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O Brasil está doente.

Escrito por Abdon Mar­inho


O BRASIL ESTÁ DOENTE.

Por Abdon Marinho.

DECERTO que o texto que orig­i­nal­mente plane­jei para este Domingo de Ramos não era o que escreverei nesta manhã.

Pre­tendia falar de política mas noutro sen­tido, nas renún­cias de políti­cos para dis­putar out­ros car­gos, na sucessão no estado com o vice-​governador sendo alçado à tit­u­lar e can­didato à reeleição e as “mex­i­das” políti­cas que estão ocor­rendo com pactos inque­bráveis sendo rompi­dos, amizades des­feitas, foguetes dando ré e até mesmo alguns bois “avoando” na Praça João Lis­boa.

Dou um tempo em tais pau­tas para tratar de uma outra que me parece bem mais urgente: o nosso país está doente.

Quando falo em doença não me refiro ape­nas aque­las que se mate­ri­al­izam de forma “física”, o empo­brec­i­mento das famílias; a cares­tia; a fome; o desem­prego; a destru­ição do meio ambi­ente; a edu­cação e a saúde sucateadas; a ciên­cia e tec­nolo­gia inex­is­tistes; a infraestru­tura precária; e tan­tos out­ros males que nos afligem.

A ver­dadeira doença que desejo tratar – e que me parece muito mais grave –, é essa doença da “alma” que de uns tem­pos para cá pas­sou a acome­ter o país e o seu povo; essa falta de empa­tia pelo sofri­mento alheio; essa falta de respeito por aque­les que pen­sam difer­ente; esse ódio desme­dido; e até mesmo essa falta de humanidade.

Um exem­plo claro do falo (den­tre tan­tos) e que me mobi­li­zou para escr­ever o texto, foi a fala de um dep­utado fed­eral, filho de impor­tante político brasileiro – por motivos san­itários me abstenho de citar nomes –, na qual disse que sen­tira “pena” da cobra que fora uti­lizada na tor­tura da jor­nal­ista Miriam Leitão, ocor­rida nos anos de chumbo da ditadura mil­i­tar brasileira.

Como, diante da tor­tura, algum ser humano poder referir-​se à vítima de forma tão cruel? Dizer que sen­tir “pena” não vítima, mas do instru­mento de tor­tura? Qual é a clas­si­fi­cação que ocupa tal colo­cação na gale­ria das infâmias?

É que sinto pena dos ani­mais que são uti­liza­dos como sucedâ­neos das covar­dias humanas. Assim, por motivos diver­sos, con­cordo com dep­utado: ani­mais não dev­e­riam ser uti­liza­dos como armas ou instru­men­tos de tor­turas pois mesmo os mais bru­tos são inca­pazes, como os humanos, de faz­erem tanto mal à sua espé­cie.

Diante da reper­cussão neg­a­tiva à infâmia per­pe­trada, ao crime cometido, à falta de decoro patente, o dep­utado não deu-​se por achado, pediu o VAR – sigla em inglês para Video Assis­tant Ref­eree.

Na Copa do Mundo de 2018, a FIFA começou a uti­lizar o sis­tema eletrônico de auxílio aos árbi­tros a fim de com­pro­var, medi­ante o exame de ima­gens, que o lance efe­ti­va­mente ocor­reu como foi arbi­trado.

Pois é, por mais ina­cred­itável possa pare­cer, a excelên­cia teve o dis­parate de duvi­dar da existên­cia de tor­tura à jor­nal­ista, pedindo como prova idônea, den­tre out­ras, vídeos da tor­tura per­pe­trada pelos agentes do estado con­tra a mesma há cerca de 50 anos.

A primeira coisa que pen­sei ao tomar con­hec­i­mento dos ques­tion­a­men­tos da excelên­cia sobre inex­istên­cia de vídeos, relatórios cir­cun­stan­ci­a­dos, em três vias, assi­na­dos e carim­ba­dos pelos tor­tu­radores, foi: que tipo de droga alu­cinó­gena essa gente toma no café da manhã?

Emb­ora mais comum do que se imag­ina, a tor­tura é o crime mais odi­ento que se pode come­ter – acred­ito que seja até pior que a morte –, deixando mar­cas físi­cas e/​ou psi­cológ­i­cas nas suas víti­mas pelo resto de suas vidas.

