A PÁTRIA NÃO ADMITE LENIÊNCIA COM O CRIME.
Por Abdon Marinho.
CHEGA DE PASSAR O PANO! Houve, sim, uma tentativa de golpe institucional no Brasil no último dia 7 de setembro de 2021, o Dia da Independência, o Dia da Pátria, o dia em que se comemorou o 199º ano da soberania do Brasil em relação a Portugal.
Durante mais de dois meses os “bolsonaristas” e o próprio presidente Bolsonaro anunciaram que depois do 7 de setembro nada seria como antes; que a ruptura se daria; que os ministros do Supremo Tribunal Federal– STF seriam afastados do tribunal, presos, exilados.
Esse é o ideário que consta nas faixas, cartazes, flâmulas e outros adereços conduzidos por seus partidários ou colocados em caminhões ou veículos de passeio.
A intenção – ainda que com outras palavras –, foram verbalizadas através de diversos áudios e vídeos que circularam (e ainda circulam) nas redes sociais e grupos de aplicativos de comunicação.
Não sem razão, alguns aluados acampados em Brasília chegaram a festejar emocionados uma falsa decretação de “estado de sítio” supostamente decretada pelo presidente.
Aqui cabe uma explicação lateral.
Golpistas autocráticos para levarem ao cabo seu intento de tomada do poder precisam “eleger” ou personificar contra quem se dará a luta, quem são os inimigos da pátria (imaginários ou não) a serem derrotados para que se sintam vitoriosos.
A suposta ameaça comunista é um dos “inimigos” dos bolsonaristas, mas, ainda assim, não se enquadram no perfil da personificação do “inimigo”.
Poderiam “eleger” com alvo o Congresso Nacional – que seria (ou será) a próxima vítima –, entretanto, ainda pareceria vago, sem contar que muitos congressistas são aliados do presidente/golpista, os seus dirigentes são da base do governo e, como temos assistido, os passadores-gerais de pano, sem contar que poderia dar errado – como de fato deu –, e o impeachment, a cassação e a prisão, a certeza absoluta.
É nesse contexto que o bolsonarismo “elege” como inimigo da nação o STF e dentre seus integrantes dois especificamente: o ministro Barroso, para sustentar a narrativa de que o sistema eleitoral brasileiro é fraudulento e, principalmente, o ministro Moraes, que conduz diversos inquéritos contra a proliferação de fake news e de atos tendentes à supressão democrática no país.
As duas condutas andam juntas e se completam.
Ao longo dos anos a rede de fake news tem trabalhado para incutir na cabeça dos cidadãos que STF é causa de todos os males do país. É o responsável pelo desemprego, pela inflação, pelo preço da gasolina, do kilo de carne, do feijão, da cerveja e até pelo chifre que cidadão recebeu da namorada.
A destruição da reputação do tribunal é feita com tanta eficiência que mesmo nos rincões mais longínquos do país, e de pessoas que antes até ignoravam sua existência. se escuta que ele (o tribunal) é o responsável por todas as mazelas do país, são, seus integrantes, os urubus negros que sugam as riquezas da nação, cúmplices das roubalheiras e responsáveis pela desgraça do povo.
Registre-se que nada disso é novo ou inédito. Os comunistas russos, na implantação da sua ditadura elegeram como inimigo os burgueses; os nazistas elegeram como inimigos os judeus, e por aí vai.
O presidente e os seus aliados elegeram como inimigo o STF, para fingirem que não pregam a destruição do poder, criaram que a insatisfação é contra um ou outro membro – muito embora pregassem e preguem a substituição de todos eles –, como se o fato de se pretenderem a destituição de um não fosse o prenúncio da aniquilação de toda corte.
Isso tão pouco é novo. O processo de aniquilação das instituições venezuelanas também começou assim.
Os atos preparatórios do golpe foram e estão sendo colocados em prática.
Foram verbalizados pelo cantor Sérgio Reis e, segundo dizem, até em conversas de WhatsApp do presidente.
Na véspera do Sete de Setembro os seguidores e aliados do presidente no agronegócio, com seus caminhões, foram posicionados para fechar a Praça dos Três Poderes e até invadir o tribunal e outros órgãos.
Há informações que tentaram fazer isso na madrugada de segunda para terça.
No dia do ato o presidente da República fez o chamado atacando, como nunca se viu em qualquer outro tempo da história do país, o STF, e, em particular, os ministros, inclusive com palavras de baixo calão.
