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A sucessão estad­ual e a pil­héria de Cizino.

Escrito por Abdon Mar­inho

A SUCESSÃO ESTAD­UAL E A PIL­HÉRIA DE CIZINO.

Por Abdon Mar­inho.

SEM­PRE que posso ligo para o ex-​deputado Ader­son Lago para bater um papo sobre assun­tos diver­sos, prin­ci­pal­mente sobre política, assunto que con­hece como poucos e sobre o qual pos­sui uma “memória de ele­fante” sobre fatos, cir­cun­stân­cias e pes­soas. Adquiri este hábito há quase vinte anos, quando ele pas­sou por um trata­mento médico em São Paulo. Como ficava muito tempo só, podia rece­ber as lig­ações e podíamos con­ver­sar por horas.

Naquele tempo, quando ainda não havia a comu­ni­cação instan­tânea ao alcance da mão, geral­mente aos domin­gos, lia todos os jor­nais locais logo cedo e lig­ava pra ele para tro­car­mos ideias sobre os acon­tec­i­men­tos.

Hoje, sem­pre que o tempo per­mite – pois nos­sas con­ver­sas são lon­gas –, cos­tu­mamos tro­car umas ideias que só enrique­cem meus tex­tos e minha memória.

Por vezes, ele começa a con­tar algo e per­gunta: — eu já te con­tei isso?

Em trinta anos de amizade já con­hece­mos muitas histórias, entre­tanto, mesmo que já tenha con­tado – até mais de uma ou duas vezes –, digo que não para que conte nova­mente, pois sem­pre vem um ou outro detalhe que não guardei ou que pas­sou despercebido.

Ader­son é uma espé­cie de arquivo vivo da política local.

Um outro político com quem sem­pre con­verso – este mais pelos casos pitorescos –, é o tam­bém ex-​deputado Mar­cony Farias.

Não faz muito tempo, estava Mar­cony no escritório, puxei um assunto com ele.

— Ah, Mar­cony, fiquei sabendo que os gov­ernistas do Maran­hão, quase todos me odeiam, um amigo me contou.

Ele olhou para mim, entre a dúvida e o espanto, e disse: — é mesmo?!

Con­tin­uei: — pois é, meu amigo, soube que é por conta dos meus tex­tos. Mas você é teste­munha que em mais de mil tex­tos, crôni­cas e car­tas que escrevi até aqui, nunca falei mal de ninguém, nunca os ataquei, nunca me afastei da ver­dade e da opinião isenta …

Mar­cony atalhou-​me com frase cor­tante: — você é louco?! Você não sabe que não se pode dizer a verdade?

Quase me acabo de rir da con­clusão que teve sobre a atração pelo ódio que trago comigo e mudamos de assunto.

Voltando ao amigo Ader­son, acho que foi há uns trinta anos – quando tra­bal­hei na ALEMA ou durante a cam­panha de 1994 –, que ele con­tou aquela pil­héria que sem­pre conto aos ami­gos próx­i­mos sobre as três coisas que se deve respeitar.

Tangido pelos acon­tec­i­men­tos e curioso por saber a auto­ria da pil­héria, que já conto esses anos todos, liguei para Aderson.

— Ader­son tu lem­bras quem era o político que dizia que só tinha três coisas que respeitava? Tu me con­teste isso há uns trinta anos.

Aí vem o show da memória:

— Ah, Abdon, quem cos­tu­mava dizer isso era um cidadão de Baca­bal chamado Cizino, ele não era político, era “metido” a empresário. Não sei se ainda é vivo. Ele foi casado com a viúva do finado Raimund­inho lá do Povoado Canaã. Era ele que cos­tu­mava dizer que só tinha três coisas que respeitava: gov­erno, rio cheio e p… duro.

Acred­ito que tais fatos e que ele tenha ouvido tal pil­héria lá pela primeira metade dos anos sessenta, quando era um ado­les­cente e seu tio Benu Lago (Bened­ito de Car­valho Lago), era o prefeito daquela urbe (1961 a 1966).

Por baixo, é uma história com quase 60 anos que conta com a pré­cisão de fatos ocor­ri­dos ontem.

Além da história, de todo o resto, só pare­ceu famil­iar o Povoado Canaã, lugarejo onde o tio do meu sócio, Wal­ter Lima Gomes, ex-​prefeito de São Luís Gon­zaga, pos­suía uma linda pro­priedade.

