A educação em primeiro lugar.
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- Criado: Domingo, 01 Maio 2022 14:48
- Escrito por Abdon Marinho
A EDUCAÇÃO EM PRIMEIRO LUGAR.
Por Abdon Marinho.
ESTAMOS em maio, de diversos pontos do estado e da capital, recebo notícias de greves, paralizações e/ou que, por um motivo ou outro, o ano letivo de 2022 ainda não teve inicio e, onde iniciou, ainda “pega” no tranco.
Antes de discutir sobre as razões de cada um, não posso deixar de registrar a minha angústia e perplexidade com o fato.
Foge à minha compreensão que depois de dois anos com as crianças fora da sala de aula por conta da pandemia, assistindo aula de forma precária ou não assistindo, gestores, educadores, representantes classistas, pais de alunos, Ministério Público, não estejam discutindo estratégias para recuperar o tempo perdido, mas, sim, envoltos em discussões de campanhas salariais e outras pautas que a rigor, pouco ou nada contribuem para preencher a enorme lacuna ocasionada pelo tempo perdido.
A dolorosa realidade é que à educação brasileira vem fracassando de forma sistemática com o futuro do país.
Quando comparada com a educação de jovens e crianças de outros países ainda nos encontramos na rabeira de quaisquer indicadores que se use; quando fazemos um recorte com a educação pública, aumentamos ainda mais a desigualdade; quando fazemos o recorte na comparação com o norte nordeste temos essa desigualdade ampliada mais ainda – esta é a realidade do Maranhão.
Faltam recursos? Talvez. Mas, esta não é uma verdade absoluta.
Desde a redemocratização do país e, principalmente, depois da Constituição de 1988, o país vem investindo de forma crescente na educação – investimentos significativamente aumentados com a criação do FUNDEF e depois do FUNDEB –, sem que isso tenha se revertido, pelo menos, não na mesma proporção, na elevação dos indicadores educacionais.
Outro dia, por dever profissional, chamado a uma assembleia questionei os participantes sobre tais assuntos e por quais motivos, também, os pais dos alunos não eram chamados para participar do debate.
Ao meu sentir, não existe razão para polêmicas financeiras quando se trata de educação, uma vez que as balizas constitucionais estão bem definidas em seus indicadores mínimos.
O que existe, na maior parte das vezes, é incompreensão, falta de transparência, açodamentos e interesses pessoais se sobrepondo aos interesses coletivos.
A primeira baliza que temos é percentual mínimo de gasto com a educação.
A Constituição Federal, no artigo 212, estabelece:
“Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”.
Veja, que muito embora, estes percentuais sejam mínimos, para o conjunto de outras despesas que têm os entes federados, não estamos falando de pouca coisa quando estabelecemos vinte e cinco por cento da receita proveniente de impostos, incluindo aquela oriunda de transferências, com a manutenção e desenvolvimento do ensino.
Para cuidar de todo o resto: saúde, infraestrutura, segurança, assistência social, meio ambiente, etc, etc, sobram apenas 75% (setenta e cinco por cento) das receitas.
A segunda baliza é aquela que estabelece um percentual mínimo de gastos com pessoal.
O artigo 212-A instituído pela emenda constitucional nº. 108/2020, estabeleceu:
“XI — proporção não inferior a 70% (setenta por cento) de cada fundo referido no inciso I do caput deste artigo, excluídos os recursos de que trata a alínea «c» do inciso V do caput deste artigo, será destinada ao pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício, observado, em relação aos recursos previstos na alínea «b» do inciso V do caput deste artigo, o percentual mínimo de 15% (quinze por cento) para despesas de capital”.
Uma terceira baliza, resta estabelecida no inciso seguinte do mesmo artigo:
“XII — lei específica disporá sobre o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério da educação básica pública”.
Aqui, cabe esclarecer que a chamada Lei do Piso (LEI Nº 11.738, DE 16 DE JULHO DE 2008.), já era previsão constitucional inserta nos princípios da educação nacional estabelecidos no artigo 206, da Carta, reforçados nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias e regulamentada na lei acima, estabelecendo um piso mínimo para o magistério a ser implantado a partir de 2009 e reajustado todos os anos, no mês de janeiro.