De tão odi­ento, tal crime é objeto de mais de uma dezenas de trata­dos inter­na­cionais visando sua errad­i­cação e punição daque­les que a prati­cam. Mesmo nos dias de hoje, nas guer­ras em curso, um dos tra­bal­hos dos com­bat­entes, além de der­ro­tar os inimi­gos, é ocul­tar os crimes de guerra cometi­dos, notada­mente a tor­tura.

O dep­utado, que quase virou embaix­ador do Brasil nos EUA, por pos­suir como cre­den­ci­ais o fato de saber fritar ham­búr­guer, que foi ou é mem­bro da Comis­são de Relações Exte­ri­ores da Câmara dos Dep­uta­dos e que, imagina-​se, seja alfa­bet­i­zado, dev­e­ria ou teria o dever de saber que o crime de tor­tura por sua repulsa uni­ver­sal, exceto por alguns tor­tu­radores sádi­cos e/​ou per­ver­tidos não deixa ras­tros ou não fácies de serem com­pro­va­dos com provas doc­u­men­tais. Exis­tem, inclu­sive, trata­dos dos quais o Brasil é sig­natário, cred­i­tando à palavra da vítima como prova.

Se o dep­utado é capaz de calçar-​se soz­inho e já não usa mais fral­das, dev­e­ria saber que se o tor­tu­rador não instalou câmeras nas câmaras de tor­turas para depois saciar seus instin­tos doen­tios, as víti­mas menos ainda – impos­sível, até –, teria como doc­u­men­tar para depois com­pro­var a vio­lên­cia que sofr­era.

Talvez, por algum dis­túr­bio que não con­sigo imag­i­nar qual seja, a excelên­cia tenha imag­i­nado que uma vítima antes do iní­cio de uma sessão de hor­ror, pudesse pedir licença ao tor­tu­rador para insta­lar uma câmera de fil­magem e doc­u­men­tar o ato. Pelo menos “selfie”, né, dep­utado?

Isso se não con­seguir perce­ber que os atos de tor­turas acon­te­ce­ram há cerca de cinquenta anos, repito.

Quando digo que o Brasil é um país doente não é por exi­s­tir entre “os rep­re­sen­tantes do povo” energú­menos desta natureza ou quilate é, prin­ci­pal­mente, porque tais asnices encon­tram respaldo em uma parcela sig­ni­fica­tiva da sociedade.

Mesmo diante de algo tão abjeto como a tor­tura, encon­trei diver­sas pes­soas, muitas delas, inclu­sive, com mais de dois neurônios ativos, defend­endo a posição do dep­utado, con­cor­dando com ele e exigindo que a jor­nal­ista apre­sen­tasse os “vídeos” ou out­ros doc­u­men­tos ofi­ci­ais capazes de com­pro­var a tor­tura que sofrera.

Que tipo de gente é capaz disso?

Fiz­eram pior, cansa­dos de ques­tionar ou diante do ridículo de ques­tionar uma vítima de tor­tura com argu­men­tos tão bizarros, pas­saram a desqual­i­ficar a vítima de tor­tura, em com­ple­mento ao que já fiz­era o dep­utado.

Estes “humanos” uti­lizam de tex­tos, “memes” e até vídeos, rela­tando fatos e ou cir­cun­stân­cias profis­sion­ais ou de críti­cas a vitima que a atinge de forma lat­eral para desqual­i­fi­cação da mesma.

Na esteira do falo, vi, por estes dias, um vídeo, que acred­ito ser dos anos 80 ou 90, com críti­cas de um pro­fes­sor à jor­nal­ista. Tudo no script da desqual­i­fi­cação lat­eral como forma de apoio ao com­por­ta­mento repug­nante do dep­utado.

Quem faz isso? São os “cidadãos de bem”, pais de família, advo­ga­dos, juízes, evangéli­cos, todos cidadãos que se dizem amantes e tementes a Deus, mas que não acham nada demais repro­duzirem, repostarem, dis­sem­inarem, ainda que de forma lat­eral, ataques a uma sen­hora de quase setenta anos que foi vítima de tor­tura.