A pil­héria de Cizino, con­forme já con­tada e recon­tada inúmeras vezes é a seguinte:

Dizia Cizino: — doutor, só tem três coisas que respeito: o rio cheio; o gov­erno e p … duro. Prosseguia expli­cando ao inter­locu­tor ou numa roda de con­ver­sas: o rio cheio, você tá vendo aí o Mearim, quando enche, vem destru­indo tudo, expul­sando as famílias, destru­indo as plan­tações, quando rio está cheio, você respeite; o gov­erno, você tam­bém sabe, gov­erno pode tudo, prende, solta, demite, admite, nomeia, trans­fere, faz coisas que até Deus duvida, gov­erno é gov­erno, você respeite. Dava uma parada e esper­ava pela curiosi­dade de alguém da audiên­cia. Se algum per­gun­tava: — e p… duro, Cizino? Ele não se fazia de rogado e virando-​se para inter­locu­tores, prosseguia: — você vira para um lado tem gay, vira para outro um veado – virando a cara para os que o cer­cava –, quando você vê alguém de p … duro mesmo, você respeite.

E caía na gar­gal­hada jun­ta­mente com os demais que já con­heciam a pil­héria.

Quando, lá atrás, lem­brei da pil­héria e per­gun­tei a Ader­son, foi a propósito da artic­u­lação política dos gov­ernistas com vis­tas as próx­i­mas eleições.

Como na pil­héria, o “gov­erno agiu como gov­erno”. Ou, nas palavras de Ader­son Lago, em situ­ações análo­gas, atirou sem “tomar chegada”.

Em pouco tempo tirou dos prin­ci­pais adver­sários ali­a­dos que se prom­e­teram juras de amor eterno.

Foram artic­u­lações bem efi­cientes e efi­cazes a tal ponto de um amigo, destes que perde o amigo mas não a piada, dizer-​me, a propósito de uma certa jogada: — Abdon, acho que nesta artic­u­lação “empen­haram” um dos leões que orna­men­tam a entrada do palá­cio.

Rindo da graça com­pletei: — é pos­sível, mas ainda tem o outro. Rsrs

Muito emb­ora seja recon­hecida a maes­tria dos artic­u­ladores gov­ernistas na atual tran­sição, não existe eleição fácil – pelo menos não são comuns –, e até a con­sagração nas urnas muita coisa pode acon­te­cer.

Aliás, eleição fácil, ainda das con­ver­sas com Ader­son Lago, só a de 1986, quando prati­ca­mente todas forças políti­cas estatais, gov­erno fed­eral, estad­ual, se uni­ram em torno da can­di­datura de Cafeteira. Segundo ele, era uma festa, os coor­de­nadores de cam­panha pen­savam em uma coisa e logo ela se “mate­ri­al­izava” como se fosse mág­ica.

Uma outra “eleição fácil” essa con­tra os clientes com os quais tra­bal­hava foi a de 1998, quando Roseana Sar­ney reelegeu-​se “sem sair de casa”, der­rotando Cafeteira.

Na atual quadra política, ape­sar das hostes gov­ernistas terem feito com certa efi­ciên­cia o “dever de casa” o avanço da cam­panha e do xadrez político out­ros “tal­en­tos” pre­cisam ocor­rer, entre os quais o do atual gov­er­nador “fin­gir” que não gov­erna de sorte a man­ter inque­brável a aliança com o ante­ces­sor.

Em out­ras palavras, não só ele mas os “seus” man­terem exces­siva dis­crição no exer­cí­cio das suas funções evi­tando que­brar os cristais que rep­re­sen­tam tais relações – ainda mais com os adver­sários apo­s­tando e tra­bal­hando para fomen­tar as intri­gas e cizâ­nias.

Ape­sar de, como dizia Cizino, “gov­erno ser gov­erno”, e talvez até reforçando tal assertiva, a política do Maran­hão reg­istrou um fato inédito, pelo menos para quem acom­panha a política desde a rede­moc­ra­ti­za­ção do país, em 1984.

Não me recordo, em nen­huma das eleições que assisti e até tra­bal­hei como advo­gado, da união de quase todos os par­tidos políti­cos do campo oposi­cionistas em torno de uma can­di­datura ao Senado da República.

Este é um acon­tec­i­mento político “espe­cial” e emblemático.

