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CALA BOCA MOR­REU! OU NÃO

Escrito por Abdon Mar­inho


CALA BOCA MOR­REU! OU NÃO.

Por Abdon Mar­inho.

ARTIS­TAS sobem ao palco de impor­tante fes­ti­val de música e, ova­ciona­dos, fazem pros­elit­ismo político a favor de seu can­didato – e con­tra outro. O par­tido do político que sentiu-​se ofen­dido vai à Justiça Eleitoral recla­mar de cam­panha política ante­ci­pada.

Provo­cada, a Justiça Eleitoral, por um dos seus min­istros plan­ton­istas, deter­mina que sejam ces­sa­dos os pros­elit­ismos políti­cos, sob pena de pesadas mul­tas aos orga­ni­zadores do fes­ti­val.

A decisão do min­istro parece que teve efeito con­trário e acir­rou ainda mais os âni­mos com diver­sos artis­tas reiterando na prática, diver­sos out­ros indo ao maior palco do mundo, as redes soci­ais, protestarem con­tra o que enten­deram como cen­sura à livre man­i­fes­tação do pen­sa­mento e out­ros, ainda mais desafi­adores – e ricos –, se ofer­e­cendo para pagarem as mul­tas impostas pela Justiça.

Diante da vasta reper­cussão neg­a­tiva, o par­tido autor da ação desis­tiu e o min­istro arquivou o caso.

Falando ao seu público, mas sem dec­li­nar nomes, o pres­i­dente da República “man­dou” que min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral – STF, calassem a boca.

A sem­ana que pas­sou reg­istrou, ainda, um breve con­flito entre a Câmara dos Dep­uta­dos e o STF por conta da deter­mi­nação de um min­istro para que um dep­utado fed­eral pas­sasse a usar tornozeleira eletrônica, suposta­mente por infringir medi­das restri­ti­vas ante­ri­or­mente impostas pela suposta prática de crime que ele (dep­utado) alega ter sido ape­nas “livre man­i­fes­tação do pensamento”.

Após desaforos de lado a lado, empurra-​empurra, uma ten­ta­tiva frustrada de deter­mi­nar que a Polí­cia Fed­eral fosse à Câmara dos Dep­uta­dos fazer cumprir a deter­mi­nação e à presidên­cia da Casa protes­tar, o min­istro impôs pesada multa ao par­la­men­tar e blo­queio de ativos até que a decisão fosse cumprida.

O dep­utado cedeu e pas­sou a usar a tornozeleira.

Antes do iní­cio do fim da sem­ana, com ape­nas dois votos con­trários, o plenário só STF, con­fir­mou as medi­das restri­ti­vas impostas pelo min­istro.

O STF, aten­dendo a cobranças diver­sas, já mar­cou o jul­ga­mento para enfrentar a questão de fundo envol­vendo o par­la­men­tar para o dia 20 de abril, numa infe­liz coin­cidên­cia, data do aniver­sário de Hitler, o exem­plo mais clás­sico de que se é pos­sível destruir a democ­ra­cia e a liber­dade uti­lizando os próprios instru­men­tos da democ­ra­cia e da liber­dade.

No jul­ga­mento, o Supremo terá que enfrentar questões como, a liber­dade de expressão, a invi­o­la­bil­i­dade das imu­nidades par­la­mentares, entre out­ras questões conexas a elas.

Cer­ta­mente a decisão não será do agrado de todos, até porque, do lado de fora daquela corte, a decisão já se encon­tra tomada, con­forme a con­veniên­cia política de cada um, por juris­tas, políti­cos e pela “mil­itân­cia” de todos os lados.

Já trata­mos deste assunto ante­ri­or­mente e voltare­mos a ele lá na frente, talvez por ocasião da decisão da Corte.

Por hoje tratare­mos das questões genéti­cas envol­vendo o tema.

O Brasil, não é de hoje, vem pas­sando por um processo agudo de intol­erân­cia às opiniões con­trárias.

