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Um pres­i­dente entre o Planalto e a Papuda?

Escrito por Abdon Mar­inho

UM PRES­I­DENTE ENTRE O PLANALTO E A PAPUDA?

Por Abdon C. Marinho.

ANTES que a mil­itân­cia ensande­cida venha ques­tionar o título, informo que o mesmo é fruto das colo­cações do próprio pres­i­dente que, por mais uma vez, infor­mou aos seus seguidores que na hipótese de não reeleger-​se, será preso. Segundo ele, caso isso ocorra rea­girá a tiros.

Faço essa colo­cação ini­cial para dizer que todas as ati­tudes, até ontem, pelo menos, do atual inquilino do Planalto têm sido moti­vadas por esse sen­ti­mento de medo. E, como já disse alguém mais sábio: a pior fera é o homem encur­ral­ado.

Ontem, pela primeira vez – tanto que virou notí­cia –, o pres­i­dente declarou que irá recon­hecer o resul­tado das urnas. Mais de três anos e meio depois da posse, ape­nas ontem, o pres­i­dente disse o óbvio: que irá recon­hecer o resul­tado das urnas.

A mudança de com­por­ta­mento talvez já seja reflexo da influên­cia de mar­queteiros ou das pesquisas que ates­tam que o povo brasileiro não aceita uma rup­tura insti­tu­cional, ou seja, exceto por uma mino­ria de lunáti­cos, ninguém aceita viver sob a égide de uma ditadura mil­i­tar ou tute­lada por mil­itares ou mesmo por qual­quer outro régime que não seja legit­i­mado peri­odica­mente através de eleições livres.

Mesmo entre os apoiadores do atual pres­i­dente aque­les que apoiam uma rup­tura insti­tu­cional são minoritários.

Outra hipótese é ter perce­bido – ou tê-​lo feito perce­ber –, que ao falar mal do sis­tema eleitoral brasileiro, notada­mente das urnas eletrôni­cas, estava falando soz­inho, ainda mais que suas colo­cações sem­pre foram à mín­gua de quais­quer provas, ou mesmo indí­cios e, quase sem­pre, colo­cações men­tirosas.

Ninguém – mais uma vez, a exceção para um grupo de fanáti­cos –, “com­prou” a falá­cia de que o Tri­bunal Supe­rior Eleitoral — TSE estaria mon­tando uma fraude, numa sala sec­reta para lhe tomar a eleição ou dar a vitória ao seu adver­sário.

A can­tilena de três anos e meio teve seu ápice quando o inquilino do planalto pro­moveu uma reunião em pleno Palá­cio da Alvo­rada que con­tou com a pre­sença de quase meia cen­tena de embaix­adores estrangeiros para falar mal do Brasil e do nosso sis­tema eleitoral.

A ousa­dia inédita – pois a todos pare­ceu que bus­cava “carta de seguro” inter­na­cional para um golpe –, foi o estopim para inúmeras reações con­trárias.

Mes­mos os gov­er­nos estrangeiros, sem­pre dis­cre­tos e pro­to­co­lares em se tratando de assun­tos inter­nos de out­ros países, deixaram trans­pare­cer pre­ocu­pação com qual­quer rup­tura insti­tu­cional e man­i­fes­taram con­fi­ança no nosso sis­tema eleitoral e na democ­ra­cia brasileira.

As reações inter­nas foram ainda mais claras.

Diver­sas enti­dades emi­ti­ram notas infor­mando con­fiar no TSE e no sis­tema eleitoral e insti­tu­ições como TCU, ABIN, Polí­cia Fed­eral, entre out­ras, dis­seram ates­tar a segu­rança das urnas eletrôni­cas.