Se anal­is­ar­mos bem, há cerca de um mês o senador Roberto Rocha, atual tit­u­lar da vaga em dis­puta nas eleições de out­ubro, não tinha sequer leg­enda, grupo político estru­tu­rado ou qual­quer outra condição que o colo­casse na dis­puta majoritária de forma “viável”.

Em menos de um mês, estava apre­sen­tando em cole­tiva de imprensa que será can­didato à reeleição com o apoio de, nada menos, que onze par­tidos e de qua­tro can­didatos ao gov­erno estad­ual.

Como deixar de recon­hecer que esse é um fato político extra­ordinário? De repente, um político que não tinha um par­tido que lhe abri­gasse passa a ter onze e qua­tro can­didatos ao gov­erno lhe apoiando, onde pelo menos três destes têm chances de dis­putar o segundo turno.

É bem provável que nós, os comuns mor­tais, jamais saibamos dos basti­dores desta que ao meu sen­tir, foi a mais bem suce­dida artic­u­lação política, no Maran­hão, desde a rede­moc­ra­ti­za­ção do país, repito.

Resta-​nos espec­u­lar o que podemos fazer usando os próprios adá­gios da nossa política.

Aquele antigo político maran­hense cos­tu­mava dizer que jabuti em cima de árvore ou foi enchente ou mão de gente.

Emb­ora este­jamos em tempo de rios cheios, acredita-​se que o mila­gre da mul­ti­pli­cação dos par­tidos deu-​se pela mão fed­eral, no caso aquela mesma mão que prom­e­tera “var­rer o comu­nismo do Maran­hão”.

O que antes pode­ria pare­cer um arroubo retórico, imag­ino, ainda na espec­u­lação, que tenha se trans­for­mado numa ação prática em bene­fí­cio do senador maran­hense ou mais que isso, con­tra a pre­ten­são do ex-​governador virar senador da República.

Se assim for, esta­mos ape­nas no princí­pio de uma “par­tida” que será jogada sem lim­ites de val­ores, pois como dizia Cizino “gov­erno é gov­erno” e esse “cimento” – que une tanta gente e par­tidos em torno do senador pete­bista para der­ro­tar o social­ista –, “é fed­eral”.

Como dizia, tudo isso é no campo da espec­u­lação, pois os “jogadores da política” fazem suas apos­tas con­forme seus inter­esses e instinto de sobre­vivên­cia.

O apoio dis­pen­sado agora, além das con­tra­partidas pre­sentes, é uma moeda para uma ret­ribuição futura.

E, por fim, valendo-​me de outro adá­gio, este de meu pai, que dizia: — meu filho, no Maran­hão o que din­heiro ou “taca” não resolver, você pode ter certeza, é porque foi pouco.

O jogo está ape­nas no iní­cio, aguardemos os próx­i­mos lances.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

A edu­cação em primeiro lugar.

Escrito por Abdon Mar­inho


A EDU­CAÇÃO EM PRIMEIRO LUGAR.

Por Abdon Marinho.

ESTA­MOS em maio, de diver­sos pon­tos do estado e da cap­i­tal, recebo notí­cias de greves, par­al­iza­ções e/​ou que, por um motivo ou outro, o ano letivo de 2022 ainda não teve ini­cio e, onde ini­ciou, ainda “pega” no tranco.

Antes de dis­cu­tir sobre as razões de cada um, não posso deixar de reg­is­trar a minha angús­tia e per­plex­i­dade com o fato.

Foge à minha com­preen­são que depois de dois anos com as cri­anças fora da sala de aula por conta da pan­demia, assistindo aula de forma precária ou não assistindo, gestores, edu­cadores, rep­re­sen­tantes clas­sis­tas, pais de alunos, Min­istério Público, não este­jam dis­cutindo estraté­gias para recu­perar o tempo per­dido, mas, sim, envoltos em dis­cussões de cam­pan­has salari­ais e out­ras pau­tas que a rigor, pouco ou nada con­tribuem para preencher a enorme lacuna oca­sion­ada pelo tempo per­dido.

A dolorosa real­i­dade é que à edu­cação brasileira vem fra­cas­sando de forma sis­temática com o futuro do país.

Quando com­parada com a edu­cação de jovens e cri­anças de out­ros países ainda nos encon­tramos na rabeira de quais­quer indi­cadores que se use; quando faze­mos um recorte com a edu­cação pública, aumen­ta­mos ainda mais a desigual­dade; quando faze­mos o recorte na com­para­ção com o norte nordeste temos essa desigual­dade ampli­ada mais ainda – esta é a real­i­dade do Maran­hão.

