AbdonMarinho - Fragmentos da história não contada.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 21 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Frag­men­tos da história não contada.


FRAG­MEN­TOS DA HISTÓRIA NÃO CON­TADA.

Por Abdon Mar­inho.

DURANTE as exéquias de Ter­ceiro, logo após a missa de corpo pre­sente, quando a noite já prin­cip­i­ava engolir o dia, Juarez nos chama para pegar à fresca no lado de fora da sala onde velá­va­mos o querido amigo antes que fosse con­duzido à última morada.

Saí­mos eu, Ader­son Lago, que chegara prati­ca­mente comigo, no iní­cio da tarde; o próprio Juarez Medeiros, José Costa e Roberto de Paula.

Na varanda de outra sala funerária, em frente a qual repousava o saudoso amigo, ficamos a recor­dar os cau­sos do quadriênio em todos ali, inclu­sive o morto, estive­mos na Assem­bleia Leg­isla­tiva do Estado, eu e Roberto na condição de asses­sores; e os demais como rep­re­sen­tantes do povo.

Aquele foi um quadriênio de muitas histórias.

Juarez já vinha de um mandato ante­rior – fora eleito pelo grupo “Nossa Luta”, do PMDB, que depois tornou-​se o PSB, na eleição de Cafeteira, em 1986 –, era uma espé­cie de cicerone dos novos dep­uta­dos do campo da oposição ao qual se somava além dele e José Costa, pelo PSB; Luís Vila Nova e Domin­gos Dutra, pelo PT; Bened­ito Coroba, pelo PDT; Ader­son Lago e Bened­ito Ter­ceiro, pelo PDC, lig­a­dos ao senador e ex-​governador Cafeteira.

Foram anos diver­tidos. Tín­hamos out­ros tipos de políti­cos, ainda não se viven­ci­ava a política do “toma lá dá cá” em toda sua plen­i­tude. Mesmo nas hostes gov­ernistas tín­hamos dep­uta­dos bem prepara­dos, com história, senso de humor e bons de tiradas.

São estes frag­men­tos, que não con­sta em nen­hum livro, e que, cer­ta­mente, se perderão nas bru­mas do tempo.

Ader­son nos con­tou do antológico dis­curso do dep­utado Eliseu Fre­itas, ilus­tre rep­re­sen­tante de Barra do Corda.

Era uma manhã de sexta-​feira – nesses dias as sessões eram pela manhã –, sem nen­hum assunto impor­tante em pauta e com quase todos dep­uta­dos já tendo “descido para as bases”.

Pre­sentes na sessão ape­nas o dep­utado JJ Pereira, que pre­sidia os tra­bal­hos, o dep­utado Vila Nova, Ader­son Lago que já chegara atrasado e o dep­utado Eliseu que se inscreveu para falar em todos os tem­pos, do grande expe­di­ente às comu­ni­cações de par­tidos.

Com sua voz­inha pecu­liar, lá estava o dep­utado cordino em um dis­curso sem fim.

Pelas “tan­tas” o dep­utado Vila Nova pediu um aparte: — nobre dep­utado Eliseu, hoje é sexta-​feira, não tem ninguém nas gale­rias ou no comitê de imprensa, só esta­mos aqui eu, o sen­hor, o dep­utado Ader­son e o dep­utado JJ, o sen­hor não acha que dev­e­ria diminuir esse discurso?

Ao que Eliseu respon­deu: — nobre dep­utado Vila Nova, não estou aqui fazendo dis­curso para o sen­hor, para o dep­utado Ader­son, para o dep­utado JJ, para a plateia ou para imprensa, estou fazendo esse dis­curso para os meus eleitores da Barra do Corda, daqui a pouco pego a fita e mando para a minha rádio.

E encer­rou o aparte.

Acho que com todo sua sim­pli­ci­dade o dep­utado Eliseu estava certo, tanto assim que em 1992 elegeu-​se prefeito de Barra do Corda.

No final daquele ano, segundo Juarez Medeiros, despediu-​se da Assem­bleia Leg­isla­tiva com um dis­curso onde dizia: — quero agrade­cer a todos dep­uta­dos, todos os fun­cionários desta Casa e dizer que aqui, nestes dois anos, aprendi muito, foi aqui que aprendi a chamar meus inimi­gos de vossa excelên­cia.

São poucos os políti­cos maran­henses tão engraça­dos quando Eliseu, pelo menos assim o vimos naque­les anos em foi dep­utado.

Certa vez, enquanto fazia um dis­curso, um adver­sário o ten­tou tirar do sério com um aparte: — nobre dep­utado eu tenho pena do sen­hor, não sei como o sen­hor con­segue dormir devendo tanto.

Eliseu retomando a palavra arrema­tou: — olhe nobre dep­utado o sen­hor não pre­cisa se pre­ocu­par comigo, é ver­dade que devo muito, mas só devo a banco e os ban­cos não cobram durante a noite, por isso durmo muito bem, obri­gado.