Mais, foi reed­i­tada a Carta pela Democ­ra­cia, do pro­fes­sor Gof­fredo Telles Júnior, de 1977, desta vez cla­mando pelo Estado de Dire­ito Sem­pre, que con­tou com quase um mil­hão de assi­nat­uras; enti­dades patron­ais e sindi­cais, pux­a­dos pela Fed­er­ação das Indús­trias do Estado de São Paulo — FIESP, fiz­eram tam­bém um doc­u­mento exter­nando sua con­fi­ança nas insti­tu­ições e na democ­ra­cia; e, por fim, a posse da nova direção do Tri­bunal Supe­rior Eleitoral — TSE, que difer­ente das vezes ante­ri­ores, sem­pre foi um ato pro­to­co­lar, muitas vezes cir­cun­scrito ao mundo jurídico, desta vez foi o mais impor­tante ato jurídico/​político da história do país, con­tando a pre­sença de quase todos os ex-​presidentes da República, alguns inimi­gos entre si; de todos os min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF; min­istros e desem­bar­gadores de todo o país; quase todos dep­uta­dos fed­erais e senadores; quase todos os gov­er­nadores; todos os can­didatos a pres­i­dente; embaix­adores de mais cinquenta países e diver­sas out­ras autori­dades.

Durante a solenidade de posse em que todos os que falaram man­i­fes­taram con­fi­ança na democ­ra­cia e no sis­tema eleitoral, com exceção do pres­i­dente e sua trupe, todos aplaudi­ram com entu­si­asmo as colo­cações feitas, notada­mente do novo pres­i­dente daquela corte que arran­cou aplau­sos de pé de todos os pre­sentes.

Creio que o pres­i­dente e seu núcleo mais próx­imo devem ter perce­bido que não será pela força bruta que poderá se man­ter no Palá­cio do Planalto, daí a mudança de com­por­ta­mento em afir­mar, ape­nas agora, que recon­hecerá como legí­timo o resul­tado do pleito.

Até então, o pres­i­dente – e mesmo alguns chefes mil­itares, por sabu­jice ou falta de pulso –, estava querendo manter-​se no poder inde­pen­dente do recon­hec­i­mento das urnas ou não.

Para isso bus­cava demon­strar força, inclu­sive, junto aos mil­itares.

É sabido que o atual pres­i­dente é bem quisto entre os mil­itares e entre as forças aux­il­iares da segu­rança pública mas é abso­lu­ta­mente equiv­o­cado o envolvi­mento de mil­itares com política. Talvez o que ganhe com esse apoio nem de longe chegue a com­pen­sar as per­das político/​eleitoral que terá, caso per­sista na uti­liza­ção destes apoios como arma de intim­i­dação do con­junto da sociedade.

Agora mesmo, tomei con­hec­i­mento que o tradi­cional des­file mil­i­tar de 7 de setem­bro, jus­ta­mente no ano do bicen­tenário da inde­pendên­cia, no Rio de Janeiro, será sub­sti­tuído por um ato cívico público na praia de Copaca­bana.

A menos que se dê uma “última forma”, trata-​se de uma lou­cura que levará o der­radeiro prestí­gio das Forças Armadas para a lama.

Uma pesquisa recente rev­elou que as Forças Armadas do Brasil estão entre as menos con­fiáveis do mundo em relação à pop­u­lação do país.

Todos sabe­mos que o tal ato cívico que ocor­rerá no Rio de Janeiro, e em out­ras partes do país, são atos políti­cos con­vo­ca­dos pelo pres­i­dente para serem uti­liza­dos como atos de campanha.

A rigor os mil­itares irem à Copaca­bana misturar-​se a par­tidários de uma cam­panha eleitoral é o maior absurdo que as Forças Armadas irão praticar desde o golpe mil­i­tar de 1964 – claro que sem­pre existe a pos­si­bil­i­dade de pio­rarem o que já está pés­simo.

Desde 1985 que os mil­itares brasileiros têm se man­ti­dos dis­cre­tos e nos quar­téis, agora anun­ciam pre­sença em atos con­vo­ca­dos por um can­didato em cam­panha eleitoral.

A per­gunta que se faz necessária é: eles enlouque­ce­ram?

Esse tipo de evento não cabe par­tic­i­pação de mil­itares, nem mesmo à paisana e fora do horário de expe­di­ente.

