AbdonMarinho - Uma tragédia se anuncia no horizonte do país.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Uma tragé­dia se anun­cia no hor­i­zonte do país.


UMA TRAGÉ­DIA SE ANUN­CIA NO HOR­I­ZONTE DO PAÍS.

Por Abdon Marinho.

QUANDO falo que uma tragé­dia se anun­cia no hor­i­zonte do país é provável que o leitor desav­isado ou impa­ciente pense que eu vá falar de uma provável eleição do ex-​presidente Luis Iná­cio Lula da Silva ou da reeleição do atual pres­i­dente Jair Mes­sias Bol­sonaro.

Muito emb­ora, um ou outro destes even­tos, fatal­mente ocorra – o que será trágico –, essa será uma tragé­dia com prazo de val­i­dade já definido.

A natureza, na sua sabedo­ria, esta­b­ele­ceu um “prazo de val­i­dade” para os humanos levando-​nos a acred­i­tar que todo o mal que pos­sam fazer as pes­soas e ao país, muito mais cedo do que tarde cessará.

A tragé­dia que falo e que, ao meu sen­tir, é ver­dadeira­mente mere­ce­dora de tal adje­tivo é a que tanto os gov­er­nos, nos seus vários níveis, quanto a sociedade, em seus segui­men­tos, tem feito em relação as nos­sas cri­anças e adolescentes.

Não me recordo quem disse – mas cer­ta­mente já dis­seram –, que o grau de civ­i­liza­ção de um povo se afere pela forma de trata­mento que este povo dis­pensa às suas cri­anças e jovens.

Em sendo ver­dadeira tal assertiva, o Brasil se aprox­ima cada vez mais da bar­bárie em detri­mento da civ­i­liza­ção.

Aqui não estou a referir-​me ape­nas ao tra­balho infan­til, a explo­ração sex­ual, a vio­lên­cia domés­tica, que sem­pre exi­s­ti­ram, mas, prin­ci­pal­mente, ao desin­ter­esse da sociedade em acol­her e pro­te­ger o futuro da nação.

Cada vez mais vemos cri­anças nascerem por inter­esses econômi­cos dos pais, como por exem­plo, rece­berem recur­sos dos pro­gra­mas assistenciais.

Cada vez mais assis­ti­mos aos pais não se pre­ocu­parem em man­dar os fil­hos para as esco­las ou se man­dam não é para que apren­dam, mas para que não per­cam um ou outro bene­fí­cio assis­ten­cial ou mesmo para “filarem” um prato de comida.

Cada vez mais vemos pais diz­erem que não têm con­t­role sobre os fil­hos ou se o tem é à base da vio­lên­cia con­tra os mes­mos.

Se não há no seio da família o inter­esse em cuidar e acol­her seus pequenos, o mesmo desin­ter­esse é sen­tido no con­junto da sociedade.

Fui aler­tado para tal situ­ação outro dia quando fui avisado que em deter­mi­nado municí­pio a admin­is­tração pública não con­seguia for­mar um Con­selho Munic­i­pal de Defesa da Cri­ança e do Ado­les­cente – CMDCA, que já estava ven­cido há dois anos pois não encon­travam mem­bros na sociedade dis­pos­tos a inte­grar o mesmo.

Fui infor­mado que por serem os car­gos do con­selho hon­orí­fi­cos, ou seja, sem qual­quer remu­ner­ação, não atraía qual­quer inter­esse, muito ao con­trário, só a recusa dos cidadãos da urbe.

Ora, o CMDCA é o con­selho respon­sável pelo plane­ja­mento, sug­estões e acom­pan­hamento de todas políti­cas públi­cas munic­i­pais voltadas para a defesa das cri­anças e dos ado­les­centes, cabendo-​lhe cobrar ações efe­ti­vas do poder público e dos demais órgãos quando os dire­itos dos mes­mos são vio­la­dos ou não cumpri­dos.

Trata-​se, por­tanto, de um con­selho impor­tan­tís­simo, pois cuida do futuro do municí­pio, do estado e do país.

Ainda assim, restava parado por falta de inter­esse da sociedade em compô-​lo.

E, vejam, este municí­pio, como todos os demais, pos­suem todos os prob­le­mas – e mais alguns –, que assis­ti­mos no dia a dia de qual­quer cidade do país: explo­ração sex­ual, uso de dro­gas, tra­balho infan­til, falta de inter­esse pela edu­cação, pequenos fur­tos, e tan­tos out­ros.

Cuidar das cri­anças e ado­les­centes é cuidar do nosso próprio futuro; é saber­mos que se der­mos um rumo para as cri­anças hoje, estare­mos evi­tando que amanhã essa cri­ança negli­cen­ci­ada se torne um mar­ginal, pra­tique atos de vio­lên­cia con­tra nós mes­mos ou con­tra os out­ros e venha sobre­car­regar a nação com despe­sas no sis­tema de saúde ou pen­i­ten­ciário.

A única solução que temos para asse­gu­rar o futuro do país, tam­bém, no momento, é parte do prob­lema: a edu­cação.

Desde sem­pre que sabe­mos ser a edu­cação a solução para todos os males do país.

Ape­sar disso, sabe­mos, tam­bém, que desde muito a edu­cação não vem cumprindo tal papel.

Por conta de um novo pro­jeto que cativou bas­tante tenho estu­dado e dis­cu­tido muito sobre a edu­cação brasileira, muito além do que já fazia ao longo dos meus 25 anos como advo­gado atuando no munic­i­pal­ismo e até antes, como asses­sor na Assem­bleia Leg­isla­tiva ou nos movi­men­tos estu­dan­tis no ensino médio e uni­ver­sitário.