Não falo ape­nas do mau hábito das autori­dades, quais­quer que sejam elas, em relação às críti­cas ofer­tadas pelos admin­istra­dos à sua gestão, mas, tam­bém, dos próprios cidadãos em relação as opiniões dos out­ros.

Hoje já não podemos agir com a sim­ples pureza de uma cri­ança e dizer que “o rei está nu” quando assim estiver, sem atrair para si o ódio e a intol­erân­cia do próprio rei, seus cupin­chas e, até mesmo, dos seus par­tidários.

Assim assis­ti­mos gov­er­nantes fes­te­jarem os próprios fra­cas­sos como se estivésse­mos diante de grandes feitos.

Certa vez atrai a ira de alguns por ter crit­i­cado um gov­erno que pas­sava em revista carros-​pipas como um grande feito para a solução para o prob­lema da falta d’água na cap­i­tal do estado.

Fiz uma per­gunta óbvia.

Indaguei se não have­ria mais méri­tos se os gov­er­nos, ao invés de carros-​pipas, tivesse disponi­bi­lizado água tratada e com fre­quên­cia para a pop­u­lação.

Ao fes­te­jarem os carros-​pipas não estariam cel­e­brando a própria inop­erân­cia do gov­erno que não proveu a água para os lares na forma cor­reta, em suas torneiras?

Outra vez, já em outro gov­erno e de oposição ao ante­rior, a ira, tam­bém, se deu por criticar aquilo que fes­te­jam como méri­tos mais que entendo serem ates­ta­dos de fra­cas­sos.

No caso, o gov­erno cel­e­brava o fato de ter aumen­tado em X vezes o número de restau­rantes pop­u­lares, onde a pop­u­lação menos favore­cida pode alimentar-​se, e com qual­i­dade, por um valor módico, acho que um real.

A inda­gação que fiz foi se não seria bem mel­hor ter desen­volvido a econo­mia para que a pop­u­lação pudesse com­prar sua própria comida ao invés de, tangida pela neces­si­dade, pre­cisar ser socor­rida pelo Estado nos restau­rantes populares?

Em ambos os casos, em gov­er­nos dis­tin­tos, as críti­cas não se diri­gi­ram às medi­das em si. Todos sabe­mos que prover água para a pop­u­lação, assim como disponi­bi­lizar ali­men­tos a um povo empo­bre­cido é fun­da­men­tal, necessário e até um ato de gen­erosi­dade, as críti­cas foram, são e serão, pelo fato daque­les gov­er­nos fes­te­jarem como “feitos” algo que, na ver­dade, são fra­cas­sos gov­er­na­men­tais.

Algum dia, talvez esmi­uce­mos estas visões dis­tor­ci­das dos gov­er­nos e gov­er­nantes e porque dev­eríamos combatê-​las, o texto de hoje, entre­tanto, é para ressaltar que mesmo críti­cas, que na ver­dade são con­statações óbvias, de uns tem­pos para cá, ferem suscetibil­i­dades, o cidadão comum, não enga­jado, deve privar-​se de fazê-​las sob o risco de ser colo­cado no “índex dos inimi­gos públi­cos” e sofrer toda sorte de perseguição.

Observe que a Con­sti­tu­ição da República coloca como um dos primeiros dire­itos e deveres indi­vid­u­ais a livre man­i­fes­tação do pen­sa­mento: “é livre a man­i­fes­tação do pen­sa­mento, sendo vedado o anon­i­mato”, art. 5º, IV.

Esse dire­ito, con­forme se ver­i­fica nos incisos seguintes, emb­ora per­mitindo a livre man­i­fes­tação do pen­sa­mento, não isenta o “man­i­fes­tante” de respon­s­abil­i­dades, tanto assim que garante aos “ofen­di­dos” a reparação por dano moral, mate­r­ial ou à imagem, além do dire­ito de resposta pro­por­cional ao agravo.

