A CEGUEIRA POLÍTICA E A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES.
Por Abdon C. Marinho.
ENTRE os diversos assuntos que poderia tratar nesta crônica dominical, tais como, as eleições presidenciais, as eleições estaduais, o efeito da “PEC kamikaze” nas eleições e na economia, o retorno do governador do estado ao cenário eleitoral local, as pesquisas e tantos outros, um assunto fora deste rol parece-me bem mais urgente: falo das várias formas de violência contra as mulheres que assistimos nos últimos dias.
O assunto é vasto e dificilmente teria condições de ser esgotado numa crônica, por isso mesmo, a abordagem limitar-se-á aos casos que estão sendo expostos nas “mesas dos bares” da atualidade e nas redes sociais.
Acho que caminha para duas décadas – ou mais –, o episódio ocorrido em uma cidade da região sul ou sudeste em que, por ocasião do dia da secretária, um motel espalhou pela cidade diversos outdoor com a legenda: “Hoje é o dia da secretária”. Acredito que o responsável pela publicidade imaginou que estaria fazendo uma grande coisa com a “homenagem”, quando na verdade estava era ofendendo não apenas a categoria das secretárias, mas, também, todas as mulheres, de uma forma geral.
Passados tantos anos, parece-nos que a violação dos direitos humanos em relação as mulheres não retrocedeu um milímetro, pelo contrário, muitas das vezes, também por conta do açodamento político, a violência só aumentou.
Achavam pouco todo tipo de violência de gênero que as mulheres sofrem ao longo dos anos e resolveram que era hora de acrescentar a elas o debate político/ideológico e religioso.
Primeiro veio a público o caso da criança de dez anos que engravidou e foi exposta por conta de uma negativa de aborto prevista na lei.
O episódio é cruel em todas suas dimensões, a começar pelo fato que uma criança deveria ser melhor cuidada para que esse tipo de episódio não ocorresse; depois pelo fato que o hospital não poderia negar-se a fazer a interrupção da gravidez, uma vez que prevista na lei; depois que o Estado representado por juíza e promotora não poderiam opor embaraços ao cumprimento da lei e mais, ainda, pegar uma criança, diante dessa situação tão dramática, e colocá-la em um abrigo para “protegê-la”– ao meu sentir uma das maiores violências já praticadas. E nem falemos no episódio da audiência/tortura onde a magistrada, com a cumplicidade do MP, tentou impor suas convicções pessoais – em detrimento da lei –, para forçar o prosseguimento da gravidez.
Imaginem todo o sofrimento pelo qual passou – e passa –, essa criança durante esse período – que certamente –, ainda irá acompanhá-la pelo resto da vida.
Mal os tribunais inquisidores das redes sociais “entraram em recesso” – se é que entram –, quando veio a público o episódio da gravidez e adoção legal envolvendo uma atriz.
Um dia abro o celular e vejo dezenas de publicações a respeito de uma jovem atriz. Eu, embora reconhecido noveleiro, não conhecia ou lembrava da mesma.
Mas, o fato, fiquei sabendo depois, é que a jovem tendo ficado grávida depois de um estupro e tendo descoberto a gravidez tardiamente optou pela continuidade da mesma com posterior doação da criança.
Todo o procedimento é previsto e amparado pela lei.
Indiferente a isso ou na busca de cliques alguns supostos jornalistas trataram de levar o caso a público – para isso contando com a falta de compromisso de servidores do hospital –, expondo de forma indevida a vida da jovem, que repito, não fez nada fora do previsto na lei.
Não contentes com isso, passaram a “cobrar” mais exposição da vítima: que denunciasse o agressor para que “a justiça fosse feita”.
No Brasil tivemos um tempo em que só era reconhecido como estupro a situação em que a mulher resistia, inclusive, a ponto de perder a vida, contra o ato sexual não consentido.
Se ela sacrificava a própria vida contra o abuso era porque, efetivamente, não queria.
Parece-nos que ainda hoje não nos livramos de tal conceituação.
No caso da atriz questionaram a falta do BO; questionaram o fato de não ter denunciado e cobraram o nome do autor do crime, como a querer levá-la a mais uma situação de sofrimento por algo que tudo que mais deseja é esquecer.
