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A edu­cação em primeiro lugar.

Escrito por Abdon Mar­inho


A EDU­CAÇÃO EM PRIMEIRO LUGAR.

Por Abdon Marinho.

ESTA­MOS em maio, de diver­sos pon­tos do estado e da cap­i­tal, recebo notí­cias de greves, par­al­iza­ções e/​ou que, por um motivo ou outro, o ano letivo de 2022 ainda não teve ini­cio e, onde ini­ciou, ainda “pega” no tranco.

Antes de dis­cu­tir sobre as razões de cada um, não posso deixar de reg­is­trar a minha angús­tia e per­plex­i­dade com o fato.

Foge à minha com­preen­são que depois de dois anos com as cri­anças fora da sala de aula por conta da pan­demia, assistindo aula de forma precária ou não assistindo, gestores, edu­cadores, rep­re­sen­tantes clas­sis­tas, pais de alunos, Min­istério Público, não este­jam dis­cutindo estraté­gias para recu­perar o tempo per­dido, mas, sim, envoltos em dis­cussões de cam­pan­has salari­ais e out­ras pau­tas que a rigor, pouco ou nada con­tribuem para preencher a enorme lacuna oca­sion­ada pelo tempo per­dido.

A dolorosa real­i­dade é que à edu­cação brasileira vem fra­cas­sando de forma sis­temática com o futuro do país.

Quando com­parada com a edu­cação de jovens e cri­anças de out­ros países ainda nos encon­tramos na rabeira de quais­quer indi­cadores que se use; quando faze­mos um recorte com a edu­cação pública, aumen­ta­mos ainda mais a desigual­dade; quando faze­mos o recorte na com­para­ção com o norte nordeste temos essa desigual­dade ampli­ada mais ainda – esta é a real­i­dade do Maran­hão.

Fal­tam recur­sos? Talvez. Mas, esta não é uma ver­dade absoluta.

Desde a rede­moc­ra­ti­za­ção do país e, prin­ci­pal­mente, depois da Con­sti­tu­ição de 1988, o país vem investindo de forma cres­cente na edu­cação – inves­ti­men­tos sig­ni­fica­ti­va­mente aumen­ta­dos com a cri­ação do FUN­DEF e depois do FUN­DEB –, sem que isso tenha se rever­tido, pelo menos, não na mesma pro­porção, na ele­vação dos indi­cadores educacionais.

Outro dia, por dever profis­sional, chamado a uma assem­bleia ques­tionei os par­tic­i­pantes sobre tais assun­tos e por quais motivos, tam­bém, os pais dos alunos não eram chama­dos para par­tic­i­par do debate.

Ao meu sen­tir, não existe razão para polêmi­cas finan­ceiras quando se trata de edu­cação, uma vez que as bal­izas con­sti­tu­cionais estão bem definidas em seus indi­cadores mín­i­mos.

O que existe, na maior parte das vezes, é incom­preen­são, falta de transparên­cia, aço­da­men­tos e inter­esses pes­soais se sobre­pondo aos inter­esses cole­tivos.

A primeira bal­iza que temos é per­centual mín­imo de gasto com a edu­cação.

A Con­sti­tu­ição Fed­eral, no artigo 212, esta­b­elece:

Art. 212. A União apli­cará, anual­mente, nunca menos de dezoito, e os Esta­dos, o Dis­trito Fed­eral e os Municí­pios vinte e cinco por cento, no mín­imo, da receita resul­tante de impos­tos, com­preen­dida a prove­niente de trans­fer­ên­cias, na manutenção e desen­volvi­mento do ensino”.

Veja, que muito emb­ora, estes per­centu­ais sejam mín­i­mos, para o con­junto de out­ras despe­sas que têm os entes fed­er­a­dos, não esta­mos falando de pouca coisa quando esta­b­ele­ce­mos vinte e cinco por cento da receita prove­niente de impos­tos, incluindo aquela ori­unda de trans­fer­ên­cias, com a manutenção e desen­volvi­mento do ensino.

