AbdonMarinho - Causos e estradas com Max Harley.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Cau­sos e estradas com Max Harley.


CAUSOS E ESTRADAS COM MAX HARLEY.

Por Abdon Mar­inho.

QUANDO cheguei em casa na última sexta-​feira já pas­sava das 20 horas, mal tive tempo de fazer um lanche, des­fazer a mala e tomar um banho, que o corpo já pedia cama. Desde que me formei há um quarto de século – e até antes –, que per­corro as estradas do Maran­hão.

Desta fez fui a Luís Domingues na com­pan­hia do amigo e con­ta­dor Max Harley Fre­itas e do estag­iário Ali­son Nasci­mento.

Nestes anos todos de andanças esta­b­eleci um roteiro de via­gens para a baix­ada bem prático: com­prar as pas­sagens com bas­tante ante­cedên­cia para trav­es­sia no fer­ry­boat e já deixar reser­vada a hospedagem. Ah, escol­her uma boa trilha musi­cal.

No dia da viagem sair de casa por volta das 8 horas – ou antes se tiver que apan­har alguém –, para chegar com folga e pegar o ferry das 10 horas; o almoço é no Chicão, em Pin­heiro, pelas 13 horas ou pouco mais, depois faze­mos uma parada ráp­ida em Queimadas, Santa Helena, para com­prar umas cocadas e seguimos viagem até o Café na Fazenda, em Mara­caçumé, onde tomamos um cafez­inho da tarde e bate­mos um papo com D. Claú­dia, a pro­pri­etária do esta­b­elec­i­mento e de lá seguimos sem mais paradas até o des­tino final, onde cheg­amos por volta das 18 horas.

Lem­bro que quando o Max aceitou tra­bal­har em Luís Domingues alertei-​o que todas as vezes que tivesse que ir ao municí­pio teria que reser­var ao menos qua­tro dias da sem­ana para a mis­são pois dois seriam ape­nas para os deslo­ca­men­tos de ir e vir.

Conheci-​o, através de ami­gos comuns, no iní­cio dos anos dois mil, era recém-​formado, recomendei que se inter­es­sasse pela con­tabil­i­dade pública pois era um ramo que pagava um pouco mel­hor e que teríamos neces­si­dade de bons con­ta­dores para aten­der as neces­si­dades cada vez cres­centes dos municí­pios.

Pouco tempo depois surgiu uma neces­si­dade de con­ta­dor no Municí­pio de Santo Amaro do Maran­hão, então admin­istrado por Jaime Carneiro e perguntei-​lhe se toparia o desafio. Topou e desde então tem tril­hado com inco­mum ded­i­cação e com­petên­cia nesta área.

Sem­pre que tenho alguma opor­tu­nidade o indico para algum municí­pio. Depois de Santo Amaro, ainda em mea­dos dos anos dois mil, veio Vargem Grande, Baca­bal, Bom Jardim, etc.

Sem­pre que temos a chance de tra­bal­har­mos jun­tos surge a opor­tu­nidade de faz­er­mos algu­mas via­gens e com­par­til­har exper­iên­cias e “cau­sos” que viven­ci­amos ou teste­munhamos ou que ouvi­mos de alguém.

Estes “cau­sos” que os mais anti­gos fazem questão de con­tar como se fos­sem de tem­pos bem remo­tos con­tin­uam ocor­rendo na atu­al­i­dade, como não são doc­u­men­ta­dos acabam ficando esque­ci­dos.

Agora mesmo, nesta última viagem, acon­te­ceu um fato pitoresco e que nos diver­tiu por quase toda a viagem, sem­pre que lem­brá­va­mos, caiamos na gar­gal­hada.

Deu-​se o seguinte:

Desde o final de novem­bro 2021 que não íamos a Luís Domingues aguardando a agenda de uma asses­sora de Brasília que iria min­is­trar uma for­mação con­tin­u­ada com o pro­fes­sores do municí­pio e par­tic­i­par de uma reunião com sindi­cato e con­selho de edu­cação.

Como a dita reunião dar-​se-​ia somente na quinta-​feira, retar­damos a ida para terça-​feira, com retorno na sexta-​feira.

Pois bem, durante a reunião a asses­sora, na mel­hor das intenções, “adonou-​se” da pauta e pôs-​se a con­duzir os tra­bal­hos, encam­in­hando soluções, pedindo providên­cias, etc.

Lá pelas tan­tas o pres­i­dente do sindi­cato pede a palavra para cobrar o encam­in­hamento de alguma providên­cia ou recla­mar de alguma falta infor­mação.

Com toda edu­cação e tato que lhe é pecu­liar começou: — Tem um fan­tasma na prefeitura de Luís Domingues.

A asses­sora já inter­rompeu: — qual é o nome dele?

O pres­i­dente do sindi­cato, tam­bém, sem qual­quer mal­dade, retru­cou: — é um fan­tasma, não tem nome.

A situ­ação foi tão engraçada que não con­seguimos nos con­ter era mais quem ria aber­ta­mente ou por trás das más­caras. E, como disse, durante toda a viagem de volta, sem­pre que lem­brá­va­mos, não nos con­tín­hamos.

