Meu tio viajou.
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- Criado: Domingo, 14 Novembro 2021 13:06
- Escrito por Abdon Marinho
MEU TIO VIAJOU.
Por Abdon Marinho.
PESSOALMENTE só o conheci quando fui trabalhar na Assembleia Legislativa a partir de 1991. Eu, assessor do deputado Juarez Medeiros e ele um dos deputados da oposição o que sempre nos permitia trocar uma ou outra ideia.
Achava curiosa a história dos três Beneditos, o primeiro, vereador por São Luís; o segundo, prefeito de Alto Alegre e o terceiro, deputado estadual. Os filhos Rosário detentores de um humor inigualável.
E como sabiam de “causos”; e como tinham histórias para contar.
Em 1994 por ocasião da eleição para o governo do estado e tendo como candidato o então senador Cafeteira, ficamos bem mais próximos. A campanha era coordenada por um grupo muito pequeno, basicamente, eu, Chico Branco, Roberto de Paula, comandando o comitê; Aderson Lago, Juarez Medeiros (candidato a vice-governador) e Benedito Terceiro, tratando da parte política; o Dr. Laplace Passos e João Itapary, cuidando do jurídico; Jesus Itapary cuidando do cofre vazio da campanha.
Lá, no comitê do Sítio Leal, que fora a casa de Cafeteira, e tinha, ainda, ares de residência, quando não estavam pelo interior fazendo campanha, estávamos trocando ideias e impressões políticas, contando piadas e rindo dos causos. Aderson mais “engenheiro” focado na engenharia da eleição; já Terceiro, embora, também, engenheiro agrônomo, mais brincalhão.
Como nos divertíamos naqueles bate-papos.
Perdida a eleição de 1994 e findando os mandatos de deputado em março de 1995, pouco tempo depois a prefeita de São Luís, Conceição Andrade, convida para uma missão inglória: cuidar da limpeza da capital, os ex-deputados Juarez Medeiros, presidente da Coliseu, Benedito Terceiro, diretor administrativo-financeiro e Carlos Guterres, diretor técnico.
Juarez convidou-nos para ir com ele para Coliseu. Eu, para a Secretária-Executiva e Roberto de Paula para a Assessoria Jurídica.
Foram quase dois anos trabalhando para “enxugar gelo”. A empresa não tinha dinheiro para nada. Seu único cliente, a prefeitura, mal conseguia mandar os recursos suficientes para pagar a folha de pessoal, assim mesmo, só a folha líquida, não conseguindo arcar, sequer, com os encargos previdenciários e trabalhistas.
Foi um período de grande dificuldade, mas que teve o extraordinário mérito de fortalecer os nossos laços de amizade.
Quando, em 1996, Juarez e Carlos Guterres, saíram da empresa para outros desafios, Terceiro assumiu a presidência e eu o substitui na Diretoria Administrativa-Financeira.
Foi no período em que estávamos pela Coliseu que Terceiro, um dia, começou a me chamar de “tio” – não sei se ainda era secretário-executivo ou se já diretor.
O certo, é que passou a referir-se a mim, como “meu tio”. Era meu tio para cá, meu tio para lá. Para não ficar trás, também passei a chamá-lo de tio. Mais, não apenas eu passei a chamá-lo de tio, como também, os meus sócios, Welger, Neto, Rodrigo, os funcionários do escritório. Passamos a chamar de tias, também, as meninas, Bethânia e Verônica e a Darcy Terceiro, a esposa. Todas “viraram” nossas tias e nós os seus tios.
Os amigos mais chegados a nós a eles se referem como meus tios.
Assim, neste mais de um quarto de século tem sido assim: só nos referimos a Terceiro e aos familiares como tios e tias e eles se referem a nós, do escritório, da mesma forma.
Serviu mais ainda para essa aproximação o fato do nosso escritório ficar a poucos passos do prédio onde residem.
Quando diagnosticado com o câncer, acredito que tenha sido uma das primeiras pessoas a ser avisados. Um dia a tia Verônica chegou e me falou dos “pontos” da doença no pulmão.
Terceiro sempre encarou a doença, como a tudo: com incomum altivez e bom humor. Nunca deixando transparecer a dor ou o sofrimento que o afligia.
Era assim com tudo, repito.
Dos nossos tempos de dirigentes da Coliseu “herdamos” uma Ação de Improbidade Administrativa, que “corre” há 23 anos – já fomos absolvidos uma vez, o MPE recorreu, o TJMA disse não haver provas e mandou que retornasse para nova instrução –, um assunto que já me incomodou bastante, mas que hoje só me causa pesar.
Cito este episódio porque na audiência de instrução fui parte e advogado no feito presidido pelo então juiz João Santana e lá aconteceu um fato que ainda hoje conto por onde passo.
Após ser ouvido, passei a acompanhar o depoimento dos demais. Quando chegou a vez de Terceiro ser ouvido, o juiz perguntou: — o senhor tem conhecimento das acusações que lhe são feitas pelo Ministério Público? Gostaria de ouvi-las?
— Por favor, excelência, leia-as. Responde-lhe Terceiro.
Ato continuou o juiz passou a lista-las: — doação de uma urna funerária para um gari; pagamento de uma ajuda de custo a outro; pagamento do funeral de um familiar de um funcionário; doação de uma dentadura a outro. E por aí foi.
Terceiro sabia de tudo isso. A ideia de pedir para juiz lê as acusações era apenas para mostrar o quanto de injustificado era o processo.
Neste domingo, 14/11, a apenas 15 dias do seu aniversário, meu tio viajou.
Recebi a notícia após caminhar pelo sítio e constatar, como sertanejo, que estava “bonito para chover”, abri o celular e vi a notícia.
Diferente do afirmado ele não morreu, pessoas como o meu tio não morrem.
Ele apenas pegou sua Harley-Davidson e viajou. E, de lá, de onde estiver, vai continuar olhando por nós.
Boa viagem, meu tio. Vai com Deus.
Do sobrinho, Abdon.
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