AbdonMarinho - Aos mestres, com muito carinho.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Aos mestres, com muito carinho.

AOS MESTRES, COM MUITO CAR­INHO.

Por Abdon Marinho.

DESDE que meu pai disse que iria me dar algo que ninguém jamais iria me tomar e matriculou-​me em uma escola que tenho espe­cial devoção pelo ensino público.

Min­has primeiras lem­branças remon­tam a uma escol­inha de “latada”, coberta de palha, meia-​parede em pau a piqué com um “oitão” inteiro ao fundo onde ficava o quadro-​negro; sobre o chão de terra batida, os ban­cos esco­lares com capaci­dade para dois alunos.

A escol­inha, das min­has lem­branças, ficava em um descam­pado entre as casas de dois tios, tio Antônio e tio Praxedes.

Foi lá, naquela escol­inha, que tive os primeiros con­tatos com letras e com a edu­cação pública – e de onde nunca me afastei.

Fiquei pouco tempo, acho que meses, depois fui morar com meus irmãos em uma casa na Rua do Sossego, Gov­er­nador Archer, alu­gada e man­tida com a final­i­dade de estu­dar­mos. Fui matric­u­lado na minha primeira escola de ver­dade, a Unidade Integrada Alde­nora Belo e virei aluno da pro­fes­sora Mar­garida.

Depois fomos morar em Gonçalves Dias pas­sando a estu­dar na Unidade Integrada Castelo Branco, onde con­clui o primário (anos ini­ci­ais); e no Ban­deirantes, a mesma escola no turno noturno, con­clui o giná­sio (que cor­re­sponde aos anos finais do fun­da­men­tal).

Na expec­ta­tiva de um apren­dizado mel­hor fui “mudado” para São Luís, para fazer o ensino médio no Liceu Maran­hense.

Já era mea­dos dos anos oitenta, final do gov­erno Luis Rocha, iní­cio da rede­moc­ra­ti­za­ção do país, ressurg­i­mento do movi­mento estu­dan­til secundário.

Por conta disso par­ticipei ati­va­mente das cam­pan­has salari­ais dos nos­sos pro­fes­sores por mel­ho­rias salari­ais e mel­hores condições de ensino.

Naquele ano, 1986, uma greve geral do pro­fes­sores com tais pau­tas, durou aprox­i­mada­mente 60 dias. Foram sessenta dias nos rever­sando entre a sede do sindi­cato na Rua Hen­rique Leal, no Cen­tro Histórico e Praça Deodoro ou na frente do Liceu onde fazíamos as man­i­fes­tações diárias.

Os mais anti­gos devem lem­brar daque­les dias loucos.

Certa vez fazíamos um protesto em frente ao Liceu quando caiu um toró sem igual. Um toró de março. Todos na chuva sem arredar o pé, enquanto alguns servi­dores da escola e direção nos chamavam para entrar­mos no pré­dio e sair­mos da chuva. O pro­fes­sor Brandão, dire­tor ves­per­tino, dias depois, comen­taria comigo e out­ros cole­gas que só havia visto man­i­fes­tação semel­hante em uma pas­sagem de sua vida por Bogotá, na Colôm­bia, que vivera dias de grandes efer­vescên­cia.

Depois sobreveio os cinco anos do curso de Dire­ito na Uni­ver­si­dade Fed­eral do Maran­hão — UFMA e tam­bém as suas lutas por mel­hores condições de ensino, mel­hores condições de tra­balho para os mestres e servi­dores, o movi­mento estu­dan­til, etc.

A vida profis­sional na área da advo­ca­cia pública, prin­ci­pal­mente munic­i­pal­ista, sem­pre me per­mi­tiu acom­pan­har todas as difi­cul­dades do ensino público brasileiro. De mea­dos dos anos setenta até hoje acom­pan­hei todos seus prob­le­mas e, tam­bém, os pequenos avanços e recuos.

Com os meus mestres aprendi quase tudo que sei e à escola pública devo tudo que sou.

