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A CEGUEIRA POLÍTICA E A VIO­LÊN­CIA CON­TRA AS MULHERES.

Escrito por Abdon Mar­inho


A CEGUEIRA POLÍTICA E A VIO­LÊN­CIA CON­TRA AS MUL­HERES.

Por Abdon C. Mar­inho.

ENTRE os diver­sos assun­tos que pode­ria tratar nesta crônica domini­cal, tais como, as eleições pres­i­den­ci­ais, as eleições estad­u­ais, o efeito da “PEC kamikaze” nas eleições e na econo­mia, o retorno do gov­er­nador do estado ao cenário eleitoral local, as pesquisas e tan­tos out­ros, um assunto fora deste rol parece-​me bem mais urgente: falo das várias for­mas de vio­lên­cia con­tra as mul­heres que assis­ti­mos nos últi­mos dias.

O assunto é vasto e difi­cil­mente teria condições de ser esgo­tado numa crônica, por isso mesmo, a abor­dagem limitar-​se-​á aos casos que estão sendo expos­tos nas “mesas dos bares” da atu­al­i­dade e nas redes soci­ais.

Acho que cam­inha para duas décadas – ou mais –, o episó­dio ocor­rido em uma cidade da região sul ou sud­este em que, por ocasião do dia da secretária, um motel espal­hou pela cidade diver­sos out­door com a leg­enda: “Hoje é o dia da secretária”. Acred­ito que o respon­sável pela pub­li­ci­dade imag­i­nou que estaria fazendo uma grande coisa com a “hom­e­nagem”, quando na ver­dade estava era ofend­endo não ape­nas a cat­e­go­ria das secretárias, mas, tam­bém, todas as mul­heres, de uma forma geral.

Pas­sa­dos tan­tos anos, parece-​nos que a vio­lação dos dire­itos humanos em relação as mul­heres não retro­cedeu um milímetro, pelo con­trário, muitas das vezes, tam­bém por conta do aço­da­mento político, a vio­lên­cia só aumen­tou.

Achavam pouco todo tipo de vio­lên­cia de gênero que as mul­heres sofrem ao longo dos anos e resolveram que era hora de acres­cen­tar a elas o debate político/​ideológico e reli­gioso.

Primeiro veio a público o caso da cri­ança de dez anos que engravi­dou e foi exposta por conta de uma neg­a­tiva de aborto pre­vista na lei.

O episó­dio é cruel em todas suas dimen­sões, a começar pelo fato que uma cri­ança dev­e­ria ser mel­hor cuidada para que esse tipo de episó­dio não ocor­resse; depois pelo fato que o hos­pi­tal não pode­ria negar-​se a fazer a inter­rupção da gravidez, uma vez que pre­vista na lei; depois que o Estado rep­re­sen­tado por juíza e pro­mo­tora não pode­riam opor embaraços ao cumpri­mento da lei e mais, ainda, pegar uma cri­ança, diante dessa situ­ação tão dramática, e colocá-​la em um abrigo para “protegê-​la”– ao meu sen­tir uma das maiores vio­lên­cias já prat­i­cadas. E nem fale­mos no episó­dio da audiência/​tortura onde a mag­istrada, com a cumpli­ci­dade do MP, ten­tou impor suas con­vicções pes­soais – em detri­mento da lei –, para forçar o prossegui­mento da gravidez.

Imag­inem todo o sofri­mento pelo qual pas­sou – e passa –, essa cri­ança durante esse período – que cer­ta­mente –, ainda irá acompanhá-​la pelo resto da vida.

Mal os tri­bunais inquisidores das redes soci­ais “entraram em recesso” – se é que entram –, quando veio a público o episó­dio da gravidez e adoção legal envol­vendo uma atriz.

Um dia abro o celu­lar e vejo dezenas de pub­li­cações a respeito de uma jovem atriz. Eu, emb­ora recon­hecido nov­el­eiro, não con­hecia ou lem­brava da mesma.

Mas, o fato, fiquei sabendo depois, é que a jovem tendo ficado grávida depois de um estupro e tendo descoberto a gravidez tar­dia­mente optou pela con­tinuidade da mesma com pos­te­rior doação da cri­ança.

Todo o pro­ced­i­mento é pre­visto e amparado pela lei.

