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UMA FÁBULA SER­TANEJA NA ATUALIDADE.

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA FÁBULA SER­TANEJA NA ATU­AL­I­DADE.

Por Abdon Marinho.

FOI quando menino em uma “boca de noite” enlu­arada, clara como um dia, o ver­dadeiro luar do sertão tão lin­da­mente can­tado e encan­tado, que – enquanto debul­há­va­mos o milho ou fei­jão, como sem­pre fazíamos no ter­reiro de casa sobre um encer­ado –, ouvi sobre a fábula ser­taneja do retorno – ainda sem tal nome.

Dizia tal fábula que um homem muito zan­gado levou o velho pai doente e alque­brado para que mor­resse em uma área deserta.

Chegando ao des­tino disse ao pai: — Pronto, velho! É aqui que você fica.

O velho já com vista cansada, virou-​se pra ele e pediu-​lhe: — Ô meu filho, não pode­rias levar-​me um pouco mais adi­ante, onde avis­ta­mos aquela árvore, próx­imo aquela rav­ina? O filho virou-​se para ele e perguntou-​lhe com voz zan­gada: —Por que queres ficar lá, velho? O pai, então, explicou-​lhe: — Lem­bro que foi lá, há muitos anos, que deixei meu pai.

Aquela foi a primeira vez que ouvi tal fábula. Eu, menino, emb­ora sem enten­der muito bem sobre a “moral da história”, ou seja, que col­he­mos aquilo que plan­ta­mos ou que existe uma tal “lei de retorno”, ape­nas achei a fábula triste e cruel.

Imag­ina, aban­donar o próprio pai para que morra, devo­rado por feras, com fome, sede, doente em meio a um deserto.

Com o pas­sar dos anos, já mais “talud­inho”, ouvindo a fábula out­ras vezes, acabei por enten­der mel­hor o seu real sig­nifi­cado.

Ainda hoje escuto-​a. Vez ou outra, o Dr. Wel­ger Freire, meu sócio e ser­tanejo como eu, só que de Paulo Ramos, repete a antiga fábula pelo escritório.

Coin­ci­den­te­mente enquanto pen­sava sobre isso e mudava os canais da tele­visão em uma tarde ociosa de sábado, deparei-​me com uma reprise da nov­ela “amor com amor se paga”.

Emb­ora para esta crônica o que inter­essa seja o título do fol­hetim, não lem­brava mais dele, muito emb­ora nunca tenha esque­cido do seu per­son­agem prin­ci­pal, o céle­bre Nonô Cor­reia, inesquecível inter­pre­tação de Ary Fon­toura e, acred­ito, destaque ímpar de sua exce­lente car­reira.

Pois bem, como dizia, por estes dias assaltou-​me a lem­brança daquela fábula ouvida na infância.

Con­forme já lhes disse – acred­ito, mais de uma vez –, quando con­heci o ex-​governador José Reinaldo ele tinha pelo atual gov­er­nador Flávio Dino o apreço e car­inho que só um pai muito zeloso tem por um filho.

Foi em 2006. Rompido como grupo Sar­ney, ele e sua família eram alvos con­stantes dos ataques de cunho pes­soal dos inte­grantes do grupo e dos seus xerim­ba­bos. Fomos chama­dos para apre­sen­tar uma pro­posta de hon­orários para cuidar de suas defe­sas e para acionar juridica­mente aque­les que ultra­pas­sas­sem os lim­ites da lei.

O encon­tro deu-​se na residên­cia de ver­aneio de São Mar­cos. Após tratar­mos da agenda que nos levou a ele, con­ver­samos um pouco sobre política que­ria saber nossa opinião sobre o quadro sucessório, as cam­pan­has de Jack­son Lago e de Edson Vidi­gal, que ele achava que iria para o segundo turno.

Já assen­tei, tam­bém, que naquele encon­tro o que mais me chamou a atenção foram os planos que ele rev­elou ter para o “filho” Flávio Dino.

Dizia: — Nes­tas eleições o Flávio se elege dep­utado fed­eral, na de 2010, a gov­er­nador, e depois quem sabe?