Na guerra política que não tem um dia, um min­uto de trégua, há mais qua­tro anos, “cidadãos de bem” não enx­ergam qual­quer mal em atacar, por ação ou omis­são uma sen­hora de setenta anos ou de noventa anos, como fiz­eram há poucos dias com Fer­nanda Mon­tene­gro depois que ela fez críti­cas ao atual gov­erno.

Que espé­cie de sen­ti­mento move uma mul­ti­dão, ainda que vir­tual, para atacar uma sen­hora de mais noventa anos e com vasta folha de serviços presta­dos ao país nos mais setenta anos como atriz senão alguma psicopatia?

É como vejo o que fazem com a jor­nal­ista Miriam Leitão, como fiz­eram ou fazem com a atriz Fer­nanda Montenegro.

Vejam que mesmo uma guerra odi­enta como esta de Putin con­tra a Ucrâ­nia encon­tra no doente Brasil uma mul­ti­dão de defen­sores para justificá-​la – neste caso, de diver­sas cor­rentes políti­cas –, ao argu­mento de que se trata de uma “guerra defen­siva”, de que a Ucrâ­nia estaria ameaçando os rus­sos com a pro­dução de armas de destru­ição em massa ou até mesmo que seria uma batalha con­tra uma tal Nova Ordem Mundial — NOM, diver­sos tipos de maluquices a ali­men­tar mentes doen­tias com teo­rias con­spir­atórias.

O pior de tudo isso é que o país não demon­stra capaci­dade recuperar-​se tão cedo.

Que o bom Deus tenha piedade de nós.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

CALA BOCA MOR­REU! OU NÃO

Escrito por Abdon Mar­inho


CALA BOCA MOR­REU! OU NÃO.

Por Abdon Mar­inho.

ARTIS­TAS sobem ao palco de impor­tante fes­ti­val de música e, ova­ciona­dos, fazem pros­elit­ismo político a favor de seu can­didato – e con­tra outro. O par­tido do político que sentiu-​se ofen­dido vai à Justiça Eleitoral recla­mar de cam­panha política ante­ci­pada.

Provo­cada, a Justiça Eleitoral, por um dos seus min­istros plan­ton­istas, deter­mina que sejam ces­sa­dos os pros­elit­ismos políti­cos, sob pena de pesadas mul­tas aos orga­ni­zadores do fes­ti­val.

A decisão do min­istro parece que teve efeito con­trário e acir­rou ainda mais os âni­mos com diver­sos artis­tas reiterando na prática, diver­sos out­ros indo ao maior palco do mundo, as redes soci­ais, protestarem con­tra o que enten­deram como cen­sura à livre man­i­fes­tação do pen­sa­mento e out­ros, ainda mais desafi­adores – e ricos –, se ofer­e­cendo para pagarem as mul­tas impostas pela Justiça.

Diante da vasta reper­cussão neg­a­tiva, o par­tido autor da ação desis­tiu e o min­istro arquivou o caso.

Falando ao seu público, mas sem dec­li­nar nomes, o pres­i­dente da República “man­dou” que min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral – STF, calassem a boca.

A sem­ana que pas­sou reg­istrou, ainda, um breve con­flito entre a Câmara dos Dep­uta­dos e o STF por conta da deter­mi­nação de um min­istro para que um dep­utado fed­eral pas­sasse a usar tornozeleira eletrônica, suposta­mente por infringir medi­das restri­ti­vas ante­ri­or­mente impostas pela suposta prática de crime que ele (dep­utado) alega ter sido ape­nas “livre man­i­fes­tação do pensamento”.

Após desaforos de lado a lado, empurra-​empurra, uma ten­ta­tiva frustrada de deter­mi­nar que a Polí­cia Fed­eral fosse à Câmara dos Dep­uta­dos fazer cumprir a deter­mi­nação e à presidên­cia da Casa protes­tar, o min­istro impôs pesada multa ao par­la­men­tar e blo­queio de ativos até que a decisão fosse cumprida.

O dep­utado cedeu e pas­sou a usar a tornozeleira.

Antes do iní­cio do fim da sem­ana, com ape­nas dois votos con­trários, o plenário só STF, con­fir­mou as medi­das restri­ti­vas impostas pelo min­istro.

