A PÁTRIA DOS QUE QUEREM PÁTRIA.
Por Abdon C. Marinho.*
COMO os corpos celestes que vez ou outra se alinham, no Brasil de 2022 teremos um raro e festejado alinhamento: daqui a um mês festejaremos o bicentenário da nossa independência da nação irmã Portugal; e, dali, novamente, a menos de um mês será a vez de escolhermos os futuros governantes do país, presidente, governadores, deputados federais e estaduais; e um terço dos senadores da República.
São acontecimentos importantes.
Muito embora já contemos com duzentos anos como nação independente, temos, ainda, uma democracia frágil e vacilante onde muitos brasileiros, infelizmente, confundem o sentimento de “pertencimento” a este ou aquele grupo, com os interesses da própria nação.
Os interesses da nação são superiores aos interesses de quaisquer grupos ou vertentes ideológicas.
Daí ser tão importante por assim dizer, este “alinhamento”, pouco depois de festejarmos o nosso ingresso no bicentenário das nações livres, termos a oportunidade de escolhermos através do voto livre, direto e secreto os nossos governantes, aqueles que irão conduzir os destinos do país em obediência à Constituição da República, às leis, aos tratados, jurando o respeito aos seus princípios fundamentais: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Tudo isso coroado pelo princípio de que “todo o poder emana do povo que o exerce através dos seus representantes ou diretamente, nos termos da constituição”.
Há cinquenta anos, em agosto de 1977, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, no Largo de São Francisco, lia Carta aos brasileiros, denunciando os abusos do régime miliar e conclamando por uma nova ordem política nacional através do pacto de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A partir do ano seguinte, 1978, começamos o processo de distensão política, com a Lei da Anistia de 1979, começamos a reintrodução no país de milhares de brasileiros levados ao exílio por discordar do régime militar.
Nas eleições de 1982, muitos dos antigos exilados já puderam concorrer a mandatos eletivos para o Congresso Nacional, governos estaduais e Assembleias Legislativas.
Em 1985, em janeiro, tivemos nossa última eleição indireta para presidente da República, no ano seguinte, 1986, elegemos o Congresso Nacional com poderes constituintes e, em 1988, ganhamos uma nova Constituição Federal, que neste ano festeja seu 34º aniversário.
Como bem disse Ulysses Guimarães, por ocasião de sua promulgação, trata-se de uma constituição cidadã e, talvez por isso, não é perfeita, tanto assim que admite, ela própria, revisões e emendas, entretanto, durante todos estes anos, tem sido a garantia da estabilidade nacional.
Desde a sua promulgação tivemos as eleições presidenciais de 1989; eleições para os governos estaduais e para o Congresso Nacional, em 1990; eleições municipais em 1992; eleições gerais, 1994; eleições municipais, em 1996; novamente eleições gerais, 1998; e assim, sucessivamente, até os dias atuais.
A cada dois anos temos eleições locais ou gerais sem maiores problemas e, principalmente, sem que as mesmas sejam questionadas por fraudes eleitorais ou quaisquer coisas do gênero.
Desde as eleições municipais de 1996 que Brasil adota o sistema de votação através de urnas eletrônicas sem qualquer comprovação, por menor, que seja de que o sistema eleitoral tenha sido fraudado. Mais, a cada ano (ou a cada eleição) o sistema eleitoral é aprimorado, ganhando em transparência e mecanismos de controle, sendo atestado pela Polícia Federal, TCU, ABIN, universidades e entidades diversas, do país e do estrangeiro, como seguro.
Logo, não há qualquer sentido, a não ser os que guiam pelos caminhos do retrocesso, em, depois de 26 anos, vir alegar ou colocar, sem qualquer prova ou mesmo indícios, que as eleições nacionais são “fraudáveis”.
Com base em que elementos, em que provas, em quais indícios, dizem que as eleições brasileiras são fraudadas ou fraudáveis?
Seria cômico se não fosse trágico, chegam a afirmar que o sistema possui um mecanismos de fraude tão sofisticado quentão deixa qualquer prova de que foi fraudado.
Quer me parecer, que aqueles que levantam tais aleivosias agem com as mesmas malévolas intenções dos seus congêneres do norte que à míngua de votos, tentaram solapar uma das robustas democracias do planeta: a americana.
As investigações do congresso daquele país está levantando e provando até onde foram capazes de chegar para colocarem suas pautas adiante dos princípios e dos interesses do país. Certamente, por lá, os responsáveis pela infâmia, assim como seus idealizadores e inspiradores, serão punidos exemplarmente. Muitos do que invadiram o Congresso Americano em 6 de janeiro de 2021, atendendo o apelo do líder para impedir a certificação do resultado eleitoral já estão recebendo suas punições – alguns deles, altas penas.
Por aqui, não é de hoje, alguns, com as mesmas intenções – que podem ser tudo, menos democráticas –, tentam fazer um “remake” da patuscada americana, por isso é necessário atenção.
Em boa hora, inspirados na Carta aos brasileiros, de 1977, milhares de cidadãos brasileiros, subscrevem uma “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!” – eu assinei –, onde reafirmam a confiança no nosso processo eleitoral eletrônico e na transparência da Justiça Eleitoral; questionam os infundados ataques as instituições e ao processo político brasileiro conclamando os cidadãos para que fiquem atentos a quaisquer manobras que visem levar o país ao retrocesso político e institucional.
O documento acima referido será lançado, lido oficialmente, no dia 11 de agosto, no mesmo local que foi lido aquele de 50 anos atrás.
Na mesma linha é também um documento lançado pela FIESP em conjunto com diversas federações empresariais e de trabalhadores.
O que resta claro em ambos os documentos é que os brasileiros não queremos uma situação de retrocesso institucional para o país.
O que se quer é que os eleitos – como sempre foram nas últimas décadas –, assumam livremente os seus mandatos pois essa foi a vontade do dono do poder originário: o povo, o cidadão/eleitor.
Não é um documento contrário ou a favor de ninguém, mas de uma pauta política que, pelo menos em tese, deveria (ou deverá) unir a todos: a pauta do respeito às regras pré-estabelecidas, do não a qualquer tipo de retrocesso.
Este é o o terceiro alinhamento a somar-se ao bicentenário da independência do Brasil e às eleições de outubro: o respeito ao resultado eleitoral, organizado como sempre foi pela Justiça Eleitoral há mais de oitenta anos, e a defesa intransigente do Estado Democrático de Direito.
Exceto por uns poucos esbirros de viés autoritário, o Brasil, em pleno século XXI, não comporta retrocessos institucionais.
Ninguém (são) deseja um retorno à ditadura militar ou qualquer outro régime que não seja a livre e soberana manifestação dos cidadãos/eleitores na escolha dos seus representantes nas urnas, como tem sido feito ao longo das últimas décadas.
O compromisso com o Estado Democrático de Direito é uma pauta comum que deve unir, independente de interesses políticos e ideológicos, os brasileiros de bem, mesmo aqueles que em algum momento da vida tenha apoiado regimes de exceção, desde conscientes dos seus equívocos e arrependidos, deveriam manifestar-se, neste ano tão simbólico, a favor do Brasil e do fortalecimento da nossa democracia.
A pátria não é excludente. A pátria comporta a todos que querem pátria.
Abdon C. Marinho é advogado.