Essa, tam­bém, uma das razões para, no livre exer­cí­cio da man­i­fes­tação do pen­sa­mento, ser vedado o anon­i­mato.

Observo que pas­sa­dos mais de três décadas da pro­mul­gação da con­sti­tu­ição fed­eral, o Brasil ainda “patina” na inter­pre­tação de uma das suas prin­ci­pais con­quis­tas – e os fatos aí estão para com­pro­var –, que é a livre man­i­fes­tação do pensamento.

Tal situ­ação, ali­ada à inter­pre­tação “con­forme o inter­esse”, con­ges­tiona o Poder Judi­ciário com infini­tas deman­das do tipo, ou, pior, sub­mete o país a uma espé­cie de cen­sura judi­ciária per­ma­nente, visando ocul­tar dos olhos do público os desvios ou mesmo servindo para inflar os egos dos pequenos dita­dores.

Chovem os exem­p­los de autori­dades que pare­cem só pos­suírem duas ocu­pações na vida: aliviar as “bur­ras das viú­vas” e ofer­e­cerem deman­das con­tra aque­les que os denun­ciam.

Os pequenos dita­dores – pequenos não no tamanho mas na estatura moral –, não se cansam demon­strarem o desapreço pelo debate de ideias ou em aceitarem críti­cas. Agem como se nunca errassem ou como se estivessem imunes às críti­cas por seus erros.

Situ­ação pior só mesmo aquela em que os que avil­tam a lei são os que dev­e­riam e teriam o dever fun­cional de a defender.

A inse­gu­rança jurídica numa questão tão fun­da­men­tal frag­iliza o exer­cí­cio da cidada­nia plena e, por con­se­quên­cia, a própria democ­ra­cia.

Isso sem falar naque­les cidadãos que, covardes de nascença, pref­erem o cômodo silên­cio em nome da não perseguição ou de rece­ber as migal­has que caem das mesas dos poderosos.

São, prin­ci­pal­mente, estes atos de auto­cen­sura que tor­nam mais dis­tante o sonho de uma nação livre, igual­itária, proba, respeita­dora da cidada­nia e onde os cidadãos pos­sam dizer sem qual­quer receio: “cala boca já mor­reu, quem manda na minha boca sou eu”.

Por enquanto ainda esta­mos naquela: “cala boca já mor­reu ou não”.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

Quando colo­cam a culpa na vítima.

Escrito por Abdon Mar­inho


QUANDO COLO­CAM A CULPA NA VÍTIMA.

Por Abdon Mar­inho.

UMA das sen­tenças mais infamantes que con­hece­mos, na minha opinião, é aquela que diz: “se o estupro é inevitável, relaxa e goza”.

Ao meu sen­tir tal frase rev­ela todo o desprezo pela condição da vítima da vio­lên­cia sex­ual, seja ela mul­her ou homem; ela, como dizer, “coisi­fica” sen­ti­men­tos ou trata-​os como se não exis­tis­sem; car­rega com um total desprezo os trau­mas decor­rentes da vio­lên­cia como a humil­har ainda mais a vítima; uma espé­cie de segundo estupro aos olhos da sociedade.

Ape­sar da crueza da sen­tença referida, ela sem­pre foi vista como “oposição” a outro sen­ti­mento igual­mente vio­lento e dis­sem­i­nado, aquele de que a vítima dev­e­ria resi­s­tir ao estupro e defender a honra com a própria vida ou suicidar-​se longo em seguida como prova de que não conivente ou cúm­plice da vio­lên­cia sofrida.

Algum dia e/​ou noutra opor­tu­nidade deve­mos dis­cor­rer sobre este tema, hoje, entre­tanto, vamos con­tin­uar tratando da emergên­cia mais gri­tante do momento: a guerra san­guinária de Vladimir Putin con­tra a Ucrâ­nia e seu povo, que já levou quase qua­tro mil­hões de refu­gia­dos a deixarem seus lares, seus famil­iares e sua pátria para trás em busca de segu­rança em out­ros países e já con­de­nou noventa por cento dos ucra­ni­anos à extrema pobreza por diver­sas décadas vin­douras.

