AbdonMarinho - A poliomielite é uma emergência nacional.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A poliomielite é uma emergên­cia nacional.


A POLIOMIELITE É UMA EMERGÊN­CIA NACIONAL.

Por Abdon C. Marinho.

NO SÁBADO, dia 3 de dezem­bro, recebi um CARD da Prefeitura de Itapecuru Mirim alu­sivo ao Dia Inter­na­cional das Pes­soas com Defi­ciên­cia, que segue ilus­trando o texto.

Não lem­brava da data – e pas­saria “batido” se não fosse o card rece­bido.

Já da defi­ciên­cia física, cau­sada pela pólio que me acome­teu nos meus primeiros anos de vida, desta até gostaria de esque­cer, mais não con­sigo. Ela me acom­panha por mais de cinquenta anos como uma par­ceira cruel. Algu­mas vezes me fazendo lem­brar que está mais pre­sente do que nunca na minha vida.

Mas o pre­sente texto não se propõe à autopiedade ou auto­comis­er­ação, antes fosse, trata-​se, na ver­dade de um alerta urgente e necessário ao pouco caso com que as autori­dades e prin­ci­pal­mente, a sociedade têm dis­pen­sado a uma doença tão séria e grave quanto a poliomielite, que quando não mata deixa seque­las pelo resto da vida.

Já havia feito esse mesmo alerta – sobre o país encontrar-​se vul­nerável ao retorno da poliomielite –, em 2018, qua­tro anos depois e uma pan­demia no meio, a situ­ação ganha ares de emergên­cia nacional.

Estou na ter­ceira recidiva da poliomielite.

Há alguns anos – acho que pouco antes da pan­demia –, “do nada”, cai no ban­heiro, imag­inei, a princí­pio que fora um escor­regão por está com os pés mol­ha­dos ou um tapete mal colo­cado, ou qual­quer destas coisas que de tão comuns no dia dia a dia não lem­bramos o que se deu. Na ver­dade, quando fui ao médico e perguntou-​me como cai, não lem­brava com clareza como se dera.

As lem­branças já foram das dores da queda e das difi­cul­dades para voltar a andar mesmo uti­lizando o apoio das ben­galas – sim, durante um tempo tive fazer uso de dois apoios para con­seguir andar –, depois de muita fisioter­apia, gelo, etc., voltei a pre­cisar ape­nas de uma. Ainda assim, as con­se­quên­cias desta recidiva ainda se fazem muito pre­sente e dolori­das, o pé dire­ito, por exem­plo, encontra-​se mais “virado”, lev­an­tar e calçar um sap­ato pela manhã já é um desafio, as dores no cal­can­har, por está “mais virado” não dão trégua e, o aumento de um ou dois qui­los no peso ou uma bolsa mais pesada que car­rego à tira­colo são motivos para o agrava­mento das dores.

Como já era “caseiro”, a angús­tia de ter que colo­car um sap­ato para ir a qual­quer lugar ou mesmo enfrentar um com­pro­misso profis­sional – que no meu caso ocorre nos tri­bunais ou repar­tições públi­cas, sem­pre em espaços amplís­si­mos –, fez aumen­tar a minha “cas­mur­rice”. Tenho preferido os com­pro­mis­sos vir­tu­ais e quando os pres­en­ci­ais se tor­nam inevitáveis, “escalo” alguém para me acom­pan­har e me apoiar nos deslo­ca­men­tos mais lon­gos.

Outra providên­cia exigida por essa ter­ceira recidiva foi “mon­tar” uma acad­e­mia de ginás­tica em casa – a fisioter­apia na clínica, até pelos horários restri­tos, não fun­cio­nou como gostaria – e con­tratar um fisioter­apeuta que aten­desse em domicílio para acom­pan­har meu trata­mento.

Quem vê min­has posta­gens sobre a “vida de atleta” que levo ou da minha impro­visada acad­e­mia pode pen­sar que trata-​se de um luxo ou osten­tação ou, mesmo, de uma diver­são – pois procuro me diver­tir ou levar com “graça” o pade­cer –, mas, na ver­dade, tem sido uma neces­si­dade imposta pela doença.

Depois dessa última recaída, muitas vezes acordei no meio da madru­gada com von­tade de ir ao ban­heiro (do lado da cama, prati­ca­mente) e esper­ava a hora que teria que lev­an­tar defin­i­ti­va­mente para evi­tar sen­tir dores nos pés mais de uma vez.