O STF, aten­dendo a cobranças diver­sas, já mar­cou o jul­ga­mento para enfrentar a questão de fundo envol­vendo o par­la­men­tar para o dia 20 de abril, numa infe­liz coin­cidên­cia, data do aniver­sário de Hitler, o exem­plo mais clás­sico de que se é pos­sível destruir a democ­ra­cia e a liber­dade uti­lizando os próprios instru­men­tos da democ­ra­cia e da liber­dade.

No jul­ga­mento, o Supremo terá que enfrentar questões como, a liber­dade de expressão, a invi­o­la­bil­i­dade das imu­nidades par­la­mentares, entre out­ras questões conexas a elas.

Cer­ta­mente a decisão não será do agrado de todos, até porque, do lado de fora daquela corte, a decisão já se encon­tra tomada, con­forme a con­veniên­cia política de cada um, por juris­tas, políti­cos e pela “mil­itân­cia” de todos os lados.

Já trata­mos deste assunto ante­ri­or­mente e voltare­mos a ele lá na frente, talvez por ocasião da decisão da Corte.

Por hoje tratare­mos das questões genéti­cas envol­vendo o tema.

O Brasil, não é de hoje, vem pas­sando por um processo agudo de intol­erân­cia às opiniões con­trárias.

Não falo ape­nas do mau hábito das autori­dades, quais­quer que sejam elas, em relação às críti­cas ofer­tadas pelos admin­istra­dos à sua gestão, mas, tam­bém, dos próprios cidadãos em relação as opiniões dos out­ros.

Hoje já não podemos agir com a sim­ples pureza de uma cri­ança e dizer que “o rei está nu” quando assim estiver, sem atrair para si o ódio e a intol­erân­cia do próprio rei, seus cupin­chas e, até mesmo, dos seus par­tidários.

Assim assis­ti­mos gov­er­nantes fes­te­jarem os próprios fra­cas­sos como se estivésse­mos diante de grandes feitos.

Certa vez atrai a ira de alguns por ter crit­i­cado um gov­erno que pas­sava em revista carros-​pipas como um grande feito para a solução para o prob­lema da falta d’água na cap­i­tal do estado.

Fiz uma per­gunta óbvia.

Indaguei se não have­ria mais méri­tos se os gov­er­nos, ao invés de carros-​pipas, tivesse disponi­bi­lizado água tratada e com fre­quên­cia para a pop­u­lação.

Ao fes­te­jarem os carros-​pipas não estariam cel­e­brando a própria inop­erân­cia do gov­erno que não proveu a água para os lares na forma cor­reta, em suas torneiras?

Outra vez, já em outro gov­erno e de oposição ao ante­rior, a ira, tam­bém, se deu por criticar aquilo que fes­te­jam como méri­tos mais que entendo serem ates­ta­dos de fra­cas­sos.

No caso, o gov­erno cel­e­brava o fato de ter aumen­tado em X vezes o número de restau­rantes pop­u­lares, onde a pop­u­lação menos favore­cida pode alimentar-​se, e com qual­i­dade, por um valor módico, acho que um real.

A inda­gação que fiz foi se não seria bem mel­hor ter desen­volvido a econo­mia para que a pop­u­lação pudesse com­prar sua própria comida ao invés de, tangida pela neces­si­dade, pre­cisar ser socor­rida pelo Estado nos restau­rantes populares?

Em ambos os casos, em gov­er­nos dis­tin­tos, as críti­cas não se diri­gi­ram às medi­das em si. Todos sabe­mos que prover água para a pop­u­lação, assim como disponi­bi­lizar ali­men­tos a um povo empo­bre­cido é fun­da­men­tal, necessário e até um ato de gen­erosi­dade, as críti­cas foram, são e serão, pelo fato daque­les gov­er­nos fes­te­jarem como “feitos” algo que, na ver­dade, são fra­cas­sos gov­er­na­men­tais.

Algum dia, talvez esmi­uce­mos estas visões dis­tor­ci­das dos gov­er­nos e gov­er­nantes e porque dev­eríamos combatê-​las, o texto de hoje, entre­tanto, é para ressaltar que mesmo críti­cas, que na ver­dade são con­statações óbvias, de uns tem­pos para cá, ferem suscetibil­i­dades, o cidadão comum, não enga­jado, deve privar-​se de fazê-​las sob o risco de ser colo­cado no “índex dos inimi­gos públi­cos” e sofrer toda sorte de perseguição.