Acho opor­tuno his­to­riar todos estes fatos – e assim saberem que não se trata de um “à toa” falando –, para dizer que por uma con­tingên­cia profis­sional e por um dever de cidada­nia, vi-​me obri­gado a colocar-​me con­trário aos mestres que tanto admiro e respeito.

Pois bem, como advo­gado e por conta desta famil­iari­dade com as questões lig­adas à edu­cação fui con­vi­dado para par­tic­i­par de uma reunião para dis­cu­tir a pauta de reivin­di­cações dos mestres munic­i­pais – na ver­dade, do sindi­cato da cat­e­go­ria –, sob pena de par­al­iza­ção dos mes­mos, o que prej­u­di­cará mil­hares de estu­dantes e, em um efeito bumerangue, a eles próprios.

Não ape­nas como advo­gado, mas como cidadão, coloquei-​me con­trário as suas reivin­di­cações. No caso em tela, e que acred­ito seja a mesma situ­ação de diver­sos municí­pios, os mestres já gan­ham acima do piso salar­ial pre­visto na Con­sti­tu­ição Fed­eral e reg­u­la­men­tado por lei e pos­suem plano de car­reira, outra pre­visão con­sti­tu­cional.

Con­forme esclareci aos mes­mos, muito emb­ora pos­sam ter dire­itos a um novo rea­juste salar­ial, por conta de algum mecan­ismo do seu estatuto, não acho cor­reto, ético e moral­mente aceitável que já con­sumindo mais de oitenta por cento do orça­mento da edu­cação, pleit­eiem um aumento que des­tinem para o paga­mento dos servi­dores públi­cos efe­tivos da edu­cação todos os recur­sos do FUN­DEB – no caso, o aumento salar­ial pleit­eado, caso implan­tado, não ape­nas irá con­sumir todos os recur­sos des­ti­na­dos à edu­cação como ainda se terá que bus­car receita de out­ras áreas para com­ple­tar.

Disse-​lhes mais: não achava justo a munic­i­pal­i­dade des­cumprir a própria Con­sti­tu­ição e a Lei de Respon­s­abil­i­dade Fis­cal — LRF, para atendê-​los, uma vez que ela limita os gas­tos com pes­soal.

A Con­sti­tu­ição esta­b­elece que esta­dos e municí­pios dev­erão inve­stir nunca menos que vinte e cinco por cento de sua receita na edu­cação.

Este “piso” de gas­tos é para edu­cação de uma forma geral, englobando o paga­mento de servi­dores e a sua manutenção.

Muito emb­ora seja um “piso”, os entes fed­er­a­dos não podem se afas­tar muito dele sob pena de fal­tar recur­sos para out­ras áreas como a saúde, a infraestru­tura, a assistên­cia social, a segu­rança pública, o paga­mento dos demais servi­dores e todas as demais despe­sas que devem “caber” no orça­mento público.

No caso dos municí­pios – que rara­mente dis­põem de arrecadação –, a neces­si­dade de equi­líbrio entre as diver­sas despe­sas faz-​se muito mais exigida.

Não dev­e­ria ser motivo de orgulho para ninguém, muito menos para os mestres, que os gestores públi­cos “estufem” o peito para diz­erem que estão “gas­tando” cem por cento (ou próx­imo ou além disso) da receita do FUN­DEB ape­nas com o paga­mento dos salários dos servi­dores da edu­cação.

Estes gestores estão erra­dos e, talvez, por isso a qual­i­dade do ensino público não tenha “acom­pan­hado” a val­oriza­ção que o mag­istério vem tendo desde o advento da Con­sti­tu­ição de 1988 e depois, a par­tir dos anos noventa, com a cri­ação dos fun­dos (FUN­DEF e FUN­DEB).

A edu­cação brasileira, como disse há décadas o grande pro­fes­sor Darcy Ribeiro, con­tinua sendo uma calami­dade.

