O fim de uma era.
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- Criado: Terça, 14 Setembro 2021 22:32
- Escrito por Abdon Marinho
O FIM DE UMA ERA.
Por Abdon Marinho.
FOI COM PESAR que dias atrás recebi a notícia dando conta que o Jornal O Estado do Maranhão deixará de circular na sua versão impressa em breve.
Inicialmente a noticia circulou como fuxico ou boato; depois os veículos de comunicação, digamos, mais responsáveis deram a noticia como certa; e, por fim, saiu a noticia que a direção do grupo confirmara a informação.
Fiquei triste. Independente de concordar com a linha editorial ou não do “matutino do outro lado da ponte”, como o apelidou um jornalista local, pelo menos durante as três últimas décadas o EMA fez parte da minha vida — com sessenta e dois anos, durante a metade deste tempo fui (sou leitor).
Quando trabalhei na Assembleia Legislativa (1991 — 1995) cultivei um hábito que carrego até hoje: chegar mais cedo no trabalho para ler as noticias do dia e começar o expediente informado dos principais assuntos.
Foi naquela época que me tornei assíduo leitor de jornais impressos. Lia-os logo cedo. Quando o deputado Juarez Medeiros, com quem trabalhava, chegava, por volta das 7 horas, vindo da Rádio Educadora, onde apresentava um programa nas primeiras horas da manhã, já trocávamos as impressões sobre as noticias do dia, o andamento da politica, a pauta da Assembleia naquele dia, etc.
No final do dia recortava as matérias que mais nos interessava, colava em folha de papel, descrevendo o veículo de comunicação, data e assunto para guardar em uma volumosa pasta A-Z.
Foi naquele período, também, que conheci e travei amizade com diversos jornalistas que “cobriam” o parlamento.
A sala que ocupava, no antigo prédio da Rua do Egito, 144, ficava a pouco passos da antessala do plenário e sempre estava por lá “brincando” com um ou outro jornalista.
Eles, volta e meia, também acorriam para minha sala para tomar um cafezinho (quando acabava o do setor de imprensa ou da antessala) e/ou para saber as últimas novidades da seara oposicionista.
Com pilhéria e as vezes para fustigar algum jornalista do EMA dizia que fechavam tão cedo a edição do dia seguinte que se o governador morresse à tarde o fato só seria divulgado na edição subsequente. Rsrsrs.
Antes da popularização da internet e dos jornais serem divulgados em edições eletrônicas, tinha o hábito de comprar as edições de domingo – na impossibilidade de entregarem no sitio onde moro –, um amigo tinha a missão de ir lá deixá-los logo cedo.
Colocava os jornais ao lado da rede e lia-os, quase que integralmente. Gostava do cheiro da tinta fresca no papel e ficava zangado se algum amigo que sempre me visitava aos domingos deixavam os meus jornais desarrumados ou fora de ordem.
Mais tarde, pelas dez ou onze horas, começava a sessão de ligações para os amigos, principalmente Aderson Lago e/ou Walter Rodrigues, para trocar ideias sobre os fatos noticiados.
Em relação ao EMA, apelidado por nós de “diário oficial” por sua ligação com os governantes de plantão, sempre sobrava uma crítica em relação ao viés governista das notícias, vez ou outra um xingamento mais áspero e muitas vezes até uma interpelação judicial ou alguma ação por um fato ou outro.
Como disse anteriormente, o pesar pelo fechamento de mais um jornal impresso no nosso país, se deve, não por alinhamento ou concordância editorial, mas, principalmente, pelo fato de tais discordância sempre ocorrerem em um outro nível – geralmente bem mais elevado.
O meu sentimento (ou saudosismo) é que estamos perdendo algo. Talvez a elegância da escrita, o conhecimento histórico, o comedimento da política.
A imprensa escrita profissional apresenta uma melhor linguagem e um conteúdo mais denso.
Quantas vezes não discuti com meus amigos – além das questões políticas –, os textos escrito por um ou outro articulista?
— Ih, rapaz! Viu a coluna de fulano hoje no EMA, no Pequeno, no Imparcial? Ou, o que você achou do artigo escrito por beltrano?
Um dos assuntos sempre presentes nos diálogos era a coluna do ex-presidente Sarney na capa do jornal.
Sempre sobrava uma análise mais aprofundada ou uma crítica mais ácida.
Como sou grande fã de charge, sempre que uma me chamava a atenção não deixava de comentar ou fazer uma ou outra observação.
São tantas lembranças. Lembro de situações, dos diálogos, dos amigos que já se foram, daqueles que perdemos contatos, de outros e outros.
Nunca escrevi para o jornal, uma vez ou outra alguma matéria fez referência algum texto meu.
Uma vez, em um dos tribunais da cidade, um colega com afinidade com o “matutino do outro lado da ponte” sugeriu que poderia publicar algum artigo na coluna de opinião. Argumentei que lá não gostam muito do que escrevo.
Desde que soube do anunciado fechamento do jornal passei a sentir como se parte do meu passado também estivesse partindo.
É o fim de uma era. Uma pena.
Abdon Marinho é advogado.