Tudo isso porque resolveu dar a adoção o filho que fora fruto de uma relação não consentida. E, vejam que não estaria cometendo nenhum ilícito caso doasse o filho para adoção independe de ter sido ou não fruto de um estupro.
Por derradeiro veio este caso de assédio moral e sexual em que não uma, mas diversas mulheres – enfrentado seus medos por represálias –, denunciaram o presidente e outros diretores da Caixa Econômica Federal — CEF, por uma série de abusos e constragimentos que vinham sofrendo,
As narrativas são nojentas e revelam um grau de degradação indizível no serviço público. Segundo algumas fontes, ao ouvirem os passos do “garanhão” muitas procuravam o banheiro mais próximo para ficar longe de suas vistas.
Imagino o que essas mulheres, servidoras públicas, não sofreram e a coragem que tiveram para denunciar as situações absurdas pelas quais passavam.
Agora, assisto e recebo através de redes sociais e/ou aplicativos “peças” de uma campanha para desqualificar as mulheres que denunciaram o que vinham passando.
Além de exporem as denunciantes – filhas de alguém, esposas de alguém, mães de alguém –, questionam se efetivamente foram assediadas moral ou sexualmente. Tudo na linha “você é tão feia que não te estupraria”.
Vejam a que ponto chegamos.
A cegueira da política parece não admitir qualquer concessão, insistem em politizar tudo.
Os três casos acima servem bem para ilustrar toda violência, misoginia e abusos pelos quais passam nossas meninas e mulheres em pleno século XXI.
Sofrem, principalmente, uma indizível violência política.
Desde os anos 40 do século passado, que a legislação pátria consente na interrupção da gravidez em caso de riscos a vida da mãe ou em casos de estupros – e mais recentemente o STF reconheceu essa possibilidade no caso de anencefálicos.
Haveria necessidade de submissão de uma criança a toda violência como vimos no primeiro caso?
A mesma coisa em relação ao caso da jovem atriz: qual a justificativa para toda violência contra uma pessoa que não fez nada de errado, que seguiu a lei?
E o que dizer da situação exposição e violência pelas quais passam as funcionárias da Caixa que resolveram denunciar aos canais internos – e depois publicamente –, os abusos e assédios que vinham sofrendo?
No caso das servidoras, não expõem apenas elas mas, também, a esposa do próprio autor dos abusos em comparações absurdas com o propósito de desqualificação das vítimas.
Vejam que mesmo no caso de mulheres que venceram na vida por seus próprios esforços – como no caso das servidoras assediadas ou da atriz –, são expostas como se não merecessem ocupar as posições que alcançaram.
Na presente crônica nem trato do episódio da procuradora de um município que foi vítima de absurda e injustificada violência por parte de um colega que, segundo dizem, não aceitava a colega em posição de chefia.
Deixei o episódio de fora para tratar dos outros onde claramente se identifica uma violência de gênero por conta da cegueira política que contaminam as relações na atualidade.
Se nos dois primeiros casos a politização pareceu como elemento secundário, no último, o que assistimos é uma violência “institucionalizada” contra as mulheres que denunciaram os atos abjetos a que foram submetidas por alto funcionário do governo e aliado de “primeira hora” dos governantes.
A “militância” tem ido atrás de fotografias, violam sigilos de procedimentos e até o direito de imagens para cometer outras violências – igualmente abjetas –, contra as mulheres/trabalhadoras, a começar por dizerem que teriam sido elas as assediadoras ou que seriam feias demais para serem assediadas.
Esta violência pode e deve ser classificada como violência política – além dos crimes referidos. O que os “militontos” e criminosos estão dizendo é o seguinte: se denunciarem “um dos nossos” nós iremos destruir suas vidas.
É isso que estão fazendo no momento.
Não estão nem aí se a violência é praticada contra uma mulher que poderia ser sua irmã, mãe, esposa, avó, etc., tudo parece válido na guerra política.
Tudo isso em país que anualmente já registra milhares de estupros, milhares de feminicídios e milhões de outros atos de violência doméstica, de gênero, etc.
Os cidadãos, não temos o direito de nos calar e aceitar como normais os atos abomináveis de violência contra as mulheres, menos ainda quando estes que se revestem de violência política.
A todas essas mulheres vítimas ou não da violência minha irrestrita solidariedade.
Abdon Marinho é advogado.