Para cuidar de todo o resto: saúde, infraestru­tura, segu­rança, assistên­cia social, meio ambi­ente, etc, etc, sobram ape­nas 75% (setenta e cinco por cento) das receitas.

A segunda bal­iza é aquela que esta­b­elece um per­centual mín­imo de gas­tos com pes­soal.

O artigo 212-​A insti­tuído pela emenda con­sti­tu­cional nº. 108/​2020, esta­b­ele­ceu:

XI — pro­porção não infe­rior a 70% (setenta por cento) de cada fundo referido no inciso I do caput deste artigo, excluí­dos os recur­sos de que trata a alínea «c» do inciso V do caput deste artigo, será des­ti­nada ao paga­mento dos profis­sion­ais da edu­cação básica em efe­tivo exer­cí­cio, obser­vado, em relação aos recur­sos pre­vis­tos na alínea «b» do inciso V do caput deste artigo, o per­centual mín­imo de 15% (quinze por cento) para despe­sas de capital”.

Uma ter­ceira bal­iza, resta esta­b­ele­cida no inciso seguinte do mesmo artigo:

XII — lei especí­fica dis­porá sobre o piso salar­ial profis­sional nacional para os profis­sion­ais do mag­istério da edu­cação básica pública”.

Aqui, cabe esclare­cer que a chamada Lei do Piso (LEI11.738, DE 16 DE JULHO DE 2008.), já era pre­visão con­sti­tu­cional inserta nos princí­pios da edu­cação nacional esta­b­ele­ci­dos no artigo 206, da Carta, reforça­dos nos Atos das Dis­posições Con­sti­tu­cionais Tran­sitórias e reg­u­la­men­tada na lei acima, esta­b­ele­cendo um piso mín­imo para o mag­istério a ser implan­tado a par­tir de 2009 e rea­jus­tado todos os anos, no mês de janeiro.

Ainda no tópico da falsa polêmica envol­vendo mestres, rep­re­sen­tantes clas­sis­tas e gestores, temos uma quarta bal­iza con­sti­tu­cional, que, aliás, é um dos princí­pios da edu­cação nacional con­ti­dos no artigo 206:

V — val­oriza­ção dos profis­sion­ais da edu­cação esco­lar, garan­ti­dos, na forma da lei, planos de car­reira, com ingresso exclu­si­va­mente por con­curso público de provas e títu­los, aos das redes públicas”.

Então vejamos, se o ente fed­er­ado (esta­dos e municí­pios) cumpre o per­centual de inves­ti­mento na manutenção e desen­volvi­mento do ensino; cumpre a pro­porção não infe­rior a setenta por cento com o paga­mento dos profis­sion­ais da edu­cação básica; cumpre o piso nacional esta­b­ele­cido, pre­visto Con­sti­tu­ição e reg­u­lado por lei; pos­sui um plano de car­reira que garanta a val­oriza­ção dos profis­sion­ais, o que sobra para ser motivo de dis­cussão e fomen­tar o atraso no ano letivo prej­u­di­cando o futuro de mil­hares de cri­anças e jovens?

Com atraso – mas, antes tarde do nunca –, o Min­istério Público Estad­ual emi­tiu pare­cer, não vin­cu­la­tivo, na mesma linha do que sem­pre sus­ten­tei, e ainda obser­vando para a respon­s­abil­i­dade dos gestores no que diz respeito ao cumpri­mento de out­ras obri­gações legais, como o cumpri­mento da Lei de Respon­s­abil­i­dade Fis­cal — LRF (Lei Com­ple­men­tar nº. 101/2000)m que dis­ci­plina os lim­ites de gasto com pessoal.

Não dis­cuto se o que recebe a cat­e­go­ria é justo ou não, pelo serviço que prestam, o que se dis­cute é que o leg­is­lador, pre­ocu­pado e/​ou talvez cedendo as infini­tas pressões de uma cat­e­go­ria orga­ni­zada concedeu-​lhe inúmeras garan­tias con­sti­tu­cionais que, mesmo assim, não pare­cem sufi­cientes para devolver à edu­cação ao seu leito nor­mal de pre­vis­i­bil­i­dade, reg­u­lar­i­dade e resul­ta­dos.