Os planos e propósi­tos, assim como a afeição pareceram-​me tão inusi­tadas (ou exager­adas) que ao sair do encon­tro, já no carro, comentei com o sócio que estava comigo: — O gov­er­nador está equiv­o­cado com este rapaz.

Veio a eleição e o prognós­tico de Zé Reinado só confirmou-​se em parte: quem foi para o segundo turno con­tra a can­di­data do grupo Sar­ney foi Jack­son Lago e não Vidi­gal, como imag­i­nava.

Em relação ao “filho” elege-​o com folga, muito emb­ora digam que fez tudo que podia (e tam­bém o que não podia) para alcançar tal resul­tado.

O resto é história.

Jack­son Lago der­ro­tou Roseana Sar­ney no segundo turno das eleições e foi cas­sado dois anos e qua­tro meses depois.

O ex-​governador José Reinaldo pode­ria, como fiz­eram tan­tos out­ros, ter renun­ci­ado ao gov­erno em 2006 para candidatar-​se ao Senado da República, preferiu ficar sem mandato para con­tribuir para uma mudança que acred­i­tava que ocor­re­ria no estado.

Já em 2007 pagou um preço alto por sua opção política ao ser preso e con­duzido a Brasília pela Polí­cia Fed­eral.

Um mandato de senador o teria “sal­vado” de tal con­strang­i­mento.

Em 2010 ao ten­tar eleger-​se senador pelo PSB, não teve êxito ficando na ter­ceira posição.

A condição de can­didato per­mi­tiu que ques­tionasse a reeleição de Roseana Sar­ney, quando os out­ros can­didatos majoritários achavam que estava tudo bem e não quis­eram dis­cu­tir em juízo todas as irreg­u­lar­i­dades e ile­gal­i­dades prat­i­cadas.

Em 2014, em nome da eleição do “filho” e pela unidade das forças políti­cas oposi­cionistas sequer ques­tio­nou que o can­didato ao Senado da República fosse outro, dis­putando e elegendo-​se dep­utado fed­eral.

Mesmo ten­tando con­tribuir com o gov­erno do “filho” e até pedindo des­cul­pas por dele dis­cor­dar num ou noutro momento, como no caso do impeach­ment da pres­i­dente Dilma Rouss­eff, o “ali­ado” e “pai” do gov­er­nador nunca teve o respeito ou con­sid­er­ação dos inte­grantes do gov­erno, que não pediam reser­vas ao destratá-​lo ou falar mal dele.

Em deter­mi­nado momento, inco­modado com aquilo escrevi um texto inti­t­u­lado “Respeitem o Zé”, onde mostrava toda a con­tribuição que deu para que chegassem ao poder.

Não sur­tiu qual­quer efeito, mesmo os xerim­ba­bos da mais baixa estirpe tin­ham “autor­iza­ção” para falar mal e destratar o “aliado”.

Ora, na minha casa não admito que se fale mal de amigo meu, muito menos de alguém com tanta história prestada, inclu­sive pes­soal­mente a minha pes­soa.

Esto­ico, Jose Reinaldo, nunca respon­deu, “cobrou” o que ou deu-​se por “sen­tido”. Per­maneceu aguardando o recon­hec­i­mento que nunca veio.

Tudo isso para dizer que em 2018, com duas vagas de senador a serem preenchi­das, tudo que o ex-​governador que­ria era con­tar com o apoio do “filho”. Afi­nal, já tin­ham doze anos que demon­strava car­inho, apreço e fidel­i­dade a ele.

Esperou, esperou, pediu, insis­tiu até a undécima hora pelo apoio que nunca veio ou recon­hec­i­mento que nunca tiveram.

Muito pelo con­trário, o “filho” por quem tanto fiz­era em 2006 e nas eleições sub­se­quentes, estava de braços dados e dedos entre­laça­dos com seus dois can­didatos, seus adver­sários. Pode­ria ter apoiado só um e deix­ado a outra vaga para o “pai” brigar por ela. Não, só servia se a eleição fosse com a chapa com­pleta.

Com orgulho ainda dizia, quem estiver comigo vota em fula e em bel­trano.

Em uma analo­gia e sem fazer qual­quer juízo de valor, José Reinaldo foi, em 2018, aquele “pai” da fábula ser­taneja deix­ado pelo próprio “filho” para pere­cer no deserto. E foi um deserto inclemente.