Aos poucos, a “vida de atleta” vem me per­mitindo gan­har um pouco mais de mobil­i­dade e a superar as difi­cul­dades acima nar­radas.

O prob­lema do tornozelo talvez só seja resolvido com um sap­ato espe­cial ou uma órtese.

Na segunda recidiva – há mais de uma década –, a pólio me impôs a uti­liza­ção da uma ben­gala.

Muito emb­ora a ben­gala tenha um certo charme, a imposição do uso me cau­sou um certo abalo emo­cional – imag­ino que ocor­rerá o mesmo se tiver que usar a órtese ou sap­ato espe­cial –, pois antes andava “pra cima e pra baixo” sem qual­quer prob­lema além de me cansar mais rápido que os demais, porém ia todos lugares soz­in­hos, sem pre­cisar de qual­quer apoio, pegava ônibus e até ven­cia alguns quilômet­ros sem me cansar muito.

Tal qual deu-​se na ter­ceira recidiva, pas­sei a sentir-​me um pouco mais fraco, as vezes pre­cisando me apoiar para andar um pouco mais, situ­ações que não enfrentava ante­ri­or­mente.

Foi aí que os médi­cos da rede Sara recomen­dou o uso da ben­gala – que ia cumprindo total­mente a mis­são até esta ter­ceira recidiva.

Quando tive a poliomielite, na primeira infân­cia, os médi­cos de então dis­seram que eu não con­seguiria voltar a andar.

Acho que só fui con­seguir andar depois de dois ou três anos. Mas a par­tir daí, até a segunda recidiva, levei uma vida “nor­mal” den­tro das min­has limitações.

Com a segunda recidiva veio a neces­si­dade da ben­gala e agora, a “guerra” que nar­rei acima.

A guerra que enfrento há mais cinquenta anos é a que pre­tendo evi­tar ou aler­tar com o pre­sente texto.

Ontem, dia 10 de dezem­bro, em todo estado, foi o dia D da vaci­nação con­tra a poliomielite.

As infor­mações que me chegaram até a sexta-​feira, 9, além da der­rota da seleção brasileira para a seleção da Croá­cia, foi que o Brasil está per­dendo a guerra para a poliomielite, depois de anos a doença volta a ameaçar a pop­u­lação brasileira, prin­ci­pal­mente, as cri­anças, que não podem se defender.

A cober­tura vaci­nal até a data acima, se não me falha a memória, era de cerca de 70% (setenta por cento) quando dev­e­ria ser, de no mín­imo, 95% (noventa e cinco por cento).

Já há sus­peitas de casos de poliomielite no con­ti­nente amer­i­cano – inclu­sive no Brasil –, o que torna urgente a mobi­liza­ção de todos os cidadãos de bem para que vacin­emos todos que pre­cisam ser vaci­na­dos.

O regresso de tal molés­tia em ter­ritório nacional, pos­sivel­mente, com as mutações que o vírus deve ter sofrido, é algo que torna inse­guro não só a saúde das cri­anças, mas tam­bém de adul­tos. Não é demais lem­brar que quando Franklin Delano Roo­sevelt (18821945) teve poliomielite já con­tava com 39 anos de idade.

Pre­cisamos encarar a ameaça de rein­tro­dução da poliomielite no país como uma vitória da ignorân­cia.

Desde 1989 que não reg­istrá­va­mos casos de pólio no Brasil graças a par­tic­i­pação de todos na cam­pan­has de vaci­nação coman­dadas pelo “Zé Got­inha”. Nos últi­mos tem­pos a ignorân­cia foi “levando van­tagem” e afa­s­tando a pop­u­lação das cam­pan­has de vaci­nação levando-​nos ao risco que todos cor­re­mos hoje, em nome de uma suposta liber­dade indi­vid­ual que coloca em risco a vida é segu­rança de todos.

Faz-​se necessário que as autori­dades públi­cas cobrem com mais ênfase a vaci­nação de todos. Seja no momento de matric­u­lar as cri­anças nas esco­las – só se admitindo aque­las que este­jam imu­nizadas; seja no cadas­tro de pro­gra­mas assis­ten­ci­ais públi­cos – igual­mente exigindo a carteira de vaci­nação dev­i­da­mente preenchida.

Sem um nível de enfrenta­mento próprio das “guer­ras” não con­seguire­mos vencer a molés­tia mais uma vez.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado e defi­ciente.