasolina.

Talvez fosse opor­tuno alguém lembrá-​lo que um grande número dos votos que o elegeu não são dos seus devo­tos, mas, sim, votos con­trários ao atual governante.

Começa errando quando não se tem o dire­ito de errar.

Noutras palavras, parece-​nos que os ovnis já fiz­eram o trans­plante de cor­pos e, a par­tir de janeiro, con­tin­uare­mos a ser gov­er­na­dos por Bol­sonaro, mas no corpo do Lula.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.