Fal­tam recur­sos? Talvez. Mas, esta não é uma ver­dade absoluta.

Desde a rede­moc­ra­ti­za­ção do país e, prin­ci­pal­mente, depois da Con­sti­tu­ição de 1988, o país vem investindo de forma cres­cente na edu­cação – inves­ti­men­tos sig­ni­fica­ti­va­mente aumen­ta­dos com a cri­ação do FUN­DEF e depois do FUN­DEB –, sem que isso tenha se rever­tido, pelo menos, não na mesma pro­porção, na ele­vação dos indi­cadores educacionais.

Outro dia, por dever profis­sional, chamado a uma assem­bleia ques­tionei os par­tic­i­pantes sobre tais assun­tos e por quais motivos, tam­bém, os pais dos alunos não eram chama­dos para par­tic­i­par do debate.

Ao meu sen­tir, não existe razão para polêmi­cas finan­ceiras quando se trata de edu­cação, uma vez que as bal­izas con­sti­tu­cionais estão bem definidas em seus indi­cadores mín­i­mos.

O que existe, na maior parte das vezes, é incom­preen­são, falta de transparên­cia, aço­da­men­tos e inter­esses pes­soais se sobre­pondo aos inter­esses cole­tivos.

A primeira bal­iza que temos é per­centual mín­imo de gasto com a edu­cação.

A Con­sti­tu­ição Fed­eral, no artigo 212, esta­b­elece:

Art. 212. A União apli­cará, anual­mente, nunca menos de dezoito, e os Esta­dos, o Dis­trito Fed­eral e os Municí­pios vinte e cinco por cento, no mín­imo, da receita resul­tante de impos­tos, com­preen­dida a prove­niente de trans­fer­ên­cias, na manutenção e desen­volvi­mento do ensino”.

Veja, que muito emb­ora, estes per­centu­ais sejam mín­i­mos, para o con­junto de out­ras despe­sas que têm os entes fed­er­a­dos, não esta­mos falando de pouca coisa quando esta­b­ele­ce­mos vinte e cinco por cento da receita prove­niente de impos­tos, incluindo aquela ori­unda de trans­fer­ên­cias, com a manutenção e desen­volvi­mento do ensino.

Para cuidar de todo o resto: saúde, infraestru­tura, segu­rança, assistên­cia social, meio ambi­ente, etc, etc, sobram ape­nas 75% (setenta e cinco por cento) das receitas.

A segunda bal­iza é aquela que esta­b­elece um per­centual mín­imo de gas­tos com pes­soal.

O artigo 212-​A insti­tuído pela emenda con­sti­tu­cional nº. 108/​2020, esta­b­ele­ceu:

XI — pro­porção não infe­rior a 70% (setenta por cento) de cada fundo referido no inciso I do caput deste artigo, excluí­dos os recur­sos de que trata a alínea «c» do inciso V do caput deste artigo, será des­ti­nada ao paga­mento dos profis­sion­ais da edu­cação básica em efe­tivo exer­cí­cio, obser­vado, em relação aos recur­sos pre­vis­tos na alínea «b» do inciso V do caput deste artigo, o per­centual mín­imo de 15% (quinze por cento) para despe­sas de capital”.

Uma ter­ceira bal­iza, resta esta­b­ele­cida no inciso seguinte do mesmo artigo:

XII — lei especí­fica dis­porá sobre o piso salar­ial profis­sional nacional para os profis­sion­ais do mag­istério da edu­cação básica pública”.

Aqui, cabe esclare­cer que a chamada Lei do Piso (LEI11.738, DE 16 DE JULHO DE 2008.), já era pre­visão con­sti­tu­cional inserta nos princí­pios da edu­cação nacional esta­b­ele­ci­dos no artigo 206, da Carta, reforça­dos nos Atos das Dis­posições Con­sti­tu­cionais Tran­sitórias e reg­u­la­men­tada na lei acima, esta­b­ele­cendo um piso mín­imo para o mag­istério a ser implan­tado a par­tir de 2009 e rea­jus­tado todos os anos, no mês de janeiro.