Como sabe­mos, a remu­ner­ação dos profis­sion­ais da edu­cação básica até pelas bal­izas já referi­das acima, seja o menor dos prob­le­mas a serem enfrenta­dos – e não os super­aremos se todos recur­sos da edu­cação forem des­ti­na­dos uni­ca­mente ao paga­mento de seus profis­sion­ais, por mais que sejam mere­ce­dores.

O primeiro desafio é moti­var­mos cri­anças e pais para a importân­cia da edu­cação como fator de cresci­mento indi­vid­ual e cole­tivo.

Esse desafio não será super­ado com esco­las caindo aos pedaços e com um ensino de baixa qual­i­dade.

Com isso pre­cisamos de esco­las mel­hores estru­tu­radas, pro­fes­sores mais qual­i­fi­ca­dos e uma edu­cação que seja atra­tiva para as cri­anças e jovens.

Não podemos perder de vista que a edu­cação “dis­puta” a atenção das cri­anças e jovens com um mundo de out­ras atrações e dis­trações para elas muito mais envol­ventes.

Um segundo desafio é envolvi­mento das famílias com o apren­dizado das cri­anças e jovens. Vive­mos em um mundo em que uma grande parcela dos pais não querem ou não assumem qual­quer papel na edu­cação dos fil­hos, quando na ver­dade a primeira e mais valiosa edu­cação deve ser min­istrada pela família e com­ple­men­tada pela escola.

Infe­liz­mente o que vemos é o inverso disso.

Desde a mais tenra idade vemos os pais se “des­o­bri­g­ando” da vida que colo­cou no mundo. Basta ver que quando uma cri­ança chora pela atenção dos pais uma das primeiras coisas que fazem não con­ver­sar, edu­car ou dis­ci­pli­nar a cri­ança é entregar-​lhe um celu­lar ou um outro equipa­mento eletrônico para que ela se dis­traia e não os per­turbe nos seus afaz­eres ou mesmo nos seus laz­eres.

É essa cri­ança que com qua­tro ou cinco anos – e até antes –, vai ser entregue a edu­cação do Estado.

Como imag­i­nam que ela vai se sair?

Esse descom­pro­misso “indi­vid­ual” já começa a expandir-​se para o cole­tivo.

Outro dia um cliente ligou com uma difi­cul­dade inusi­tada: ven­cido o mandato do Con­selho Munic­i­pal de Defesa da Cri­ança e do Ado­les­cente — CMDCA, ele já estava há um bom tempo sem o tal con­selho, de importân­cia ímpar, por não con­seguir em todo o municí­pio pes­soas que se dis­pusesse a com­por aquele cole­tivo.

Ora, como jus­ti­ficar ou aceitar, que numa comu­nidade inteira não encon­tremos pes­soas dis­postas a fazer um tra­balho vol­un­tário de defesa do seu futuro, que são as cri­anças e ado­les­centes?

Quando se trata de edu­cação a Con­sti­tu­ição Fed­eral deixa bem clara a respon­s­abil­i­dade, diz o artigo 205: “A edu­cação, dire­ito de todos e dever do Estado e da família, será pro­movida e incen­ti­vada com a colab­o­ração da sociedade, visando ao pleno desen­volvi­mento da pes­soa, seu preparo para o exer­cí­cio da cidada­nia e sua qual­i­fi­cação para o trabalho”.

Veja que ela pon­tua muito bem: a edu­cação é um dire­ito de todos e um dever do Estado e da família.

Daí ser impre­scindível que quais­quer debates rela­ciona­dos à edu­cação não sejam feitos envol­vendo ape­nas gestores e edu­cadores, mas, envol­vendo, prin­ci­pal­mente às famílias.

Somente assim colo­care­mos, efe­ti­va­mente, a edu­cação em primeiro lugar.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

NÃO SE FAZ CABO DE GUERRA COM A DEMOCRACIA.

Escrito por Abdon Mar­inho


NÃO SE FAZ CABO DE GUERRA COM A DEMOC­RA­CIA.

Por Abdon Marinho.

