AbdonMarinho - A bomba queimou
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A bomba queimou


A BOMBA QUEIMOU.

MORAR em sítio tem seus per­calços.

No fim da tarde de quarta-​feira, véspera do feri­ado de Tiradentes, alcança-​me a noti­cia: — a bomba do poço arte­siano queimou.

Quem liga já é o eletricista que cos­tuma aten­der min­has deman­das e que fora chamado pelo caseiro para olhar o que estava acon­te­cendo.

A infor­mação de que fora a bomba do poço arte­siano a dan­i­fi­cada tem relevân­cia pois temos diver­sas bom­bas: do lago de carpas, da piscina e a do poço.

Emb­ora todas sejam impor­tantes para o fun­ciona­mento do sítio, a do poço é a prin­ci­pal. Local­izada a mais de 80 ou 90 met­ros, quando queima temos retirá-​la para sub­sti­tu­ição ou con­serto o que demanda a con­vo­cação de pes­soas espe­cial­izadas.

Sem con­tar que sem água cor­rente as coisas ficam bem mais difí­ceis. Per­gun­tei se ainda tinha água na caixa, o que me respon­deu de forma pos­i­tiva e fui atrás da empresa que fez a última limpeza do poço e instalou a bomba há menos de um ano.

Ao dono da empresa que fez a manutenção e tro­cou a bomba indaguei a razão da bomba ter queimado com menos de um ano de uso: — cer­ta­mente oscilação da rede elétrica, doutor. Pro­cure a nota fis­cal que amanhã irei aí.

Em pleno feri­ado, a primeira coisa que fiz após tomar o café da manhã e ali­men­tar os peixes foi me mudar para o escritório que man­tenho em casa à procura da ben­dita nota.

Atur­dido com a notí­cia e tendo saído mais cedo do escritório na véspera, pedi a um colega que procurasse, jun­ta­mente com um man­ual, na minha sala. Ele achou o man­ual mas não a nota fis­cal.

Aí, como dizia, logo nas primeiras horas da manhã me pus a des­ocu­par as gave­tas na ten­ta­tiva de encontrá-​la.

Des­ocu­par gave­tas, organizá-​las é um encon­tro com o nosso pas­sado e com nós mes­mos. Em uma caixa encon­trei minha primeira carteira da OAB com quase um quarto de século de existên­cia. É um livrinho com espaço para ano­tações, as vezes que vota­mos nas eleições da classe, alguma coisa de leg­is­lação clas­sista, e out­ros detal­hes.

Veio-​me as lem­branças daquele dia, dos cam­in­hos tril­ha­dos até lá e tudo que veio depois até aqui.

Guarda­dos em uma escarcela diplo­mas e históri­cos esco­lares do primeiro e segundo graus – mais lem­branças.

Em um enve­lope trans­par­ente fotografias de ami­gos, par­entes – algu­mas min­has –, pes­soas que já par­ti­ram desta vida e out­ras que par­ti­ram da minha vida.

Em um saquinho do “Foto Som­bra”, fotografias em três por qua­tro para fixar em algum doc­u­mento ou para inscrição em alguma ficha coisa; em um outro diver­sas carteiras de habil­i­tação, escrupu­losa­mente ren­o­vadas desde de 1998; em outro, as carteir­in­has da OAB, alguns cartões de crédi­tos ven­ci­dos e out­ros nunca usados.

Em outra gaveta alguns esto­jos com os ócu­los que usei desde que descobrir-​me míope, reló­gios, quin­quil­harias eletrôni­cas que foram ficando sem uso e sendo guarda­dos muitas vezes por não querer jogar no lixo que possa demorar tanto a se decom­por ou pelo velho hábito de guardar coisas her­dado do meu pai que cos­tu­mava dizer: — guarde, meu filho, pois quem guarda tem.

Em meio a tan­tos “acha­dos e per­di­dos” encon­tro uma luneta adquirida a não sei quanto tempo, que tinha por obje­tivo servir para obser­vação dos pás­saros aqui no sítio, acho que a usei uma ou duas vezes depois ficou esque­cida em uma gaveta.

Doc­u­men­tos, papéis, reci­bos, com­pro­vantes disso ou daquilo na intenção (e pre­ocu­pação) de algum dia pre­cisar amon­toa­dos noutro canto de gave­tas.

Até um com­pro­vante de votação das eleições de 1996, ate­s­tando que com­pareci ao primeiro turno daquele pleito encon­trei entre os vários papéis.

A cada novo papel, a cada novo item, uma breve parada para recor­dar o tempo pas­sado, a situ­ação vivida, as pes­soas envolvi­das, o que fiz ou o que deix­amos de fazer.

Algu­mas coisas achei ser a hora de jogar no cesto de lixo mais próx­imo, out­ras tive o tra­balho de arru­mar e deixar por mais um tempo nas gave­tas dos móveis. Gave­tas que na ver­dade são janelas da vida que pas­sou.

Ah, a nota fis­cal bus­cada ainda não foi encon­trada.

Seguire­mos na busca ou à procura de outra alter­na­tiva.

Abdon Mar­inho é advo­gado.