Con­ver­sando com gestores, prefeitos, secretários, asses­so­rias pedagóg­i­cas, sinto que há quase uma una­n­im­i­dade em apon­tar como prin­ci­pal prob­lema da edu­cação brasileira a desmo­ti­vação dos profis­sion­ais envolvi­dos no sis­tema.

Como inte­grantes da sociedade desin­ter­es­sada pelo futuro de cri­anças e ado­les­centes, os profis­sion­ais da área edu­ca­cional, segundo estes gestores, mal cumprem “tabela”. A figura do edu­cador que chamava e tinha orgulho do pro­gresso int­elec­tual e for­mação profis­sional daquela cri­ança que viu crescer, já é uma pál­ida lem­brança.

Imag­i­nam que, quem sabe, deixando as cri­anças à von­tade nas suas algazarras ou inter­di­tos nos smart­phones durante as aulas não terão seus car­ros com pneus esvazi­a­dos ou risca­dos.

Vejam o roteiro da tragé­dia anun­ci­ada: os pais que demon­stram uma pro­funda neg­ligên­cia na for­mação dos fil­hos, por não saberem como criá-​los ou mesmo pela irre­spon­s­abil­i­dade de não querer fazer isso; uma sociedade que acha que não é com ela a respon­s­abil­i­dade por for­mu­lar e cobrar do poder público políti­cas efe­ti­vas de pro­teção, for­mação de cri­anças e ado­les­centes; e uma escola “desmo­ti­vada”.

Qual será resul­tado disso tudo?

O resul­tado já está aí à vista de todos: na vio­lên­cia prat­i­cada por cri­anças cada vez mais novas; nos indi­cadores edu­ca­cionais na rabeira; no atraso econômico do país.

Falta ao Brasil um plane­ja­mento estratégico de longo prazo.

No rumo que esta­mos tril­hando, nem como celeiro de mão de obra barata servire­mos, pois, a ela, emb­ora abun­dante, fal­tará qual­i­fi­cação mín­ima.

A única forma que enx­ergo para mudar­mos o roteiro da tragé­dia é através da edu­cação, prin­ci­pal­mente, a edu­cação básica onde se con­cen­tra a raiz do prob­lema.

As cri­anças brasileiras, notada­mente, as do ensino público, já estão, em média, oito anos atrás das cri­anças do ensino pri­vado.

Com tamanho atraso é incon­ce­bível que as cri­anças ten­ham ape­nas qua­tro horas por dia de aula – das quais, talvez, menos de três se aproveite com con­teúdo.

Pre­cisamos de gestores e pro­fes­sores que ten­ham con­sciên­cia de que da suas ações – e omis­sões –, depende o futuro do país.

O ensino fun­da­men­tal brasileiro pre­cisa, como uma emergên­cia nacional, tornar-​se inte­gral, com as cri­anças, pelo menos, das 08 às 17 horas, na escola, estu­dando ou em ativi­dades com­ple­mentares que as retire das ruas, do ócio e das ten­tações do din­heiro fácil, do jeit­inho ou da ignorân­cia de achar que a falta de con­hec­i­mento e for­mação não são impor­tantes ou que não pre­cisam disso.

A reestru­tu­ração da edu­cação brasileira é algo que pre­cisa ser feita com trem via­jando. Não é pos­sível se imag­i­nar que ire­mos esperar dotar toda a rede de estru­tura física para ini­ciar o ensino inte­gral.

Não temos tempo pra isso. Já esta­mos, como disse ante­ri­or­mente, muito atrasa­dos.

Pre­cisamos “para ontem” cor­rer atrás do “pre­juízo”.

As cri­anças do ensino fun­da­men­tal pre­cisam imer­girem no apren­dizado para tentarem alcançar as demais cri­anças que tiveram a sorte estourarem não rede pri­vada e que não sofr­eram tan­tos pre­juí­zos com a pan­demia.

Sem o apoio das famílias, diante uma sociedade apática e com esco­las “desmo­ti­vadas”, não podemos esperar muita coisa destas cri­anças, ainda mais agora quando elas ficaram em casa –ou nas ruas –, por dois anos, sem qual­quer rotina de estu­dos.

Na falta de esco­las inte­grais, o con­traturno pode ser uma alter­na­tiva aceitável, desde que não seja para poucos ou como exceção para suprir defi­ciên­cia em uma outra dis­ci­plina.

O con­traturno pode e deve ser uti­lizado como estraté­gia para suprir as neces­si­dades dos con­teú­dos não apren­di­dos nos últi­mos anos e, tam­bém, como forma para ten­tar resolver a enorme dis­tân­cia tem­po­ral entre as duas redes: a pública e a pri­vada.

Imag­i­nar que estas cri­anças terão as mes­mas condições de con­cor­rer ao ENEM ou vestibu­lar ou mesmo na via profis­sional é alienar-​se da real­i­dade que esta­mos viven­ciando.

Lem­bro de imag­i­nar que o ENEM ou mesmo o vestibu­lar eram sis­temas jus­tos, pois todos tin­ham as mes­mas chances.

Como imag­i­nar isso, atual­mente, se alguns con­cor­rentes, em con­teú­dos e condições de apren­diza­gem ofer­tadas, estão, em média, oito anos à frente uns dos out­ros?

É ilusório imag­i­nar que sem uma reforma na base edu­ca­cional brasileira dando as todas as cri­anças chances iguais de con­hec­i­men­tos, poder­e­mos, no futuro, falar em igual­dade de opor­tu­nidades.

Estou con­ven­cido de que não temos mais um dia a perder com dis­cussões tolas ou debates estéreis.

Este­jam cer­tos, caso não façamos nada, caso nos omi­ta­mos, a tragé­dia que se descortina para o futuro do Brasil será muito maior do que a even­tual eleição de Lula ou de Bol­sonaro.

Abdon Mar­inho é advo­gado.