Indifer­ente a isso ou na busca de cliques alguns supos­tos jor­nal­is­tas trataram de levar o caso a público – para isso con­tando com a falta de com­pro­misso de servi­dores do hos­pi­tal –, expondo de forma inde­v­ida a vida da jovem, que repito, não fez nada fora do pre­visto na lei.

Não con­tentes com isso, pas­saram a “cobrar” mais exposição da vítima: que denun­ci­asse o agres­sor para que “a justiça fosse feita”.

No Brasil tive­mos um tempo em que só era recon­hecido como estupro a situ­ação em que a mul­her resis­tia, inclu­sive, a ponto de perder a vida, con­tra o ato sex­ual não con­sen­tido.

Se ela sac­ri­fi­cava a própria vida con­tra o abuso era porque, efe­ti­va­mente, não que­ria.

Parece-​nos que ainda hoje não nos livramos de tal con­ceitu­ação.

No caso da atriz ques­tionaram a falta do BO; ques­tionaram o fato de não ter denun­ci­ado e cobraram o nome do autor do crime, como a querer levá-​la a mais uma situ­ação de sofri­mento por algo que tudo que mais deseja é esque­cer.

Tudo isso porque resolveu dar a adoção o filho que fora fruto de uma relação não con­sen­tida. E, vejam que não estaria come­tendo nen­hum ilíc­ito caso doasse o filho para adoção inde­pende de ter sido ou não fruto de um estupro.

Por der­radeiro veio este caso de assé­dio moral e sex­ual em que não uma, mas diver­sas mul­heres – enfrentado seus medos por represálias –, denun­cia­ram o pres­i­dente e out­ros dire­tores da Caixa Econômica Fed­eral — CEF, por uma série de abu­sos e con­strag­i­men­tos que vin­ham sofrendo,

As nar­ra­ti­vas são nojen­tas e rev­e­lam um grau de degradação indizível no serviço público. Segundo algu­mas fontes, ao ouvirem os pas­sos do “garan­hão” muitas procu­ravam o ban­heiro mais próx­imo para ficar longe de suas vis­tas.

Imag­ino o que essas mul­heres, servi­do­ras públi­cas, não sofr­eram e a cor­agem que tiveram para denun­ciar as situ­ações absur­das pelas quais pas­savam.

Agora, assisto e recebo através de redes soci­ais e/​ou aplica­tivos “peças” de uma cam­panha para desqual­i­ficar as mul­heres que denun­cia­ram o que vin­ham pas­sando.

Além de exporem as denun­ciantes – fil­has de alguém, esposas de alguém, mães de alguém –, ques­tionam se efe­ti­va­mente foram asse­di­adas moral ou sex­ual­mente. Tudo na linha “você é tão feia que não te estupraria”.

Vejam a que ponto cheg­amos.

A cegueira da política parece não admi­tir qual­quer con­cessão, insis­tem em poli­ti­zar tudo.

Os três casos acima servem bem para ilus­trar toda vio­lên­cia, mis­oginia e abu­sos pelos quais pas­sam nos­sas meni­nas e mul­heres em pleno século XXI.

Sofrem, prin­ci­pal­mente, uma indizível vio­lên­cia política.

Desde os anos 40 do século pas­sado, que a leg­is­lação pátria con­sente na inter­rupção da gravidez em caso de riscos a vida da mãe ou em casos de estupros – e mais recen­te­mente o STF recon­heceu essa pos­si­bil­i­dade no caso de anence­fáli­cos.

Have­ria neces­si­dade de sub­mis­são de uma cri­ança a toda vio­lên­cia como vimos no primeiro caso?

A mesma coisa em relação ao caso da jovem atriz: qual a jus­ti­fica­tiva para toda vio­lên­cia con­tra uma pes­soa que não fez nada de errado, que seguiu a lei?

E o que dizer da situ­ação exposição e vio­lên­cia pelas quais pas­sam as fun­cionárias da Caixa que resolveram denun­ciar aos canais inter­nos – e depois pub­li­ca­mente –, os abu­sos e assé­dios que vin­ham sofrendo?

No caso das servi­do­ras, não expõem ape­nas elas mas, tam­bém, a esposa do próprio autor dos abu­sos em com­para­ções absur­das com o propósito de desqual­i­fi­cação das víti­mas.