A sua falha, o seu delito? Talvez a sua con­tribuição para aque­les que teriam difi­cul­dades de chegar ao poder sem ele chegassem onde chegaram, inclu­sive aque­les que não pos­suíam votos para eleger-​se vereadores.

Com 82 anos de idade, engen­heiro de for­mação e com toda a sua vida ded­i­cada ao serviço público, onde foi dep­utado, min­istro de estado, vice-​governador e gov­er­nador, muito difer­ente de quase toda a classe política maran­hense (e brasileira), dele não se con­hece as fazen­das, as man­sões para residir ou de ver­aneio, os aviões, as emis­so­ras de tele­visão, as redes de pos­tos de com­bustíveis, os aparta­men­tos lux­u­osos, iates e tan­tas out­ras coisas.

Dele outro dia dis­seram, como se fosse um defeito e não mérito, que estava em uma casa de crédito ten­tando pegar ou pror­rogar algum emprés­timo.

Talvez por isso mesmo o “filho” tenha preferido fazer mais por out­ros, por out­ros dep­uta­dos, por out­ros senadores.

E como o mundo não gira, como diz um amigo meu, e sim, dá cam­bal­ho­tas, na fotografia política de 2022, o que vemos é o Flávio Dino, agora no papel de pai sendo deix­ado para atrav­es­sar o seu “deserto” ou nele pere­cer.

Vejam como a real­i­dade teima em arremedar a fábula ser­taneja.

Há qua­tro anos deix­ava para pere­cer no “deserto” o pai que tanto o aju­dara na política, inclu­sive fazendo-​o nascer pra ela, agora é ele que é deix­ado no “deserto” por aque­les por quem tanto fez.

A fotografia não deixa de ser irônica ao repro­duzir com tanta fidel­i­dade a fábula do meu sertão.

A sorte do atual “pai” é ser queix­ado onde deixara out­rora o seu pai, poderá con­tar com ele, mais uma vez, na trav­es­sia do deserto.

Qual será o des­fe­cho desta fábula ser­taneja da atualidade?

Abdon Mar­inho é advogado.

Uma par­tida em Mel­bourne. Um happy hour em Londres.

Escrito por Abdon Mar­inho


Uma par­tida em Mel­bourne. Um happy hour em Londres.

Por Abdon Mar­inho.

NESTE dia 30 de janeiro de 2022 chegou ao fim o Aberto da Aus­trália, que desde 1972 ocorre na cidade de Mel­bourne, primeiro torneio de tênis da tem­po­rada, com a final sendo dis­putada entre os tenistas Rafael Nadal (espan­hol) e Daniil Medvedev (russo). Com vitória do primeiro, que após cinco horas de uma par­tida des­gas­tante, con­quis­tou seu 21º Slam.

Emb­ora torneio pos­sua suas sur­pre­sas e nunca se possa prevê quem chegará à final, o grande ausente deste primeiro torneio – e talvez dos demais que ocor­rerão este ano –, foi o número um do mundo neste esporte, o sérvio Novak Djokovic, depor­tado da Aus­trália por não ter cumprido as exigên­cias esta­b­ele­ci­das pelo país com relação a vaci­nação con­tra a COVID-​19 – recaem, ainda sobre o tenista sus­peitas de que tenha prat­i­cado out­ras irreg­u­lar­i­dades na ten­ta­tiva de par­tic­i­par do torneio sem cumprir as exigên­cias impostas a todos.

O primeiro-​ministro do Reino Unido, Boris John­son (Alexan­der Boris de Pfef­fel John­son) não dev­erá manter-​se no comando do gov­erno por muito tempo. Se não renun­ciar ou for “renun­ci­ado” pelo comando do Par­tido Con­ser­vador, que lid­era desde 2019, é quase certo que colo­cará o próprio par­tido na “berlinda” nas próx­i­mas eleições.

Pesquisas recentes rev­e­lam que cerca de setenta por cento dos eleitores estão insat­is­feitos com a sua lid­er­ança, uma grande parte deles frustra­dos e irri­ta­dos por saberem que durante o lock­down que seu gov­erno impôs a toda a pop­u­lação, da rainha aos súdi­tos, ele e a cúpula do gov­erno se esbal­davam em fes­tin­has, con­frat­er­niza­ções e happy hours, em Down­ing Street, 10, a residên­cia ofi­cial e sede do gov­erno.