Ainda no tópico da falsa polêmica envol­vendo mestres, rep­re­sen­tantes clas­sis­tas e gestores, temos uma quarta bal­iza con­sti­tu­cional, que, aliás, é um dos princí­pios da edu­cação nacional con­ti­dos no artigo 206:

V — val­oriza­ção dos profis­sion­ais da edu­cação esco­lar, garan­ti­dos, na forma da lei, planos de car­reira, com ingresso exclu­si­va­mente por con­curso público de provas e títu­los, aos das redes públicas”.

Então vejamos, se o ente fed­er­ado (esta­dos e municí­pios) cumpre o per­centual de inves­ti­mento na manutenção e desen­volvi­mento do ensino; cumpre a pro­porção não infe­rior a setenta por cento com o paga­mento dos profis­sion­ais da edu­cação básica; cumpre o piso nacional esta­b­ele­cido, pre­visto Con­sti­tu­ição e reg­u­lado por lei; pos­sui um plano de car­reira que garanta a val­oriza­ção dos profis­sion­ais, o que sobra para ser motivo de dis­cussão e fomen­tar o atraso no ano letivo prej­u­di­cando o futuro de mil­hares de cri­anças e jovens?

Com atraso – mas, antes tarde do nunca –, o Min­istério Público Estad­ual emi­tiu pare­cer, não vin­cu­la­tivo, na mesma linha do que sem­pre sus­ten­tei, e ainda obser­vando para a respon­s­abil­i­dade dos gestores no que diz respeito ao cumpri­mento de out­ras obri­gações legais, como o cumpri­mento da Lei de Respon­s­abil­i­dade Fis­cal — LRF (Lei Com­ple­men­tar nº. 101/2000)m que dis­ci­plina os lim­ites de gasto com pessoal.

Não dis­cuto se o que recebe a cat­e­go­ria é justo ou não, pelo serviço que prestam, o que se dis­cute é que o leg­is­lador, pre­ocu­pado e/​ou talvez cedendo as infini­tas pressões de uma cat­e­go­ria orga­ni­zada concedeu-​lhe inúmeras garan­tias con­sti­tu­cionais que, mesmo assim, não pare­cem sufi­cientes para devolver à edu­cação ao seu leito nor­mal de pre­vis­i­bil­i­dade, reg­u­lar­i­dade e resul­ta­dos.

Como sabe­mos, a remu­ner­ação dos profis­sion­ais da edu­cação básica até pelas bal­izas já referi­das acima, seja o menor dos prob­le­mas a serem enfrenta­dos – e não os super­aremos se todos recur­sos da edu­cação forem des­ti­na­dos uni­ca­mente ao paga­mento de seus profis­sion­ais, por mais que sejam mere­ce­dores.

O primeiro desafio é moti­var­mos cri­anças e pais para a importân­cia da edu­cação como fator de cresci­mento indi­vid­ual e cole­tivo.

Esse desafio não será super­ado com esco­las caindo aos pedaços e com um ensino de baixa qual­i­dade.

Com isso pre­cisamos de esco­las mel­hores estru­tu­radas, pro­fes­sores mais qual­i­fi­ca­dos e uma edu­cação que seja atra­tiva para as cri­anças e jovens.

Não podemos perder de vista que a edu­cação “dis­puta” a atenção das cri­anças e jovens com um mundo de out­ras atrações e dis­trações para elas muito mais envol­ventes.

Um segundo desafio é envolvi­mento das famílias com o apren­dizado das cri­anças e jovens. Vive­mos em um mundo em que uma grande parcela dos pais não querem ou não assumem qual­quer papel na edu­cação dos fil­hos, quando na ver­dade a primeira e mais valiosa edu­cação deve ser min­istrada pela família e com­ple­men­tada pela escola.

Infe­liz­mente o que vemos é o inverso disso.

Desde a mais tenra idade vemos os pais se “des­o­bri­g­ando” da vida que colo­cou no mundo. Basta ver que quando uma cri­ança chora pela atenção dos pais uma das primeiras coisas que fazem não con­ver­sar, edu­car ou dis­ci­pli­nar a cri­ança é entregar-​lhe um celu­lar ou um outro equipa­mento eletrônico para que ela se dis­traia e não os per­turbe nos seus afaz­eres ou mesmo nos seus laz­eres.

É essa cri­ança que com qua­tro ou cinco anos – e até antes –, vai ser entregue a edu­cação do Estado.

Como imag­i­nam que ela vai se sair?