Ainda no tópico da falsa polêmica envolvendo mestres, representantes classistas e gestores, temos uma quarta baliza constitucional, que, aliás, é um dos princípios da educação nacional contidos no artigo 206:
“V — valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas”.
Então vejamos, se o ente federado (estados e municípios) cumpre o percentual de investimento na manutenção e desenvolvimento do ensino; cumpre a proporção não inferior a setenta por cento com o pagamento dos profissionais da educação básica; cumpre o piso nacional estabelecido, previsto Constituição e regulado por lei; possui um plano de carreira que garanta a valorização dos profissionais, o que sobra para ser motivo de discussão e fomentar o atraso no ano letivo prejudicando o futuro de milhares de crianças e jovens?
Com atraso – mas, antes tarde do nunca –, o Ministério Público Estadual emitiu parecer, não vinculativo, na mesma linha do que sempre sustentei, e ainda observando para a responsabilidade dos gestores no que diz respeito ao cumprimento de outras obrigações legais, como o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal — LRF (Lei Complementar nº. 101/2000)m que disciplina os limites de gasto com pessoal.
Não discuto se o que recebe a categoria é justo ou não, pelo serviço que prestam, o que se discute é que o legislador, preocupado e/ou talvez cedendo as infinitas pressões de uma categoria organizada concedeu-lhe inúmeras garantias constitucionais que, mesmo assim, não parecem suficientes para devolver à educação ao seu leito normal de previsibilidade, regularidade e resultados.
Como sabemos, a remuneração dos profissionais da educação básica até pelas balizas já referidas acima, seja o menor dos problemas a serem enfrentados – e não os superaremos se todos recursos da educação forem destinados unicamente ao pagamento de seus profissionais, por mais que sejam merecedores.
O primeiro desafio é motivarmos crianças e pais para a importância da educação como fator de crescimento individual e coletivo.
Esse desafio não será superado com escolas caindo aos pedaços e com um ensino de baixa qualidade.
Com isso precisamos de escolas melhores estruturadas, professores mais qualificados e uma educação que seja atrativa para as crianças e jovens.
Não podemos perder de vista que a educação “disputa” a atenção das crianças e jovens com um mundo de outras atrações e distrações para elas muito mais envolventes.
Um segundo desafio é envolvimento das famílias com o aprendizado das crianças e jovens. Vivemos em um mundo em que uma grande parcela dos pais não querem ou não assumem qualquer papel na educação dos filhos, quando na verdade a primeira e mais valiosa educação deve ser ministrada pela família e complementada pela escola.
Infelizmente o que vemos é o inverso disso.
Desde a mais tenra idade vemos os pais se “desobrigando” da vida que colocou no mundo. Basta ver que quando uma criança chora pela atenção dos pais uma das primeiras coisas que fazem não conversar, educar ou disciplinar a criança é entregar-lhe um celular ou um outro equipamento eletrônico para que ela se distraia e não os perturbe nos seus afazeres ou mesmo nos seus lazeres.
É essa criança que com quatro ou cinco anos – e até antes –, vai ser entregue a educação do Estado.
Como imaginam que ela vai se sair?
Esse descompromisso “individual” já começa a expandir-se para o coletivo.
Outro dia um cliente ligou com uma dificuldade inusitada: vencido o mandato do Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente — CMDCA, ele já estava há um bom tempo sem o tal conselho, de importância ímpar, por não conseguir em todo o município pessoas que se dispusesse a compor aquele coletivo.
Ora, como justificar ou aceitar, que numa comunidade inteira não encontremos pessoas dispostas a fazer um trabalho voluntário de defesa do seu futuro, que são as crianças e adolescentes?
Quando se trata de educação a Constituição Federal deixa bem clara a responsabilidade, diz o artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Veja que ela pontua muito bem: a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família.
Daí ser imprescindível que quaisquer debates relacionados à educação não sejam feitos envolvendo apenas gestores e educadores, mas, envolvendo, principalmente às famílias.
Somente assim colocaremos, efetivamente, a educação em primeiro lugar.
Abdon Marinho é advogado.