Observe que a Con­sti­tu­ição da República coloca como um dos primeiros dire­itos e deveres indi­vid­u­ais a livre man­i­fes­tação do pen­sa­mento: “é livre a man­i­fes­tação do pen­sa­mento, sendo vedado o anon­i­mato”, art. 5º, IV.

Esse dire­ito, con­forme se ver­i­fica nos incisos seguintes, emb­ora per­mitindo a livre man­i­fes­tação do pen­sa­mento, não isenta o “man­i­fes­tante” de respon­s­abil­i­dades, tanto assim que garante aos “ofen­di­dos” a reparação por dano moral, mate­r­ial ou à imagem, além do dire­ito de resposta pro­por­cional ao agravo.

Essa, tam­bém, uma das razões para, no livre exer­cí­cio da man­i­fes­tação do pen­sa­mento, ser vedado o anon­i­mato.

Observo que pas­sa­dos mais de três décadas da pro­mul­gação da con­sti­tu­ição fed­eral, o Brasil ainda “patina” na inter­pre­tação de uma das suas prin­ci­pais con­quis­tas – e os fatos aí estão para com­pro­var –, que é a livre man­i­fes­tação do pensamento.

Tal situ­ação, ali­ada à inter­pre­tação “con­forme o inter­esse”, con­ges­tiona o Poder Judi­ciário com infini­tas deman­das do tipo, ou, pior, sub­mete o país a uma espé­cie de cen­sura judi­ciária per­ma­nente, visando ocul­tar dos olhos do público os desvios ou mesmo servindo para inflar os egos dos pequenos dita­dores.

Chovem os exem­p­los de autori­dades que pare­cem só pos­suírem duas ocu­pações na vida: aliviar as “bur­ras das viú­vas” e ofer­e­cerem deman­das con­tra aque­les que os denun­ciam.

Os pequenos dita­dores – pequenos não no tamanho mas na estatura moral –, não se cansam demon­strarem o desapreço pelo debate de ideias ou em aceitarem críti­cas. Agem como se nunca errassem ou como se estivessem imunes às críti­cas por seus erros.

Situ­ação pior só mesmo aquela em que os que avil­tam a lei são os que dev­e­riam e teriam o dever fun­cional de a defender.

A inse­gu­rança jurídica numa questão tão fun­da­men­tal frag­iliza o exer­cí­cio da cidada­nia plena e, por con­se­quên­cia, a própria democ­ra­cia.

Isso sem falar naque­les cidadãos que, covardes de nascença, pref­erem o cômodo silên­cio em nome da não perseguição ou de rece­ber as migal­has que caem das mesas dos poderosos.

São, prin­ci­pal­mente, estes atos de auto­cen­sura que tor­nam mais dis­tante o sonho de uma nação livre, igual­itária, proba, respeita­dora da cidada­nia e onde os cidadãos pos­sam dizer sem qual­quer receio: “cala boca já mor­reu, quem manda na minha boca sou eu”.

Por enquanto ainda esta­mos naquela: “cala boca já mor­reu ou não”.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

Quando colo­cam a culpa na vítima.

Escrito por Abdon Mar­inho


QUANDO COLO­CAM A CULPA NA VÍTIMA.

Por Abdon Mar­inho.

UMA das sen­tenças mais infamantes que con­hece­mos, na minha opinião, é aquela que diz: “se o estupro é inevitável, relaxa e goza”.

Ao meu sen­tir tal frase rev­ela todo o desprezo pela condição da vítima da vio­lên­cia sex­ual, seja ela mul­her ou homem; ela, como dizer, “coisi­fica” sen­ti­men­tos ou trata-​os como se não exis­tis­sem; car­rega com um total desprezo os trau­mas decor­rentes da vio­lên­cia como a humil­har ainda mais a vítima; uma espé­cie de segundo estupro aos olhos da sociedade.

Ape­sar da crueza da sen­tença referida, ela sem­pre foi vista como “oposição” a outro sen­ti­mento igual­mente vio­lento e dis­sem­i­nado, aquele de que a vítima dev­e­ria resi­s­tir ao estupro e defender a honra com a própria vida ou suicidar-​se longo em seguida como prova de que não conivente ou cúm­plice da vio­lên­cia sofrida.

