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A liber­dade opressora.

Escrito por Abdon Mar­inho

A LIBER­DADE OPRES­SORA.

Por Abdon Mar­inho.

EMPA­TIA é a habil­i­dade de imaginar­‑se no lugar de outra pes­soa. Ou, a com­preen­são dos sen­ti­men­tos, dese­jos, ideias e ações de out­rem. Estes são os con­ceitos que nos são dados pela psi­colo­gia.

Se por acaso eu tivesse nascido nos últi­mos anos de vinte ou no começo dos anos trinta, na Ale­manha nazista ou em algum dos países sobre sua influên­cia direta, é bem provável que você não estivesse lendo o pre­sente texto ou nen­hum dos que escrevi nos últi­mos anos.

Cer­ta­mente não teria sobre­vivido para “con­tar história”.

Naque­les anos, junto com os seis mil­hões de judeus, com o meio mil­hão de ciganos, tam­bém, perderam a vida 300 mil pes­soas com defi­ciên­cia. Perderam a vida é um eufemismo, foram assas­si­nadas pela dout­rina nazista. Além de out­ros 400 mil pes­soas com defi­ciên­cia que foram ester­il­izadas, dos 15 mil homos­sex­u­ais lev­a­dos para os Cam­pos de de Con­cen­tração, e tan­tos out­ros males prat­i­ca­dos.

Um cidadão que até outro dia na sabia de sua existên­cia, em um canal de YouTube que tam­bém igno­rava, disse, sem meias palavras que “eu acho que tinha que ter um par­tido nazista recon­hecido por lei”, mais à frente, “a questão é: se o cara quiser ser anti­judeu, eu acho que que ele tinha o dire­ito de ser”. Um dep­utado fed­eral que par­tic­i­pava do pro­grama “con­cor­dando” com tal absurdo, afir­mou ter “achado errado” a Ale­manha ter crim­i­nal­izado o nazismo depois da II Guerra Mundial.

Evito os nomes dos cidadãos porque, como sabem, não cos­tumo dá audiên­cia pra vagabun­dos, por mim, mor­rerão no anon­i­mato.

Outro dia, aci­den­tal­mente, em um grupo de What­sApp vi o mesmo cidadão recla­mando de “perseguição política”, ale­gando ter sido demi­tido do canal que apre­sen­tava e, pelo fato do YouTube tê-​lo “ban­ido” defin­i­ti­va­mente de veic­u­lar qual­quer outro pro­grama ou con­teúdo na plataforma. Recon­hece que “errou” mas que a “punição” está sendo despro­por­cional.

Um curta-​metragem em exibição no Net­flix, inti­t­u­lado “Perdoai-​nos as nos­sas ofensa”, abre uma breve janela para o que foi a dout­rina nazista em relação aos defi­cientes.

Ainda nos crédi­tos ini­ci­ais pon­tua que “a prova de moral­i­dade de uma sociedade é o que ela faz por suas cri­anças”. Em seguida mostra que a dout­rina nazista impôs nos cur­rícu­los esco­lares que nós, defi­cientes, éramos estor­vos cus­tosos para toda a sociedade. Isso numa aula de matemática.

Em nome de uma dout­rina cen­te­nas de mil­hares de cri­anças, jovens e adul­tos com alguma defi­ciên­cia foram assas­si­nadas pelo Estado. Sim, foram reti­radas de suas famílias pelos sol­da­dos para serem assas­si­nadas. Pre­cisamos repe­tir inúmeras vezes o termo. Out­ras cen­te­nas de mil­hares lev­adas pre­sas aos cam­pos de con­cen­tração, ester­il­izadas, alvos de supos­tos exper­i­men­tos cien­tí­fi­cos cruéis e desumanos.

Sem falar nos seis mil­hões de judeus, no meio mil­hão de ciganos, nos mil­hares de homos­sex­u­ais, nas diver­sas out­ras mino­rias étni­cas e reli­giosas, assas­si­nadas, pre­sas, depor­tadas, aniquiladas, humilhadas …

A Con­sti­tu­ição da República diz no seu artigo 3º que con­sti­tui obje­tivos fun­da­men­tais da nação: “pro­mover o bem de todos, sem pre­con­ceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quais­quer out­ras for­mas de dis­crim­i­nação”, art. 3º, IV, CF.