QUANDO menino, lá no meu povoado e/​ou já na sede do municí­pio, era comum brin­car­mos de “cabo de guerra”. A brin­cadeira con­sis­tia em dividir a turma em dois gru­pos, colocá-​los em cam­pos opos­tos segu­rando um lado de uma corda; no meio de ter­reno (geral­mente um com muita areia) era feito um risco.

Cada um dos pux­ava seu lado da corda na intenção de obri­gar o grupo rival a cruzar o risco demar­catório. O grupo que con­seguisse fazer isso ven­cia a brin­cadeira.

Era comum no puxa-​puxa um grupo, mais forte, não ape­nas obri­gar o outro a cruzar o risco como, tam­bém, levá-​lo ao chão. Quando isso ocor­ria dava-​se uma algazarra com gri­tos dos “vence­dores” e da plateia – quem chegava todo sujo em casa já estava certo de levar uma “pisa” dos pais.

Eu mesmo, emb­ora zam­beta, mas com muito mais agili­dade que hoje, par­ticipei de muitos “cabos de guerra”, puxando a corda com toda a ded­i­cação e deter­mi­nação.

Pois bem, se enquanto brin­cadeira infan­til o “cabo de guerra” tinha todo o “charme” e era algo lúdico nos seus vários aspec­tos, o mesmo não se pode dizer quando tenta aplicar a mesma “brin­cadeira” à democ­ra­cia brasileira.

A cada dia assis­ti­mos, estar­reci­dos, os diri­gentes da nação, os poderes con­sti­tuí­dos da República, tratarem os negó­cios e inter­esses públi­cos como uma brin­cadeira infan­til de “cabo de guerra” onde o obje­tivo de um grupo é levar o outro ao chão, de prefer­ên­cia, até mesmo aniquilando-​o fisicamente.

Mas não se pode “brin­car” de cabo de guerra com a democ­ra­cia, pois caso assim façam não ter­e­mos um grupo vence­dor, ao con­trário, todos per­dem, a nação per­dem. Aliás, difi­cil­mente poder­e­mos falar em nação quando estiver­mos diante da aniquilação dos poderes con­sti­tuí­dos ou mesmo de algum deles.

Vejo muita “gente boa” segu­rando e puxando um dos lados da corda sem se darem conta de que não esta­mos diante de uma com­petição esportiva ou de uma brin­cadeira infan­til, mas, sim, de ati­tudes e posições que deter­mi­narão o futuro da nação – se tiver­mos uma nação depois.

O último “round” deste “cabo de guerra” diz respeito à con­de­nação pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, de deter­mi­nado dep­utado fed­eral e a con­cessão de “indulto” ao mesmo pelo pres­i­dente da República, no dia seguinte ao jul­ga­mento pela Suprema Corte.

Con­de­nado no dia 20 de abril, no dia seguinte, antes mesmo da lavratura do acórdão con­de­natório, o pres­i­dente anun­ciou que estaria conce­dendo o indulto ao dep­utado de forma vol­un­tária – quer dizer, a defesa do con­de­nado não chegou a requerer.

Diver­sos ami­gos, no mesmo dia e no dia seguinte, me per­gun­taram o que achava de tudo que estava acontecendo.

A primeira coisa que me pare­ceu foi que o pres­i­dente da República bus­cou con­frontar uma decisão da mais ele­vada corte do país, tendo ou não razão, como disse ante­ri­or­mente, o que está em jogo é o futuro que quer­e­mos para o pais enquanto nação.

Um pres­i­dente da República não pode se dar ao “des­frute”, ficar “zan­gad­inho” e atrav­es­sar um decreto afrontando uma decisão judi­cial para, podemos dizer, a sua sat­is­fação pes­soal, uma vez que não havia risco imi­nente de prisão do seu “ali­ado” político. O processo, sequer, teve acórdão pub­li­cado e, após a pub­li­cação do mesmo, teria lugar out­ros recur­sos no próprio STF, sem con­tar que a própria defesa do “con­de­nado” não chegou a ingres­sar com tal pedido – e não pode­ria uma vez que o dep­utado não se encon­trava na fase de cumpri­mento de pena.