Vejam que mesmo no caso de mul­heres que vence­ram na vida por seus próprios esforços – como no caso das servi­do­ras asse­di­adas ou da atriz –, são expostas como se não mere­cessem ocu­par as posições que alcançaram.

Na pre­sente crônica nem trato do episó­dio da procu­radora de um municí­pio que foi vítima de absurda e injus­ti­fi­cada vio­lên­cia por parte de um colega que, segundo dizem, não aceitava a colega em posição de chefia.

Deixei o episó­dio de fora para tratar dos out­ros onde clara­mente se iden­ti­fica uma vio­lên­cia de gênero por conta da cegueira política que con­t­a­m­i­nam as relações na atu­al­i­dade.

Se nos dois primeiros casos a poli­ti­za­ção pare­ceu como ele­mento secundário, no último, o que assis­ti­mos é uma vio­lên­cia “insti­tu­cional­izada” con­tra as mul­heres que denun­cia­ram os atos abje­tos a que foram sub­meti­das por alto fun­cionário do gov­erno e ali­ado de “primeira hora” dos gov­er­nantes.

A “mil­itân­cia” tem ido atrás de fotografias, vio­lam sig­i­los de pro­ced­i­men­tos e até o dire­ito de ima­gens para come­ter out­ras vio­lên­cias – igual­mente abje­tas –, con­tra as mulheres/​trabalhadoras, a começar por diz­erem que teriam sido elas as asse­di­ado­ras ou que seriam feias demais para serem asse­di­adas.

Esta vio­lên­cia pode e deve ser clas­si­fi­cada como vio­lên­cia política – além dos crimes referi­dos. O que os “mili­ton­tos” e crim­i­nosos estão dizendo é o seguinte: se denun­cia­rem “um dos nos­sos” nós ire­mos destruir suas vidas.

É isso que estão fazendo no momento.

Não estão nem aí se a vio­lên­cia é prat­i­cada con­tra uma mul­her que pode­ria ser sua irmã, mãe, esposa, avó, etc., tudo parece válido na guerra política.

Tudo isso em país que anual­mente já reg­is­tra mil­hares de estupros, mil­hares de fem­i­nicí­dios e mil­hões de out­ros atos de vio­lên­cia domés­tica, de gênero, etc.

Os cidadãos, não temos o dire­ito de nos calar e aceitar como nor­mais os atos abom­ináveis de vio­lên­cia con­tra as mul­heres, menos ainda quando estes que se revestem de vio­lên­cia política.

A todas essas mul­heres víti­mas ou não da vio­lên­cia minha irrestrita sol­i­dariedade.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

Nem oito nem oito­cen­tos: Reflexão sobre o futuro do Brasil.

Escrito por Abdon Mar­inho

NEM OITO NEM OITO­CEN­TOS: REFLEXÃO SOBRE O FUTURO DO BRASIL.

Por Abdon C. Marinho.

QUANDO do jul­ga­mento de Nurem­berg, depois da Segunda Guerra Mundial, con­sta que um dos juízes indagou a um dos gen­erais que estavam sendo jul­ga­dos sobre as atro­ci­dades cometi­das pelo régime Nazista ao que ele respon­deu com o máx­imo de impas­si­bil­i­dade pos­sível: — eu ape­nas seguia as leis do meu país.

Há muitos anos um pro­fes­sor contou-​me tal episó­dio – que nunca chequei, mas que atribuo veracidade.

Certa vez, tam­bém há muitos anos, quando ini­ci­ava o min­istério da advo­ca­cia, estava revoltado por haver per­dido um jul­ga­mento que, tinha certeza, era “imperdível”, afi­nal, a razão estava com a minha tese que era clara como a luz do dia.

Esbrave­java toda a justa revolta mil­i­tante con­tra as “sacan­a­gens” da Justiça, quando um colega, que já tinha mais anos de advo­ca­cia do que eu de vida, admoestou-​me: — Abdon, a primeira car­ac­terís­tica do bom advo­gado é acred­i­tar na Justiça. Se uma decisão não lhe é favorável, estude, faça o mel­hor recurso que pud­eres. Não desista da fé na Justiça pois quando perderes a fé não servirás como advo­gado.