Fora da Casa de Manoel Bequimão, ainda tem a história do mesmo par­la­men­tar, que durante um comí­cio em Barra do Corda era insis­ten­te­mente asse­di­ado com um pedido de din­heiro de um eleitor. Já cansado com a insistên­cia disse para pas­sar na sua casa no dia seguinte.

Mal acor­dara no dia seguinte, o eleitor estava na sua porta: — Seu Eliseu, o sen­hor disse que pas­sasse hoje para rece­ber aquela ajuda, ‘tá’ lembrado?

Eliseu então respondeu-​lhe: — e tu pen­sas que eu sou “rapariga” para gan­har din­heiro durante a noite?

E encer­rou o assunto.

Oposto no estilo e no preparo era o dep­utado Kle­ber Branco, ilus­tre rep­re­sen­tante de Pedreiras, e que, certa vez, pro­tag­o­ni­zou um dos momen­tos icôni­cos da Assem­bleia naquele quadriênio, con­forme nos con­tou Juarez Medeiros.

Todos na Assem­bleia, dep­uta­dos, servi­dores, fre­quen­ta­dores das gale­rias e a imprensa estavam acos­tu­ma­dos a ouvir os sem­pre come­di­dos e bem fun­da­men­ta­dos dis­cur­sos do dep­utado pedreirense.

Naquela terça-​feira, com a Casa lotada, o dep­utado subiu à tri­buna e começou: — feio, hor­rível, hor­ro­roso, mal-​ajambrado, despro­por­cionado, desagradável, hor­rendo, mal-​apessoado, mal­pro­por­cionado, hor­rip­i­lante, medonho, mon­stru­oso, mal-​acabado …

Dep­uta­dos, pop­u­lares, imprensa, todos mudos, sem enten­der o que estava acon­te­cendo, ainda mais vindo de quem vinha, se olhavam incré­du­los, enquanto o dep­utado ia lis­tando quase duas dezenas de impre­cações e adje­tivos, para concluir:

— … merece muito bem o nome que tem: “Giná­sio Esportivo Car­los Melo”, muito obri­gado.

Com exceção do dep­utado Car­los Melo, o outro rep­re­sen­tante de Pedreiras, que estava na sessão, todos no recinto não con­tiveram a gar­gal­hada.

A história por trás do dis­curso é que na sem­ana ante­rior, o dep­utado Melo adver­sário paro­quial de Branco, estivera dis­tribuindo para os dep­uta­dos, jor­nal­is­tas e out­ras per­son­al­i­dades con­vites para uma série de inau­gu­rações que acon­te­ceriam em Pedreiras que era dirigido por sua esposa Graça Melo.

Daí o inusi­tado dis­curso para espez­in­har o adver­sário.

Ainda naquele quadriênio, um outro momento mar­cante foi quando Nagib Haickel, que pre­sidia a Casa “desmon­tou” um dis­curso de Bened­ito Coroba, do PDT.

Coroba, um dos homens públi­cos mais prepara­dos int­elec­tual­mente do Maran­hão, quiçá do Brasil, fazia, se não me falha a memória, um con­tun­dente dis­curso con­tra o abuso de poder na política e nas eleições, com­pra de votos, etcetera, quando lhe aparteou Nagib.

— O dep­utado Coroba faz todo esse infla­mado dis­curso mas esquece que quando eu pas­sava por Itapecuru-​Mirim, nas min­has cam­pan­has dis­tribuindo bom­bons para as cri­anças, ele era o primeiro a cor­rer atrás do carro pedindo pra ele: “me dá uma tio Nagib! Me dá uma tio Nagib”.

Cer­ta­mente que Nagib, político das anti­gas, dis­tribuía bal­in­has e out­ros mimos para a cri­ançada, o que não sabe­mos é se Coroba estava entre elas.

O certo é que o dis­curso “mor­reu” e por tem­pos (ainda hoje) visu­al­izamos um rechonchud­inho Coroba cor­rendo atrás do carro de Nagib durante suas cam­pan­has pelo Itapecuru-​Mirim.

Ah, são tan­tas histórias deli­ciosas e engraçadas.

A política do Maran­hão tem é repleta de acon­tec­i­men­tos pitorescos. Mesmo na sua sim­pli­ci­dade os “rep­re­sen­tantes do povo” eram mais prepara­dos, tin­ham um mel­hor verniz civilizatório.

Há alguns anos com­binei com Raimundo Verde, antigo fun­cionário da Assem­bleia, arquivo vivo de tan­tos acon­tec­i­men­tos que um dia escreveríamos sobre o que viven­ci­amos naque­les anos, a morte traiçoeira levou-​o antes que real­izásse­mos tal sonho.

Minha con­dução chegou, despedi-​me dos ami­gos deixando para trás o velório de Ter­ceiro e tan­tas histórias a serem con­tadas.

Na estrada até São José de Riba­mar pouco falei, ape­nas refle­tia sobre quanto somos pas­sageiros.

Abdon Mar­inho é advo­gado.