Logo me parece claro que a moti­vação do pres­i­dente foi o inter­esse pes­soal o des­borda das suas pre­rrog­a­ti­vas con­sti­tu­cionais.

Uma segunda per­gunta que me fiz­eram foi se o pres­i­dente pode­ria edi­tar tal decreto.

O indulto é uma pre­visão con­sti­tu­cional inserta no artigo 84, XII, Con­sti­tu­ição Fed­eral:

Art. 84. Com­pete pri­v­a­ti­va­mente ao Pres­i­dente da República:

XII — con­ceder indulto e comu­tar penas, com audiên­cia, se necessário, dos órgãos insti­tuí­dos em lei;

Logo não se dis­cute se o pres­i­dente pode edi­tar o decreto de indulto. A dis­cussão é se da forma que fez está cor­reto.

O Código de Processo Penal, Decreto-​Lei nº. 3.689, de 3 de out­ubro de 1941, no seu artigo 734: “Art. 734. A graça poderá ser provo­cada por petição do con­de­nado, de qual­quer pes­soa do povo, do Con­selho Pen­i­ten­ciário, ou do Min­istério Público, ressal­vada, entre­tanto, ao Pres­i­dente da Repub­lica, a fac­ul­dade de concedê-​la espon­tanea­mente”.

Tal artigo está inserto no capí­tulo que trata da Graça, do Indulto e da Anis­tia.

Vemos acima à luz de tal dis­pos­i­tivo, que o pres­i­dente pode­ria concedê-​la sem qual­quer “provo­cação”, ou seja, ao seu talante.

Surge ai, entre­tanto, o primeiro senão.

Toda essa parte do CPP encontra-​se dis­ci­plinada pela Lei de Exe­cução Penal — LEP, Lei nº. 7.210, de 11 de julho de 1984.

As pes­soas que enten­dem do assunto muito mais do que eu sus­ten­tam que a lei nova tratar inteira­mente de deter­mi­nado assunto der­rog­a­ria a lei ante­rior. Segundo estes mes­mos enten­di­dos, a LEP, até por ser lei, ser mais nova, teria der­ro­gado aquela parte do CPP que dis­põe do mesmo assunto.

A LEP, por sua vez, trata do assunto, a par­tir do seu artigo 187, entre­tanto, sem a evo­cação da “Graça” e sem esta­b­ele­cer a pos­si­bil­i­dade do pres­i­dente da República con­ceder o indulto – que tem a pre­visão de ser indi­vid­ual –, de “ofí­cio”, basta ver o que esta­b­elece o artigo 188: “Art. 188. O indulto indi­vid­ual poderá ser provo­cado por petição do con­de­nado, por ini­cia­tiva do Min­istério Público, do Con­selho Pen­i­ten­ciário, ou da autori­dade administrativa”.

Os arti­gos seguintes do mesmo diploma, esta­b­elece como se processa e qual o rito do indulto até desaguar no decreto pres­i­den­cial.

Uma das primeiras lições de dire­ito que aprendi foi que o agente público só pode fazer aquilo que esteja em estrita obe­diên­cia à norma legal, difer­ente do agente pri­vado, que pode fazer tudo aquilo que a lei na veda.

Em out­ras palavras, em uma democ­ra­cia todos, e prin­ci­pal­mente o pres­i­dente da República que prestou jura­mento de obser­var e fazer cumprir a Con­sti­tu­ição e as leis, esta­mos sub­meti­dos ao seu império.

É dizer, o pres­i­dente pode sim edi­tar um decreto indulto indi­vid­ual ou cole­tivo – e sem­pre mel­hor que seja cole­tivo e com princí­pios gerais, sem “olhar a cara do freguês” –, mas para isso pre­cisa cumprir os req­ui­si­tos e cam­in­hos impos­tos pelas leis que a todos sub­me­tem.

Não é demais lem­brar que no Brasil, desde a sua inde­pendên­cia, mesmo no período impe­r­ial, nunca tive­mos um gov­erno abso­lutista, impondo suas von­tades acima das leis e da rit­u­alís­tica proces­sual.