Como podemos perce­ber a ideia de um par­tido político nazista no Brasil entra em choque com os obje­tivos do país que é pro­mover o bem de “todos”, sem qual­quer pre­con­ceito de origem, raça, sexo, cor, idade e out­ras for­mas de dis­crim­i­nação. A Con­sti­tu­ição deixa claro: “quais­quer out­ras for­mas de dis­crim­i­nação”.

O cidadão nos seus canais de inter­net – seu mega­fone vir­tual –, entende que é com­patível com a ideia de nação a existên­cia de um par­tido político que é o oposto dos obje­tivos fun­da­men­tais da nação, que defende a suprema­cia de uma raça, de uma origem, de uma cor, de uma ori­en­tação sex­ual e, até mesmo, das condições físi­cas e men­tais.

Mais que isso. Um par­tido político que defendam a implan­tação de seu ideário ao chegar no poder, como o fez na Ale­manha.

Este é um ponto inter­es­sante pois envolve a posição de um par­la­men­tar brasileiro ao dizer que a Ale­manha “errou” ao crim­i­nalizar o nazismo. Como não crim­i­nalizar? O obje­tivo de todo par­tido é chegar ao poder e lá chegando implan­tar seu ideário.

Foi isso que o par­tido nazista fez na Ale­manha: criou uma série de leis des­ti­tuindo de dire­itos humanos e bens, judeus, mino­rias, defi­cientes, homos­sex­u­ais e out­ras mino­rias; per­mitindo a real­iza­ção de exper­i­men­tos degradantes e, por fim, a “solução final”, a elim­i­nação física daque­las pes­soas.

Observem que mesmo os cur­rícu­los esco­lares foram alter­ados para que as cri­anças fos­sem ensi­nadas e aceitassem como nor­mal a supe­ri­or­i­dade de raça e a infe­ri­or­i­dade das demais pes­soas e até mesmo aceitassem a sua “elim­i­nação”.

No artigo 4º da Con­sti­tu­ição con­sta que o Brasil rege-​se nas suas relações inter­na­cionais pelos seguintes princí­pios, den­tre os quais: inde­pendên­cia nacional; prevalên­cia dos dire­itos humanos; autode­ter­mi­nação dos povos; não-​intervenção; igual­dade entre os Esta­dos; repú­dio ao ter­ror­ismo e ao racismo.

Se estes são princí­pios do nosso país nas suas relações inter­na­cionais, como admi­tir que um par­la­men­tar brasileiro, diga que um país errou ao crim­i­nalizar um ideário e uma prática nazista?

O nazismo ao “tomar” o poder na Ale­manha se voltou con­tra todos estes princí­pios estatuí­dos acima e com inco­mum vio­lên­cia e cru­el­dade.

A excelên­cia não acha que o ideário nazista e, prin­ci­pal­mente, suas pau­tas e práti­cas não são passíveis de crim­i­nal­iza­ção?

A expan­são ter­ri­to­r­ial; aten­tar con­tra a inde­pendên­cia de out­ras nações; a vio­lação dos dire­itos humanos como prática de estado; a autode­ter­mi­nação dos povos; a inter­venção mil­i­tar em out­ras nações, a sub­ju­gação de out­ros Esta­dos, etc, etc, nada disso é passível de crim­i­nal­iza­ção?

Ainda a Con­sti­tu­ição da República, no seu artigo 17, ao tratar dos par­tidos políti­cos, esta­b­elece: “É livre a cri­ação, fusão, incor­po­ração e extinção de par­tidos políti­cos, res­guarda­dos a sobera­nia nacional, o régime democrático, o pluri­par­tidarismo, os dire­itos fun­da­men­tais da pes­soa humana e obser­va­dos os seguintes preceitos: …”.

Veja que a Con­sti­tu­ição impõe condições para a cri­ação de par­tidos políti­cos, que res­guar­dem a sobera­nia nacional, o régime democrático, o pluri­par­tidarismo, os dire­itos fun­da­men­tais da pes­soa humana e ainda obser­va­dos diver­sos pre­ceitos, den­tre os quais a vedação de fazer uso de orga­ni­za­ção para­mil­i­tar.

