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O comen­dador facínora e a sabedo­ria de Joel.

Escrito por Abdon Mar­inho


O COMEN­DADOR FACÍNORA E A SABEDO­RIA DE JOEL.

Por Abdon Marinho.

QUEM con­hece meu sócio Wel­ger Freire, além de tê-​lo, com justiça, na conta de um dos mel­hores advo­ga­dos do estado e do país, sabe que ele é uma figura.

O que talvez não saiba é que figura mesmo era o seu pai, o saudoso Joel dos San­tos. Pense numa fig­u­raça, era o seu Joel, sem­pre tinha uma tirada, uma história para con­tar, um causo que lhe ocor­rera em uma das muitas cidades por onde pas­sara.

Antes de aposentar-​se foi cole­tor do estado – cargo que hoje deve equiv­aler a fis­cal de ren­das ou de trib­u­tos –, como tal tinha que servir em diver­sos municí­pios, con­forme o inter­esse do gov­er­nante de plan­tão. Numa das idas vendeu a casa que pos­suía. Foi que bas­tou para alguém comen­tar: — ah, o Joel nunca mais com­pra uma casa nesta rua (acred­ito que a prin­ci­pal da local­i­dade).

Quando Joel voltou com­prou o pré­dio da igreja que estava à venda.

Mas Joel não era só cau­sos, boa prosa ou tiradas, era tam­bém um sábio.

Certa vez, em uma das cole­to­rias da vida por onde pas­sou, o menino Wel­ger encon­tra uma gaveta repleta de cartões de natal – antiga­mente era hábito e de bom tom mandar-​se cartões de natal dese­jando boas fes­tas e entrada de ano –, e dirigiu-​se a Joel: — veja, papai, quan­tos cartões, o sen­hor é muito querido por todos.

O seu Joel, então, com a pre­sença de espírito que apren­demos admi­rar, respondeu-​lhe: — não se iluda, meu filho, nen­hum deles é para eu, são todos para o cole­tor.

O sábio Joel há cinquenta ou mais anos já sabia fazer a dis­tinção entre a pes­soa e o cargo, car­ac­terís­tica rara ainda nos dias atu­ais.

Acho que já tem mais de vinte anos que o sócio Wel­ger contou-​me este causo e, depois disso, todos os anos ainda pareço visualizá-​lo menino tendo o diál­ogo acima com o pai.

O motivo para todos os anos tal lem­brança assaltar minha mente é assi­s­tir os rapa­pés das elites tupiniquins, local e nacional, “tro­carem” hom­e­na­gens e men­su­ras.

Ao longo dos anos tenho obser­vado que quanto mais atrasada é a sociedade mais é dada a este tipo de com­por­ta­mento, a essas “hom­e­na­gens” a car­gos, funções ou rep­re­sen­tações.

Não duvido que algu­mas pes­soas por seu tra­balho rel­e­vante em pró da sociedade ou de alguma causa, até mereçam o recon­hec­i­mento e que lhe ren­dam hom­e­na­gens, entre­tanto, na maio­ria das vezes o que assis­ti­mos é uma mera troca de sabu­jice ou adu­lação.

Um dia destes aí, se não falha a memória, o Tri­bunal de Justiça dis­tribuiu tan­tas medal­has e comen­das que tinha mais gente recebendo hom­e­na­gens no recinto que ren­dendo láureas aos supos­tos mere­ce­dores.

Cer­ta­mente entre as cen­te­nas de lau­rea­dos muitos mel­hor caberiam no fig­urino de clientes da Justiça e não de hom­e­nagea­dos por ela.

É o que poder-​se-​ia chamar de comen­dador facínora – e não estou dizendo que em tal lista alguns o sejam –, mas, é de saltar aos olhos que muitos dos hom­e­nagea­dos país a fora dev­e­riam, cer­ta­mente, eram acertarem as con­tas com a justiça e não ser “adu­la­dos” por ela.

Naquela opor­tu­nidade escrevi sobre o assunto dizendo que o excesso de hom­e­nagea­dos acabava por esvaziar o sen­tido da hom­e­nagem.

