O FENÔMENO BOLSONARO — Parte 1.
Por Abdon Marinho.
UMA das razões pelas quais deixei para escrever o presente texto nesta manhã de domingo foi aguardar o resultado da manifestação popular chamada pelo presidente da República, e seus aliados, para acontecer na capital federal no sábado, dia 15 de maio.
Se não me falha a memória já vai pelo terceiro fim de semana que elas ocorrem, sem contar as manifestações ocorridas na inauguração da ponte do Abunã, sobre o Rio Madeira, em Rondônia e em Maceió, Alagoas.
As manifestações de apoio ao chefe da nação – a despeito de tudo que vem ocorrendo no Brasil –, coloca-o na condição de “fenômeno”, que na acepção da palavra, em sentido figurado, significa: “pessoa, animal ou coisa com algo de extraordinário, que provoca admiração ou espanto”.
O senhor Bolsonaro, segundo as últimas pesquisas, conta com um apoio popular que não chega ou que oscila em torno dos 30% (trinta por cento) da população, e, segundo essas mesmas pesquisas, 54% (cinquenta e quatro por cento) dos eleitores já cravaram que “não votarão nele de forma alguma”.
Registre-se, ainda, que apenas 14% (quatorze por cento) da população acredita piamente no que diz o presidente e que 58% (cinquenta e oito por cento) da população acham que ele não possui capacidade para dirigir o país.
Em tal contexto, a não ser pela ótica do “fenômeno” conseguimos explicar ou compreender as manifestações de apoio que o senhor Bolsonaro recebe de um seguimento significativo da população.
Merece relevo que os apoios recebidos pelo presidente não vêm dos cidadãos menos afortunados, menos esclarecidos – não do ponto de vista formal –, não estamos diante de um Antônio Conselheiro, que, de Canudos, com sua tropa de maltrapilhos, rebelou-se contra a jovem República, na Guerra de Canudos (1896−1897).
As imagens revelam um público de classe média, empresários, estudantes, profissionais liberais, etc. Muitos vinculados a denominações religiosas, mas nem todos, provando que existe um “movimento bolsonarista”, daí ter aguardado o último ato tendo em vista que convocado como “ato político”, por pessoas que apoiam, independente de qualquer coisa que diga ou faça – ele ou seu governo. Até porque, os efeitos do que dizem ou fazem atinge a todos.
O principal ministro do governo, senhor Guedes, que controla a economia, ao justificar a elevação do dólar face ao real disse o dólar alto fazia bem a economia e aproveitou para reclamar que “até as domésticas estavam indo para a Disneylândia”.
Outra vez reclamou que brasileiros estão vivendo “demais” – saiu-se até com uma frase: “todo mundo quer viver mais de cem anos”.
No início da pandemia, saiu a notícia (que até hoje me recuso a ter como verdadeira) de que alguém deste ministério teria “festejado” a pandemia sob o argumento de que morreriam muitos idosos e que isso desafogaria a previdência social, um dos gargalos do atual governo.
Por último, reclamou do fato do FIES ter financiado a formação do filho do porteiro.
Devo pensar, então, que as pessoas que estavam nas ruas em favor do presidente – que nada disse sobre as falas do seu ministro –, são contras que as domésticas possam pagar uma passagem para conhecer a Disneylândia? Comprar um iPhone?
São contrários ao fato dos brasileiros, depois de muita luta, terem melhorado sua expectativa de vida – que ainda é uma das baixas entre os países civilizados?
São contra o FIES financiar a faculdade do filho do porteiro, do açougueiro, do pedreiro, do agricultor ou de qualquer um que se enquadre no programa?
Certamente que os cidadãos “de bem” que se vestem de verde-amarelo, que são esclarecidos não defendem tais ideias? Ou defendem? Por que nada disseram?
Quando o senhor Bolsonaro assumiu o governo, em janeiro de 2019, 1 dólar custava R$ 3,75 reais, a cotação do dólar hoje é de R$ 5,56, ou seja, a moeda brasileira “perdeu”, no intervalo de dois anos, quase R$ 2,00.
Já ouvi, de pessoas ignorantes, a assertiva de que “não viviam em dólar e sim, em real”.
Mas esse não é o público que estava nas manifestações de apoio ao governo. Exceto pelo pequeno nicho do agronegócio exportador, a elevação do dólar em face da nossa moeda nos empobrece, vez que a moeda americana é o padrão de riqueza do mundo.
Imagine que você tem um propriedade, um bem, ou mesmo uma poupança no Brasil e em pouco mais de dois anos, isso esteja valendo trinta ou quarenta por cento menos.