O único ato que “cabe” par­tic­i­pação de mil­i­tar é des­file, de prefer­ên­cia marchando a passo de ganso. E só.

Mesmo que fosse um “ato cívico”, não caberia a pre­sença deles.

Não podemos esque­cer que esta­mos em plena cam­panha eleitoral e que um dos can­didatos fez a “con­vo­cação” para o ato em plena con­venção par­tidária.

Os mil­itares, sejam das Forças Armadas ou aux­il­iares, têm com­pro­mis­sos com a nação e com o con­junto da sociedade. Não podem darem ao des­frute de par­tic­i­parem de atos de cam­pan­has eleitorais desse ou daquele can­didato.

O mel­hor lugar para estarem é em casa ou nos respec­tivos quar­téis.

Noutro giro, caso insis­tam nesse tipo de ati­tude, ape­nas com­pro­vará que o pres­i­dente não falava sério ao dizer que respeitará o resul­tado das urnas caso venha a perder, tanto assim que não se importa em a arras­tar os mil­itares para a desmor­al­iza­ção insti­tu­cional ao utilizá-​los para demon­stração de força política na sua cam­panha eleitoral.

Engraçado que difer­ente do pensa o pres­i­dente e sua trupe, eu acho que ele poderá virar o jogo e gan­har a eleição den­tro da legal­i­dade.

O único desafio a ser ven­cido é reverter a rejeição que ele mesmo con­struiu ao longo dos anos.

Fora isso pos­sui uma rede política onde cada eleitor seu é um aguer­rido cabo eleitoral que aman­hece o dia fazendo cam­panha e anoitece fazendo cam­panha — isso é um baita difer­en­cial em relação as demais can­di­dat­uras. Mesmo o ex-​presidente Lula que se encon­tra à frente na dis­puta – segundo as pesquisas –, não pos­sui esse nível de enga­ja­mento político.

Aliás, muitos dos eleitores que man­i­fes­tam voto em Lula o faz por não quer­erem con­tin­uar com o atual gov­erno, é o voto pela falta de opção.

Esse eleitor, muito emb­ora odiando o atual gov­erno, não sai às ruas que­brando lanças pelos opos­i­tores. Bem difer­ente do eleitor con­victo do atual pres­i­dente que não se con­strange de só falar de política e defender seu can­didato – mesmo nos momen­tos mais inconvenientes.

Claro que tam­bém existe o voto anti-​PT nas hostes bol­sonar­is­tas, mas esses em menor escala.

Outra van­tagem do atual pres­i­dente diz respeito ao apoio e mil­itân­cia seg­men­tada como no caso dos mil­itares dos evangéli­cos e de alguns setores do agronegó­cio. São pes­soas diu­tur­na­mente em cam­panha, nos quar­téis, nas igre­jas, nos púl­pi­tos e nas redes sociais.

Ali­a­dos destes setores – que fazem política 24 horas por dia –, a esta­bi­liza­ção nos preços dos com­bustíveis e os vários auxílios econômi­cos à pop­u­lação mais vul­nerável e a deter­mi­na­dos seg­men­tos, pode sim, levar o atual gov­er­nante à vitória em out­ubro.

O desafio é come­ter menos equívo­cos ou falar menos besteiras que o prin­ci­pal adver­sário.

Outro desafio é a exces­siva polar­iza­ção – bus­cada por ambos –, que poderá levar a eleição a ter um des­fe­cho ainda no primeiro turno.

Abdon C. Mar­inho é advogado.

DESI­S­TIR NUNCA FOI OPÇÃO — Parte 1.

Escrito por Abdon Mar­inho

DESI­S­TIR NUNCA FOI OPÇÃO — Parte Um.

Por Abdon C. Marinho*.

CERTA VEZ um amigo que con­hece um pouco da minha história me fez a seguinte per­gunta:

— Pen­sastes alguma vez em desistir?

Não sei se a per­gunta era um implíc­ito pedido de socorro ou se faz parte do “roteiro” da existên­cia dos mais jovens: pen­sar em desi­s­tir diante dos prob­le­mas que os afligem como opção primeira.