As duas situ­ações, emb­ora pareçam bem dis­tin­tas – um torneio de tênis, na Aus­trália e a pressão política pela renún­cia de um primeiro-​ministro, no Reino Unido –, elas têm muito mais em comum do que se imag­ina. E ambas rev­e­lam que algu­mas pes­soas pelo sta­tus e/​ou poder que con­quis­taram se acham supe­ri­ores ou mere­ce­do­ras de um trata­mento dis­tinto ao dis­pen­sado as demais pes­soas.

Imag­ino que o sen­hor Djokovic tenha pen­sado: — eu sou o número um do mundo no tênis, eles que pre­cisam da minha pre­sença. Vou lá, invento uma des­culpa qual­quer e par­ticipo do torneio sem cumprir as regras impostas a todos os demais par­tic­i­pantes da com­petição.

Já o sen­hor John­son e o seu gov­erno fiz­eram até pior.

Impuseram um rig­oroso lock­down aos cidadãos do Reino Unido – é clás­sica e tocante a imagem da rainha soz­inha, sem um filho, neto ou mesmo uma com­pan­hia que a ampara­sse durante o funeral do seu com­pan­heiro de mais de setenta anos –, impedindo encon­tros de até duas pes­soas, todo tipo de reunião e até mesmo que famil­iares se des­pedis­sem de seus entes queri­dos mor­tos pela pan­demia ou out­ras causas, enquanto eles tornaram-​se useiros e vezeiros de fes­tin­has pri­vadas com dezenas, talvez cen­te­nas de pes­soas, nos jardins da sede do gov­erno.

Nunca se fez valer com tanta pré­cisão o bor­dão: faça o que mando, não faça o que faço.

Por estas par­a­gens, nos gru­pos de aplica­tivos e/​ou nas redes soci­ais, vi diver­sas pes­soas, até mesmo algu­mas suposta­mente esclare­ci­das, fazendo a defesa do tenista profis­sional argu­men­tando que o mesmo seria saudável, muito mais do que os vaci­na­dos e que não faria sen­tido deixá-​lo de fora do torneio.

Mesmo em gru­pos de aplica­tivos com­posto por advo­ga­dos tenho assis­tido a exal­tadas defe­sas do dire­ito a não vaci­nação e con­trários à exigên­cia de pas­s­aporte vaci­nal para o acesso aos órgãos públi­cos.

Emb­ora tenha por princí­pio o respeito às opiniões diver­gentes, con­forme já assen­tei em tex­tos ante­ri­ores, essa tão propa­gada “liber­dade indi­vid­ual” – a não ser que você habite um lugar com­ple­ta­mente ermo e não dependa de ninguém para viver –, não é (e nunca foi) abso­luta. Desde que o homem enten­deu ser mais van­ta­joso viver em sociedade do que soz­inho e criou as bases para orga­ni­za­ção do Estado que ele abdi­cou de parte de sua “liber­dade indi­vid­ual” – se é que teve algum dia.

Isso sig­nifica que somos livres den­tro dos lim­ites da lei “ninguém será obri­gado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em vir­tude de lei”, Art. 5º, II, da Con­sti­tu­ição Fed­eral. Só que mesmo essa garan­tia, que para todos parece tão cristalina, encontra-​se lim­i­tada pelo inter­esse cole­tivo.

Aquele Estado que nos primór­dios da civ­i­liza­ção você “con­cor­dou” em par­tic­i­par pode lhe impor diver­sas restrições, como esta, de só ter acesso a deter­mi­na­dos locais se com­pro­var ter aten­dido alguma exigên­cia imposta a todos.

Observo, inclu­sive, que por conta desta pan­demia tem país aprovando a vaci­nação com­pul­sória de seus cidadãos, ou seja, obrigá-​los a vacinar-​se ainda que não queiram.

Não con­heço a leg­is­lação aprovada, por­tanto não sei quais as repri­men­das impostas aos que se recusarem a vacinar-​se mas vemos que é algo muito mais “duro” que exigir-​se o “pas­s­aporte vaci­nal” para o acesso a algum local ou órgão público.

