Fragmentos da história não contada.
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- Criado: Quarta, 08 Dezembro 2021 15:40
- Escrito por Abdon Marinho
FRAGMENTOS DA HISTÓRIA NÃO CONTADA.
Por Abdon Marinho.
DURANTE as exéquias de Terceiro, logo após a missa de corpo presente, quando a noite já principiava engolir o dia, Juarez nos chama para pegar à fresca no lado de fora da sala onde velávamos o querido amigo antes que fosse conduzido à última morada.
Saímos eu, Aderson Lago, que chegara praticamente comigo, no início da tarde; o próprio Juarez Medeiros, José Costa e Roberto de Paula.
Na varanda de outra sala funerária, em frente a qual repousava o saudoso amigo, ficamos a recordar os causos do quadriênio em todos ali, inclusive o morto, estivemos na Assembleia Legislativa do Estado, eu e Roberto na condição de assessores; e os demais como representantes do povo.
Aquele foi um quadriênio de muitas histórias.
Juarez já vinha de um mandato anterior – fora eleito pelo grupo “Nossa Luta”, do PMDB, que depois tornou-se o PSB, na eleição de Cafeteira, em 1986 –, era uma espécie de cicerone dos novos deputados do campo da oposição ao qual se somava além dele e José Costa, pelo PSB; Luís Vila Nova e Domingos Dutra, pelo PT; Benedito Coroba, pelo PDT; Aderson Lago e Benedito Terceiro, pelo PDC, ligados ao senador e ex-governador Cafeteira.
Foram anos divertidos. Tínhamos outros tipos de políticos, ainda não se vivenciava a política do “toma lá dá cá” em toda sua plenitude. Mesmo nas hostes governistas tínhamos deputados bem preparados, com história, senso de humor e bons de tiradas.
São estes fragmentos, que não consta em nenhum livro, e que, certamente, se perderão nas brumas do tempo.
Aderson nos contou do antológico discurso do deputado Eliseu Freitas, ilustre representante de Barra do Corda.
Era uma manhã de sexta-feira – nesses dias as sessões eram pela manhã –, sem nenhum assunto importante em pauta e com quase todos deputados já tendo “descido para as bases”.
Presentes na sessão apenas o deputado JJ Pereira, que presidia os trabalhos, o deputado Vila Nova, Aderson Lago que já chegara atrasado e o deputado Eliseu que se inscreveu para falar em todos os tempos, do grande expediente às comunicações de partidos.
Com sua vozinha peculiar, lá estava o deputado cordino em um discurso sem fim.
Pelas “tantas” o deputado Vila Nova pediu um aparte: — nobre deputado Eliseu, hoje é sexta-feira, não tem ninguém nas galerias ou no comitê de imprensa, só estamos aqui eu, o senhor, o deputado Aderson e o deputado JJ, o senhor não acha que deveria diminuir esse discurso?
Ao que Eliseu respondeu: — nobre deputado Vila Nova, não estou aqui fazendo discurso para o senhor, para o deputado Aderson, para o deputado JJ, para a plateia ou para imprensa, estou fazendo esse discurso para os meus eleitores da Barra do Corda, daqui a pouco pego a fita e mando para a minha rádio.
E encerrou o aparte.
Acho que com todo sua simplicidade o deputado Eliseu estava certo, tanto assim que em 1992 elegeu-se prefeito de Barra do Corda.
No final daquele ano, segundo Juarez Medeiros, despediu-se da Assembleia Legislativa com um discurso onde dizia: — quero agradecer a todos deputados, todos os funcionários desta Casa e dizer que aqui, nestes dois anos, aprendi muito, foi aqui que aprendi a chamar meus inimigos de vossa excelência.
São poucos os políticos maranhenses tão engraçados quando Eliseu, pelo menos assim o vimos naqueles anos em foi deputado.
Certa vez, enquanto fazia um discurso, um adversário o tentou tirar do sério com um aparte: — nobre deputado eu tenho pena do senhor, não sei como o senhor consegue dormir devendo tanto.
Eliseu retomando a palavra arrematou: — olhe nobre deputado o senhor não precisa se preocupar comigo, é verdade que devo muito, mas só devo a banco e os bancos não cobram durante a noite, por isso durmo muito bem, obrigado.