Mas, de pronto, respondi-​lhe:

— Não. Desi­s­tir nunca foi uma opção.

Imag­ino, na ver­dade, que talvez a resposta não tenha sido a mais ade­quada. Talvez devesse ter dito: desi­s­tir para onde? Ou, desi­s­tir como?

Acred­ito que quando as pes­soas pensem em desi­s­tir diante um desafio, elas sim­ples­mente pas­sam a ignorá-​lo; voltar para casa do pai ou da mãe, da avó; ou mesmo, desi­s­tir de viver, entrando em depressão ou recor­rendo a um gesto extremo, pondo fim a própria vida.

Tais coisas nunca me pas­saram pela cabeça: nunca tive para onde voltar.

Na minha vida sem­pre só exis­tiu um cam­inho: seguir em frente.

Lev­an­tar cada dia e pen­sar em não come­ter os mes­mos erros dos dias ante­ri­ores – sem­pre temos muitos erros novos a serem explo­rados.

Quando a adoção de um recurso extremo, estes mes­mos que nunca povoaram minha cabeça.

Até cos­tumo dizer aos mais próx­i­mos: se algum dia apare­cer morto lá por casa, inves­tiguem. Não irei por von­tade própria e nunca usaria nada que me leve a isso.

Medica­men­tos ou out­ras dro­gas líc­i­tas ou ilíc­i­tas sem­pre pro­curei man­ter dis­tân­cia, exceder-​me, então, nem pen­sar.

A inda­gação, entre­tanto, me fez refle­tir sobre as situ­ações que me troux­eram até aqui.

E começamos pelo começo como deve ser.

Naquele domingo de out­ubro em que ocor­reu minha estreia no palco da vida, está­va­mos soz­in­hos (os adul­tos, estavam para as fontes ou para out­ros afaz­eres). Quando minha gen­i­tora começou a sen­tir as “dores” e pediu a algum dos menos para ir atrás da parteira, uma tia minha, esposa de tio Antônio Cal­heiro, não quis esperar e fui logo tratando de vir ao mundo.

Do que lem­bro, quando chegou, “ape­nas” teve o tra­balho de cor­tar o cordão umbil­i­cal me dar o banho do nasci­mento.

Já naquela oper­ação, o nascer apres­sado, pode­ria ter “sobrado”.

Escapei e vim ao mundo bonito, alvo e gordinho. Pela tradição de colo­car nomes ini­ci­a­dos pela letra “A”, exceção feita ape­nas no caso do irmão que me ante­cedeu, o Goça, bati­zado por Fran­cisco em hom­e­nagem ao santo com mesmo nome, recebi o nome de Abdon, apel­i­dado na primeira infân­cia de Bida.

O nome foi uma escolha da minha madrinha, D. Nazaré, da far­má­cia, esposa de Absalão, que por ser muito reli­giosa achou esse nome na Bíblia, den­tro das opções que começava com a vogal já referida.

Um ano e meio depois da estreia, no máx­imo dois, minha irmã Ana ainda não havia nascido, por ser gat­inho, alv­inho e gordinho, fui “achado” por uma tal de poliomielite. Ninguém por aque­las ban­das sabia do que se tratava, nunca tin­ham ouvido falar nela. Como, feliz­mente, ape­nas eu fui achado pela “mal­vada” acred­ito que tenha sido pelas car­ac­terís­ti­cas acima referidas.

Certa vez, em tom de pil­héria, um amigo me disse que Deus me fiz­era “alei­jado” para nunca me “perder de vista” – tam­bém é uma expli­cação.

A mal­vada andou perto de me levar. Dias e dias com febre, indo, não indo, pas­sando mal enquanto a molés­tia ia destru­indo meu organ­ismo, defor­mando meus mús­cu­los, me tor­nando alei­jado.

Meus pais, coita­dos, sem qual­quer instrução ou con­hec­i­mento, não sabiam o que fazer. O trata­mento era a base chás, ervas, rezas, orações e promes­sas para São Fran­cisco de Assis.