Esse descom­pro­misso “indi­vid­ual” já começa a expandir-​se para o cole­tivo.

Outro dia um cliente ligou com uma difi­cul­dade inusi­tada: ven­cido o mandato do Con­selho Munic­i­pal de Defesa da Cri­ança e do Ado­les­cente — CMDCA, ele já estava há um bom tempo sem o tal con­selho, de importân­cia ímpar, por não con­seguir em todo o municí­pio pes­soas que se dis­pusesse a com­por aquele cole­tivo.

Ora, como jus­ti­ficar ou aceitar, que numa comu­nidade inteira não encon­tremos pes­soas dis­postas a fazer um tra­balho vol­un­tário de defesa do seu futuro, que são as cri­anças e ado­les­centes?

Quando se trata de edu­cação a Con­sti­tu­ição Fed­eral deixa bem clara a respon­s­abil­i­dade, diz o artigo 205: “A edu­cação, dire­ito de todos e dever do Estado e da família, será pro­movida e incen­ti­vada com a colab­o­ração da sociedade, visando ao pleno desen­volvi­mento da pes­soa, seu preparo para o exer­cí­cio da cidada­nia e sua qual­i­fi­cação para o trabalho”.

Veja que ela pon­tua muito bem: a edu­cação é um dire­ito de todos e um dever do Estado e da família.

Daí ser impre­scindível que quais­quer debates rela­ciona­dos à edu­cação não sejam feitos envol­vendo ape­nas gestores e edu­cadores, mas, envol­vendo, prin­ci­pal­mente às famílias.

Somente assim colo­care­mos, efe­ti­va­mente, a edu­cação em primeiro lugar.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

NÃO SE FAZ CABO DE GUERRA COM A DEMOCRACIA.

Escrito por Abdon Mar­inho


NÃO SE FAZ CABO DE GUERRA COM A DEMOC­RA­CIA.

Por Abdon Marinho.

QUANDO menino, lá no meu povoado e/​ou já na sede do municí­pio, era comum brin­car­mos de “cabo de guerra”. A brin­cadeira con­sis­tia em dividir a turma em dois gru­pos, colocá-​los em cam­pos opos­tos segu­rando um lado de uma corda; no meio de ter­reno (geral­mente um com muita areia) era feito um risco.

Cada um dos pux­ava seu lado da corda na intenção de obri­gar o grupo rival a cruzar o risco demar­catório. O grupo que con­seguisse fazer isso ven­cia a brin­cadeira.

Era comum no puxa-​puxa um grupo, mais forte, não ape­nas obri­gar o outro a cruzar o risco como, tam­bém, levá-​lo ao chão. Quando isso ocor­ria dava-​se uma algazarra com gri­tos dos “vence­dores” e da plateia – quem chegava todo sujo em casa já estava certo de levar uma “pisa” dos pais.

Eu mesmo, emb­ora zam­beta, mas com muito mais agili­dade que hoje, par­ticipei de muitos “cabos de guerra”, puxando a corda com toda a ded­i­cação e deter­mi­nação.

Pois bem, se enquanto brin­cadeira infan­til o “cabo de guerra” tinha todo o “charme” e era algo lúdico nos seus vários aspec­tos, o mesmo não se pode dizer quando tenta aplicar a mesma “brin­cadeira” à democ­ra­cia brasileira.

A cada dia assis­ti­mos, estar­reci­dos, os diri­gentes da nação, os poderes con­sti­tuí­dos da República, tratarem os negó­cios e inter­esses públi­cos como uma brin­cadeira infan­til de “cabo de guerra” onde o obje­tivo de um grupo é levar o outro ao chão, de prefer­ên­cia, até mesmo aniquilando-​o fisicamente.

Mas não se pode “brin­car” de cabo de guerra com a democ­ra­cia, pois caso assim façam não ter­e­mos um grupo vence­dor, ao con­trário, todos per­dem, a nação per­dem. Aliás, difi­cil­mente poder­e­mos falar em nação quando estiver­mos diante da aniquilação dos poderes con­sti­tuí­dos ou mesmo de algum deles.

Vejo muita “gente boa” segu­rando e puxando um dos lados da corda sem se darem conta de que não esta­mos diante de uma com­petição esportiva ou de uma brin­cadeira infan­til, mas, sim, de ati­tudes e posições que deter­mi­narão o futuro da nação – se tiver­mos uma nação depois.