Só a luz destes dis­pos­i­tivos con­sti­tu­cionais – e con­sti­tu­ição fed­eral traz inúmeros out­ros –, a ideia de ter­mos um “par­tido nazista recon­hecido por lei” é abso­lu­ta­mente infun­dada, a menos que se ree­screvêsse­mos toda a con­sti­tu­ição ou que o suposto “par­tido nazista” não fosse nazista – não con­forme apren­demos nos livros de história dos quais tanto o apre­sen­ta­dor quando o dep­utado pare­cem pos­suir aler­gia.

Vou além. A questão posta pelo cidadão de que “se o cara quiser ser um anti­judeu, tem o dire­ito de ser” – o mesmo “val­endo” para defi­cientes, ciganos, homos­sex­u­ais, e out­ras mino­rias étni­cas e reli­giosas –, se apli­caria ape­nas ao “dire­ito” de não gostar, como por exem­plo, “pre­firo azul a amarelo”, ou se esten­de­ria tal “dire­ito”, con­forme prat­i­cado pelo par­tido nazista orig­i­nal, ao dire­ito de persegui-​los, humilhá-​los e eliminá-​los, por fim? Viu o judeu na rua e dizem: “bora ali matar o judeu”; viu o defi­ciente e dizem: “bora ali matar o alei­jado”; viram o homos­sex­ual e dizem: “bora ali matar o veado”; viram o negro e dizem: “bora ali matar o negrinho”.

No poder, cer­ta­mente, ter­ce­i­rizariam o serviço sujo aos mil­itares.

Aos igno­rantes de plan­tão, durante a República de Weimar, mesmo antes dos nazis­tas chegarem ao poder, os seus par­tidários, em horda, saiam pelas ruas perseguir, mal­tratar e até matar estas pes­soas.

Quando alguém, falando para mil­hões de pes­soas ou não, diz que dev­eríamos “ter um par­tido nazista recon­hecido por lei”, de prefer­ên­cia recebendo mil­hões do fundo par­tidário (acréscimo meu) para difundir ou praticar seu ideário, dev­e­ria ter con­sciên­cia do peso de suas palavras ou ao menos pas­sar a vista por algum livro de história – se bem que a grande maio­ria dos que defen­dem isso, tem como mantra prin­ci­pal a neg­a­tiva da história: para eles o holo­causto nunca ocor­reu, o assas­si­nato de defi­cientes, ciganos e judeus, etc, é uma ficção, talvez por isso o dep­utado disse que a Ale­manha “errou” ao crim­i­nalizar o nazismo.

No Brasil – e noutras partes do mundo –, se vive um “boom” de pre­con­ceitos e dis­crim­i­nações: jogadores de fute­bol chama­dos de “maca­cos” durante as par­tidas de fute­bol; negro pegando a chave para abrir a porta de casa assas­si­nado pelo viz­inho; homos­sex­u­ais sendo assas­si­na­dos por sua condição sex­ual; defi­cientes sofrendo diver­sas pri­vações; idosos sendo dis­crim­i­na­dos e humil­ha­dos e por aí vai.

São situ­ações estru­tu­rais da nossa sociedade. São situ­ações que pre­cisamos com­bater dia e noite e não fin­gir­mos que elas não exis­tem.

A liber­dade indi­vid­ual de cada um para “defender esse tipo de coisa” se aplica ape­nas à defesa de expressão ou vem com o “combo” com­pleto?

Pes­soal­mente, até por não conhecê-​los, não acred­ito que o apre­sen­ta­dor e o dep­utado sejam nazis­tas, racis­tas, por conta do que dis­seram. Na minha opinião são ape­nas igno­rantes que gazetearam as aulas de história no ensino fun­da­men­tal e que acham que o con­ceito de “liber­dade” com­porta qual­quer absurdo.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

Cau­sos e estradas com Max Harley.

Escrito por Abdon Mar­inho


CAUSOS E ESTRADAS COM MAX HARLEY.

Por Abdon Mar­inho.

