UM PRESIDENTE ENTRE O PLANALTO E A PAPUDA?
Por Abdon C. Marinho.
ANTES que a militância ensandecida venha questionar o título, informo que o mesmo é fruto das colocações do próprio presidente que, por mais uma vez, informou aos seus seguidores que na hipótese de não reeleger-se, será preso. Segundo ele, caso isso ocorra reagirá a tiros.
Faço essa colocação inicial para dizer que todas as atitudes, até ontem, pelo menos, do atual inquilino do Planalto têm sido motivadas por esse sentimento de medo. E, como já disse alguém mais sábio: a pior fera é o homem encurralado.
Ontem, pela primeira vez – tanto que virou notícia –, o presidente declarou que irá reconhecer o resultado das urnas. Mais de três anos e meio depois da posse, apenas ontem, o presidente disse o óbvio: que irá reconhecer o resultado das urnas.
A mudança de comportamento talvez já seja reflexo da influência de marqueteiros ou das pesquisas que atestam que o povo brasileiro não aceita uma ruptura institucional, ou seja, exceto por uma minoria de lunáticos, ninguém aceita viver sob a égide de uma ditadura militar ou tutelada por militares ou mesmo por qualquer outro régime que não seja legitimado periodicamente através de eleições livres.
Mesmo entre os apoiadores do atual presidente aqueles que apoiam uma ruptura institucional são minoritários.
Outra hipótese é ter percebido – ou tê-lo feito perceber –, que ao falar mal do sistema eleitoral brasileiro, notadamente das urnas eletrônicas, estava falando sozinho, ainda mais que suas colocações sempre foram à míngua de quaisquer provas, ou mesmo indícios e, quase sempre, colocações mentirosas.
Ninguém – mais uma vez, a exceção para um grupo de fanáticos –, “comprou” a falácia de que o Tribunal Superior Eleitoral — TSE estaria montando uma fraude, numa sala secreta para lhe tomar a eleição ou dar a vitória ao seu adversário.
A cantilena de três anos e meio teve seu ápice quando o inquilino do planalto promoveu uma reunião em pleno Palácio da Alvorada que contou com a presença de quase meia centena de embaixadores estrangeiros para falar mal do Brasil e do nosso sistema eleitoral.
A ousadia inédita – pois a todos pareceu que buscava “carta de seguro” internacional para um golpe –, foi o estopim para inúmeras reações contrárias.
Mesmos os governos estrangeiros, sempre discretos e protocolares em se tratando de assuntos internos de outros países, deixaram transparecer preocupação com qualquer ruptura institucional e manifestaram confiança no nosso sistema eleitoral e na democracia brasileira.
As reações internas foram ainda mais claras.
Diversas entidades emitiram notas informando confiar no TSE e no sistema eleitoral e instituições como TCU, ABIN, Polícia Federal, entre outras, disseram atestar a segurança das urnas eletrônicas.
Mais, foi reeditada a Carta pela Democracia, do professor Goffredo Telles Júnior, de 1977, desta vez clamando pelo Estado de Direito Sempre, que contou com quase um milhão de assinaturas; entidades patronais e sindicais, puxados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo — FIESP, fizeram também um documento externando sua confiança nas instituições e na democracia; e, por fim, a posse da nova direção do Tribunal Superior Eleitoral — TSE, que diferente das vezes anteriores, sempre foi um ato protocolar, muitas vezes circunscrito ao mundo jurídico, desta vez foi o mais importante ato jurídico/político da história do país, contando a presença de quase todos os ex-presidentes da República, alguns inimigos entre si; de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal — STF; ministros e desembargadores de todo o país; quase todos deputados federais e senadores; quase todos os governadores; todos os candidatos a presidente; embaixadores de mais cinquenta países e diversas outras autoridades.
Durante a solenidade de posse em que todos os que falaram manifestaram confiança na democracia e no sistema eleitoral, com exceção do presidente e sua trupe, todos aplaudiram com entusiasmo as colocações feitas, notadamente do novo presidente daquela corte que arrancou aplausos de pé de todos os presentes.
Creio que o presidente e seu núcleo mais próximo devem ter percebido que não será pela força bruta que poderá se manter no Palácio do Planalto, daí a mudança de comportamento em afirmar, apenas agora, que reconhecerá como legítimo o resultado do pleito.
Até então, o presidente – e mesmo alguns chefes militares, por sabujice ou falta de pulso –, estava querendo manter-se no poder independente do reconhecimento das urnas ou não.