A própria Con­sti­tu­ição com suas suces­si­vas emen­das comete outro equívoco ao esta­b­ele­cer um piso de gas­tos com pes­soal não infe­rior setenta por cento.

Todos, prin­ci­pal­mente, os inter­es­sa­dos enten­dem que ali é um ponto de par­tida e que não há qual­quer lim­ite para os gas­tos com pes­soal – como se o “saco” dos recur­sos públi­cos não tivesse fundo.

Nunca con­heci um “empreendi­mento” exi­toso con­sumindo setenta por cento da receita na ativi­dade meio.

Como disse de “corpo pre­sente”, não dis­cuto números ou val­ores, mas, sim, per­centu­ais e pro­porções, e não me parece “pro­por­cional” que sendo as cri­anças os des­ti­natários da edu­cação não “sobre” nada dos recur­sos públi­cos para elas.

Repito, muito emb­ora recon­heçamos a importân­cia de mestres e servi­dores, a razão de existên­cia da edu­cação é a for­mação das cri­anças, isso é o óbvio, tanto assim que os val­ores dos impos­tos repas­sa­dos aos entes fed­er­a­dos têm como base a “per capita/​aluno”, entre­tanto, para elas, para inve­stir em mel­hores condições de ensino, em novos saberes e fer­ra­men­tas edu­ca­cionais, não ten­hamos recur­sos.

Isso não me parece justo. Não foi assim que os meus mestres me ensinaram.

Entendo que gestores e edu­cadores pre­cisam bus­car o ponto de equi­líbrio para com­pat­i­bi­lizar as neces­si­dades de rea­justes dos profis­sion­ais com a neces­si­dade de mel­ho­rias nas condições de ensino das cri­anças e jovens.

Uma pop­u­lação bem for­mada e qual­i­fi­cada é o prin­ci­pal “motor” do desen­volvi­mento do país e é o desen­volvi­mento que nos trará mais recur­sos para inve­stir em mais val­oriza­ção do mag­istério e em mel­hores condições de ensino das nos­sas cri­anças.

Não acred­ito que esta seja a hora de se bus­car os cul­pa­dos mas, sim, de encon­trar soluções.

Os mestres, sem­pre eles, fazem parte da solução e não do prob­lema, para isso é necessário com­preen­são e entendi­mento.

No longo prazo, isso se dará com uma pop­u­lação mais bem for­mada e qual­i­fi­cada, no curto prazo, com pro­je­tos e ati­tudes na área edu­ca­cional que tragam mais recur­sos públi­cos para edu­cação dos municí­pios.

Quando tra­bal­hei em Mor­ros (2010÷2016), foi dado um grande passo em um pro­jeto de longo prazo, durante anos os mestres aceitaram rea­justes menores ou nen­hum para que o municí­pio, com recur­sos próprios, pudesse con­struir seis pólos edu­ca­cionais na zona rural e já deix­asse um ter­reno com­prado para a con­strução de um grande polo edu­ca­cional na sede.

A admin­is­tração elim­i­nou quase uma cen­tena de escol­in­has que não ofer­e­ciam as mín­i­mas condições de ensino para as cri­anças.

Um grande exem­plo.

Este fim de sem­ana par­ticipei breve­mente de um sem­i­nário, em Brasília, voltado para a mel­ho­ria das receitas edu­ca­cionais dos municí­pios no curto prazo, são soluções sim­ples e pouco onerosas capazes de mel­ho­rar o vol­ume de recur­sos para os municí­pios.

É do que pre­cisamos.

Agora mesmo, com o anún­cio de como será o ENEM a par­tir de 2024, novos desafios se apre­sen­tam para o ensino público.

Estes desafios só serão ven­ci­dos com a par­tic­i­pação de todos, pro­fes­sores, servi­dores, gestores, pais e estu­dantes.

Não os vencer­e­mos uns olhando para os out­ros ou se enfrentando, como se fos­sem inimi­gos, mas, olhando jun­tos na mesma direção.

Abdon Mar­inho é advo­gado.