Uma “boca de noite”, não se sabe se por ouvir dizer que estava quase de par­tida ou por uma das coin­cidên­cia inex­plicáveis da vida, apare­ceu lá por casa o sen­hor Joaquim Rosa, que morava quase uma légua de dis­tân­cia da minha casa, entrando mato a den­tro.

Chegando a minha casa e vendo aquele “frejo” todo em torno da minha quase anun­ci­ada par­tida, disse aos pais: — meu com­padre, minha comadre, aqui ele não vai resi­s­tir. Devem levar o menino ime­di­ata­mente para Teresina.

Assim, parti – não desta para mel­hor –, mas para Teresina, no Piauí, para rece­ber atendi­mento médico.

Se ainda hoje é difí­cil andar pelas estradas do Maran­hão, imag­inem há mais de cinquenta anos. Não havia estradas. Minha mãe, já grávida, teria que fazer parte do per­curso em lombo de ani­mal, até um cen­tro mais evoluído onde pode­ria pegar um cam­in­hão para seguir viagem.

Arru­maram os ani­mais, malas e faneis para comer durante o tra­jeto e lá se foi minha mãe rumo à Cap­i­tal do Piauí, com um menino no colo, quase morto e com minha irmã na bar­riga.

Em Teresina, o diag­nós­tico da poliomielite não foi muito promis­sor, emb­ora não cor­resse mais o risco de mor­rer, ficaria par­alítico para sem­pre e, talvez, não voltasse a andar.

Foi a segunda vez que minha mãe me salvou.

Ao retornar de Teresina começou o duro apren­dizado para voltar a andar. Minha mãe foi minha primeira fisioter­apeuta. Gas­tou muito sebo de carneiro aque­cido em mas­sagens inter­mináveis nas per­nas, além de muitas promes­sas para São Fran­cisco.

Lem­bro de uma imensa colcha de veludo amarelo que minha mãe colo­cava na sala de terra batida para que pudesse voltar a engat­in­har e depois voltar a andar.

Não é que deu certo. Com três ou qua­tro anos já estava andando nova­mente. Minha mãe con­seguirá mais um vez.

Por esta graça alcançada tive que usar o hábito fran­cis­cano durante um bom tempo.

Engraçado que quando usava o hábito os coleguin­has do povoado ficavam provo­cando: — mul­herz­inha, mul­herz­inha!

Como sabe­mos, cri­ança é o cão em forma de gente.

Eu, já sabendo disso, não usava nada por baixo então lev­an­tava o hábito e mostrava os “doc­u­men­tos”: — olha aqui quem é mulherzinha!

A “vida boa” não durou muito tempo. Logo a barra da tem­pes­tade mod­i­fi­caria para sem­pre as nos­sas vidas.

Foi em agosto de 1973, tinha cinco anos, minha irmã, Ana Cleide, dois e pouco, atrás de nós uma escad­inha, até chegar na minha irmã mais velha, com vinte e um anos, já casada.

Minha mãe, pas­sando dos trinta e seis anos, estava grávida mais uma vez, a décima, se reti­ramos das con­tas os diver­sos abor­tos espon­tâ­neos.

Aos treze dias daquele agosto, em tenra idade e com tan­tos fil­hos para criar, minha mãe mor­reu após dá à luz ao nosso caçula.

Narro o episó­dio no texto “Dia de Ano”, já pub­li­cado no site e nas min­has redes soci­ais.

Na tarde/​noite do dia 12, quando já se prepar­ava para o tra­balho de parto – já estava com as primeiras dores –, falei com minha mãe pela última vez.

Engraçado que pas­sa­dos tan­tos anos (49, para ser exato), lem­bro de cada detalhe daquela noite/​dia, do momento em que estava no quarto com ela e tio Praxedes, irmão dela e já viúvo de tia Zefa, irmã de meu pai e que mor­rera no parto, acho que um ano antes, ou pouco mais que isso.

Fazia per­altices, colo­cava o ded­inho nas dobradiças de um cofre e ficava dizendo que não con­seguia tirar.

