Ditadura é ditadura.
Por Abdon Marinho.
LEMBRO que certa vez, há muitos anos – quase quarenta –, ainda adolescente secundarista do Liceu Maranhense, estávamos na recepção do colégio, encostados no balcão, e falávamos sobre política.
Era meados dos anos oitenta, o Brasil, depois de vinte e um anos, tinha um governo civil. Era o Sarney, que formou-se politicamente apoiando os generais-ditadores, mas era civil e isso já parecia bastar.
Claro, criticávamos a “nossa” ditadura recém-sepultada mas, no calor da juventude, românticos e revolucionários, elogiávamos o régime cubano.
Um professor que a tudo ouvia interveio: — quero dizer-lhes que não existe ditadura boa, seja de direita, seja de esquerda. Uma ditadura é uma ditadura e ponto, é um mal por si só.
Como disse, eram meados dos anos oitenta, ainda existia a União Soviética, a guerra fria, o mundo dividido entre dois blocos: o capitalista e o comunista.
Nas Américas Cuba era a representante do bloco comunista e sobre ela o professor profetizou: — para os ditadores, ainda que no início da “sua revolução” tenham algum motivo nobre, com o tempo o que interessará será o poder pelo poder, será a exploração do povo para manterem os seus privilégios e do seu grupo. Fidel Castro ficará no poder até se “cansar” e quando este dia chegar, passará o poder ao irmão e quando este “cansar” passará o poder para algum xerimbabo do partido, caso não tenha formado um quadro dentro da própria família. E arrematava: essa é a lógica das ditaduras.
Como tivemos a oportunidade de constatar, nestes quase quarenta anos, deu-se tudo conforme o meu professor dissera naqueles meados dos anos oitenta. Há mais sessenta anos que a ditadura cubana luta para se manter ainda que para isso tenha como método a exploração, a opressão e sofrimento do povo.
Agora mesmo assistimos a repressão aos protestos de cidadãos que clamam por mais liberdade, por alimentos, por vacinação.
Não se sabe quantos foram presos ou detidos, o acesso à internet, principalmente as redes sociais, foi cortado ou restrito.
Uma ditadura – pego a definição do dicionário Michaelis, para evitar polêmicas –, é “Governo autoritário, unipessoal ou colegiado, caracterizado pela tomada do poder político, com o apoio das Forças Armadas, em desrespeito às leis em vigor, com a consequente subordinação dos órgãos legislativos e judiciários, a suspensão das eleições e do estado de direito, com medidas controladoras da liberdade individual, repressão da livre expressão, censura da imprensa e ausência de regras transparentes em relação ao processo de sucessão governamental”.
Cuba, China, Nicarágua, Venezuela, Coreia do Norte, são exemplos claros de ditaduras de viés esquerdista. O Egito, Omã, Arábia Saudita, Filipinas são nações que podemos considerar como ditaduras com viés direitista.
Em todas elas temos como certo a opressão às liberdades individuais e o impedimento à alternância de poder ou a participação do povo no seu próprio destino.
Faço tais referências apenas como ilustração – temos diversas outras nações, sobretudo na África e na Ásia onde a opressão dos cidadãos é a tônica dos governos –, para trazer o debate sobre ditaduras para o cenário político brasileiro.
Na esteira do levante dos cidadãos cubanos por mais liberdade, alimentos, vacinas, os brasileiros se dividiram: aqueles que se definem como de esquerda, defendendo o régime cubano e os que se definem com de direita, defendendo o fim daquele régime.
Em comum, o que vi, da maioria deles, foi a mesma coisa: a defesa das ditaduras.
De um lado temos os devotos do lulopetismo defendendo a carcomida ditadura cubana que há mais sessenta anos oprime e explora o povo cubano – assim como faz com a ditadura venezuelana, a nicaraguense, a norte-coreana e tantas outras ao redor do mundo.
Do outro lado temos os devotos do bolsonarismo, que defendem uma ditadura no Brasil.