Algum dia e/​ou noutra opor­tu­nidade deve­mos dis­cor­rer sobre este tema, hoje, entre­tanto, vamos con­tin­uar tratando da emergên­cia mais gri­tante do momento: a guerra san­guinária de Vladimir Putin con­tra a Ucrâ­nia e seu povo, que já levou quase qua­tro mil­hões de refu­gia­dos a deixarem seus lares, seus famil­iares e sua pátria para trás em busca de segu­rança em out­ros países e já con­de­nou noventa por cento dos ucra­ni­anos à extrema pobreza por diver­sas décadas vin­douras.

A guerra, em si, já é um mal abom­inável, torna-​se ainda ter­rível quando acon­tece para sat­is­fazer, como nos casos de estupros, o desejo doen­tio do algoz.

Con­forme já exter­namos em escritos ante­ri­ores, a guerra con­tra a Ucrâ­nia não é um desejo do povo russo, este, aliás, nem sabe que acon­tece uma guerra – pois o gov­erno proibiu que à imprensa e até os cidadãos tratassem a guerra como guerra e até pas­sou a crim­i­nalizar quem assim o fizesse com penas que podem chegar a 15 anos de prisão.

A guerra con­tra a Ucrâ­nia é a guerra de Putin, que não se inco­moda em causar indizível sofri­mento aos mais quarenta mil­hões de ucra­ni­anos e ao seu próprio povo, que sofre não ape­nas pelas baixas dos seus fil­hos nos cam­pos de batal­has – além das muti­lações oca­sion­adas pela guerra e pelo frio diante da duração da infâmia –, mas, tam­bém, os efeitos econômi­cos adver­sos das sanções econômi­cas.

Muito emb­ora já exista um con­senso global con­tra a guerra de Putin e que tal con­senso dev­erá aumen­tar à medida que a vio­lên­cia bruta se tornar a única alter­na­tiva para con­seguir a vitória já inviável nos cam­pos de batal­has, no Brasil – agora bem menos –, existe aquele apoio velado dos prin­ci­pais gru­pos políti­cos (esquerdis­tas e bol­sonar­is­tas) em apoio à crim­i­nosa guerra de Putin.

A esquerdalha movida pelo sen­ti­mento anti­amer­i­cano e pelo saudo­sismo da antiga “mãe soviética”; já os bol­sonar­is­tas pelo sen­ti­mento de alin­hamento ao “estado autoritário”, muito bem rep­re­sen­tado pelo psi­co­pata que ocupa o Krem­lin e que, de uma hora pra outra, tornou-​se “amigo de infân­cia” do atual pres­i­dente do Brasil, os uniu na causa infamante.

Assim, exceto por algu­mas questões pon­tu­ais, assis­ti­mos arautos da esquerda brasileira e do bol­sonar­ismo defend­endo a inde­fen­sável guerra de Putin, com argu­men­tos que vão desde for­mu­lações históri­cas de geopolítica mundial ao fato de, suposta­mente, o crim­i­noso do Krem­lin haver defen­dido a sobera­nia brasileira sobre a Amazô­nia.

Assim, exceto por uma ou outra man­i­fes­tação pro­to­co­lar da diplo­ma­cia brasileira, a impressão que temos é que o Brasil e, pior, o povo brasileiro, encontra-​se “alin­hado” à política crim­i­nosa e expan­sion­ista do líder russo.

A mais cruel guerra da atu­al­i­dade, com cidades inteiras sendo com­ple­ta­mente arrasadas, com mil­hares já pere­cendo sob a ameaça da fome, da sede e do frio, para os brasileiros “poli­ti­za­dos” é como se isso não exis­tisse ou como se estivesse acon­te­cendo em Marte ou como se “dessem de ombros” e fin­gis­sem que não têm nada com isso.

Causa-​me espe­cial sur­presa e incô­modo que líderes brasileiros, capazes de agi­tar mul­ti­dões para suas pau­tas, mesmo as mais exdrúx­u­las, não ten­ham nada a dizer sobre uma guerra abso­lu­ta­mente injusta, cruel e desumana ou que não sejam capazes de con­cla­mar seus lid­er­a­dos em protestos con­tra a guerra?

A per­gunta que me faço é: os esquerdis­tas e os bol­sonar­is­tas são favoráveis a esta guerra? Acham-​na justa, legí­tima e limpa? É por isso que não dizem nada, ape­sar de ficarem o dia inteiro nas redes soci­ais falando bobagens?