Para isso buscava demonstrar força, inclusive, junto aos militares.
É sabido que o atual presidente é bem quisto entre os militares e entre as forças auxiliares da segurança pública mas é absolutamente equivocado o envolvimento de militares com política. Talvez o que ganhe com esse apoio nem de longe chegue a compensar as perdas político/eleitoral que terá, caso persista na utilização destes apoios como arma de intimidação do conjunto da sociedade.
Agora mesmo, tomei conhecimento que o tradicional desfile militar de 7 de setembro, justamente no ano do bicentenário da independência, no Rio de Janeiro, será substituído por um ato cívico público na praia de Copacabana.
A menos que se dê uma “última forma”, trata-se de uma loucura que levará o derradeiro prestígio das Forças Armadas para a lama.
Uma pesquisa recente revelou que as Forças Armadas do Brasil estão entre as menos confiáveis do mundo em relação à população do país.
Todos sabemos que o tal ato cívico que ocorrerá no Rio de Janeiro, e em outras partes do país, são atos políticos convocados pelo presidente para serem utilizados como atos de campanha.
A rigor os militares irem à Copacabana misturar-se a partidários de uma campanha eleitoral é o maior absurdo que as Forças Armadas irão praticar desde o golpe militar de 1964 – claro que sempre existe a possibilidade de piorarem o que já está péssimo.
Desde 1985 que os militares brasileiros têm se mantidos discretos e nos quartéis, agora anunciam presença em atos convocados por um candidato em campanha eleitoral.
A pergunta que se faz necessária é: eles enlouqueceram?
Esse tipo de evento não cabe participação de militares, nem mesmo à paisana e fora do horário de expediente.
O único ato que “cabe” participação de militar é desfile, de preferência marchando a passo de ganso. E só.
Mesmo que fosse um “ato cívico”, não caberia a presença deles.
Não podemos esquecer que estamos em plena campanha eleitoral e que um dos candidatos fez a “convocação” para o ato em plena convenção partidária.
Os militares, sejam das Forças Armadas ou auxiliares, têm compromissos com a nação e com o conjunto da sociedade. Não podem darem ao desfrute de participarem de atos de campanhas eleitorais desse ou daquele candidato.
O melhor lugar para estarem é em casa ou nos respectivos quartéis.
Noutro giro, caso insistam nesse tipo de atitude, apenas comprovará que o presidente não falava sério ao dizer que respeitará o resultado das urnas caso venha a perder, tanto assim que não se importa em a arrastar os militares para a desmoralização institucional ao utilizá-los para demonstração de força política na sua campanha eleitoral.
Engraçado que diferente do pensa o presidente e sua trupe, eu acho que ele poderá virar o jogo e ganhar a eleição dentro da legalidade.
O único desafio a ser vencido é reverter a rejeição que ele mesmo construiu ao longo dos anos.
Fora isso possui uma rede política onde cada eleitor seu é um aguerrido cabo eleitoral que amanhece o dia fazendo campanha e anoitece fazendo campanha — isso é um baita diferencial em relação as demais candidaturas. Mesmo o ex-presidente Lula que se encontra à frente na disputa – segundo as pesquisas –, não possui esse nível de engajamento político.
Aliás, muitos dos eleitores que manifestam voto em Lula o faz por não quererem continuar com o atual governo, é o voto pela falta de opção.
Esse eleitor, muito embora odiando o atual governo, não sai às ruas quebrando lanças pelos opositores. Bem diferente do eleitor convicto do atual presidente que não se constrange de só falar de política e defender seu candidato – mesmo nos momentos mais inconvenientes.
Claro que também existe o voto anti-PT nas hostes bolsonaristas, mas esses em menor escala.
Outra vantagem do atual presidente diz respeito ao apoio e militância segmentada como no caso dos militares dos evangélicos e de alguns setores do agronegócio. São pessoas diuturnamente em campanha, nos quartéis, nas igrejas, nos púlpitos e nas redes sociais.
Aliados destes setores – que fazem política 24 horas por dia –, a estabilização nos preços dos combustíveis e os vários auxílios econômicos à população mais vulnerável e a determinados segmentos, pode sim, levar o atual governante à vitória em outubro.
O desafio é cometer menos equívocos ou falar menos besteiras que o principal adversário.
Outro desafio é a excessiva polarização – buscada por ambos –, que poderá levar a eleição a ter um desfecho ainda no primeiro turno.
Abdon C. Marinho é advogado.