Para a angús­tia dos cidadãos de bem e para vaidade dos incau­tos, parece-​nos que de lá para cá as coisas só pio­raram.

Não faz muito, tomei con­hec­i­mento que a primeira-​dama do país já fora agra­ci­ada com, pelo menos, três das mais pres­ti­giadas hon­rarias do país.

Com meus botões, perguntei-​me: mas a propósito de que a tal sen­hora foi hom­e­nageada? O que teria ela feito de rel­e­vante em bene­fí­cio daquela insti­tu­ição, da sociedade ou país para merecê-​la? Por óbvio que fiquei sem resposta.

Outro dia, neste espaço, tratei da formidável “hom­e­nagem” ao pres­i­dente da República “auto atribuída” de grão-​mestre da Ordem do Mérito Cien­tí­fico. Achei a men­sura tão fora de ordem que acabei “que­brando” o com­pro­misso de não mais falar do cidadão a não ser quando abso­lu­ta­mente necessário.

A con­t­a­m­i­nação pelo “vírus” da auto indul­gên­cia parece descon­hecer fron­teiras e alcançar até mesmo quem dev­e­ria ser inal­cançável por tais sen­ti­men­tos como os mem­bros do Min­istério Público.

Agora mesmo tomamos con­hec­i­mento que os mem­bros de tal cor­po­ração não ape­nas se quedam a rece­berem hom­e­na­gens impróprias, pois como fis­cais da lei dev­e­riam ficarem aten­tos a legal­i­dade e abu­sos destas láureas, como eles próprios, aliás, bem pior, as insti­tu­ições resolveram ser “pro­mo­toras” de tais hom­e­na­gens.

Ora, será que é cor­reto assi­s­tir­mos o Min­istério Público destru­indo comen­das a pes­soas que muitas das vezes são ou dev­e­riam ser poten­ci­ais “clientes” de sua atu­ação? Os pro­mo­tores de justiça terão autono­mia ou “peito” para inves­ti­gar alguém que foi hom­e­nageado, lau­reado ou o que diabo seja, pela própria insti­tu­ição que rep­re­senta? E se tiverem, como fica a insti­tu­ição que hom­e­na­geou o indig­i­tado? Pedirá a medalha de volta ou fin­girão que não é com ela? Será que ninguém con­segue enx­er­gar que esse tipo de com­por­ta­mento é impróprio para uma insti­tu­ição que tem como mis­são fis­calizar a lei?

Todo fim de ano assisto a esse espetáculo dan­tesco. De norte a sul do país, insti­tu­ições e cor­po­rações tro­cando men­su­ras e hom­e­na­gens, na maio­ria das vezes, impróprias, inde­v­i­das e abu­si­vas, com os recur­sos dos con­tribuintes sem que estes ten­ham o dire­ito ou mesmo a quem recor­rer, uma vez que quem dev­e­ria fis­calizar o cumpri­mento das nor­mas legais são os primeiros a rece­ber e/​ou pro­mover tais abu­sos.

Ora, é como se as autori­dades não soubessem o grau de respon­s­abil­i­dade que pos­suem derivadas dos car­gos públi­cos que ocu­pam.

Ao aceitarem ou ren­derem hom­e­na­gens acabam “per­dendo” a moral ou a autori­dade para agirem no seu mis­ter. Ou acham nor­mal que na sexta-​feira ou no final de sem­ana este­jam jun­tos se con­frat­er­nizando ou se auto hom­e­nage­ando e na segunda-​feira este­jam denun­ciando ou jul­gando os hom­e­nagea­dos?

O sucesso de qual­quer país, qual­quer estado, depende da solidez de suas insti­tu­ições daí ser necessário que as pes­soas investi­das no comando das mes­mas pos­suam um com­por­ta­mento sóbrio no sen­tido de preservá-​las de quais­quer mal-​entendidos em relação aos juris­di­ciona­dos.

Há milênios já sabe­mos que à mul­her de César não basta ser hon­esta, tem que pare­cer hon­esta.