O episó­dio nar­rado acima segu­ra­mente já tem mais de vinte anos. Ao longo destes anos tenho man­tido minha fé na Justiça e, sobre­tudo, apren­dido (ou ten­tado apren­der) como sep­a­rar o joio do trigo.

Outro dia um amigo me fez uma crítica por não ter feito nen­hum “tex­tão” sobre o que ele entende como a “ditadura da toga” instau­rada pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, no Brasil. Dizia que o STF viola con­stan­te­mente a Con­sti­tu­ição; que insta­lara um sis­tema de cen­sura prévia; que pro­movera a aber­tura de inquéri­tos ile­gais; que man­dara pren­der ou con­fis­car bens ile­gal­mente; que tudo isso colo­cava a democ­ra­cia do país em risco.

Aliás, segundo ele, já estaríamos vivendo sob a égide de golpe insti­tu­cional dec­re­tado pelo STF à vista de todos.

Tenho visto muita “gente boa” comungando com tais pen­sa­men­tos, inclu­sive muitos ami­gos, pro­fes­sores, pes­soas por quem tenho enorme car­inho e apreço. Eu mesmo já me man­i­festei algu­mas vezes con­tra deter­mi­nadas decisões emanadas daquela Corte ou de algum dos seus min­istros. O caso do inquérito das “fake news” foi um deles, con­forme pode ser con­ferido no meu site ou nas redes soci­ais, entre diver­sos out­ros.

O que, na ver­dade, alguns se ressente, acred­ito ser, é de uma posição “mil­i­tante” cor­rob­o­rando críti­cas jus­tas com dese­jos autoritários de se banir as insti­tu­ições do país com a falsa des­culpa de que estão “pro­te­gendo” a liber­dade de expressão ou a liber­dade do povo, quando sabe­mos que isso não é ver­dade.

Estas foram as des­cul­pas de Hitler, de Stálin, dos irmãos Cas­tro, de Mao-​Tse Tung, de Chávez e de tan­tos out­ros.

Todos estes chegaram ao poder na esteira de garan­tir a ver­dadeira liber­dade para o povo, com­bater o opressão do poder estatal e garan­tir a pros­peri­dade de suas nações. O legado de todos foi a opressão, o mor­ticínio, a destru­ição do povo e de nações.

Todos os regimes total­itários implan­ta­dos no mundo con­taram com o apoio sig­ni­fica­tivo de ideól­o­gos – nem todos com­pra­dos –, que acred­i­tavam estarem numa luta justa con­tra o mal. Mesmo os regimes nazis­tas e comu­nistas con­tavam com “pes­soas do bem” que acred­i­tavam e apos­tavam – muitos ainda apos­tam –, que bus­cam o mel­hor para povo e que estão numa luta do “bem con­tra o mal”.

O Brasil vive um momento pecu­liar de sua história e divi­dido entre dois extremos.

Cada um deles se val­endo das armas que pos­sui para per­manecer ou con­quis­tar o poder. Não o poder nor­mal e saudável de qual­quer democ­ra­cia, mas o poder abso­luto que destrói a própria democ­ra­cia e a liber­dade dos cidadãos.

Ambos os extremos usam como armas uma plêi­ade de int­elec­tu­ais, artis­tas que, como inocentes úteis – ou não –, se deixam levar por (e para) pau­tas políti­cas que no último está­gio ter­mi­nam por suprimir aquilo pela qual dizem lutar neste momento.

Um jor­nal­ista que sem­pre acom­pan­hei – desde que me entendo por gente e que a escrita fácil e pre­cisa me inspira –, escreveu um artigo magis­tral onde colo­cou diver­sas críti­cas abso­lu­ta­mente ver­dadeiras e com as quais con­cordo, mas come­teu, ao meu sen­tir um erro que com­pro­m­e­teu toda a relevân­cia do artigo: logo no iní­cio do texto, no primeiro pará­grafo, colo­cou uma infor­mação men­tirosa.

Disse o mis­sivista que “o resul­tado das eleições pode ser mon­tado numa sala sec­reta do “TSE”, o braço eleitoral do STF”.

O artigo, como se diz atual­mente, se tornou “viral”. Vi pes­soas por quem tenho o maior apreço difundindo-​o como a der­radeira ver­dade nesta terra ninguém.