A guerra, em si, já é um mal abom­inável, torna-​se ainda ter­rível quando acon­tece para sat­is­fazer, como nos casos de estupros, o desejo doen­tio do algoz.

Con­forme já exter­namos em escritos ante­ri­ores, a guerra con­tra a Ucrâ­nia não é um desejo do povo russo, este, aliás, nem sabe que acon­tece uma guerra – pois o gov­erno proibiu que à imprensa e até os cidadãos tratassem a guerra como guerra e até pas­sou a crim­i­nalizar quem assim o fizesse com penas que podem chegar a 15 anos de prisão.

A guerra con­tra a Ucrâ­nia é a guerra de Putin, que não se inco­moda em causar indizível sofri­mento aos mais quarenta mil­hões de ucra­ni­anos e ao seu próprio povo, que sofre não ape­nas pelas baixas dos seus fil­hos nos cam­pos de batal­has – além das muti­lações oca­sion­adas pela guerra e pelo frio diante da duração da infâmia –, mas, tam­bém, os efeitos econômi­cos adver­sos das sanções econômi­cas.

Muito emb­ora já exista um con­senso global con­tra a guerra de Putin e que tal con­senso dev­erá aumen­tar à medida que a vio­lên­cia bruta se tornar a única alter­na­tiva para con­seguir a vitória já inviável nos cam­pos de batal­has, no Brasil – agora bem menos –, existe aquele apoio velado dos prin­ci­pais gru­pos políti­cos (esquerdis­tas e bol­sonar­is­tas) em apoio à crim­i­nosa guerra de Putin.

A esquerdalha movida pelo sen­ti­mento anti­amer­i­cano e pelo saudo­sismo da antiga “mãe soviética”; já os bol­sonar­is­tas pelo sen­ti­mento de alin­hamento ao “estado autoritário”, muito bem rep­re­sen­tado pelo psi­co­pata que ocupa o Krem­lin e que, de uma hora pra outra, tornou-​se “amigo de infân­cia” do atual pres­i­dente do Brasil, os uniu na causa infamante.

Assim, exceto por algu­mas questões pon­tu­ais, assis­ti­mos arautos da esquerda brasileira e do bol­sonar­ismo defend­endo a inde­fen­sável guerra de Putin, com argu­men­tos que vão desde for­mu­lações históri­cas de geopolítica mundial ao fato de, suposta­mente, o crim­i­noso do Krem­lin haver defen­dido a sobera­nia brasileira sobre a Amazô­nia.

Assim, exceto por uma ou outra man­i­fes­tação pro­to­co­lar da diplo­ma­cia brasileira, a impressão que temos é que o Brasil e, pior, o povo brasileiro, encontra-​se “alin­hado” à política crim­i­nosa e expan­sion­ista do líder russo.

A mais cruel guerra da atu­al­i­dade, com cidades inteiras sendo com­ple­ta­mente arrasadas, com mil­hares já pere­cendo sob a ameaça da fome, da sede e do frio, para os brasileiros “poli­ti­za­dos” é como se isso não exis­tisse ou como se estivesse acon­te­cendo em Marte ou como se “dessem de ombros” e fin­gis­sem que não têm nada com isso.

Causa-​me espe­cial sur­presa e incô­modo que líderes brasileiros, capazes de agi­tar mul­ti­dões para suas pau­tas, mesmo as mais exdrúx­u­las, não ten­ham nada a dizer sobre uma guerra abso­lu­ta­mente injusta, cruel e desumana ou que não sejam capazes de con­cla­mar seus lid­er­a­dos em protestos con­tra a guerra?

A per­gunta que me faço é: os esquerdis­tas e os bol­sonar­is­tas são favoráveis a esta guerra? Acham-​na justa, legí­tima e limpa? É por isso que não dizem nada, ape­sar de ficarem o dia inteiro nas redes soci­ais falando bobagens?