QUANDO cheguei em casa na última sexta-​feira já pas­sava das 20 horas, mal tive tempo de fazer um lanche, des­fazer a mala e tomar um banho, que o corpo já pedia cama. Desde que me formei há um quarto de século – e até antes –, que per­corro as estradas do Maran­hão.

Desta fez fui a Luís Domingues na com­pan­hia do amigo e con­ta­dor Max Harley Fre­itas e do estag­iário Ali­son Nasci­mento.

Nestes anos todos de andanças esta­b­eleci um roteiro de via­gens para a baix­ada bem prático: com­prar as pas­sagens com bas­tante ante­cedên­cia para trav­es­sia no fer­ry­boat e já deixar reser­vada a hospedagem. Ah, escol­her uma boa trilha musi­cal.

No dia da viagem sair de casa por volta das 8 horas – ou antes se tiver que apan­har alguém –, para chegar com folga e pegar o ferry das 10 horas; o almoço é no Chicão, em Pin­heiro, pelas 13 horas ou pouco mais, depois faze­mos uma parada ráp­ida em Queimadas, Santa Helena, para com­prar umas cocadas e seguimos viagem até o Café na Fazenda, em Mara­caçumé, onde tomamos um cafez­inho da tarde e bate­mos um papo com D. Claú­dia, a pro­pri­etária do esta­b­elec­i­mento e de lá seguimos sem mais paradas até o des­tino final, onde cheg­amos por volta das 18 horas.

Lem­bro que quando o Max aceitou tra­bal­har em Luís Domingues alertei-​o que todas as vezes que tivesse que ir ao municí­pio teria que reser­var ao menos qua­tro dias da sem­ana para a mis­são pois dois seriam ape­nas para os deslo­ca­men­tos de ir e vir.

Conheci-​o, através de ami­gos comuns, no iní­cio dos anos dois mil, era recém-​formado, recomendei que se inter­es­sasse pela con­tabil­i­dade pública pois era um ramo que pagava um pouco mel­hor e que teríamos neces­si­dade de bons con­ta­dores para aten­der as neces­si­dades cada vez cres­centes dos municí­pios.

Pouco tempo depois surgiu uma neces­si­dade de con­ta­dor no Municí­pio de Santo Amaro do Maran­hão, então admin­istrado por Jaime Carneiro e perguntei-​lhe se toparia o desafio. Topou e desde então tem tril­hado com inco­mum ded­i­cação e com­petên­cia nesta área.

Sem­pre que tenho alguma opor­tu­nidade o indico para algum municí­pio. Depois de Santo Amaro, ainda em mea­dos dos anos dois mil, veio Vargem Grande, Baca­bal, Bom Jardim, etc.

Sem­pre que temos a chance de tra­bal­har­mos jun­tos surge a opor­tu­nidade de faz­er­mos algu­mas via­gens e com­par­til­har exper­iên­cias e “cau­sos” que viven­ci­amos ou teste­munhamos ou que ouvi­mos de alguém.

Estes “cau­sos” que os mais anti­gos fazem questão de con­tar como se fos­sem de tem­pos bem remo­tos con­tin­uam ocor­rendo na atu­al­i­dade, como não são doc­u­men­ta­dos acabam ficando esque­ci­dos.

Agora mesmo, nesta última viagem, acon­te­ceu um fato pitoresco e que nos diver­tiu por quase toda a viagem, sem­pre que lem­brá­va­mos, caiamos na gar­gal­hada.

Deu-​se o seguinte:

Desde o final de novem­bro 2021 que não íamos a Luís Domingues aguardando a agenda de uma asses­sora de Brasília que iria min­is­trar uma for­mação con­tin­u­ada com o pro­fes­sores do municí­pio e par­tic­i­par de uma reunião com sindi­cato e con­selho de edu­cação.

Como a dita reunião dar-​se-​ia somente na quinta-​feira, retar­damos a ida para terça-​feira, com retorno na sexta-​feira.

Pois bem, durante a reunião a asses­sora, na mel­hor das intenções, “adonou-​se” da pauta e pôs-​se a con­duzir os tra­bal­hos, encam­in­hando soluções, pedindo providên­cias, etc.