Neste clima de brin­cadeiras, enquanto meu tio con­ver­sava com minha mãe e eu a toda hora cobrando atenção, minha mãe chamou-​me para perto dela e disse: — meu filho vai ser um doutor para cuidar dos seus irmãos.

Foi a última vez que falei com minha mãe. Depois me levaram para dormir no quarto que dividia com minha vó paterna a quem chamá­va­mos de “titia” e tinha os olhos mais azuis que jamais alguém viu.

Quando acordei na madru­gada ou no raiar do dia, já foi com o barulho e o cheiro da morte tomando conta de todo o ambi­ente. Muito choro, muitas velas já ace­sas e queimando.

Minha mãe não resi­s­tira e mor­rera.

A minha vida, a nossa vida, já era outra, mudara para sem­pre. Eu per­dia meu pilar, minha pro­te­tora. Eu me tornara órfão.

Além de defi­ciente, órfão aos cinco anos de idade.

Durante muitos anos – e ainda hoje –, me per­gunto se minha mãe teria pressen­tido a morte ao me atribuir a respon­s­abil­i­dade de cuidar dos meus irmãos com ape­nas cinco anos ou se na ver­dade, ao me atribuir tal mis­são não estava, mais uma vez, cuidando de mim ao me obri­gar a nunca desi­s­tir até cumprir a mis­são que fora con­fi­ada.

Lá estava eu, órfão, defi­ciente e com uma mis­são a cumprir – com cinco anos de idade.

Os anos que viriam não seriam fáceis e, prin­ci­pal­mente, seriam bem solitários.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

P.S. No próx­imo capí­tulo nar­raremos os primeiros anos da orfan­dade e como me fiz ator.

(Texto extraído do livro “Memórias e out­ras crôni­cas”, de minha auto­ria, que, talvez, seja pub­li­cado algum dia).

A fome e as lágrimas.

Escrito por Abdon Mar­inho


A FOME E AS LÁGRIMAS.

Por Abdon C. Marinho.

DOMINGO pas­sado recebi um vídeo de um amigo através de um aplica­tivo de men­sagens. Primeiro “spoiler”: se queres me ocul­tar algo basta man­dar por áudio ou vídeo, rara­mente os abro. Segundo “spoiler”: quando abro a infor­mação prin­ci­pal deve ser a primeira pois rara­mente chego até o fim.

Mas, era domingo, aquele ócio domingueiro, nada para fazer, quem man­dou foi um querido amigo, senti-​me na obri­gação de abrir o tal vídeo.

Não me inter­es­sei pela “moral da história”, vi por poucos segun­dos, porém. até onde vi, teste­munhei um político maran­hense, com mandato há mais de uma década “se debul­hando” em lágri­mas ao dis­cor­rer sobre a fome, os indi­cadores de mis­éria que ator­menta o nosso povo desde sem­pre.

A impressão que tive, naquele começo de vídeo, foi que a excelên­cia estava tendo con­tato com dura real­i­dade do povo maran­hense pela primeira vez, que nunca sou­bera ou tivera con­tato com as neces­si­dades reais dos cidadãos; ou que acabara de “pousar” de Marte, quem sabe de um outro plan­eta ou mesmo galáxia mais dis­tante.

O pre­sente texto – assim como tan­tos out­ros que escrevi –, se pre­ocupa com os fatos não com as pes­soas, daí porque sem­pre que pos­sível, procuro omi­tir os nomes dos per­son­agens.

Os fatos são mais impor­tantes e falam por si.

O fato do pre­sente texto é que um par­la­men­tar, com mandato há mais de uma década, numa das casas do par­la­mento, em lágri­mas, dis­cor­reu sobre as condições de mis­éria e sofri­mento do povo do nosso estado como se estivesse tra­vando con­tato com tal real­i­dade pela primeira vez.

Os “cupin­chas” e adu­ladores puseram a escr­ever ou a dizer: como é sen­sível. Ele chora diante do sofri­mento do povo.