Mas, se não podem falar con­tra a guerra por inter­esses que os aprox­i­mam do crime, por que não se man­i­fes­tam pela paz? Por que não se movi­men­tam ao menos para faz­erem o céle­bre “dis­curso de miss” a favor da paz mundial?

A guerra de Putin já dura mais um mês, emb­ora pareça pouco tempo, para os que estão sofrendo sob os bom­bardeios inclementes é uma eternidade, sem con­tar que este tempo já foi mais que sufi­ciente para a destru­ição de mil­hões de vidas – não falo ape­nas das mortes físi­cas, psi­cológ­i­cas, falo, sobre­tudo, dos mil­hões que de uma hora pra outra perderam suas refer­ên­cias.

Tem sido este silên­cio cúm­plice dos “líderes” brasileiros que fez lem­brar da infamante frase citada no iní­cio do texto.

Estes líderes, por sim­pa­tia ao car­ni­ceiro de Moscou ou serem escravos de suas próprias covar­dias, tudo que que­riam era que a Ucrâ­nia e os ucra­ni­anos não resis­tis­sem brava­mente con­tra a vio­lação de sua pátria.

Como os gen­erais rus­sos, imag­i­naram que ao som dos primeiros tiros ou das primeiras bom­bas, os ucra­ni­anos se entre­gassem sem resistên­cia ao inva­sor ou que “relax­as­sem e gozassem” ante a vio­lên­cia do ato infame.

Os arautos do esquerdismo, petismo, lulismo e do bol­sonar­ismo apos­taram e defend­eram isso, muitos, inclu­sive, através dos seus ideól­o­gos chegaram a cul­par a Ucrâ­nia e o seu pres­i­dente pela guerra, pelo assas­si­nato das pes­soas.

Segundo eles, sendo inviável a vitória ucra­ni­ana, o que o gov­erno daquele país dev­e­ria fazer era ceder aos dese­jos do crim­i­noso “para evi­tar o sofri­mento do povo”.

Bem ao gos­tos dos covardes mais canal­has utilizam-​se de um falso altruísmo para jus­ti­fi­carem o próprio com­por­ta­mento pusilân­ime.

O que é isso senão a colo­cação em prática da infamante frase com a qual ini­ci­amos o texto?

Não vi só um ou só de um lado, com um pen­sa­mento mais ou menos elab­o­rado, cul­parem a Ucrâ­nia pela guerra que estava/​está sendo vítima. Todos firmes na ideia de que era aceitável o estupro de uma pátria inde­pen­dente e livre.

Um mês já se pas­sou.

A guerra é a triste real­i­dade a mas­sacrar um povo que não tem se deix­ado vencer ou dom­i­nar.

Os Esta­dos livres do mundo e seus povos se uni­ram e com­preen­deram quem é o agres­sor e o agre­dido; quem é a vítima e quem é o algoz e protes­tam quase diari­a­mente con­tra a violência.

Mesmo na Rús­sia sob sev­era repressão, mil­hares de rus­sos já foram ou estão pre­sos por dis­cor­darem da guerra mesmo sabendo que poderão ser con­de­na­dos a penas duras.

São estes gov­er­nos – e seus cidadãos –, os respon­sáveis pelo fim da guerra quando ela chegar.

Serão os chama­dos fil­hos de Deus, con­forme prometido por Jesus Cristo no Ser­mão da Mon­tanha.

Como disse alhures, por aqui, ficamos acor­renta­dos à covar­dia ou alin­hados ao expan­sion­ismo do “estuprador”, como se uma guerra injusta não estivesse ocor­rendo con­tra um povo inocente, vítima e não cul­pado do seu infortúnio.

É a mesma covar­dia, o mesmo silên­cio cúm­plice que os faz calar diante da con­de­nação de dezenas de cubanos a penas altís­si­mas pelo “crime” de protes­tar con­tra a ditadura na ilha-​prisão de Cuba ou que os faz calar diante das con­de­nações bison­has de dis­si­dentes rus­sos.