Como o ofí­cio de con­ta­dor exige mais pre­sença nos municí­pios e Max pos­sui uma memória extra­ordinária para guardar histórias além de um inve­jável con­hec­i­mento musi­cal, sobre­tudo, de MPB, as via­gens são sem­pre agradáveis.

Toca uma música da trilha sonora preparada para empre­itada e lá está ele con­tando toda a história da música, quem escreveu, quando foi lançada, quan­tas ver­sões teve, mel­hores arran­jos, etc. Descon­heço no Maran­hão, quiçá no Brasil, que, con­heça mais de música que ele.

Na última viagem nos apre­sen­tou uma ver­são formidável de “Só quero um xodó”, de Bando de Régia e Anastá­cia. Um encanto.

Já os “cau­sos” são con­ta­dos com uma riqueza de detal­hes de causar espanto, digno de grandes escritores, como no “causo” do homem que “virava” porco de Barreirinhas.

Conta que certa vez, já de noite, estavam na antes­sala do prefeito Bar­reir­in­has aguardando para serem aten­di­dos. Era uma “mul­ti­dão” de téc­ni­cos do municí­pio e tam­bém de pop­u­lares.

Con­versa vai con­versa vem, um cidadão começou a con­tar que no seu povoado, Varas* tinha um homem que nas madru­gadas “virava porco”.

Enquanto ia con­tando, um outro cidadão afas­tado umas duas posições dele, ia fazendo gestos e mux­oxos, como a dizer que aquela história era men­tira.

A cada colo­cação sobre o “homem-​porco” a sinal­iza­ção de aquilo não era ver­dade.

Quando o cidadão final­mente saiu para ser aten­dido, o “ges­tic­u­lador” saiu-​se com essa: — tudo men­tira, o homem que “vira porco” nunca foi de Varas, ele é do meu povoado, Tabo­cas*.

Outro “causo” engraçado deu-​se em um municí­pio da baix­ada.

Na sala da CPL diver­sos servi­dores tra­bal­hando quando chega um fornece­dor do municí­pio para assi­nar uma ordem de serviço ou con­trato.

Max abre um parên­te­ses para descr­ever o cidadão e dizer que se aplica a quase todos: camisa polo aper­tada; diver­sas joias e suado.

O cidadão recebe o doc­u­mento, olha como se fosse lê, e dirige-​se a uma mocinha linda que estava a carim­bar e sep­a­rar papéis – segundo a descrição, uma cabrocha de “fechar o quar­teirão” –, pega a caneta com ela, passa a caneta entre o lábio e o nariz, cheirando-​a de ponta a ponta e suspira.

— Meu Deus, que caneta cheirosa, diz.

A mocinha então fala: — é mesmo?! Ela é do seu Zez­inho*. E aponta para um sen­horz­inho de quase 70 anos que ocupa-​se do mesmo serviço que o seu.

O causo não acaba aí.

No horário do almoço, na casa do prefeito, com a mesa repleta de começais, como é em quase todas as casas de prefeitos do inte­rior maran­hense, a “inver­tida” do empresário vazou e a goza­ção e gar­gal­hada cor­reu solta.

Quase me acabo de rir quando me conta os “cau­sos” de Léo Costa, pes­soa ímpar e bem humorada, só suas histórias enchem um livro.

Certa vez uma de suas fil­has com os netos foi a Atins – ponto turís­tico do municí­pio é de uma beleza inde­scritível –, tendo o motorista errado o cam­inho, ficaram per­di­dos por algu­mas horas. Chegando à pou­sada ligou para o pai para con­tar a desventura.

Após certifica-​se de que todos estavam bem, Léo saiu-​se com essa: — veja minha filha, você ficou abor­recida por ter ficado per­dida durante pou­cas horas, imag­ine Moisés que ficou per­dido por quarenta anos no deserto do Sinai.

Léo Costa é uma figura. Certa vez Max passou-​lhe uma infor­mação com a recomen­dação de que não a con­tasse para ninguém por ser sig­ilosa, ao que Léo respondeu-​lhe: — ora, doutor Max, se você não guardou seg­redo, eu que não vou guardar.

Eu próprio já fui pro­tag­o­nista de um “causo” que vez por outra é comen­tado nas rodas con­tábeis ou jurídi­cas.

Já se pas­savam três ou qua­tro meses que municí­pio de Belágua não pagava o escritório, muito emb­ora eu sem­pre lem­brasse o gestor. Um dia recebo uma lig­ação do saudoso amigo Adal­berto Nasci­mento, prefeito do municí­pio. Fico todo empol­gado pen­sando ser uma notí­cia do paga­mento quando Adal­berto diz: — doutor, tem como o sen­hor emprestar sua bela sala de reunião para um encon­tro meu com o secretariado?

Respondi: — claro, seu Adal­berto, sem nen­hum prob­lema, só dizer o dia que deixarei tudo pronto.

Adal­berto com­pleta: — doutor, tem como o sen­hor prov­i­den­ciar, tam­bém, um “coffe break”?

Quando con­tei o episó­dio a Max ele quase morre de rir e, a par­tir de então, sem­pre que falá­va­mos no saudoso amigo Adal­berto lem­brá­va­mos, o “Adal­berto do coffe break”.

E assim seguimos pelas estradas do Maran­hão, gan­hando pouco mas nos divertindo muito.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

* Nomes alter­ados para preser­var a iden­ti­dade das pessoas.