Sem contar que a cotação do dólar tem influência no preço de tudo que consumimos aqui no nosso país.
A elevação do preço do barril de petróleo (que é cotado em dólar) ou da própria moeda, encarece tudo aqui dentro: o preço do diesel, que em janeiro de 2019, estava abaixo de R$ 3,50, hoje já chega aos R$ 4,00 e até passa desse valor, trazendo, com isso a elevação de tudo que consumimos.
Mais. A desvalorização da moeda nacional estimula as exportações de alimentos.
Ah, isso é muito bom, dirão, nossa balança comercial terá superávit.
É verdade, mas de outro lado, o preço da carne, do frango, porco e de tudo que consumimos sofrerá aumento, levando o empobrecimento das famílias.
Uma das principais funções das autoridades federais é a proteção da moeda e o governo brasileiro tem fracassado miseravelmente neste ponto.
Não tudo, mais uma grande parte da desvalorização da nossa moeda tem a ver com manifestações intempestivas, incompetência, falta de planejamento e de visão do mundo do presidente e da sua equipe.
O enfraquecimento do real frente ao dólar traz consequências nefastas para as pessoas: não conseguem se alimentar como antes, não consegue, sequer, cozinhar com gás, nem se fale em consumir algum “luxo”.
Entretanto, para o governo, o dólar alto é bom, onde já se viu doméstica querer passear na Disneylândia.
Certamente as pessoas que saem às ruas para manifestações de apoio ao senhor Bolsonaro, que não são ignorantes, sabem do efeito danoso que essa política econômica tem causado a nossa economia – e a apoia.
Um dos maiores ativos políticos do Brasil perante a comunidade internacional é o relacionado ao meio ambiente.
Desde que o atual governo assumiu que o INPE — Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, órgão público, atesta elevação no desmatamento das nossas florestas.
O risco delas virem a desaparecer, de tão real acendeu o alerta na comunidade internacional a ponto do encarregado para assuntos relacionados ao clima do governo Joe Biden, John Kerry, manifestar publicamente sobre o tema.
Tudo isso sem contar com a invasão de reservas indígenas para exploração de madeira e de minérios, a “grilagem” das terras públicas, a legalização de crimes ambientais, etc.
Sem contar com a própria violência praticadas contra os índios – os verdadeiros donos das terras desde sempre.
Um dos fatos mais curiosos destes dias estranhos que vivemos, foi a notícia de a FUNAI — Fundação Nacional do Índio, que deveria tratar dos interesses dos indígenas, solicitou a Polícia Federal abertura de um inquérito.
Não contra os grileiros, não contra os garimpeiros, não contra os madeiros …
Pois é, a FUNAI, pasmem! Solicitou a PF que abrisse inquérito contra os índios, contra as lideranças indígenas, justamente por elas denunciarem esse tipo de situação.
Vejam, o governo brasileiro, de forma deliberada, por ignorância ou interesses inconfessáveis, não consegue (ou não quer) proteger o maior patrimônio do país, muito embora a comunidade internacional tenha oferecido recursos para ajudar nessa empreitada.
O que temos, entretanto, é um ministro do meio ambiente – dos mais prestigiados pelo presidente –, sendo acusado pela Polícia Federal, de atrapalhar as investigações de crimes ambientais e de “conspirar” a favor dos desmatadores.
O que temos assistido, desde o início do governo, é a “boiada” passando, o IBAMA e o ICMbio sem qualquer estrutura e recursos para cumprirem suas missões institucionais enquanto o Ministério do Meio Ambiente edita portarias no sentido de inibir a atuação dos fiscais.
Por derradeiro, existe um esforço incomum dos aliados do governo de fazerem passar no Congresso Nacional uma nova lei “contra” o licenciamento ambiental.
Essa iniciativa é totalmente criticada por todos que entende do assunto e “ganhou” uma carta contrária de todos os ex-ministros do meio ambiente, ainda vivos.
Será que todas essas pessoas que criticam a condução ambiental do atual governo estão erradas? Será que os órgãos do próprio governo e do mundo estão errados? Será que as pessoas que defendem o meio ambiente no Brasil e mundo, e que nos alertam, estão erradas?
Pois bem, soube que na manifestação de ontem a favor do presidente, do governo e das suas pautas, um dos dos que se manifestaram foi o “nosso” anti-ministro do meio ambiente.
Será que aqueles manifestantes que estavam lá aplaudindo são contrários ao meio ambiente? Acham que a política ambiental do atual governo é digna de aplausos?
No (ou nos) texto seguinte continuaremos a tratar do fenômeno Bolsonaro.
Abdon Marinho é advogado.