Algo bem semel­hante ao que disse Joel ao menino Wel­ger, a gaveta abar­ro­tada de cartões não era para ele, era, sim, para o cole­tor de trib­u­tos. E me per­mito com­ple­tar, talvez, por isso estivessem na repar­tição e não na sua casa.

Sábio Joel.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

O BRASIL PRE­CISA VENCER OS MITOS PARA AVANÇAR

Escrito por Abdon Mar­inho

O BRASIL PRE­CISA VENCER OS MITOS PARA AVANÇAR.

Por Abdon Mar­inho.

AMI­GOS me per­gun­tam quais as min­has expec­ta­ti­vas para o futuro do país a par­tir das eleições do ano que vem.

Não se trata de uma inda­gação de fácil resposta.

O Brasil pas­sou de um país despoli­ti­zado para o mais enga­jado politi­ca­mente do mundo. Ape­nas para ter uma ideia, desde as eleições de 2018 que os brasileiros –uns com mais, out­ros com menos ênfase –, não descem dos palan­ques.

Acho que já não chegaram a pen­sar em gov­ernar ou em ser oposição – como é nor­mal nas democ­ra­cias –, mas, ape­nas acu­mu­lar forças e estraté­gias para as próx­i­mas eleições. Para “vencerem”. Mas, vencer quem ou o quê?

Vive­mos dias de chat­ice sem fim pois os “mili­ton­tos” metem a política em tudo.

Qual­quer reunião famil­iar, aniver­sário, uma sim­ples cerve­jinha de fim expe­di­ente, lá está a pauta política, mais afa­s­tando que jun­tando as pes­soas; lá estão o Bol­sonaro, o Lula – prin­ci­pal­mente estes –, mas, tam­bém, os out­ros, a tomarem de conta dos debates.

Tem sido assim desde 2018 e o fenô­meno parece não apre­sen­tar sinais de arrefec­i­mento.

Dias desses tratando com um amigo sobre um assunto total­mente difer­ente, pelas tan­tas surge um polvo – sim, polvo, o molusco mar­inho –, e este amigo foi logo dizendo que o polvo lem­braria a outro molusco mar­inho, a lula que reme­te­ria a um deter­mi­nado político brasileiro.

Vejam a que grau cheg­amos. Os brasileiros pas­samos mais tempo tratando da vida de políti­cos, que sequer sabem das nos­sas existên­cias, que tratando de assun­tos de seus reais interesses.

Ah, mas esse grau de poli­ti­za­ção não é bom para o país? Não, nec­es­sari­a­mente.

Ini­cial­mente, porque é falso acred­i­tar que o Brasil é um país poli­ti­zado, na ver­dade o que nos tor­namos foi uma nação sec­tária divi­dida em alas, em que qual­quer uma não pensa e não tem qual­quer inter­esse em paci­ficar o país, mas, sim, em man­ter a nação divi­dida e em “guerra” para con­tin­uarem no poder.

Depois que a única pre­ocu­pação das “alas” não é gov­ernar e sim tornar-​se “majoritária” e, a par­tir daí, imple­men­tar seu pro­jeto de poder.

Em resumo, enganam-​se os que pen­sam que esta­mos diante de uma con­tenda pela implan­tação de um pro­jeto de gov­erno para o país.

Na ver­dade o que sem­pre esteve e estar em jogo é a implan­tação de pro­je­tos de poder calça­dos no autoritarismo.

Não se trata de nada novo. Foi assim na implan­tação do comu­nismo na União Soviética, na China; foi assim na implan­tação do Fas­cismo na Itália, no Nazismo, na Ale­manha; foi assim na implan­tação das ditaduras de Cuba, da Cor­eia do Norte, da Venezuela, e tan­tas out­ras.

O traço comum de todos os esses regimes total­itários é a cri­ação de mitos, a “eleição” de inimi­gos do povo, o ataque aos veícu­los de comu­ni­cação inde­pen­dentes e nor­mal­iza­ção dos abu­sos.