Lá pelas tan­tas o pres­i­dente do sindi­cato pede a palavra para cobrar o encam­in­hamento de alguma providên­cia ou recla­mar de alguma falta infor­mação.

Com toda edu­cação e tato que lhe é pecu­liar começou: — Tem um fan­tasma na prefeitura de Luís Domingues.

A asses­sora já inter­rompeu: — qual é o nome dele?

O pres­i­dente do sindi­cato, tam­bém, sem qual­quer mal­dade, retru­cou: — é um fan­tasma, não tem nome.

A situ­ação foi tão engraçada que não con­seguimos nos con­ter era mais quem ria aber­ta­mente ou por trás das más­caras. E, como disse, durante toda a viagem de volta, sem­pre que lem­brá­va­mos, não nos con­tín­hamos.

Como o ofí­cio de con­ta­dor exige mais pre­sença nos municí­pios e Max pos­sui uma memória extra­ordinária para guardar histórias além de um inve­jável con­hec­i­mento musi­cal, sobre­tudo, de MPB, as via­gens são sem­pre agradáveis.

Toca uma música da trilha sonora preparada para empre­itada e lá está ele con­tando toda a história da música, quem escreveu, quando foi lançada, quan­tas ver­sões teve, mel­hores arran­jos, etc. Descon­heço no Maran­hão, quiçá no Brasil, que, con­heça mais de música que ele.

Na última viagem nos apre­sen­tou uma ver­são formidável de “Só quero um xodó”, de Bando de Régia e Anastá­cia. Um encanto.

Já os “cau­sos” são con­ta­dos com uma riqueza de detal­hes de causar espanto, digno de grandes escritores, como no “causo” do homem que “virava” porco de Barreirinhas.

Conta que certa vez, já de noite, estavam na antes­sala do prefeito Bar­reir­in­has aguardando para serem aten­di­dos. Era uma “mul­ti­dão” de téc­ni­cos do municí­pio e tam­bém de pop­u­lares.

Con­versa vai con­versa vem, um cidadão começou a con­tar que no seu povoado, Varas* tinha um homem que nas madru­gadas “virava porco”.

Enquanto ia con­tando, um outro cidadão afas­tado umas duas posições dele, ia fazendo gestos e mux­oxos, como a dizer que aquela história era men­tira.

A cada colo­cação sobre o “homem-​porco” a sinal­iza­ção de aquilo não era ver­dade.

Quando o cidadão final­mente saiu para ser aten­dido, o “ges­tic­u­lador” saiu-​se com essa: — tudo men­tira, o homem que “vira porco” nunca foi de Varas, ele é do meu povoado, Tabo­cas*.

Outro “causo” engraçado deu-​se em um municí­pio da baix­ada.

Na sala da CPL diver­sos servi­dores tra­bal­hando quando chega um fornece­dor do municí­pio para assi­nar uma ordem de serviço ou con­trato.

Max abre um parên­te­ses para descr­ever o cidadão e dizer que se aplica a quase todos: camisa polo aper­tada; diver­sas joias e suado.

O cidadão recebe o doc­u­mento, olha como se fosse lê, e dirige-​se a uma mocinha linda que estava a carim­bar e sep­a­rar papéis – segundo a descrição, uma cabrocha de “fechar o quar­teirão” –, pega a caneta com ela, passa a caneta entre o lábio e o nariz, cheirando-​a de ponta a ponta e suspira.

— Meu Deus, que caneta cheirosa, diz.

A mocinha então fala: — é mesmo?! Ela é do seu Zez­inho*. E aponta para um sen­horz­inho de quase 70 anos que ocupa-​se do mesmo serviço que o seu.

O causo não acaba aí.

No horário do almoço, na casa do prefeito, com a mesa repleta de começais, como é em quase todas as casas de prefeitos do inte­rior maran­hense, a “inver­tida” do empresário vazou e a goza­ção e gar­gal­hada cor­reu solta.

Quase me acabo de rir quando me conta os “cau­sos” de Léo Costa, pes­soa ímpar e bem humorada, só suas histórias enchem um livro.

Certa vez uma de suas fil­has com os netos foi a Atins – ponto turís­tico do municí­pio é de uma beleza inde­scritível –, tendo o motorista errado o cam­inho, ficaram per­di­dos por algu­mas horas. Chegando à pou­sada ligou para o pai para con­tar a desventura.

