A LOUCURA CONDUZ A CEGUEIRA NO BRASIL.
Por Abdon Marinho
PARECE que a desgraça shakespeariana abateu-se sobre o país.
Nunca uma citação fez tanto sentido em relação a um país, em um determinado momento, quanto uma de Shakespeare proferia há quase 420 anos: «É uma infelicidade da época, que os doidos guiem os cegos». William Shakespeare.
Parto do pressuposto de que mesmo os mais devotos do senhor Bolsonaro já devam ter percebido que ele não goza de perfeita saúde mental. Aliás, não apenas ele mas muito no seu entorno desenvolveram algum tipo de comportamento paranoico, manias de perseguição, psicopatia e, também, um comportamento dissociado da realidade.
Noutras palavras: loucura, psicopatia e alienação.
Desde que assumiu o poder, o presidente da República, a quem caberia a defesa da nação, trabalha incansavelmente para conflagra-la. Já nos primeiros meses de governo lá estavam ele e seus aliados tentando se sobrepor aos demais poderes, pior, pregando abertamente que fossem extintos ou fechados.
As imagens estão aí para quem quiser confrontá-las, fazer uma linha do tempo. O presidente em pessoa participou de tais eventos. Um dos filhos, deputado federal, chegou ao descaramento de dizer que para fechar o Supremo Tribunal Federal — STF, instância máxima da justiça do país, bastaria um cabo e um soldado. Noutra oportunidade, em entrevista, chegou a dizer que tal coisa não seria se, mas quando iria ocorrer.
O confronto com os demais poderes constituídos foi perseguido pelo presidente – e continua sendo –, dia após dia, através de provocações para a claque do “cercadinho” ou das redes sociais.
A estratégia sempre foi testar os limites das instituições e, até mesmo, das pessoas que as integram. Por derradeiro, passou atacar sem trégua o sistema eleitoral brasileiro.
Já se vão três anos perdidos quando se deveria usar as energias para solucionar os graves problemas que atravessa o país, sobretudo, o desemprego e a inflação.
O primeiro, nega dignidade ao cidadão de bem, enquanto o segundo destrói as conquistas dos que ainda trabalha.
Como não qualificar de loucura o comportamento daquele que trama contra o próprio governo, as instituições, a pátria e a tranquilidade da sociedade.
A loucura se faz perceber por um outro viés: o de atribuir aos outros as consequências de seus próprios atos.
Ora, desde o começo, basta um pouco de isenção e honestidade, para perceber que o presidente sempre trabalhou, perseguiu uma ruptura institucional. Sabedor das próprias limitações, busca a permanência no poder através do golpe militar – conforme vimos diversas vezes incentivando atos neste sentido –, e/ou “vendendo” a nação aos corruptos de sempre.
Há quase quarenta anos que não víamos um presidente da República ou mesmo outras autoridades federais falar em colocar tropas nas ruas, buscar tutela das Forças Armadas para governar ou outros chiliques – a última vez que eu me recordo disso ter ocorrido foi em 1984, por ocasião da votação da emenda Dante Oliveira –, agora, todo dia, o presidente, seus aliados e outros malucos, não param de falar isso, repetem como se fosse um mantra.
Até mesmo desfile militar fora de época resolveram inventar. Claro que foi patético, ridículo e inoportuno o desfile militar que promoveram no dia 10 de agosto, passado.
A não ser pela loucura com resquícios de alienação, não fazia qualquer sentido “desviar” soldados e equipamentos militares em treinamento para passar pela esplanada dos ministérios para entregar um convite ao presidente.
Não sabem que já inventaram o e-mail, aplicativos de mensagens ou mesmo que poderiam mandar por algum serviço de entrega rápida? Poderiam, mesmo, só ligar. Evitando, assim, mais despesas para o país.
A não ser, que não tenha sido uma “trágica coincidência” programarem o desfile militar para o mesmo dia em que o plenário da Câmara dos Deputados votaria um projeto de emenda constitucional de interesse do presidente.
Pois é, a “trágica coincidência”, de que tratou o presidente da Câmara, remeteu justamente ao último “ato de força” do último presidente do régime militar por ocasião da votação da emenda Dante de Oliveira.
A diferença entre o que aconteceu naquela oportunidade e agora foi que o remake foi ridículo em todos os aspectos.
Para quem diz a cada meia hora que só se preocupa com a “liberdade do povo” pareceu-nos extremamente patético que tenha se inspirado em uma lembrança dos tempos da ditadura brasileira, ou de tantos outros regimes autoritários ao redor do mundo na atualidade, como a Rússia, a China ou a Coreia do Norte, os dois últimos regimes totalitários comunistas – que o presidente e seus aliados dizem repudiar.