Mito, soci­o­logi­ca­mente apren­demos, e essa é a definição dos dicionários é “uma crença, geral­mente desprovida de valor moral ou social, desen­volvida por mem­bros de um grupo, que fun­ciona como suporte para suas ideias ou posições”

No mito da cav­erna, Platão (427347 a.C.), diz que a condição do homem no mundo é semel­hante àquela de escravos pre­sos no inte­rior de uma cav­erna, situ­ação que só lhes per­mite ver do exte­rior as som­bras que são aí pro­je­tadas.

A cav­erna rep­re­senta o mundo dos sen­ti­dos, no qual só se percebem as som­bras das coisas.

O exte­rior é o mundo das ideias, rep­re­sen­tado pelas próprias coisas e pelo Sol, que sim­boliza o Bem. De acordo com Platão, a Filosofia é que dá ao homem a condição de sair da cav­erna e perce­ber a real­i­dade e o mundo das ideias.

O Brasil vive atual­mente o seu Mito da cav­erna, não con­segue enx­er­gar além da “caixa” em que foi colo­cado por suas con­veniên­cias políti­cas ou ideológicas.

É a mesma situ­ação que diver­sos out­ros países já viveram nos últi­mos cem ou duzen­tos anos: a con­strução e pro­moção de mitos.

O traço difer­en­cial é que por aqui existe uma dis­puta de “mitos” pela hege­mo­nia ou pela con­quista de devo­tos e, por exten­são, do poder.

Na mitolo­gia bol­sonar­ista, o seu líder é o mais preparado dos homens, dom­ina da med­i­c­ina à econo­mia com as mãos amar­radas nas costas; é o mais hon­esto dos homens e a primeira família a mais casta de todas.

Por conta disso são persegui­dos.

Na mitolo­gia bol­sonar­ista acredita-​se que os seus ali­a­dos – que são os mes­mos de tan­tos gov­er­nos que os ante­ced­eram –, são hon­estos, cas­tos e que as denún­cias de cor­rupção, se sur­girem, pois têm como mis­são dom­i­nar e desar­tic­u­lar os órgãos de fis­cal­iza­ção e con­t­role, são ape­nas intri­gas da oposição.

Orça­mento secreto de trinta ou mais bil­hões de reais admin­istrado por ali­a­dos no Con­gresso Nacional para garan­tir apoio da base e de alguns “opos­i­tores”, nada mais é do que o claro exem­plo da par­tic­i­pação pop­u­lar.

Rachad­in­has, sucesso imo­bil­iários, oper­ação com din­heiro vivo, os “micheques”, tudo são ilusões, fake news, invenções.

Destru­ição do aparato inves­tiga­tivo de pro­teção do estado, uma medida salu­tar.

Algo muito semel­hante é o que ocorre na mitolo­gia lulopetista.

Para os “devo­tos” desta seita o ex-​presidente Lula é o mais inocente dos homens, uma alma casta que fez um gov­erno onde a cor­rupção não ape­nas nunca exis­tiu como os que que ten­taram foram impe­di­dos de fazê-​lo.

Os escân­da­los do men­salão, do petrolão, e tan­tos out­ros, não exi­s­ti­ram, não pas­saram de perseguição dos adver­sários através dos seus “braços” na imprensa e no judi­ciário, com um apoio prov­i­den­cial do Min­istério Público e da Polí­cia Fed­eral, ali­a­dos dos inimi­gos inter­na­cionais para impedir o avanço do Brasil e seu modo de gov­ernar, impedindo-​os de dar con­tinuidade ao cír­culo vir­tu­oso.

Tudo que cansamos de assi­s­tir nos gov­er­nos petis­tas, mes­mos os maiores escân­da­los estão sendo con­ver­tido em peças de fic­cionais, em coisas e situ­ações que nunca exi­s­ti­ram de ver­dade.

É assim que o bol­sonar­ismo e o lulismo se apre­sen­tam per­ante o país e o mundo: como víti­mas incom­preen­di­das do “sis­tema”.

Esses mitos são respal­da­dos por mil­hares ou mil­hões de sec­tários que “com­praram” tais con­tos da carochinha e ten­tam repas­sar para out­ros tan­tos mil­hões no propósito de faz­erem sua “ala” se tornar majoritária.