Um amigo provocou-​me: — viu o artigo de fulano? Disse-​lhe que sim, mas fiz min­has ponderações.

Ora, ainda que con­cor­dasse com tudo que lá con­tém – e con­cordo com quase tudo –, o texto con­tém o erro essen­cial referido acima.

A base da nossa democ­ra­cia são as eleições livres e dire­tas com resul­ta­dos que refletem a von­tade da maio­ria dos cidadãos aptos a votar.

Difer­ente do afir­mado o seu resul­tado NÃO pode ser mon­tado numa sala sec­reta do TSE, tri­bunal que difer­ente do afir­mado NÃO é o braço eleitoral do STF.

O processo eleitoral é trans­par­ente com par­tidos políti­cos e diver­sas insti­tu­ições podendo acom­pan­har todas as suas eta­pas.

Quando um mis­sivista do estofo daquele ques­tiona, com uma infor­mação falsa, a base da nossa democ­ra­cia, ainda que con­corde com todo o restante do que disse, passo a tê-​lo na conta de quem se tornou ideól­ogo de uma causa.

No caso, a causa dos que querem “elim­i­nar” o STF ou colo­car no seu lugar um cole­giado que o atual gov­er­nante possa chamar de seu – como, aliás, já faz com os dois min­istros que indi­cou.

Qual não foi minha sur­presa e/​ou decepção ao ver­i­ficar que muitas pes­soas que admiro e respeito – talvez cegos pelo alin­hamento ide­ológico –, não con­sigam fazer a dis­tinção do que real­mente se encon­tra em jogo no atual momento.

O debate que se trava no momento não é sobre o tipo de régime autoritário que, sobre­tudo, os dois can­didatos que se apre­sen­tam como mel­hores colo­ca­dos nas pesquisas de intenção de votos pre­ten­dem implan­tar no Brasil, mas, sim, quem deles reúné as condições de fazê-​lo.

O golpe de estado de que tanto se fala, não foi e não será lev­ado a cabo pelo STF como pregam alguns ideól­o­gos.

Com eleições livres e os demais poderes con­sti­tuí­dos e insti­tu­ições fun­cio­nando reg­u­lar­mente, temos como impedi-​los.

O golpe, muito menos terá condições de pros­perar, numa even­tual vitória do ex-​presidente Lula. Ainda que ele queira e já tenha dado diver­sos motivos para acred­i­tar­mos que pre­tende suprimir liber­dades indi­vid­u­ais, restringir a liber­dade de expressão, cen­surar a mídia e os demais veícu­los de comu­ni­cação.

Con­tra tais arrou­bos ter­e­mos o Poder Judi­ciário, o Con­gresso Nacional e demais insti­tu­ições para contê-​lo.

Quem, ao meu sen­tir, reúné efe­ti­vas condições para pro­mover uma rup­tura insti­tu­cional, muito emb­ora só fale em “garan­tir a liber­dade do povo” é o atual pres­i­dente da República.

Enquanto aponta as intenções “golpis­tas” dos demais, con­strói as condições para ele próprio pro­mover a rup­tura insti­tu­cional, prin­ci­pal­mente, se sen­tir que o resul­tado eleitoral não lhe será favorável.

Faz isso através da coop­tação de seg­men­tos impor­tantes das Forças Armadas e das forças de segu­rança aux­il­iares — todas sim­páti­cas as suas teses –, e dos seg­men­tos mais con­ser­vadores da sociedades a par­tir de ameaças, total­mente descabidas, da implan­tação de gov­erno comu­nista no Brasil.

Neste con­texto é que soa de forma pre­ocu­pante o enga­ja­mento político de pes­soas, até então tidas por sérias, fazendo coro a pau­tas anti­democráti­cas a par­tir de infor­mações fal­sas ou indifer­entes à elas, por conta da suas próprias incli­nações pes­soais.

Este é o ver­dadeiro cerne da questão.

Acom­pan­hado as inves­ti­gações do Con­gresso Amer­i­cano sobre os tristes fatos acon­te­ci­dos em 6 de janeiro de 2021, com depoi­men­tos, vídeos e diver­sas out­ras provas, vimos o quanto aquela nação, uma democ­ra­cia con­sol­i­dada há mais de duzen­tos anos, andou perto de sucumbir aos dese­jos e engo­dos de um único homem, o seu pres­i­dente de então.