Após certifica-​se de que todos estavam bem, Léo saiu-​se com essa: — veja minha filha, você ficou abor­recida por ter ficado per­dida durante pou­cas horas, imag­ine Moisés que ficou per­dido por quarenta anos no deserto do Sinai.

Léo Costa é uma figura. Certa vez Max passou-​lhe uma infor­mação com a recomen­dação de que não a con­tasse para ninguém por ser sig­ilosa, ao que Léo respondeu-​lhe: — ora, doutor Max, se você não guardou seg­redo, eu que não vou guardar.

Eu próprio já fui pro­tag­o­nista de um “causo” que vez por outra é comen­tado nas rodas con­tábeis ou jurídi­cas.

Já se pas­savam três ou qua­tro meses que municí­pio de Belágua não pagava o escritório, muito emb­ora eu sem­pre lem­brasse o gestor. Um dia recebo uma lig­ação do saudoso amigo Adal­berto Nasci­mento, prefeito do municí­pio. Fico todo empol­gado pen­sando ser uma notí­cia do paga­mento quando Adal­berto diz: — doutor, tem como o sen­hor emprestar sua bela sala de reunião para um encon­tro meu com o secretariado?

Respondi: — claro, seu Adal­berto, sem nen­hum prob­lema, só dizer o dia que deixarei tudo pronto.

Adal­berto com­pleta: — doutor, tem como o sen­hor prov­i­den­ciar, tam­bém, um “coffe break”?

Quando con­tei o episó­dio a Max ele quase morre de rir e, a par­tir de então, sem­pre que falá­va­mos no saudoso amigo Adal­berto lem­brá­va­mos, o “Adal­berto do coffe break”.

E assim seguimos pelas estradas do Maran­hão, gan­hando pouco mas nos divertindo muito.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

* Nomes alter­ados para preser­var a iden­ti­dade das pessoas.

UMA FÁBULA SER­TANEJA NA ATUALIDADE.

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA FÁBULA SER­TANEJA NA ATU­AL­I­DADE.

Por Abdon Marinho.

FOI quando menino em uma “boca de noite” enlu­arada, clara como um dia, o ver­dadeiro luar do sertão tão lin­da­mente can­tado e encan­tado, que – enquanto debul­há­va­mos o milho ou fei­jão, como sem­pre fazíamos no ter­reiro de casa sobre um encer­ado –, ouvi sobre a fábula ser­taneja do retorno – ainda sem tal nome.

Dizia tal fábula que um homem muito zan­gado levou o velho pai doente e alque­brado para que mor­resse em uma área deserta.

Chegando ao des­tino disse ao pai: — Pronto, velho! É aqui que você fica.

O velho já com vista cansada, virou-​se pra ele e pediu-​lhe: — Ô meu filho, não pode­rias levar-​me um pouco mais adi­ante, onde avis­ta­mos aquela árvore, próx­imo aquela rav­ina? O filho virou-​se para ele e perguntou-​lhe com voz zan­gada: —Por que queres ficar lá, velho? O pai, então, explicou-​lhe: — Lem­bro que foi lá, há muitos anos, que deixei meu pai.

Aquela foi a primeira vez que ouvi tal fábula. Eu, menino, emb­ora sem enten­der muito bem sobre a “moral da história”, ou seja, que col­he­mos aquilo que plan­ta­mos ou que existe uma tal “lei de retorno”, ape­nas achei a fábula triste e cruel.

Imag­ina, aban­donar o próprio pai para que morra, devo­rado por feras, com fome, sede, doente em meio a um deserto.

Com o pas­sar dos anos, já mais “talud­inho”, ouvindo a fábula out­ras vezes, acabei por enten­der mel­hor o seu real sig­nifi­cado.

Ainda hoje escuto-​a. Vez ou outra, o Dr. Wel­ger Freire, meu sócio e ser­tanejo como eu, só que de Paulo Ramos, repete a antiga fábula pelo escritório.

Coin­ci­den­te­mente enquanto pen­sava sobre isso e mudava os canais da tele­visão em uma tarde ociosa de sábado, deparei-​me com uma reprise da nov­ela “amor com amor se paga”.

