AbdonMarinho - Com a democracia não se deve brincar.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 21 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Com a democ­ra­cia não se deve brincar.


COM A DEMOC­RA­CIA NÃO SE DEVE BRINCAR.

Por Abdon C. Marinho.

COR­RIA o ano de 1992 quando come­cei atuar com mais efe­tivi­dade no processo eleitoral. Ainda estava no segundo ano do curso de dire­ito. Par­tic­i­para como mil­i­tante das eleições ante­ri­ores e aquela iria atuar mais na linha de frente pois um amigo era can­didato a vereador, Con­ceição Andrade, do PSB, can­di­data a prefeita.

A Justiça Eleitoral na cap­i­tal fun­cionava toda no pré­dio do TRE, na Areinha. No piso supe­rior fun­cionava a segunda instân­cia e no infe­rior fun­cionavam as zonas eleitorais que, se não me falha s memória, eram ape­nas cinco, de primeira à quarta e a mais nova, sep­tu­agésima sexta. O acesso aos cartórios era por fora e, quando se tinha que tratar de algo na segunda instân­cia acessava-​se o segundo pavi­mento pela porta prin­ci­pal – deve­mos recor­dar que nem se falava no anexo, era só o pré­dio prin­ci­pal. As aglom­er­ações eram inevitáveis e sem­pre muito ani­madas.

Faço tal ret­ro­spec­tiva porque foi por essa época que aprendi min­has primeiras lições de dire­ito eleitoral: que os pra­zos na justiça eleitoral são peremp­tórios (que per­ime; que não admite dúvi­das ou objeções; deci­sivo, ter­mi­nante; que põe termo à ação ou instân­cia judi­cial) e preclu­sivos (rel­a­tivo a preclusão – con­clusão de um processo, pelo fato de não ter a parte prat­i­cado certo ato, den­tro do prazo estip­u­lado pela lei ou pelo juiz).

Ainda me vem à lem­brança as palavras do secretário da segunda ou primeira zona, Vic­tor Hugo, quando chegá­va­mos para pro­to­co­lar alguma petição ou con­tes­tação e o prazo se esgo­tara: — meu doutor, o prazo ter­mi­nou há dois min­u­tos (ou cinco, ou dez), o sen­hor sabe que os pra­zos são peremp­tórios e preclu­sivos, vou rece­ber e cer­ti­ficar. Ainda que se ten­tasse argu­men­tar que fora, um dois ou três min­u­tos de atraso, a resposta já vinha pronta: — doutor, prazo é prazo.

Feito isso, o juiz só tinha o tra­balho de colo­car o despa­cho padrão de não recon­hecer da recla­mação ou da defesa por ter sido pro­to­co­lada fora do prazo.

Outro episó­dio lap­i­dar sobre a questão de prazo e opor­tu­nidade deu-​se no pós eleições de 1994. Dois can­didatos um eleito e o outro não (José Car­los Sabóia e Haroldo Sabóia) travaram uma briga judi­cial pelos votos grafa­dos com a vari­ação “Sabóia”. Haroldo recla­mava que os votos com tal vari­ação, mesmo nos municí­pios onde tinha votação, tin­ham sido atribuí­dos a José Car­los.

Para o que inter­essa ao pre­sente texto, após muitas idas e vin­das, o Tri­bunal Supe­rior Eleitoral — TSE, deu ganho de causa a Haroldo e deter­mi­nou a recon­tagem dos votos. Mon­tadas as Jun­tas para a apu­ração dos votos ques­tion­a­dos, os rep­re­sen­tantes dos dois can­didatos (advo­ga­dos, del­e­ga­dos e fis­cais) tin­ham mis­sões antagôni­cas, os de Haroldo, a respon­s­abil­i­dade de val­i­dar os votos em seu favor; os de José Car­los, de impug­nar.

A impug­nação dava-​se voto a voto. O pres­i­dente da mesa chamava um voto atribuindo-​o a Haroldo, o rep­re­sen­tante de José Car­los na mesma hora, antes de dar tempo de chamar o próx­imo voto, tinha que dizer: “impugno”. Isso, cen­te­nas, mil­hares de vezes. Se o rep­re­sen­tante se dis­traia ou pis­cava, per­dia a chance de impug­nar.

Ainda que se ten­tasse argu­men­tar, lá vinha resposta cor­tante e defin­i­tiva do juiz/​presidente da junta: — doutor, a impug­nação dar-​se voto a voto. E a mais cruel: —doutor, o dire­ito não socorre aos que dormem, cumpra seu papel.

Ainda restava a opção de se fazer um recurso, tam­bém, oral, para ser lavrado na ata de apu­ração e que o resul­tado já era de todos con­heci­dos.

Eis que, trinta anos depois, na prin­ci­pal eleição do país, a de pres­i­dente da República, me deparo com uma inusi­tada e desproposi­tada ten­ta­tiva de tumul­tuar o processo eleitoral – o que nos levaria à chancela de república de bananas –, tendo por moti­vação uma suposta fraude eleitoral,

Na noite de segunda-​feira, da sem­ana ante­rior a data eleição, nos aparece para con­ceder entre­vista, em frente ao Palá­cio da Alvo­rada – o que me fez lem­brar o não tão saudoso tempo do gov­erno Figueiredo, até pela lumi­nosi­dade do local e o ar de gravi­dade –, o min­istro das comu­ni­cações e o coor­de­nador de comu­ni­cação da cam­panha à reeleição do pres­i­dente da República.

A denún­cia (?) for­mu­lada pelos dois imberbes em matéria eleitoral era que a eleição estaria com­pro­metida porque as inserções de rádio do can­didato não pas­saram como dev­e­riam ou não pas­saram nas emis­so­ras do nordeste.