No Brasil assis­ti­mos ao mesmo enredo. Em mais de trinta anos, desde a rede­moc­ra­ti­za­ção, nunca tive­mos quais­quer ques­tion­a­men­tos quanto à legit­im­i­dade dos pleitos eleitorais e/​ou o papel da enti­dades pro­mo­toras ou par­ticipes das eleições.

Na atual quadra política é o que mais assis­ti­mos, inclu­sive com pro­tag­o­nismo inusi­tado e inde­v­ido das Forças Armadas – que desde que deixaram o poder depois do golpe de 1964 em 1985 –, se man­tinham nos quar­téis cumprindo suas obri­gações con­sti­tu­cionais.

Agora “resolveram” que é seu papel fis­calizar urnas e o processo eleitoral. Não é o seu papel. A esta intro­mis­são inde­v­ida se soma a da Polí­cia Fed­eral, tam­bém fug­indo do seu papel.

Se o golpe não deu certo nos EUA, por falta de condições obje­ti­vas, o mesmo não podemos dizer que não ocorra aqui, pelas condições acima elen­cadas.

E o pior de tudo isso, com o apoio de “pes­soas do bem” que não con­seguem enx­er­gar com clareza o ver­dadeiro sen­tido de nação ou que acha que a rup­tura insti­tu­cional é o mel­hor cam­inho.

Ape­sar do respeito que tenho por algu­mas destas pes­soas, de todas elas, ouso dis­cor­dar.

Abdon Mar­inho é advogado.

Os reis, os ladroes e a pis­tola de Cristo.

Escrito por Abdon Mar­inho


OS REIS, OS LADRÕES E A PIS­TOLA DE CRISTO.

Por Abdon Marinho.

EM 1655, há 367 anos, na Mis­er­icór­dia de Lis­boa, o padre Antônio Vieira fazia a pre­gação do seu “Ser­mão do Bom Ladrão”. E já ini­ci­ava por dizer «Este ser­mão, que hoje se prega na Mis­er­icór­dia de Lis­boa, e não se prega na Capela Real, parecia-​me a mim que lá se havia de pre­gar, e não aqui. Daquela pauta havia de ser, e não desta. E por quê? Porque o texto em que se funda o mesmo ser­mão, todo per­tence à majes­tade daquele lugar, e nada à piedade deste”.

Ainda no primeiro pará­grafo sen­ten­cia: «Nem os reis podem ir ao paraíso sem levar con­sigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar con­sigo os reis”.

Antes de tal sen­tença Vieira coloca o exem­plo do Rei dos Reis, Nosso Sen­hor Jesus Cristo, que antes do sus­piro der­radeiro na cruz prom­e­teu a Dimas, o ladrão cru­ci­fi­cado ao seu lado, que ainda naquele dia estaria com Ele no paraíso.

Vieira foi um dos per­son­agens mais influ­entes de sua época, um gênio pelos dons da filosofia, da escrita e da oratória, tendo se desta­cado mais ainda como mis­sionário da Com­pan­hia de Jesus em ter­ras brasileiras. Como poucos con­hecia a Bíblia e toda a obra clás­sica.

Cer­ta­mente Vieira ficaria escan­dal­izado com um gov­er­nante que nega o cris­tian­ismo na sua essên­cia mais sagrada: a paz e a boa von­tade entre os homens para solução dos con­fli­tos.

A ideia de Jesus Cristo com pis­to­las pro­fes­sada por alguém que se diz hon­rado cristão só não é tão grave quanto o silên­cio e aqui­escên­cia de pas­tores evangéli­cos que vivem ofi­cial­mente de pre­gar sua palavra diante de tamanha blas­fêmia.

Com uma lorota o “bom cristão” negou, diante dos pre­gadores, mais de dois mil anos de cris­tian­ismo.

No fundo o gov­er­nante repetiu, segundo muitos, o entendi­mento de Judas Iscar­i­otes que ao trair Cristo imag­i­nou que este pode­ria invo­car exérci­tos celes­ti­ais para por fim a opressão judaico-​romana daque­les dias.