Um dos arti­gos mais impor­tantes da nossa Con­sti­tu­ição, ao meu sen­tir, é o artigo 5º, lá está dito: “Art. 5º Todos são iguais per­ante a lei, sem dis­tinção de qual­quer natureza, garantindo-​se aos brasileiros e aos estrangeiros res­i­dentes no País a invi­o­la­bil­i­dade do dire­ito à vida, à liber­dade, à igual­dade, à segu­rança e à pro­priedade, nos ter­mos seguintes: ..”.

Veja o que nos asse­gura a Carta Magna: “que todos somos iguais per­ante a lei …”, logo não me parece razoável que numa república mod­erna, como a nossa, alguém “seja mais ‘igual’ que os demais em função de sua prox­im­i­dade com o gov­er­nante, coleguismo, aliança política ou algo que os valha”.

Imag­inemos, como diria o outro, se a “moda pega”. Fulano de tal e Bel­trano de tal, lá de onde judas perdeu as botas, ambos come­teram os mes­mos deli­tos, mas o primeiro, por ser “amigo” do pres­i­dente, é indul­tado e o segundo não.

Isso lhes parece razoável?

Temos exem­p­los mais con­cre­tos e palpáveis.

Algum den­tre vós acharia razoável que a pres­i­dente de então, ao tér­mino do jul­ga­mento dos envolvi­dos no processo do chamado escân­dalo do men­salão, edi­tasse um decreto, nos moldes deste que está em tela, indul­tando os con­de­na­dos pelo mesmo STF que agora tem sua decisão afrontada?

Podemos pen­sar para frente. Alguém achará razoável que o sen­hor Lula, caso seja eleito, indulte o seu ali­ado e amigo Zé Dirceu, o capitão do time do seu gov­erno, que acaba de ter sen­tenças con­de­natórias con­fir­madas pelo Supe­rior Tri­bunal de Justiça — STJ?

Diante de tudo que disse e até com base na lei uni­ver­sal da razoa­bil­i­dade, acred­ito que o pres­i­dente da República come­teu mais um crime de respon­s­abil­i­dade, pre­visto na Lei nº. 1.079, de 10 de abril de 1950, a saber: “5 — opor-​se dire­ta­mente e por fatos ao livre exer­cí­cio do Poder Judi­ciário, ou obstar, por meios vio­len­tos, ao efeito dos seus atos, man­da­dos ou sentenças”.

Acred­ito que para qual­quer pes­soa, até porque isso é algo que vem sendo pub­li­ca­mente estim­u­lado, resta claro que o pres­i­dente está a “opor-​se dire­ta­mente e por fatos ao livre exer­cí­cio do Poder Judi­ciário”.

O meu apelo e chama­mento é para que as autori­dades maiores da nação enten­dam que gov­ernar, admin­is­trar e fazer pros­perar uma nação é incom­patível com sen­ti­men­tos e inter­esses pes­soais e, sobre­tudo, com jogos infan­tis como o “cabo de guerra”.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

A bomba queimou

Escrito por Abdon Mar­inho


A BOMBA QUEIMOU.

MORAR em sítio tem seus per­calços.

No fim da tarde de quarta-​feira, véspera do feri­ado de Tiradentes, alcança-​me a noti­cia: — a bomba do poço arte­siano queimou.

Quem liga já é o eletricista que cos­tuma aten­der min­has deman­das e que fora chamado pelo caseiro para olhar o que estava acon­te­cendo.

A infor­mação de que fora a bomba do poço arte­siano a dan­i­fi­cada tem relevân­cia pois temos diver­sas bom­bas: do lago de carpas, da piscina e a do poço.

Emb­ora todas sejam impor­tantes para o fun­ciona­mento do sítio, a do poço é a prin­ci­pal. Local­izada a mais de 80 ou 90 met­ros, quando queima temos retirá-​la para sub­sti­tu­ição ou con­serto o que demanda a con­vo­cação de pes­soas espe­cial­izadas.