Fora da Casa de Manoel Bequimão, ainda tem a história do mesmo parlamentar, que durante um comício em Barra do Corda era insistentemente assediado com um pedido de dinheiro de um eleitor. Já cansado com a insistência disse para passar na sua casa no dia seguinte.
Mal acordara no dia seguinte, o eleitor estava na sua porta: — Seu Eliseu, o senhor disse que passasse hoje para receber aquela ajuda, ‘tá’ lembrado?
Eliseu então respondeu-lhe: — e tu pensas que eu sou “rapariga” para ganhar dinheiro durante a noite?
E encerrou o assunto.
Oposto no estilo e no preparo era o deputado Kleber Branco, ilustre representante de Pedreiras, e que, certa vez, protagonizou um dos momentos icônicos da Assembleia naquele quadriênio, conforme nos contou Juarez Medeiros.
Todos na Assembleia, deputados, servidores, frequentadores das galerias e a imprensa estavam acostumados a ouvir os sempre comedidos e bem fundamentados discursos do deputado pedreirense.
Naquela terça-feira, com a Casa lotada, o deputado subiu à tribuna e começou: — feio, horrível, horroroso, mal-ajambrado, desproporcionado, desagradável, horrendo, mal-apessoado, malproporcionado, horripilante, medonho, monstruoso, mal-acabado …
Deputados, populares, imprensa, todos mudos, sem entender o que estava acontecendo, ainda mais vindo de quem vinha, se olhavam incrédulos, enquanto o deputado ia listando quase duas dezenas de imprecações e adjetivos, para concluir:
— … merece muito bem o nome que tem: “Ginásio Esportivo Carlos Melo”, muito obrigado.
Com exceção do deputado Carlos Melo, o outro representante de Pedreiras, que estava na sessão, todos no recinto não contiveram a gargalhada.
A história por trás do discurso é que na semana anterior, o deputado Melo adversário paroquial de Branco, estivera distribuindo para os deputados, jornalistas e outras personalidades convites para uma série de inaugurações que aconteceriam em Pedreiras que era dirigido por sua esposa Graça Melo.
Daí o inusitado discurso para espezinhar o adversário.
Ainda naquele quadriênio, um outro momento marcante foi quando Nagib Haickel, que presidia a Casa “desmontou” um discurso de Benedito Coroba, do PDT.
Coroba, um dos homens públicos mais preparados intelectualmente do Maranhão, quiçá do Brasil, fazia, se não me falha a memória, um contundente discurso contra o abuso de poder na política e nas eleições, compra de votos, etcetera, quando lhe aparteou Nagib.
— O deputado Coroba faz todo esse inflamado discurso mas esquece que quando eu passava por Itapecuru-Mirim, nas minhas campanhas distribuindo bombons para as crianças, ele era o primeiro a correr atrás do carro pedindo pra ele: “me dá uma tio Nagib! Me dá uma tio Nagib”.
Certamente que Nagib, político das antigas, distribuía balinhas e outros mimos para a criançada, o que não sabemos é se Coroba estava entre elas.
O certo é que o discurso “morreu” e por tempos (ainda hoje) visualizamos um rechonchudinho Coroba correndo atrás do carro de Nagib durante suas campanhas pelo Itapecuru-Mirim.
Ah, são tantas histórias deliciosas e engraçadas.
A política do Maranhão tem é repleta de acontecimentos pitorescos. Mesmo na sua simplicidade os “representantes do povo” eram mais preparados, tinham um melhor verniz civilizatório.
Há alguns anos combinei com Raimundo Verde, antigo funcionário da Assembleia, arquivo vivo de tantos acontecimentos que um dia escreveríamos sobre o que vivenciamos naqueles anos, a morte traiçoeira levou-o antes que realizássemos tal sonho.
Minha condução chegou, despedi-me dos amigos deixando para trás o velório de Terceiro e tantas histórias a serem contadas.
Na estrada até São José de Ribamar pouco falei, apenas refletia sobre quanto somos passageiros.
Abdon Marinho é advogado.