Mas, Cristo, entre­tanto, era só amor e bon­dade e mesmo no momento de maior aflição o que fez foi entregar-​se ao Pai, con­forme ensina o Evan­gelho de Mateus 2639: “Indo um pouco mais adi­ante, prostrou-​se com o rosto em terra e orou: ‘Meu Pai, se for pos­sível, afasta de mim este cálice; con­tudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres’”.

Vejam que Jesus mesmo no momento de maior deses­pero o que fez foi pedir ao Pai, se pos­sível, o afas­ta­mento do cálice da amar­gura, do sofri­mento, mas, mesmo assim que fosse feito con­forme sua von­tade, a von­tade do Pai.

E naquela mesma noite de angús­tia e sofri­mento, por ocasião da sua prisão, mais uma vez, Jesus Cristo con­dena a vio­lên­cia.

Falo do episó­dio da restau­ração da orelha de Malco relatada nos qua­tro Evan­gel­hos (João 18:1011, Mateus 26:51; Mar­cos 14:47 e Lucas 22:4951).

No momento da prisão um dos que acom­pan­havam Jesus – existe divergências/​omissão se foi o dis­cípulo Pedro –, lançou mão da espada e dece­pou a orelha do servo do sac­er­dote Caifás.

Seguimos com Mateus 2651, 52: “Então Jesus disse-​lhe: Embainha a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada mor­rerão. Ou pen­sas tu que eu não pode­ria agora orar a meu Pai, e que ele não me daria mais de doze legiões de anjos?”.

Como vemos, o repú­dio à vio­lên­cia é intrínseco ao cris­tian­ismo a par­tir dos ensi­na­men­tos e exem­plo do próprio Jesus.

Quando se fala na “paz de Cristo” não esta­mos falando palavras desprovi­das de sen­tido.

A ideia de um Cristo se val­endo do uso de pis­to­las – quem sabe uma sub­me­tral­hadora sob o manto sagrado –, é a negação do cris­tian­ismo, é uma proposição infamante e vil, pois negada de pronto pelo próprio Jesus, con­forme nar­rado em qua­tro evan­gel­hos.

A opção dos cristãos, seguindo o exem­plo de Cristo é pela não vio­lên­cia.

Jesus Cristo não deixou de com­prar pis­to­las porque elas “não exis­tiam naquela época”, mas, sim, por rejeitar a vio­lên­cia, ainda que no pre­juízo da sua vida ter­rena. Ou pen­sas tu que eu não pode­ria agora orar a meu Pai, e que ele não me daria mais de doze legiões de anjos?, disse Jesus.

Vive­mos dias tão estran­hos no Brasil que é bem pos­sível que deter­mi­na­dos cristãos, mesmo pas­tores, reneguem os ensi­na­men­tos bíbli­cos. Talvez, pelo anseio da adu­lação, imag­inem que a Bíblia nada vale e o que tem valia mesmo sejam as asnices pro­feri­das pelo ídolo.

Aliás, tenho um amigo que ao vê deter­mi­na­dos pre­gadores imer­sos em peca­dos, cos­tuma dizer que eles, sim, são os ver­dadeiros ateus, pois mesmo con­hecendo a Palavra optam pelo pecado.

Deix­e­mos, entre­tanto, tais digressões de mão e volte­mos aos ensi­na­men­tos de Vieira, que é, efe­ti­va­mente, o objeto do pre­sente texto.

Quando o padre diz que «Nem os reis podem ir ao paraíso sem levar con­sigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar con­sigo os reis”, ele está, na ver­dade, atribuindo ao gov­er­nante as respon­s­abil­i­dades pelos “negó­cios” do Estado.

Se um gov­erno não garante a segu­rança dos seus cidadãos e alguém perece em vir­tude disso, o gov­er­nante pode até ale­gar que não teve culpa. Não foi ele, pes­soal­mente, que man­dou matar o cidadão, mas ele tem respon­s­abil­i­dade pelo fato ter acon­te­cido por diver­sos motivos.

A figura do gov­er­nante “irre­spon­sável” é incom­patível o poder que lhe foi con­ce­dido pelo povo para a solução dos seus prob­le­mas.

Se trans­porta­mos tais con­ceitos para a real­i­dade atual do país, não ter­e­mos como desvin­cu­lar a respon­s­abil­i­dade dos gov­er­nantes dos diss­a­bores dos cidadãos.