Sem con­tar que sem água cor­rente as coisas ficam bem mais difí­ceis. Per­gun­tei se ainda tinha água na caixa, o que me respon­deu de forma pos­i­tiva e fui atrás da empresa que fez a última limpeza do poço e instalou a bomba há menos de um ano.

Ao dono da empresa que fez a manutenção e tro­cou a bomba indaguei a razão da bomba ter queimado com menos de um ano de uso: — cer­ta­mente oscilação da rede elétrica, doutor. Pro­cure a nota fis­cal que amanhã irei aí.

Em pleno feri­ado, a primeira coisa que fiz após tomar o café da manhã e ali­men­tar os peixes foi me mudar para o escritório que man­tenho em casa à procura da ben­dita nota.

Atur­dido com a notí­cia e tendo saído mais cedo do escritório na véspera, pedi a um colega que procurasse, jun­ta­mente com um man­ual, na minha sala. Ele achou o man­ual mas não a nota fis­cal.

Aí, como dizia, logo nas primeiras horas da manhã me pus a des­ocu­par as gave­tas na ten­ta­tiva de encontrá-​la.

Des­ocu­par gave­tas, organizá-​las é um encon­tro com o nosso pas­sado e com nós mes­mos. Em uma caixa encon­trei minha primeira carteira da OAB com quase um quarto de século de existên­cia. É um livrinho com espaço para ano­tações, as vezes que vota­mos nas eleições da classe, alguma coisa de leg­is­lação clas­sista, e out­ros detal­hes.

Veio-​me as lem­branças daquele dia, dos cam­in­hos tril­ha­dos até lá e tudo que veio depois até aqui.

Guarda­dos em uma escarcela diplo­mas e históri­cos esco­lares do primeiro e segundo graus – mais lem­branças.

Em um enve­lope trans­par­ente fotografias de ami­gos, par­entes – algu­mas min­has –, pes­soas que já par­ti­ram desta vida e out­ras que par­ti­ram da minha vida.

Em um saquinho do “Foto Som­bra”, fotografias em três por qua­tro para fixar em algum doc­u­mento ou para inscrição em alguma ficha coisa; em um outro diver­sas carteiras de habil­i­tação, escrupu­losa­mente ren­o­vadas desde de 1998; em outro, as carteir­in­has da OAB, alguns cartões de crédi­tos ven­ci­dos e out­ros nunca usados.

Em outra gaveta alguns esto­jos com os ócu­los que usei desde que descobrir-​me míope, reló­gios, quin­quil­harias eletrôni­cas que foram ficando sem uso e sendo guarda­dos muitas vezes por não querer jogar no lixo que possa demorar tanto a se decom­por ou pelo velho hábito de guardar coisas her­dado do meu pai que cos­tu­mava dizer: — guarde, meu filho, pois quem guarda tem.

Em meio a tan­tos “acha­dos e per­di­dos” encon­tro uma luneta adquirida a não sei quanto tempo, que tinha por obje­tivo servir para obser­vação dos pás­saros aqui no sítio, acho que a usei uma ou duas vezes depois ficou esque­cida em uma gaveta.

Doc­u­men­tos, papéis, reci­bos, com­pro­vantes disso ou daquilo na intenção (e pre­ocu­pação) de algum dia pre­cisar amon­toa­dos noutro canto de gave­tas.

Até um com­pro­vante de votação das eleições de 1996, ate­s­tando que com­pareci ao primeiro turno daquele pleito encon­trei entre os vários papéis.

A cada novo papel, a cada novo item, uma breve parada para recor­dar o tempo pas­sado, a situ­ação vivida, as pes­soas envolvi­das, o que fiz ou o que deix­amos de fazer.

Algu­mas coisas achei ser a hora de jogar no cesto de lixo mais próx­imo, out­ras tive o tra­balho de arru­mar e deixar por mais um tempo nas gave­tas dos móveis. Gave­tas que na ver­dade são janelas da vida que pas­sou.

Ah, a nota fis­cal bus­cada ainda não foi encon­trada.

Seguire­mos na busca ou à procura de outra alter­na­tiva.

Abdon Mar­inho é advo­gado.