A per­gunta que caberia fazer seria se tais imposições e até mesmo leg­is­lação impondo vaci­nação com­pul­sória estariam acober­ta­dos pelo manto do “con­trato social” de que já trata­mos, con­forme esta­b­ele­cido nos ensi­na­men­tos do Hobbes, Locke e Rousseau.

Em tese, sim. A leg­is­lação impos­i­tiva foi elab­o­rada pelos rep­re­sen­tantes do povo, apli­cada por um gov­erno legí­timo, calçada no inter­esse cole­tivo e amparado por estu­dos cien­tí­fi­cos do mundo todo.

É impor­tante assen­tar que a liber­dade indi­vid­ual antes de ser uma con­strução legal é uma con­strução filosó­fica. É dizer, a liber­dade indi­vid­ual não exi­s­tiria sem um con­junto de regras a serem respeitadas por todos para lhe garan­tir a existên­cia.

A liber­dade é indi­vid­ual mas quem garante que ela exista é o cole­tivo, a sociedade como um todo e a orga­ni­za­ção política, fun­dada orig­i­nal­mente no “con­trato social”.

É isso que garante nossa liber­dade, a nossa pro­priedade e que alguém mais forte não nos prive dos nos­sos bens.

Tudo isso dito de outra forma, é o seguinte, emb­ora pareça para­doxal, a liber­dade indi­vid­ual não per­tence ao “indi­ví­duo”, antes, é um patrimônio da cole­tivi­dade.

Quando o gov­erno aus­traliano deter­mi­nou a expul­são do tenista sérvio, não se esper­ava outra coisa dele (gov­erno).

Na ver­dade, pela insistên­cia do atleta, o que se viu foi uma falsa polêmica.

Ora, de todos os países do mundo, a Aus­trália foi um dos que mais impôs restrições aos seus cidadãos e habi­tantes, talvez por isso o número de vidas per­di­das não tenha chegado, até aqui, a qua­tro mil mortes, não faria qual­quer sen­tido abrir con­cessões a um estrangeiro (ou a qual­quer um) que por von­tade própria, e até fazendo apolo­gia disso, recusou-​se a cumprir restrições impostas a todos – ainda que seja um atleta “número um” na sua modal­i­dade.

O gov­erno perde­ria sua autori­dade e, pior, a sua legit­im­i­dade. Have­ria uma clara vio­lação ao “pacto social” fir­mado com os cidadãos.

Essa, aliás, é a mesma moti­vação que deve levar a queda do sen­hor John­son do comando do gov­erno do Reino Unido.

Ao se esbal­dar em “fes­tin­has” enquanto impunha aos cidadãos rig­orosas restrições, o gov­erno de John­son vio­lou o dever de leal­dade que deve exi­s­tir entre gov­er­nantes e gov­er­na­dos.

A insistên­cia dele em con­tin­uar no gov­erno mesmo depois de fla­grado em tal vio­lação de dever é ape­nas mais uma prova de que é menor que o cargo que ocupa.

Gov­er­nantes, cele­bri­dades, cidadãos, pre­cisam con­hecer os mecan­is­mos de fun­ciona­mento da sociedade e evitarem apolo­gias de bobagens.

É o que acho.

Abdon Mar­inho é advogado.

Bol­sonaro é a estraté­gia do cerol.

Escrito por Abdon Mar­inho


BOLSONARO E A ESTRATÉ­GIA DO CEROL.

Por Abdon Mar­inho.

MENINO É O CÃO. Ou: — menino é o retrato do cão.

Na minha aldeia, lá nos tem­pos de eu menino, incon­táveis foram as vezes que ouvi tais expressões. Eram out­ros tem­pos, com a meni­nada, desde a mais tenra idade cri­ada “solta”, pas­sando os dias na rua, só indo em casa para comer e/​ou para dormir. Muitas das vezes se pas­savam os dias fora de casa só retor­nando no fim do dia, sem que ninguém guardasse qual­quer pre­ocu­pação. Imaginava-​se, com razão, que os meni­nos estivessem nos açudes, igara­pés ou no mato, “pas­sar­in­hando”.