Pelo que assis­ti­mos nos gov­erno petis­tas e pelo que assis­ti­mos no atual gov­erno, a con­strução destes mitos não servi­ram ao país – que pouco ou nada avançou nas últi­mas décadas e que no atual gov­erno apon­ta­mos para um retro­cesso ainda maior –, muito pelo con­trário, servi­ram e vem servindo para o enriquec­i­mento de uns poucos e o empo­brec­i­mento da nação inteira.

Assim, voltando a inda­gação ini­cial, só con­sigo enx­er­gar um futuro promis­sor para o país a par­tir do momento que con­seguirmos vencer estes mitos que amaçam a nação e a impede de crescer.

E digo isso equidis­tante de qual­quer sen­ti­mento de aver­são pes­soal por ambos.

Vejam, em pleno século XXI, no Brasil, esta­mos falando na pos­si­bil­i­dade do atual pres­i­dente não recon­hecer o resul­tado das eleições pop­u­lares que ocor­rerão no próx­imo ano. Isso porque o próprio já ameaçou de não recon­hecer e lançar o país em guerra civil por diver­sas vezes.

Ainda hoje – e isso em relação as duas alas –, falam em cen­surar, fechar, con­tro­lar ou não ren­o­var con­cessões de veícu­los de comu­ni­cação porque dis­cor­dam de suas lin­has edi­to­ri­ais. E falam com nat­u­ral­i­dade e con­tando com o assen­ti­mento cúm­plice da plateia pois para ela é nor­mal que isso ocorra.

Essas são pau­tas atrasadas e incom­patíveis com o mundo que vive­mos hoje.

Quando pas­sam tais ideias e con­ceitos de como vêem o mundo não estão pen­sando para o futuro, mas, sim, para o pas­sado.

Estão plane­jando e se voltando para ditaduras que muito emb­ora ainda exis­tam no pre­sente têm ori­gens no pas­sado.

Diante de tudo que vejo só acred­ito no futuro para o país no curto e médio prazo se o povo brasileiro for capaz de der­ro­tar seus mitos.

Sem isso con­tin­uare­mos com uma nação divi­dida entre alas que ten­tam impor seus “pro­jet­inhos” atrasa­dos de república de bananas.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

Frag­men­tos da história não contada.

Escrito por Abdon Mar­inho


FRAG­MEN­TOS DA HISTÓRIA NÃO CON­TADA.

Por Abdon Mar­inho.

DURANTE as exéquias de Ter­ceiro, logo após a missa de corpo pre­sente, quando a noite já prin­cip­i­ava engolir o dia, Juarez nos chama para pegar à fresca no lado de fora da sala onde velá­va­mos o querido amigo antes que fosse con­duzido à última morada.

Saí­mos eu, Ader­son Lago, que chegara prati­ca­mente comigo, no iní­cio da tarde; o próprio Juarez Medeiros, José Costa e Roberto de Paula.

Na varanda de outra sala funerária, em frente a qual repousava o saudoso amigo, ficamos a recor­dar os cau­sos do quadriênio em todos ali, inclu­sive o morto, estive­mos na Assem­bleia Leg­isla­tiva do Estado, eu e Roberto na condição de asses­sores; e os demais como rep­re­sen­tantes do povo.

Aquele foi um quadriênio de muitas histórias.

Juarez já vinha de um mandato ante­rior – fora eleito pelo grupo “Nossa Luta”, do PMDB, que depois tornou-​se o PSB, na eleição de Cafeteira, em 1986 –, era uma espé­cie de cicerone dos novos dep­uta­dos do campo da oposição ao qual se somava além dele e José Costa, pelo PSB; Luís Vila Nova e Domin­gos Dutra, pelo PT; Bened­ito Coroba, pelo PDT; Ader­son Lago e Bened­ito Ter­ceiro, pelo PDC, lig­a­dos ao senador e ex-​governador Cafeteira.