Desde que o senhor Bolsonaro chegou ao poder, ele, o seu grupo mais seleto e uma troupe de “idiotas inúteis”, defendem e trabalham pela retrocesso democrático no nosso país, seguindo, inclusive, os mesmos passos dos regimes totalitários da Alemanha, nos anos trinta, de Cuba, nos anos sessenta e da Venezuela, em tempos mais recentes.
Desde o início do governo – e até mesmo antes –, trabalham para o descrédito das instituições e dos Poderes do Estado, interferência nas Forças Armadas, com comandantes que tenham posicionamento político afinado com o governo – quando sabemos que militares não deveriam ter qualquer posicionamento político –, interferência na Polícia Federal; “amordaçamento” do Ministério Público, com a nomeação de Procurador-Geral que só procura se dá bem com o atual governo, etc.
Assim, desde o início do governo membros do governo, servidores públicos nomeados por ele, organizavam movimentos públicos pedindo o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal — STF. Movimentos dos quais até mesmo o presidente participou, fez comício, etc.
Noutra quadra, não podemos esquecer que dia após dia o presidente da República ataca ministros e até mesmo as instituições; que um dos filhos do presidente e deputado federal disse que bastaria um soltado é um cabo para fechar o STF e que tal dia chegaria e ainda fazendo uma defesa tosca do Ato Institucional nº. 5, que o cidadão sequer sabe do que se trata.
Também não devemos esquecer o fatos dos aliados do presidente não se ocuparem de outra coisa que não seja atacar o STF e seus ministros; o Congresso Nacional e seus integrantes, não no sentido da crítica construtiva, mas sim no propósito de criar um sentimento popular de desapreço para justificar o intento golpista que sempre deixaram claro desde o início do governo.
E voltemos a Cuba.
Pois bem, vejo essas pessoas criticando a ditadura cubana (ou venezuelana, ou norte-coreana, etc), sem nem ao menos se darem ao trabalho de trocarem de roupa para defenderem uma ditadura no Brasil.
Muitos dos que falam ou escrevem críticas a ditadura cubana – sempre reforço tratar-se de uma ditadura –, saíram às ruas no Brasil, pedindo intervenção militar, fechamento do Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal, uma reedição do AI — 5, intervenção nos estados e municípios, etc.
O bolsonarismo que tanto fala em “garantir”, “defender” a liberdade dos cidadãos não descansa do propósito de devolver o país aos sombrios anos da ditadura militar – já pediram isso em manifestações de ruas –, que nenhum cidadão de bem tem saudade ou deseje experimentar.
Já o lulopetismo, que tanto reclama dos pendões autoritários do atual governo, é, também, um feroz defensor dos regimes ditatoriais ao redor do mundo e sonha com a implantação de um deles no Brasil.
Para eles Cuba é um exemplo a ser seguido.
Como sempre digo, são as duas faces uma uma mesma moeda.
Ninguém mais torce pelo pleno restabelecimento da saúde de Bolsonaro quanto os lulopetitas, assim como ninguém torce tanto para o candidato a ser enfrentado pelo atual presidente seja o
Lula.
São siameses nos métodos e nos propósitos, e um precisa do outro para sobreviver
Os brasileiros de bem precisamos ficar atentos para não nos deixarmos iludir com dois projetos que no fundo é o mesmo e se calça no obscurantismo, no atraso, na corrupção, no desinteresse pelo progresso do país.
Dois projetos cujos os expoentes são defensores de ditaduras que tanto infelicitaram e infelicita os povos e que só não implantaram aqui pela falta de condições objetivas para isso – mas insistem em viabilizar.
Como dizia meu mestre: ditadura é ditadura. Não existe ditadura boa.
Temos que nos dá conta disso antes e não quando for tarde demais.
Não é sem muito pesar que testemunho o quanto o Brasil insistem em andar para trás.
Abdon Marinho é advogado.