Se não apare­cia para o almoço, era porque com­era na casa de algum par­ente, viz­inho ou se ali­men­tara de fru­tas (man­gas, bananas, ananás ou qual­quer outra que fosse de época); se chegava a noti­cia de algum “malfeito”, o cinto já estava à espre­ita.

Começava-​se a estu­dar mais tarde, lá pelos seis ou sete anos e até mais. Findo o horário de escola ou nas férias, gan­há­va­mos o mundo.

Os mais vel­hos quando que­riam “se livrar” dos menores, mandava-​os procu­rar nin­hos de “avião”. E íamos.

Éramos cri­anças “raiz”, bem dis­tin­tas das cri­anças da atu­al­i­dade que tudo “melin­dra” ou que a qual­quer con­trariedade entram em choque ou cor­rem para “debaixo” da saia da mãe – e são extrema­mente depen­dentes.

Quando apare­cia um guri bem mais trav­esso dizia-​se: — Fulano é tão ruim, tão mau, tão mal­vadão que passa “cerol” na b … para cor­tar o p … dos colegas.

Para reg­istro, esta expressão é para ser inter­pre­tada no sen­tido figurado.

Aos desav­isa­dos, o cerol é uma mis­tura de vidro moído e cola, usada em linha de pipa, a fim de cor­tar a linha de outra pipa quando ambas estão voando.

Outro pas­satempo da infân­cia bem vivida.

Enquanto, na “boca da noite”, ouvia um antigo CD de Maysa e pen­sava no quadro político brasileiro voltado para as eleições pres­i­den­ci­ais que ocor­rerão este ano, socorreu-​me que a única estraté­gia para o atual pres­i­dente da República impedir a vitória do ex-​presidente Luiz Iná­cio Lula da Silva será recor­rer à “tática do cerol”, claro, tam­bém, em sen­tido fig­u­rado.

Das análises que faço, “a preço de hoje”, con­cluo que o bol­sonar­ismo tornou-​se o prin­ci­pal com­bustível para o petismo.

É dizer: quanto mais visível que o ex-​presidente Lula irá dis­putar o pleito con­tra o atual pres­i­dente, mas ele se for­t­alece e cristal­iza em ele­vado per­centual, com do outro, mais cinquenta por cento de eleitores que não dese­jam con­tin­uar com o atual gov­erno “de jeito nen­hum”.

A cada despautério pro­ferido pelo pres­i­dente – e são muitos e são con­stantes –, aumenta o número dos que não votam nele “de jeito nen­hum”.

Noutras palavras, o “teto” do bol­sonar­ismo não é sufi­ciente para vencer o lulismo. Numa ale­go­ria infanto-​juvenil vejo Bol­sonaro como um pir­ralho que mal con­segue chutar as per­nas de um gigante.

A polar­iza­ção de que tanto se fala é uma miragem.

Não que o pres­i­dente não pos­sua um público fiel capaz de levá-​lo a um segundo turno das eleições – e por isso mesmo ele insiste em mantê-​lo fiel –, entre­tanto, pela avas­sal­adora rejeição que pos­sui é o adver­sário per­feito para o lulismo.

Não é razoável imag­i­nar que Bol­sonaro osten­tando uma rejeição que ultra­passa cinquenta por cento, fazendo e falando tudo que assis­ti­mos con­siga reverter o quadro político. Talvez se o Lula começar a chutar grávi­das nas praças.

Na ver­dade o Bol­sonaro serve ao propósito de ser o fiel escud­eiro de Lula, um San­cho Pança desajeitado e pitoresco, impedindo que out­ras can­di­dat­uras, com “estatura” para dis­putar de igual para igual com o ex-​presidente apareçam no cenário político.

Quanto mais ele rad­i­cal­iza no estoque inter­minável de desati­nos, mais ele man­tém unida sua base sec­tária e aumenta o número de eleitores do Lula – ainda que o odeiem –, pois pas­sam a vê-​lo como o anti Bol­sonaro.