Durante o mesmo dia, ainda com a forte reação da sociedade civil e de várias instituições, foram mantidos bloqueios de vias públicas dando seguimento à estratégia golpista, conforme fora anunciada anteriormente.
Somente quando o mercado, no dia 8 de setembro, apresentou um tombo de quase 4% (quatro por cento) e a desvalorização das empresas brasileiras chegou a quase 200 bilhões de reais, foi que o presidente fez divulgar um áudio pedindo para os seus aliados cessarem o movimento de locaute, combinado antes.
O movimento dos caminhoneiros interditando vias e impedindo a livre circulação de pessoas e bens com uma pauta política foi ato executório do golpe.
Tanto isso é verdade que os verdadeiros líderes da categoria denunciaram que aquela movimentação não tinha nada a ver com as pautas legítimas dos caminhoneiros.
No dia 8, à tarde, o presidente do STF deu uma dura resposta ao presidente, apontando, inclusive, o crime de responsabilidade e passando ao Congresso a responsabilidade por sua apuração.
Antes disso houveram manifestações dos líderes da Câmara dos Deputados e do Senado da República, além de políticos de diversos partidos. Todos repudiando a tentativa de golpe.
No dia 9 foi a vez do ministro Roberto Barroso, representado a Justiça Eleitoral, desmentir, ponto por ponto, todas as acusações infundadas do presidente da República e seus aliados no que se refere a segurança do processo eleitoral brasileiro.
Apreciador de um bom texto e discurso, confesso que poucas vezes assisti a um pronunciamento tão preciso na sua forma e conteúdo.
Um documento que separei e guardei para a posteridade.
O discurso do ministro me fez lembrar aquelas “pisas conversadas” dos tempos de outrora.
Argumentos e verdades tão devastadoras que deveriam fazer calar todos que teimam em disseminar mentiras.
Na tarde do mesmo dia 9, o presidente Bolsonaro divulgou a famosa carta/arrego tentando desfazer a insensatez que promovera e que quase levou o país à guerra civil.
Chegamos aqui com muitos achando que nada demais aconteceu, que ao divulgar a nota – que fizeram para ele assinar –, o presidente fora um pacificador devolvendo o país à normalidade.
A tendência das pessoas é acreditar naquilo que lhes seja mais cômodo e cause menos conflitos. É nisso que se fiam os embusteiros para mais à frente incorrerem novamente nas mesmas práticas.
Como dito no início do texto, houve uma tentativa de golpe no país na Semana na Pátria. Na verdade, houve mais do que uma tentativa de golpe vez que os atos antecedentes e mesmo os de execução foram postos em prática.
Por muito pouco não retornamos ao velho status de “república de bananas” de outrora.
Estivéssemos em um país sério, o Congresso Nacional, por expressa obrigação legal abriria uma investigação, não para saber se houve ou não golpe ou tentativa, mas, para apurar as responsabilidades de todos os envolvidos: presidente, ministros, servidores públicos, militares, políticos, empresários, etcetera, todos os que tiveram alguma participação na tentativa e na execução do golpe.
No caso do presidente basta examinar o artigo 8º, da lei 1.079÷50, que trata dos Crimes de Responsabilidade.
Resta claro que o presidente atentou contra a segurança interna do país ao tentar mudar por violência a forma de governo da República; não se tem dúvida que tentou mudar por violência a Constituição e que cogitou – inclusive chegou a ser divulgado –, decretar estado de sítio estando reunido o Congresso Nacional; é inquestionável que praticou e concorreu para que praticassem crimes contra a segurança interna do país e também não fazendo nada para impedir ou frustar a prática de tais crimes; e, ainda, permitiu de forma expressa e tácita a prática de infrações às leis federais de ordem pública.
Ao exame da lei, verifica-se que o presidente infringiu quase todos os dispositivos do artigo 8º da Lei dos Crimes de Responsabilidade, ainda mais, que em tal caso admite-se o crime na forma tentada.
Não é aceitável que a classe política, notadamente o Congresso Nacional, “passé o pano” para a tentativa de golpe institucional que ocorreu no país.
É necessário a adoção das medidas cabíveis contra o presidente da República e de quem mais tenha concorrido para o crime.
Não estamos diante de uma brincadeira ou de uma situação que se admita fazer vistas grossas.
Faz-se necessário apurar, identificar e punir exemplarmente os responsáveis antes que algo mais grave aconteça.
Abdon Marinho é advogado.