Nos últi­mos anos o gov­erno fed­eral, de forma delib­er­ada ou não, “criou as condições” para o aumento da vio­lên­cia no norte do país, notada­mente na região amazônica.

Estas condições encontram-​se pre­sentes na diminuição da fis­cal­iza­ção com a redução do número de fis­cais; com a leniên­cia ou pouco caso com que per­mite a explo­ração de garim­pos ile­gais em ter­ras indí­ge­nas, do des­mata­mento da flo­resta e venda ile­gal da madeira para out­ros países e a própria redução da fis­cal­iza­ção nas fron­teiras, o que coloca em risco a segu­rança nacional.

O gov­erno omisso ou em muitos casos colocando-​se ao lado dos ”grileiros”, explo­radores de madeira, minérios e de out­ras riquezas nacionais atua como fer­mento que deságua na vio­lên­cia em seu estado bruto.

Quando o cidadão vai abaste­cer o carro e desco­bre que terá que vender o veículo para con­seguir colo­car o diesel, do mesmo modo, a respon­s­abil­i­dade é do gov­erno.

Assisto, só para citar o exem­plo mais recente, o gov­erno delib­er­ada­mente cul­par a Petro­bras pelo aumento dos preços dos com­bustíveis, inclu­sive cau­sando pre­juí­zos bil­ionários a empresa – foram 30 bil­hões na sexta-​feira e já anun­ciam mais trinta bil­hões de pre­juí­zos para a empresa na sem­ana seguinte com a insta­lação de uma CPI –, para fugir das próprias responsabilidades.

Con­forme aler­ta­mos desde o ano pas­sado – e até antes –, incon­tinên­cias ver­bais e incom­petên­cia, desval­orizaram a moeda brasileira bem acima da média das out­ras moedas. Este é um dos motivos para o nosso com­bustível ter subido tanto.

Outro motivo é o fato do Brasil, com uma guerra anun­ci­ada, e sendo majoritário no comando da Petro­bras, não ter ado­tado qual­quer medida aprovei­tando os lucros da empresa para ter um estoque reg­u­lador diante da crise anun­ci­ada ou mesmo ter din­heiro em caixa para ban­car, se necessário, algum sub­sí­dio durante a crise ou mesmo para incen­ti­var o uso de out­ros com­bustíveis não fós­seis.

O gov­erno tem feito reverso disso. Pensa que “que­brando” a empresa vai fazer os preços dos com­bustíveis baixarem. Vai acon­te­cer o con­trário. Ter­e­mos, neste caso, os reis levando a todos para o inferno.

Falta ao gov­erno plane­ja­mento estratégico de Estado. Não é levando tudo que é assunto para a lóg­ica política e eleitoral que saire­mos da atual crise, muito menos fug­indo das respon­s­abil­i­dades para as quais foram eleitos.

Quando o gov­erno propôs a alíquota única do Imposto sobre a Cir­cu­lação de Mer­cado­rias e Serviços — ICMS, sabia-​se que a medida não teria o condão de resolver o prob­lema da alta de preços – pode até dar um alívio –, mas nunca solu­cionar, pois o prob­lema dos preços não é ape­nas as alíquo­tas de impos­tos, tanto assim, que nem foi implan­tada e pelos novos aumen­tos nada vai rep­re­sen­tar de redução do preço na bomba.

O gov­erno e seus próceres ado­taram a medida para ter­ce­i­rizar com esta­dos a respon­s­abil­i­dade por um prob­lema que não pos­suía e não pos­sui capaci­dade para solu­cionar.

Vejam o resul­tado: privou-​se esta­dos e municí­pios de receitas que a União terá que com­pen­sar, ou seja, mais recur­sos saindo dos cofres públi­cos, e os preços dos com­bustíveis con­tin­uam os mes­mos … e aumen­tando.

Uma das mais impor­tante e antiga lição diz que você não resolve um prob­lema ata­cando os efeitos sem atacar a causa.

O atual gov­erno, talvez, imag­ine que possa solu­cionar os prob­le­mas nacionais fazendo o con­trário disso, quem sabe ajude fazer “arminha” ou usando a pis­tola que Cristo não teve a opor­tu­nidade de com­prar.

Assim, os ladrões vão levando os reis aos infer­nos ou invés destes os levarem ao paraíso.

Abdon Mar­inho é advogado.