DE ÁPIO CLÁUDIO CEGO PARA FLÁVIO DINO.
Por Abdon Marinho.
Meu caro Flávio Dino,
É muito provável que tu nunca tenhas ouvido falar de mim ou, se ouviu, muito provavelmente destes pouca ou nenhuma importância. Não faz mal.
Permita-me uma breve apresentação.
Fui um político romano da gente Cláudia que viveu entre os anos 340 — 273 a.C., na minha carreira passei por quase todos cargos públicos militares de Roma, apenas para se ter ideia, fui cônsul por duas vezes, e, antes mesmo de ser cônsul, fui eleito censor, o que não era algo usual.
Se ainda assim não lembrares quem fui, informo que as minhas obras ainda se encontram à vista de todos.
Ainda como censor construí o primeiro aqueduto de Roma, fazendo a água subir e descer montanhas e colinas para atender as necessidades dos meus concidadãos, o chamado “Água Ápia”.
Uma outra obra muito importante, ainda dos meus tempos como censor, foi a Via Ápia, que leva esse nome em minha homenagem, o mesmo ocorrendo com o aqueduto.
O Appia que carregam é uma referência ao meu nome.
A razão desta missiva é justamente essa segunda obra, a Via Ápia, que ainda hoje serve de caminho em Roma e nos seus arredores. Aliás, segundo soube, muitos dos seus patrícios a utilizam com finalidades menos edificantes.
Foi construída inicialmente para ligar Roma a Cápua, numa distância de 300 km, depois estendida por mais 300 km, até Brindisi, no calcanhar do que hoje é a Itália.
Como podes perceber uma obra que fiz a quase 2.400 anos ainda hoje se encontra em uso, servindo ao povo ou com qualquer outra serventia, ainda que turística.
Recentemente foi descoberta uma outra rodovia romana feita por um outro patrício meu nos pântanos existentes nos arredores de Veneza, com a mesma idade e que permanece intacta e/ou muito bem conservada para idade que tem.
Assim escrevo-te por sentir um certo constrangimento, uma certa “vergonha alheia” ao constatar a qualidade das obras de engenharia que realizas no paupérrimo Estado do Maranhão, no igualmente pobre Brasil, a despeito do tempo, recursos, maquinários e da própria evolução da engenharia nestes dois milênios e meio.
Veja, enquanto as obras públicas que realizei há quase 2.400 anos ainda estão “de pé”, ainda possuem utilidade social, as obras públicas que empreendes, notadamente as estradas, tão importantes para levar o progresso e conduzir as riquezas do estado, já carecem de reparos antes mesmo da inauguração.
Quando alguém me conta por aqui que uma obra que realizas precisa ser refeita antes da inauguração, confesso que fico “roxo” de vergonha.
Um dos exemplos mais bisonhos do que falo é a antiga Estrada da Raposa.
Desde que assumistes o mandato que trabalhas lá, trata-se de uma obra inferior a cinco quilômetros, consumindo a quase oito anos de recursos públicos e de paciência dos cidadãos.
E agora, que informam encontrar-se a obra na “reta final” para inauguração, o que mais se vê são máquinas e homens trabalhando para repara-la e, devo dizer, fazendo um serviço “meia-boca”, tapando um buraco e deixando outro em vias de abrir para ser tapado no dia, na semana ou no mês seguinte.
O certo é que a obra que já consumiu quase dois mandatos consecutivos teus e que é minúscula, não é obra de dois invernos. Ou seja, se antes da inauguração já reclama reparos, não terá vida útil alguma, será uma obra para irritar os cidadãos por muitos e muitos anos.
O mesmo acontece no Maranhão inteiro.
Se tu pegares a rodovia MA entre o Povoado Cujupe e o Município de Governador Nunes Freire, o seu mandato inteiro se encontra em reparos e esse tempo todo com buracos danificando os veículos dos cidadãos.
Veja um outro exemplo: a MA 006, que vai de Apicum-Açu, no extremo norte do estado a Alto Parnaíba, no extremo sul, durante a sua primeira campanha vitoriosa ao governo prometeste que faria dela a rodovia da integração do Maranhão. Nunca fez nada do que prometeu e essa é uma estrada que padece dos mesmos defeitos de todas as outras, construção defeituosa, reparos mal feitos e a eterna manutenção.
O desastre é o mesmo em todas as obras sob a tua responsabilidade, qualquer uma que escolheres no estado, mesmo as que abrilhantam os comerciais de televisão são mal feitas e reclamam reparos.
É constrangedor, a menos que sejam feitas com tal intenção.
Em conversas por aqui fiquei sabendo que essa é uma “nova” modalidade de desvio de recursos públicos.
As obras são mal feitas de propósito, para ficarem “eternamente” necessitando de reparos e investimentos. Têm até um nome pouco edificante, dizem que são as “obras de morder”, pois todos mordem um pedaço do recurso.
É algo que custo a acreditar. Não é crível que enquanto fiz obras para durarem milênios – estão aí para comprovar –, agora se façam obras “para não durarem”.
E olha que nunca fomos “puros” em Roma. O termo corrupção, aliás, tem origem no latim corruptĭo.
Ainda assim não é aceitável que as obras públicas que constróis, com recursos do endividamento do estado e que deveriam ser um fato de desenvolvimento econômico para povo, só lhes tragam mais empobrecimento e miséria.
Dizem que quando censor e cônsul endividei e me desfiz de terras romanas para construir as obras que realizei, mas elas, diferentes das que tu dizes construir pegando dinheiro emprestado jamais trarão maior serventia que o dano que causa aos cofres públicos.
Agora mesmo soube que pedistes autorização para contrair mais um endividamento com o argumento de investir em infraestrutura.
Soube que o valor dos juros que o estado pagarás é até mesmo superior ao montante do empréstimo. Muito embora pouco usual que o acessório seja superior ao principal, seria aceitável – ainda que questionável –, se obras públicas construídas com tais recursos “se pagassem”, o que não é o caso.
Na qualidade das obras públicas que empreendestes em todos os anos do teu governo, os maranhenses terão duas despesas inúteis: o pagamento dos elevados juros e os eternos reparos das obras.
O que afirmo nesta missiva é fácil constatares, basta fazeres um levantamento de todos os recursos que o tesouro despendeu em obras estruturantes nos últimos anos e verificares a situação das mesmas atualmente.
Verás que o dinheiro público foi pelo ralo, que as obras não duraram nada, pelo contrário, se tornaram um escoadouro permanente de dinheiro público.
Vês como é perversa a política que empreendes?
Tu endividas o estado com a desculpa de investir em obras públicas que irão servir, desenvolver e trazer riquezas para o povo.
Mas o que acontece é que tu contrais uma dívida e duas outras fontes de pobreza para o povo: o pagamento de juros e encargos e o pagamento eterno na manutenção da obra.
Os recursos usados nestas coisas, no pagamento dos juros e encargos, e no eterno serviço de manutenção das obras mal feitas – e pelas quais ninguém é punido –, fazem falta na assistência aos mais necessitados.
Com a desculpa de trazeres desenvolvimento, tenho por certo que trazes mais miséria e sofrimento para o povo, conforme assentei acima.
Não me alongarei mais.
Avalias minhas palavras, sobretudo, minhas obras e comparas com o que tens feito.
Indo a Roma ou na Itália, de um modo geral, não deixes de visitar as obras que fiz há 2.400 anos.
Serás que as tuas obras chegarão perto disso?
Com os cumprimentos de
Appius Claudius Caecus
Ex-censor e ex-cônsul de Roma.