Emb­ora para esta crônica o que inter­essa seja o título do fol­hetim, não lem­brava mais dele, muito emb­ora nunca tenha esque­cido do seu per­son­agem prin­ci­pal, o céle­bre Nonô Cor­reia, inesquecível inter­pre­tação de Ary Fon­toura e, acred­ito, destaque ímpar de sua exce­lente car­reira.

Pois bem, como dizia, por estes dias assaltou-​me a lem­brança daquela fábula ouvida na infância.

Con­forme já lhes disse – acred­ito, mais de uma vez –, quando con­heci o ex-​governador José Reinaldo ele tinha pelo atual gov­er­nador Flávio Dino o apreço e car­inho que só um pai muito zeloso tem por um filho.

Foi em 2006. Rompido como grupo Sar­ney, ele e sua família eram alvos con­stantes dos ataques de cunho pes­soal dos inte­grantes do grupo e dos seus xerim­ba­bos. Fomos chama­dos para apre­sen­tar uma pro­posta de hon­orários para cuidar de suas defe­sas e para acionar juridica­mente aque­les que ultra­pas­sas­sem os lim­ites da lei.

O encon­tro deu-​se na residên­cia de ver­aneio de São Mar­cos. Após tratar­mos da agenda que nos levou a ele, con­ver­samos um pouco sobre política que­ria saber nossa opinião sobre o quadro sucessório, as cam­pan­has de Jack­son Lago e de Edson Vidi­gal, que ele achava que iria para o segundo turno.

Já assen­tei, tam­bém, que naquele encon­tro o que mais me chamou a atenção foram os planos que ele rev­elou ter para o “filho” Flávio Dino.

Dizia: — Nes­tas eleições o Flávio se elege dep­utado fed­eral, na de 2010, a gov­er­nador, e depois quem sabe?

Os planos e propósi­tos, assim como a afeição pareceram-​me tão inusi­tadas (ou exager­adas) que ao sair do encon­tro, já no carro, comentei com o sócio que estava comigo: — O gov­er­nador está equiv­o­cado com este rapaz.

Veio a eleição e o prognós­tico de Zé Reinado só confirmou-​se em parte: quem foi para o segundo turno con­tra a can­di­data do grupo Sar­ney foi Jack­son Lago e não Vidi­gal, como imag­i­nava.

Em relação ao “filho” elege-​o com folga, muito emb­ora digam que fez tudo que podia (e tam­bém o que não podia) para alcançar tal resul­tado.

O resto é história.

Jack­son Lago der­ro­tou Roseana Sar­ney no segundo turno das eleições e foi cas­sado dois anos e qua­tro meses depois.

O ex-​governador José Reinaldo pode­ria, como fiz­eram tan­tos out­ros, ter renun­ci­ado ao gov­erno em 2006 para candidatar-​se ao Senado da República, preferiu ficar sem mandato para con­tribuir para uma mudança que acred­i­tava que ocor­re­ria no estado.

Já em 2007 pagou um preço alto por sua opção política ao ser preso e con­duzido a Brasília pela Polí­cia Fed­eral.

Um mandato de senador o teria “sal­vado” de tal con­strang­i­mento.

Em 2010 ao ten­tar eleger-​se senador pelo PSB, não teve êxito ficando na ter­ceira posição.

A condição de can­didato per­mi­tiu que ques­tionasse a reeleição de Roseana Sar­ney, quando os out­ros can­didatos majoritários achavam que estava tudo bem e não quis­eram dis­cu­tir em juízo todas as irreg­u­lar­i­dades e ile­gal­i­dades prat­i­cadas.

Em 2014, em nome da eleição do “filho” e pela unidade das forças políti­cas oposi­cionistas sequer ques­tio­nou que o can­didato ao Senado da República fosse outro, dis­putando e elegendo-​se dep­utado fed­eral.

Mesmo ten­tando con­tribuir com o gov­erno do “filho” e até pedindo des­cul­pas por dele dis­cor­dar num ou noutro momento, como no caso do impeach­ment da pres­i­dente Dilma Rouss­eff, o “ali­ado” e “pai” do gov­er­nador nunca teve o respeito ou con­sid­er­ação dos inte­grantes do gov­erno, que não pediam reser­vas ao destratá-​lo ou falar mal dele.