Foram anos diver­tidos. Tín­hamos out­ros tipos de políti­cos, ainda não se viven­ci­ava a política do “toma lá dá cá” em toda sua plen­i­tude. Mesmo nas hostes gov­ernistas tín­hamos dep­uta­dos bem prepara­dos, com história, senso de humor e bons de tiradas.

São estes frag­men­tos, que não con­sta em nen­hum livro, e que, cer­ta­mente, se perderão nas bru­mas do tempo.

Ader­son nos con­tou do antológico dis­curso do dep­utado Eliseu Fre­itas, ilus­tre rep­re­sen­tante de Barra do Corda.

Era uma manhã de sexta-​feira – nesses dias as sessões eram pela manhã –, sem nen­hum assunto impor­tante em pauta e com quase todos dep­uta­dos já tendo “descido para as bases”.

Pre­sentes na sessão ape­nas o dep­utado JJ Pereira, que pre­sidia os tra­bal­hos, o dep­utado Vila Nova, Ader­son Lago que já chegara atrasado e o dep­utado Eliseu que se inscreveu para falar em todos os tem­pos, do grande expe­di­ente às comu­ni­cações de par­tidos.

Com sua voz­inha pecu­liar, lá estava o dep­utado cordino em um dis­curso sem fim.

Pelas “tan­tas” o dep­utado Vila Nova pediu um aparte: — nobre dep­utado Eliseu, hoje é sexta-​feira, não tem ninguém nas gale­rias ou no comitê de imprensa, só esta­mos aqui eu, o sen­hor, o dep­utado Ader­son e o dep­utado JJ, o sen­hor não acha que dev­e­ria diminuir esse discurso?

Ao que Eliseu respon­deu: — nobre dep­utado Vila Nova, não estou aqui fazendo dis­curso para o sen­hor, para o dep­utado Ader­son, para o dep­utado JJ, para a plateia ou para imprensa, estou fazendo esse dis­curso para os meus eleitores da Barra do Corda, daqui a pouco pego a fita e mando para a minha rádio.

E encer­rou o aparte.

Acho que com todo sua sim­pli­ci­dade o dep­utado Eliseu estava certo, tanto assim que em 1992 elegeu-​se prefeito de Barra do Corda.

No final daquele ano, segundo Juarez Medeiros, despediu-​se da Assem­bleia Leg­isla­tiva com um dis­curso onde dizia: — quero agrade­cer a todos dep­uta­dos, todos os fun­cionários desta Casa e dizer que aqui, nestes dois anos, aprendi muito, foi aqui que aprendi a chamar meus inimi­gos de vossa excelên­cia.

São poucos os políti­cos maran­henses tão engraça­dos quando Eliseu, pelo menos assim o vimos naque­les anos em foi dep­utado.

Certa vez, enquanto fazia um dis­curso, um adver­sário o ten­tou tirar do sério com um aparte: — nobre dep­utado eu tenho pena do sen­hor, não sei como o sen­hor con­segue dormir devendo tanto.

Eliseu retomando a palavra arrema­tou: — olhe nobre dep­utado o sen­hor não pre­cisa se pre­ocu­par comigo, é ver­dade que devo muito, mas só devo a banco e os ban­cos não cobram durante a noite, por isso durmo muito bem, obri­gado.

Fora da Casa de Manoel Bequimão, ainda tem a história do mesmo par­la­men­tar, que durante um comí­cio em Barra do Corda era insis­ten­te­mente asse­di­ado com um pedido de din­heiro de um eleitor. Já cansado com a insistên­cia disse para pas­sar na sua casa no dia seguinte.

Mal acor­dara no dia seguinte, o eleitor estava na sua porta: — Seu Eliseu, o sen­hor disse que pas­sasse hoje para rece­ber aquela ajuda, ‘tá’ lembrado?

Eliseu então respondeu-​lhe: — e tu pen­sas que eu sou “rapariga” para gan­har din­heiro durante a noite?

E encer­rou o assunto.

Oposto no estilo e no preparo era o dep­utado Kle­ber Branco, ilus­tre rep­re­sen­tante de Pedreiras, e que, certa vez, pro­tag­o­ni­zou um dos momen­tos icôni­cos da Assem­bleia naquele quadriênio, con­forme nos con­tou Juarez Medeiros.