Os adver­sários foram na con­tramão: como é hipócrita, vive no luxo enquanto o povo amarga necessidades.

Tenho um marco tem­po­ral de quando ini­ciei a colo­car no papel o que penso sobre os fatos e acon­tec­i­men­tos e até mesmo arriscando-​me vez ou outra por out­ros ramos da escrita: o ano de 2010, quando perdemos o saudoso amigo e jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues. Até então, como sem­pre con­ver­sar­mos e trocá­va­mos impressões sobre tudo, emb­ora muita vezes dis­cor­dando, sentia-​me con­tem­plado com suas análises.

Com seu desa­parec­i­mento pre­coce e com o jor­nal­ismo – ressalvando-​se raras e hon­radas exceções –, cam­in­hando para o hon­rado tra­balho de asses­so­ria de imprensa, senti-​me na obri­gação cívica de deixar o teste­munho destes meus anos escritos.

Neste tempo – só no meu site con­stam mais de mil tex­tos –, ape­nas eu escrevi, com certeza, mais duas cen­te­nas de tex­tos abor­dando a mis­éria maran­hense, os indi­cadores africanos, a fome do povo e sobre a neces­si­dade de faz­er­mos um enfrenta­mento con­sis­tente de tal situação.

Antes de mim, muitos out­ros fiz­eram isso.

Quase todos anos a ONU, o IBGE, e tan­tos out­ros insti­tu­tos e insti­tu­ições infor­mam os nos­sos tristes indi­cadores econômi­cos e soci­ais.

O empo­brec­i­mento do Maran­hão vem de décadas de equívo­cos políti­cos e de explo­ração dos recur­sos públi­cos e nat­u­rais do estado em detri­mento de uma imensa maio­ria que a cada dia que passa vai ficando mais pobre e mais depen­dente dos favores dos gov­er­nos e dos poderosos.

A real­i­dade nua e crua é que a medida a nossa elite política acu­mula cada dia mais riqueza, o estado e povo vai ficando cada vez mais pobre e mis­erável.

A mis­éria do nosso povo, por­tanto, sem­pre deve nos causar ver­gonha e indig­nação, mas não, sur­presa.

O que fiz­eram nos­sos políti­cos, legí­ti­mos rep­re­sen­tantes do povo para mudar a real­i­dade econômica e social do estado nas últi­mas décadas?

O que faziam enquanto o povo pas­sava (e passa) fome?

Gas­tavam os recur­sos públi­cos em mor­do­mias, com­pravam iguar­ias div­inas para os lau­tos ban­quetes palacianos?

Enri­cavam cada vez mais? Con­struíam man­sões? Com­pravam aparta­men­tões, car­rões, aviões ou emis­so­ras de rádio e tele­visão para fun­cionarem como instru­men­tos de manip­u­lação do povo sofrido e incauto?

Igno­ravam que quase tudo que se con­some no Maran­hão vem de out­ros esta­dos?

A mis­éria dos cidadãos maran­henses não é algo para ser igno­rada ou para causar sur­pre­sas nos “rep­re­sen­tantes do povo”, antes, dev­e­riam envergonhá-​los, fazer saírem de joel­hos dos palá­cios e irem se pen­i­ten­ciar per­ante São José, em Riba­mar.

Ao assi­s­tir um par­la­men­tar chorando como se estivesse sur­preso com a fome do povo que rep­re­senta, imag­ino o quanto estas pes­soas – mesmo os que vieram origem humilde –, se afas­taram da real­i­dade dos cidadãos.

É como se tivessem pas­sado a habitar outro mundo.

As denún­cias ou promes­sas de desen­volverem o estado não pas­sam de fig­uras retóri­cas, pois igno­ram a real­i­dade dos rep­re­sen­ta­dos.

Não sabem, por exem­plo, que muitas vezes, as mães ou os pais têm que escol­her entre ficar com fome ou ali­men­tar os fil­hos; não sabem as pés­si­mas condições habita­cionais ou de higiene em que são obri­ga­dos a viverem.