Qual­quer um que con­heça os humores dos eleitores sabem que o Bol­sonaro não venceu as eleições pres­i­den­ci­ais por conta do seu apelo eleitoral – já nas eleições todos viam que não era capaz de artic­u­lar uma frase sim­ples com algum sen­tido –, a vitória se deveu ao ódio que uma parcela sig­ni­fica­tiva dos eleitores devotavam ao petismo, que gov­ernara o país por treze anos.

As eleições de 2018 foram as eleições do ódio, assim como as eleições deste ano serão igual­mente do ódio, se não sur­gir algum fato que altere este cenário.

São estes mes­mos eleitores “com ódio” que deram a vitória a Bol­sonaro que à mín­gua do surg­i­mento de uma can­di­datura que ultra­passe as intenções de votos do atual pres­i­dente, migrarão dire­ta­mente para a can­di­datura do ex-​presidente Lula.

Arrisco dizer que a única chance de Bol­sonaro vencer o Lula é não dis­putando as eleições con­tra ele.

Daí que surge a neces­si­dade do atual pres­i­dente uti­lizar a “estraté­gia ou tática do cerol” que con­si­s­tiria em sair da dis­puta para que um outro nome, de prefer­ên­cia que não esteja vin­cu­lado a ele e ao que rep­re­senta, para dis­putar com o ex-​presidente Lula, que ensaia e tra­balha incansavel­mente para dis­putar con­tra Bol­sonaro.

Ninguém vê os lulopetis­tas falarem ou cog­itarem das auguras pelas quais pas­sarão o sen­hor Bol­sonaro quando deixar a faixa de pres­i­dente e descer a rampa do Palá­cio do Planalto pela última vez.

Não divul­gam, por exem­plo, que os proces­sos que hoje responde e os que pas­sará a respon­der descerão junto com ele para a primeira instân­cia e que ele será sub­metido aos humores de pro­mo­tores e juízes de car­reira e que nada lhes devem.

Ninguém nem os vê, na ver­dade, fusti­gando como fariam noutros tem­pos con­tra o atual pres­i­dente.

A razão é a que disse acima: o mel­hor cabo eleitoral de Lula é o Bol­sonaro.

De outro modo, vimos ensa­iarem e desi­s­tirem – jun­ta­mente com o cen­trão, sim já estão jun­tos –, de uma “CPI vin­gança” con­tra o ex-​juiz Sér­gio Moro.

A razão da desistên­cia me pare­cem clara: chegaram à con­clusão que a “perseguição” fora de hora pode­ria des­per­tar o sen­ti­mento anti-​petismo e fazer com que Moro ultra­pas­sasse o adver­sário favorito: Bol­sonaro.

Se vencerem virão com “força total” con­tra e ex-​juiz e mais força ainda con­tra o futuro ex-​presidente Bol­sonaro.

Não é fora de propósito, por­tanto, que Bol­sonaro renun­cie ao cargo para dis­putar um mandato de senador ou de dep­utado com o obje­tivo de con­tin­uar usufruindo da pro­teção e do foro priv­i­le­giado que um mandato par­la­men­tar ofer­ece.

Ele próprio, mais de uma vez, já rev­elou o justo receio de vir a ser preso ao deixar o poder.

Se pos­suir uma oculta e insus­peita inteligên­cia que até agora não deu con­hec­i­mento à pop­u­lação brasileira, pode­ria ten­tar – e não duvido que viesse a con­seguir –, uma anis­tia nego­ci­ada pelo gov­erno do pres­i­dente Mourão junto ao Con­gresso Nacional.

E, com um man­dado par­la­men­tar nas mãos teria muito mais tran­quil­i­dade para fazer o que tem feito ao longo dos anos com inques­tionável com­petên­cia: cul­tuar o ócio.

Bem difer­ente será a vida pós presidên­cia, sem mandato, sem tri­buna, com o capim nascendo na porta, com infini­tas “bron­cas” a resolver e con­tando com uma “célere” má-​vontade do Poder Judi­ciário e do Min­istério Público.

É quase certo que os seus piores pesade­los serão con­cretiza­dos.

Pode até ser que eu esteja com­ple­ta­mente errado, mas, se fosse o Bol­sonaro, por via das dúvi­das, prepararia um cerol bem grosso.

Pois como dizia famoso político maran­hense: quem viver verá.

Abdon Mar­inho é advogado.