Todos na Assem­bleia, dep­uta­dos, servi­dores, fre­quen­ta­dores das gale­rias e a imprensa estavam acos­tu­ma­dos a ouvir os sem­pre come­di­dos e bem fun­da­men­ta­dos dis­cur­sos do dep­utado pedreirense.

Naquela terça-​feira, com a Casa lotada, o dep­utado subiu à tri­buna e começou: — feio, hor­rível, hor­ro­roso, mal-​ajambrado, despro­por­cionado, desagradável, hor­rendo, mal-​apessoado, mal­pro­por­cionado, hor­rip­i­lante, medonho, mon­stru­oso, mal-​acabado …

Dep­uta­dos, pop­u­lares, imprensa, todos mudos, sem enten­der o que estava acon­te­cendo, ainda mais vindo de quem vinha, se olhavam incré­du­los, enquanto o dep­utado ia lis­tando quase duas dezenas de impre­cações e adje­tivos, para concluir:

— … merece muito bem o nome que tem: “Giná­sio Esportivo Car­los Melo”, muito obri­gado.

Com exceção do dep­utado Car­los Melo, o outro rep­re­sen­tante de Pedreiras, que estava na sessão, todos no recinto não con­tiveram a gar­gal­hada.

A história por trás do dis­curso é que na sem­ana ante­rior, o dep­utado Melo adver­sário paro­quial de Branco, estivera dis­tribuindo para os dep­uta­dos, jor­nal­is­tas e out­ras per­son­al­i­dades con­vites para uma série de inau­gu­rações que acon­te­ceriam em Pedreiras que era dirigido por sua esposa Graça Melo.

Daí o inusi­tado dis­curso para espez­in­har o adver­sário.

Ainda naquele quadriênio, um outro momento mar­cante foi quando Nagib Haickel, que pre­sidia a Casa “desmon­tou” um dis­curso de Bened­ito Coroba, do PDT.

Coroba, um dos homens públi­cos mais prepara­dos int­elec­tual­mente do Maran­hão, quiçá do Brasil, fazia, se não me falha a memória, um con­tun­dente dis­curso con­tra o abuso de poder na política e nas eleições, com­pra de votos, etcetera, quando lhe aparteou Nagib.

— O dep­utado Coroba faz todo esse infla­mado dis­curso mas esquece que quando eu pas­sava por Itapecuru-​Mirim, nas min­has cam­pan­has dis­tribuindo bom­bons para as cri­anças, ele era o primeiro a cor­rer atrás do carro pedindo pra ele: “me dá uma tio Nagib! Me dá uma tio Nagib”.

Cer­ta­mente que Nagib, político das anti­gas, dis­tribuía bal­in­has e out­ros mimos para a cri­ançada, o que não sabe­mos é se Coroba estava entre elas.

O certo é que o dis­curso “mor­reu” e por tem­pos (ainda hoje) visu­al­izamos um rechonchud­inho Coroba cor­rendo atrás do carro de Nagib durante suas cam­pan­has pelo Itapecuru-​Mirim.

Ah, são tan­tas histórias deli­ciosas e engraçadas.

A política do Maran­hão tem é repleta de acon­tec­i­men­tos pitorescos. Mesmo na sua sim­pli­ci­dade os “rep­re­sen­tantes do povo” eram mais prepara­dos, tin­ham um mel­hor verniz civilizatório.

Há alguns anos com­binei com Raimundo Verde, antigo fun­cionário da Assem­bleia, arquivo vivo de tan­tos acon­tec­i­men­tos que um dia escreveríamos sobre o que viven­ci­amos naque­les anos, a morte traiçoeira levou-​o antes que real­izásse­mos tal sonho.

Minha con­dução chegou, despedi-​me dos ami­gos deixando para trás o velório de Ter­ceiro e tan­tas histórias a serem con­tadas.

Na estrada até São José de Riba­mar pouco falei, ape­nas refle­tia sobre quanto somos pas­sageiros.

Abdon Mar­inho é advo­gado.