Foi o que bas­tou para a malta lig­ada ao pres­i­dente inun­dassem as redes soci­ais, gru­pos de aplica­tivos e até mesmo segui­men­tos da mídia profis­sional com denún­cias de fraude eleitoral e que as eleições pres­i­den­ci­ais dev­e­riam ser adi­adas – talvez até, quem sabe, já diplo­mar o recan­didato por conta do “não fato”.

Os advo­ga­dos pres­i­den­ci­ais pro­to­co­laram uma rep­re­sen­tação (?) que, apan­hado de sur­presa o pres­i­dente do TSE, deter­mi­nou que em 24 horas apre­sen­tassem provas.

Um erro do pres­i­dente do TSE. Por se tratar de matéria rel­a­tiva a pro­pa­ganda eleitoral, o pedido dev­e­ria ter sido encam­in­hado a um dos juízes da pro­pa­ganda (ou mesmo a ele, se estiver nessa mis­são), iden­ti­f­i­cando cada uma das emis­so­ras e data em que a suposta inserção não foi exibida, já inde­ferindo de plano, todas aque­las que não estivessem den­tro do prazo esta­b­ele­cido na lei e res­olução do TSE.

Em se tratando de suposta irreg­u­lar­i­dade em pro­pa­ganda, o rito a ser ado­tado era o rito próprio esta­b­ele­cido na res­olução que trata de pro­pa­ganda.

O pres­i­dente, talvez por excesso de zelo, deter­mi­nou foi que jun­tassem provas e, após isso, inde­feriu a ini­cial por não ter encon­trado quais­quer ele­men­tos probante do que fora ale­gado, mais pare­cendo, como acen­tuou no voto, uma cortina de fumaça com a intenção de tumul­tuar o processo eleitoral, como, de fato tumul­tuou.

Na mesma noite em que inde­feriu o pedido da cam­panha do pres­i­dente, noticiou-​se que ele con­vo­cara uma reunião com seu comando de cam­panha eleitoral na qual se fiz­eram pre­sentes, entre out­ros, o min­istro das relações exte­ri­ores, os coman­dantes das forças mil­itares, etc.

Um absurdo, uma lou­cura total.

Espero, até, que tal notí­cia seja falsa, uma vez que desde o fim do régime mil­i­tar não tín­hamos notí­cias de mil­itares par­tic­i­pando de reuniões de cam­panha.

Foram além. Depois da suposta reunião, o pres­i­dente declarou que iriam as últi­mas instân­cias con­tra a decisão do TSE que deter­mi­nou que local ideal da tal rep­re­sen­tação era a lata de lixo.

Após a reper­cussão neg­a­tiva junto ao eleitorado que bus­cavam con­quis­tar ou diante da recusa dos mil­itares em par­tic­i­par de qual­quer aven­tura golpista, parece-​me que resolveram acor­dar para a real­i­dade. Já vimos o min­istro das comu­ni­cações dizer que não era bem isso, que a falha fora da cam­panha, etc.

A mim, sobra a per­cepção que estas pes­soas não estão em seu juízo per­feito, só isso para jus­ti­ficar tan­tas coisas fora de rumo.

A democ­ra­cia brasileira é recente mas con­sol­i­dada. Não é admis­sível que a toda hora a coloque em prova ou que “se brinque” com ela.

O processo eleitoral brasileiro, até nos mín­i­mos detal­hes, é reg­u­lado por leis e por res­oluções. Na lei temos solução para tudo, fora da lei temos a bar­bárie.

Será que alguém em seu juízo per­feito cog­i­taria par­al­isar o processo eleitoral de uma eleição pres­i­den­cial porque uma emis­sora de rádio FM, lá de Afuá (PA) ou de Canindé do São Fran­cisco (AL) ou mesmo a emis­sora de Luis Domingues (MA), as 23 horas de um dia qual­quer, deixou de trans­mi­tir uma inserção.

A paranóia e a mania de perseguição os levou a cog­itarem um com­plô envol­vendo as emis­so­ras de rádio, o par­tido adver­sário e o próprio TSE para prejudicá-​los. Daí a neces­si­dade de se con­vo­car o min­istro das relações exte­ri­ores, comu­ni­cações, coman­dantes das forças armadas com o comando da cam­panha eleitoral para saberem o que fazer.

Aí, se rebe­lam e criti­cam o TSE, quando eles, par­tidos e mem­bros da cam­panha dev­e­riam ter feito o “dever de casa” fis­cal­izando, em cada municí­pio ou junto a todas as emis­so­ras, o cumpri­mento do plano de mídia.

A respon­s­abil­i­dade por tal fis­cal­iza­ção, repete-​se, é dos par­tidos e can­didatos, sem­pre foi assim. Cabendo ao TSE, tão somente, junto com eles e com o pool de emis­so­ras, a definição do plano de mídia, jul­gar dire­ito resposta, os abu­sos cometi­dos e as recla­mações dos par­tidos e can­didatos se feitas em con­formi­dade e nos pra­zos esta­b­ele­ci­dos na res­olução.

Ao sus­citarem uma falsa polêmica, por ignorân­cia ou má-​fé, a per­gunta que se impõe é: que tipo de erva esse povo con­some? Pen­sam que a democ­ra­cia é a Casa da Mãe Joana?

O que acon­te­ceu nesta última sem­ana foi algo muito sério. Em nome de inter­esses pes­soais, se faz ques­tion­a­men­tos inde­v­i­dos, envolve-​se as Forças Armadas em assun­tos que não são de sua alçada e se frag­iliza a democ­ra­cia.

Acho impe­rioso que após as eleições se faça uma rig­orosa apu­ração dos fatos e se puna, como se deve, os respon­sáveis pela pataquada.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.