Mas, se não podem falar con­tra a guerra por inter­esses que os aprox­i­mam do crime, por que não se man­i­fes­tam pela paz? Por que não se movi­men­tam ao menos para faz­erem o céle­bre “dis­curso de miss” a favor da paz mundial?

A guerra de Putin já dura mais um mês, emb­ora pareça pouco tempo, para os que estão sofrendo sob os bom­bardeios inclementes é uma eternidade, sem con­tar que este tempo já foi mais que sufi­ciente para a destru­ição de mil­hões de vidas – não falo ape­nas das mortes físi­cas, psi­cológ­i­cas, falo, sobre­tudo, dos mil­hões que de uma hora pra outra perderam suas refer­ên­cias.

Tem sido este silên­cio cúm­plice dos “líderes” brasileiros que fez lem­brar da infamante frase citada no iní­cio do texto.

Estes líderes, por sim­pa­tia ao car­ni­ceiro de Moscou ou serem escravos de suas próprias covar­dias, tudo que que­riam era que a Ucrâ­nia e os ucra­ni­anos não resis­tis­sem brava­mente con­tra a vio­lação de sua pátria.

Como os gen­erais rus­sos, imag­i­naram que ao som dos primeiros tiros ou das primeiras bom­bas, os ucra­ni­anos se entre­gassem sem resistên­cia ao inva­sor ou que “relax­as­sem e gozassem” ante a vio­lên­cia do ato infame.

Os arautos do esquerdismo, petismo, lulismo e do bol­sonar­ismo apos­taram e defend­eram isso, muitos, inclu­sive, através dos seus ideól­o­gos chegaram a cul­par a Ucrâ­nia e o seu pres­i­dente pela guerra, pelo assas­si­nato das pes­soas.

Segundo eles, sendo inviável a vitória ucra­ni­ana, o que o gov­erno daquele país dev­e­ria fazer era ceder aos dese­jos do crim­i­noso “para evi­tar o sofri­mento do povo”.

Bem ao gos­tos dos covardes mais canal­has utilizam-​se de um falso altruísmo para jus­ti­fi­carem o próprio com­por­ta­mento pusilân­ime.

O que é isso senão a colo­cação em prática da infamante frase com a qual ini­ci­amos o texto?

Não vi só um ou só de um lado, com um pen­sa­mento mais ou menos elab­o­rado, cul­parem a Ucrâ­nia pela guerra que estava/​está sendo vítima. Todos firmes na ideia de que era aceitável o estupro de uma pátria inde­pen­dente e livre.

Um mês já se pas­sou.

A guerra é a triste real­i­dade a mas­sacrar um povo que não tem se deix­ado vencer ou dom­i­nar.

Os Esta­dos livres do mundo e seus povos se uni­ram e com­preen­deram quem é o agres­sor e o agre­dido; quem é a vítima e quem é o algoz e protes­tam quase diari­a­mente con­tra a violência.

Mesmo na Rús­sia sob sev­era repressão, mil­hares de rus­sos já foram ou estão pre­sos por dis­cor­darem da guerra mesmo sabendo que poderão ser con­de­na­dos a penas duras.

São estes gov­er­nos – e seus cidadãos –, os respon­sáveis pelo fim da guerra quando ela chegar.

Serão os chama­dos fil­hos de Deus, con­forme prometido por Jesus Cristo no Ser­mão da Mon­tanha.

Como disse alhures, por aqui, ficamos acor­renta­dos à covar­dia ou alin­hados ao expan­sion­ismo do “estuprador”, como se uma guerra injusta não estivesse ocor­rendo con­tra um povo inocente, vítima e não cul­pado do seu infortúnio.

É a mesma covar­dia, o mesmo silên­cio cúm­plice que os faz calar diante da con­de­nação de dezenas de cubanos a penas altís­si­mas pelo “crime” de protes­tar con­tra a ditadura na ilha-​prisão de Cuba ou que os faz calar diante das con­de­nações bison­has de dis­si­dentes rus­sos.

É o Brasil, mais uma vez, ao lado dos crim­i­nosos e não das vítimas.

É o Brasil, mais uma vez, colocando-​se no lado errado da história.

Abdon Mar­inho é advo­gado.