O último “round” deste “cabo de guerra” diz respeito à con­de­nação pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, de deter­mi­nado dep­utado fed­eral e a con­cessão de “indulto” ao mesmo pelo pres­i­dente da República, no dia seguinte ao jul­ga­mento pela Suprema Corte.

Con­de­nado no dia 20 de abril, no dia seguinte, antes mesmo da lavratura do acórdão con­de­natório, o pres­i­dente anun­ciou que estaria conce­dendo o indulto ao dep­utado de forma vol­un­tária – quer dizer, a defesa do con­de­nado não chegou a requerer.

Diver­sos ami­gos, no mesmo dia e no dia seguinte, me per­gun­taram o que achava de tudo que estava acontecendo.

A primeira coisa que me pare­ceu foi que o pres­i­dente da República bus­cou con­frontar uma decisão da mais ele­vada corte do país, tendo ou não razão, como disse ante­ri­or­mente, o que está em jogo é o futuro que quer­e­mos para o pais enquanto nação.

Um pres­i­dente da República não pode se dar ao “des­frute”, ficar “zan­gad­inho” e atrav­es­sar um decreto afrontando uma decisão judi­cial para, podemos dizer, a sua sat­is­fação pes­soal, uma vez que não havia risco imi­nente de prisão do seu “ali­ado” político. O processo, sequer, teve acórdão pub­li­cado e, após a pub­li­cação do mesmo, teria lugar out­ros recur­sos no próprio STF, sem con­tar que a própria defesa do “con­de­nado” não chegou a ingres­sar com tal pedido – e não pode­ria uma vez que o dep­utado não se encon­trava na fase de cumpri­mento de pena.

Logo me parece claro que a moti­vação do pres­i­dente foi o inter­esse pes­soal o des­borda das suas pre­rrog­a­ti­vas con­sti­tu­cionais.

Uma segunda per­gunta que me fiz­eram foi se o pres­i­dente pode­ria edi­tar tal decreto.

O indulto é uma pre­visão con­sti­tu­cional inserta no artigo 84, XII, Con­sti­tu­ição Fed­eral:

Art. 84. Com­pete pri­v­a­ti­va­mente ao Pres­i­dente da República:

XII — con­ceder indulto e comu­tar penas, com audiên­cia, se necessário, dos órgãos insti­tuí­dos em lei;

Logo não se dis­cute se o pres­i­dente pode edi­tar o decreto de indulto. A dis­cussão é se da forma que fez está cor­reto.

O Código de Processo Penal, Decreto-​Lei nº. 3.689, de 3 de out­ubro de 1941, no seu artigo 734: “Art. 734. A graça poderá ser provo­cada por petição do con­de­nado, de qual­quer pes­soa do povo, do Con­selho Pen­i­ten­ciário, ou do Min­istério Público, ressal­vada, entre­tanto, ao Pres­i­dente da Repub­lica, a fac­ul­dade de concedê-​la espon­tanea­mente”.

Tal artigo está inserto no capí­tulo que trata da Graça, do Indulto e da Anis­tia.

Vemos acima à luz de tal dis­pos­i­tivo, que o pres­i­dente pode­ria concedê-​la sem qual­quer “provo­cação”, ou seja, ao seu talante.

Surge ai, entre­tanto, o primeiro senão.

Toda essa parte do CPP encontra-​se dis­ci­plinada pela Lei de Exe­cução Penal — LEP, Lei nº. 7.210, de 11 de julho de 1984.

As pes­soas que enten­dem do assunto muito mais do que eu sus­ten­tam que a lei nova tratar inteira­mente de deter­mi­nado assunto der­rog­a­ria a lei ante­rior. Segundo estes mes­mos enten­di­dos, a LEP, até por ser lei, ser mais nova, teria der­ro­gado aquela parte do CPP que dis­põe do mesmo assunto.

A LEP, por sua vez, trata do assunto, a par­tir do seu artigo 187, entre­tanto, sem a evo­cação da “Graça” e sem esta­b­ele­cer a pos­si­bil­i­dade do pres­i­dente da República con­ceder o indulto – que tem a pre­visão de ser indi­vid­ual –, de “ofí­cio”, basta ver o que esta­b­elece o artigo 188: “Art. 188. O indulto indi­vid­ual poderá ser provo­cado por petição do con­de­nado, por ini­cia­tiva do Min­istério Público, do Con­selho Pen­i­ten­ciário, ou da autori­dade administrativa”.