Em deter­mi­nado momento, inco­modado com aquilo escrevi um texto inti­t­u­lado “Respeitem o Zé”, onde mostrava toda a con­tribuição que deu para que chegassem ao poder.

Não sur­tiu qual­quer efeito, mesmo os xerim­ba­bos da mais baixa estirpe tin­ham “autor­iza­ção” para falar mal e destratar o “aliado”.

Ora, na minha casa não admito que se fale mal de amigo meu, muito menos de alguém com tanta história prestada, inclu­sive pes­soal­mente a minha pes­soa.

Esto­ico, Jose Reinaldo, nunca respon­deu, “cobrou” o que ou deu-​se por “sen­tido”. Per­maneceu aguardando o recon­hec­i­mento que nunca veio.

Tudo isso para dizer que em 2018, com duas vagas de senador a serem preenchi­das, tudo que o ex-​governador que­ria era con­tar com o apoio do “filho”. Afi­nal, já tin­ham doze anos que demon­strava car­inho, apreço e fidel­i­dade a ele.

Esperou, esperou, pediu, insis­tiu até a undécima hora pelo apoio que nunca veio ou recon­hec­i­mento que nunca tiveram.

Muito pelo con­trário, o “filho” por quem tanto fiz­era em 2006 e nas eleições sub­se­quentes, estava de braços dados e dedos entre­laça­dos com seus dois can­didatos, seus adver­sários. Pode­ria ter apoiado só um e deix­ado a outra vaga para o “pai” brigar por ela. Não, só servia se a eleição fosse com a chapa com­pleta.

Com orgulho ainda dizia, quem estiver comigo vota em fula e em bel­trano.

Em uma analo­gia e sem fazer qual­quer juízo de valor, José Reinaldo foi, em 2018, aquele “pai” da fábula ser­taneja deix­ado pelo próprio “filho” para pere­cer no deserto. E foi um deserto inclemente.

A sua falha, o seu delito? Talvez a sua con­tribuição para aque­les que teriam difi­cul­dades de chegar ao poder sem ele chegassem onde chegaram, inclu­sive aque­les que não pos­suíam votos para eleger-​se vereadores.

Com 82 anos de idade, engen­heiro de for­mação e com toda a sua vida ded­i­cada ao serviço público, onde foi dep­utado, min­istro de estado, vice-​governador e gov­er­nador, muito difer­ente de quase toda a classe política maran­hense (e brasileira), dele não se con­hece as fazen­das, as man­sões para residir ou de ver­aneio, os aviões, as emis­so­ras de tele­visão, as redes de pos­tos de com­bustíveis, os aparta­men­tos lux­u­osos, iates e tan­tas out­ras coisas.

Dele outro dia dis­seram, como se fosse um defeito e não mérito, que estava em uma casa de crédito ten­tando pegar ou pror­rogar algum emprés­timo.

Talvez por isso mesmo o “filho” tenha preferido fazer mais por out­ros, por out­ros dep­uta­dos, por out­ros senadores.

E como o mundo não gira, como diz um amigo meu, e sim, dá cam­bal­ho­tas, na fotografia política de 2022, o que vemos é o Flávio Dino, agora no papel de pai sendo deix­ado para atrav­es­sar o seu “deserto” ou nele pere­cer.

Vejam como a real­i­dade teima em arremedar a fábula ser­taneja.

Há qua­tro anos deix­ava para pere­cer no “deserto” o pai que tanto o aju­dara na política, inclu­sive fazendo-​o nascer pra ela, agora é ele que é deix­ado no “deserto” por aque­les por quem tanto fez.

A fotografia não deixa de ser irônica ao repro­duzir com tanta fidel­i­dade a fábula do meu sertão.

A sorte do atual “pai” é ser queix­ado onde deixara out­rora o seu pai, poderá con­tar com ele, mais uma vez, na trav­es­sia do deserto.

Qual será o des­fe­cho desta fábula ser­taneja da atualidade?

Abdon Mar­inho é advogado.