Mas, a cada dois ou qua­tro anos, lá estão eles com suas promes­sas vãs, seus dis­cur­sos boni­tos, dizendo que vão com­bater a fome, a mis­éria, desen­volver o estado.

Promes­sas, engo­dos, nada mais!

Entre as tan­tas vezes que falei sobre a situ­ação de pobreza, mis­éria e fome que acomete o nosso povo, uma me é espe­cial­mente cara – e decep­cio­nante.

Há quase oito anos, em 5 de out­ubro de 2014, escrevi uma carta pública aos futuros gov­er­nantes, que assumiriam no ano seguinte.

A carta, além de ser pub­li­cada no nosso site, foi pub­li­cada no Jor­nal Pequeno e, acred­ito, alguns blogues.

Na carta trato de todos “gar­ga­los” que nos colo­cam na “rabeira” de tudo, edu­cação, saúde, cor­rupção maze­las admin­is­tra­ti­vas, etc., especi­fi­ca­mente no ponto que tratei da mis­éria do povo, disse:

O Maran­hão, informa a pro­pa­ganda ofi­cial, fes­teja mais um recorde na pro­dução de grãos. Comemora-​se que a nossa pro­dução chegou a dois por cento da pro­dução de grãos do Brasil. É um dado que não nos serve, nem como piada. Não aceitável que um estado com tan­tos recur­sos hídri­cos, tão extenso, com tan­tas áreas agricultáveis pro­duza tão pouco. Não sei se sabes, ao longo dos anos foi destruída a assistên­cia téc­nica ao homem do campo. Isso, ali­ado a uma política pre­datória de assis­ten­cial­ismo tem pro­duzido, não pro­du­tos agrí­co­las, mas homens preguiçosos, cidadãos, que entra dia sai dia, vivendo de esmo­las. O Maran­hão não pode con­tin­uar a ser uma terra onde a maio­ria da pop­u­lação viva de esmo­las. Meu pai, com sua sabedo­ria de anal­fa­beto, cos­tu­mava dizer que esmo­las só eram dev­i­das a quem não tinha condições de tra­bal­har, aos que eram cegos ou alei­ja­dos. Hoje, a esmola é dev­ida a todos, é a primeira opção do cidadão. Pre­cisamos devolver ao homem o amor pelo tra­balho, à sat­is­fação de gan­har o próprio sus­tento, a não depen­der ninguém, a ser livre. Essa é a palavra, pre­cisamos devolver ao homem a sua liber­dade cidadã”.

O que con­sta­mos, quase oito anos depois, é que “não leram a carta”, nem aquela, nem as que fize­mos pos­te­ri­or­mente, aler­tando para os desac­er­tos ou as cen­te­nas de tex­tos tratando destes e de tan­tos out­ros assun­tos.

Se leram procu­raram fazer o oposto do recomen­dado ou ficaram na como­di­dade da real­i­dade para­lela.

O Maran­hão con­tinua pro­duzindo pouco e o que pro­duz é como “com­modi­ties”; o povo mesmo, a maio­ria dos cidadãos con­tinua vivendo de esmo­las, dos pro­gra­mas assis­ten­ci­ais; se habit­u­aram à humil­hação de viverem como ped­intes e o gov­erno parece sentir-​se bem no papel de prove­dor.

Vejo com tris­teza e desalento as mul­ti­dões que se for­mam para rece­ber uma cesta básica, uns qui­los de pescado; as enormes filas nos restau­rantes pop­u­lares em busca de um prato de comida a um preço módico para si e os seus famil­iares – mesmo nos menores municí­pios –, ou as filam que se for­mam diante dos CRAS — Cen­tro de Refer­ên­cia e Assistên­cia Social, em busca de um cadas­tro de um bene­fí­cio qualquer.

Como admi­tir que o estado tão rico viva com tamanha pobreza?

As úni­cas lágri­mas que com­por­tariam à classe política local diante de tão vex­atória situ­ação, diante da fome e da mis­éria e do triste legado des­ti­nado ao povo, dev­e­riam ser as lágri­mas da ver­gonha.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.