Os arti­gos seguintes do mesmo diploma, esta­b­elece como se processa e qual o rito do indulto até desaguar no decreto pres­i­den­cial.

Uma das primeiras lições de dire­ito que aprendi foi que o agente público só pode fazer aquilo que esteja em estrita obe­diên­cia à norma legal, difer­ente do agente pri­vado, que pode fazer tudo aquilo que a lei na veda.

Em out­ras palavras, em uma democ­ra­cia todos, e prin­ci­pal­mente o pres­i­dente da República que prestou jura­mento de obser­var e fazer cumprir a Con­sti­tu­ição e as leis, esta­mos sub­meti­dos ao seu império.

É dizer, o pres­i­dente pode sim edi­tar um decreto indulto indi­vid­ual ou cole­tivo – e sem­pre mel­hor que seja cole­tivo e com princí­pios gerais, sem “olhar a cara do freguês” –, mas para isso pre­cisa cumprir os req­ui­si­tos e cam­in­hos impos­tos pelas leis que a todos sub­me­tem.

Não é demais lem­brar que no Brasil, desde a sua inde­pendên­cia, mesmo no período impe­r­ial, nunca tive­mos um gov­erno abso­lutista, impondo suas von­tades acima das leis e da rit­u­alís­tica proces­sual.

Um dos arti­gos mais impor­tantes da nossa Con­sti­tu­ição, ao meu sen­tir, é o artigo 5º, lá está dito: “Art. 5º Todos são iguais per­ante a lei, sem dis­tinção de qual­quer natureza, garantindo-​se aos brasileiros e aos estrangeiros res­i­dentes no País a invi­o­la­bil­i­dade do dire­ito à vida, à liber­dade, à igual­dade, à segu­rança e à pro­priedade, nos ter­mos seguintes: ..”.

Veja o que nos asse­gura a Carta Magna: “que todos somos iguais per­ante a lei …”, logo não me parece razoável que numa república mod­erna, como a nossa, alguém “seja mais ‘igual’ que os demais em função de sua prox­im­i­dade com o gov­er­nante, coleguismo, aliança política ou algo que os valha”.

Imag­inemos, como diria o outro, se a “moda pega”. Fulano de tal e Bel­trano de tal, lá de onde judas perdeu as botas, ambos come­teram os mes­mos deli­tos, mas o primeiro, por ser “amigo” do pres­i­dente, é indul­tado e o segundo não.

Isso lhes parece razoável?

Temos exem­p­los mais con­cre­tos e palpáveis.

Algum den­tre vós acharia razoável que a pres­i­dente de então, ao tér­mino do jul­ga­mento dos envolvi­dos no processo do chamado escân­dalo do men­salão, edi­tasse um decreto, nos moldes deste que está em tela, indul­tando os con­de­na­dos pelo mesmo STF que agora tem sua decisão afrontada?

Podemos pen­sar para frente. Alguém achará razoável que o sen­hor Lula, caso seja eleito, indulte o seu ali­ado e amigo Zé Dirceu, o capitão do time do seu gov­erno, que acaba de ter sen­tenças con­de­natórias con­fir­madas pelo Supe­rior Tri­bunal de Justiça — STJ?

Diante de tudo que disse e até com base na lei uni­ver­sal da razoa­bil­i­dade, acred­ito que o pres­i­dente da República come­teu mais um crime de respon­s­abil­i­dade, pre­visto na Lei nº. 1.079, de 10 de abril de 1950, a saber: “5 — opor-​se dire­ta­mente e por fatos ao livre exer­cí­cio do Poder Judi­ciário, ou obstar, por meios vio­len­tos, ao efeito dos seus atos, man­da­dos ou sentenças”.

Acred­ito que para qual­quer pes­soa, até porque isso é algo que vem sendo pub­li­ca­mente estim­u­lado, resta claro que o pres­i­dente está a “opor-​se dire­ta­mente e por fatos ao livre exer­cí­cio do Poder Judi­ciário”.

O meu apelo e chama­mento é para que as autori­dades maiores da nação enten­dam que gov­ernar, admin­is­trar e fazer pros­perar uma nação é incom­patível com sen­ti­men­tos e inter­esses pes­soais e, sobre­tudo, com jogos infan­tis como o “cabo de guerra”.

Abdon Mar­inho é advo­gado.