Em um ato falho, aliás, um deputado bolsonarista usou imagens de um desfile militar da China, o demônio comunista, como se fosse o minguado desfile ocorrido na esplanada.
Outro exemplo da loucura e da psicopatia que acomete os governantes é a condução da pandemia – ou a não condução –, o país, até aqui é o segundo em número de mortes causados pelo vírus, com quase 570 mil mortos, muitas destas mortes teriam sido evitadas se o governo central não tivesse minimizado o vírus e sabotado as medidas de distanciamento social recomendadas pelos especialistas e, se no tempo certo, tivesse se mobilizado para o desenvolvimento e aquisição de vacinas.
Na sua loucura psicopata o presidente semi-analfabeto “investiu-se” de Deus como se só ele tivesse a solução para o problema.
Depois, para fugir da responsabilidade, passou a reclamar que Supremo havia retirado seus poderes para condução da crise sanitária.
Uma mentira repetida infinita vezes por eles e seus aliados já tantas vezes desmentidas mas que ainda insistem em dizer.
Na verdade o que o STF fez apenas dizer, numa decisão, o que estabelece a Constituição Federal, que:
“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.
Em outras palavras: os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, nos termos da Constituição, são autônomos e, especialmente, na questão da saúde possuem competência comum com os demais entes, conforme estabelece o artigo 23, II, verbis:
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: II — cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”.
Só a loucura e/ou psicopatia justificaria essa celeuma diante do nada com tantos milhares de brasileiros morrendo.
O STF – não podia ser diferente –, reconheceu a validade dos dispositivos acima no combate à pandemia. Caberia o governo federal, respeitando as balizas legais, coordenar as ações macro, o que não fez, optando por fazer “biquinho” e sabotar as medidas que ele (governo federal) deveria ter orientado.
A loucura pela alienação é manifesta quando imaginam, sugerem e ameaçam que podem tomar o poder pela força usando as Forças Armadas como um fajuto poder moderador para tutelar os poderes legítimos e constitucionais.
Os alienados acham que aos poderes da República são como crianças brigando e que o “paizão”, representado pelas Forças Armadas, chega lá e coloca cada um no seu lugar. Ou seja, coisa de alienados “tapados”.
Se por estas e tantas outras coisas temos a convicção de que loucos conduzem a nação, quem são os cegos que, não apenas se deixam conduzir, como também defendem com unhas e dentes tais loucuras?
A cegueira política existe desde sempre.
Ditadores como Hitler, Mussolini, Stálin, Mao, os Castro, Chávez, apenas para ficar nos exemplos mais conhecidos, não prosperariam se não contasse com o apoio de parte de seus concidadãos para chegarem ao poder e depois se manterem os seus regimes de terror.
No Brasil de agora não é diferente – vivemos um surto autoritário com quase cem anos de atraso. Poderíamos, até mesmo, dizer que são os autoritários “retardados”.
São cegos os militares (de pijama ou não) por não enxergarem que estão corroendo todo o prestígio que conquistaram graças a discrição e respeito a democracia brasileira desde que deixaram o poder há quase quarenta anos.
Estão cegos pela vaidade desmedida a ponto de acharem que a população irá aceitar e concordar com o retrocesso do qual não sentimos nenhuma saudade.
Estão cegos pela ambição os políticos das casas do Congresso Nacional que se deixaram cooptar por gordas emendas, e contra os interesses da nação, não fazem nada para barrar os absurdos que vêm ocorrendo no país.
Está cego o Ministério Público que esquecendo sua missão institucional se tornou sócio de toda a crise institucional que se abateu na nação, inclusive no morticínio de 570 mil brasileiros. Se os cegos do MPF não tivessem se escusado de suas responsabilidades muito dos problemas que passamos não teriam ocorrido.
Está cega uma parcela da população (já minoritária) que apoia os delírios golpistas e todas as outras atrocidades que vem sendo cometidas como se estivessem festejando a conquista da copa do mundo.
Tal cegueira a leva às ruas pedindo golpe militar, pedindo fechamento do legislativo e do judiciário e o retorno dos instrumentos de repressão do antigo régime militar como o Ato Institucional nº 05.
São os cegos pela ignorância, por não saberem o que é viver sob o jugo de um régime ditatorial – não importa qual –, e ainda ousam usar as datas da pátria com suas pautas corrompidas.
Nunca Shakespeare fez tanto sentido no Brasil.
Abdon Marinho é advogado.