É o Brasil, mais uma vez, ao lado dos crim­i­nosos e não das vítimas.

É o Brasil, mais uma vez, colocando-​se no lado errado da história.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

Aos mestres, com muito carinho.

Escrito por Abdon Mar­inho

AOS MESTRES, COM MUITO CAR­INHO.

Por Abdon Marinho.

DESDE que meu pai disse que iria me dar algo que ninguém jamais iria me tomar e matriculou-​me em uma escola que tenho espe­cial devoção pelo ensino público.

Min­has primeiras lem­branças remon­tam a uma escol­inha de “latada”, coberta de palha, meia-​parede em pau a piqué com um “oitão” inteiro ao fundo onde ficava o quadro-​negro; sobre o chão de terra batida, os ban­cos esco­lares com capaci­dade para dois alunos.

A escol­inha, das min­has lem­branças, ficava em um descam­pado entre as casas de dois tios, tio Antônio e tio Praxedes.

Foi lá, naquela escol­inha, que tive os primeiros con­tatos com letras e com a edu­cação pública – e de onde nunca me afastei.

Fiquei pouco tempo, acho que meses, depois fui morar com meus irmãos em uma casa na Rua do Sossego, Gov­er­nador Archer, alu­gada e man­tida com a final­i­dade de estu­dar­mos. Fui matric­u­lado na minha primeira escola de ver­dade, a Unidade Integrada Alde­nora Belo e virei aluno da pro­fes­sora Mar­garida.

Depois fomos morar em Gonçalves Dias pas­sando a estu­dar na Unidade Integrada Castelo Branco, onde con­clui o primário (anos ini­ci­ais); e no Ban­deirantes, a mesma escola no turno noturno, con­clui o giná­sio (que cor­re­sponde aos anos finais do fun­da­men­tal).

Na expec­ta­tiva de um apren­dizado mel­hor fui “mudado” para São Luís, para fazer o ensino médio no Liceu Maran­hense.

Já era mea­dos dos anos oitenta, final do gov­erno Luis Rocha, iní­cio da rede­moc­ra­ti­za­ção do país, ressurg­i­mento do movi­mento estu­dan­til secundário.

Por conta disso par­ticipei ati­va­mente das cam­pan­has salari­ais dos nos­sos pro­fes­sores por mel­ho­rias salari­ais e mel­hores condições de ensino.

Naquele ano, 1986, uma greve geral do pro­fes­sores com tais pau­tas, durou aprox­i­mada­mente 60 dias. Foram sessenta dias nos rever­sando entre a sede do sindi­cato na Rua Hen­rique Leal, no Cen­tro Histórico e Praça Deodoro ou na frente do Liceu onde fazíamos as man­i­fes­tações diárias.

Os mais anti­gos devem lem­brar daque­les dias loucos.

Certa vez fazíamos um protesto em frente ao Liceu quando caiu um toró sem igual. Um toró de março. Todos na chuva sem arredar o pé, enquanto alguns servi­dores da escola e direção nos chamavam para entrar­mos no pré­dio e sair­mos da chuva. O pro­fes­sor Brandão, dire­tor ves­per­tino, dias depois, comen­taria comigo e out­ros cole­gas que só havia visto man­i­fes­tação semel­hante em uma pas­sagem de sua vida por Bogotá, na Colôm­bia, que vivera dias de grandes efer­vescên­cia.

Depois sobreveio os cinco anos do curso de Dire­ito na Uni­ver­si­dade Fed­eral do Maran­hão — UFMA e tam­bém as suas lutas por mel­hores condições de ensino, mel­hores condições de tra­balho para os mestres e servi­dores, o movi­mento estu­dan­til, etc.

A vida profis­sional na área da advo­ca­cia pública, prin­ci­pal­mente munic­i­pal­ista, sem­pre me per­mi­tiu acom­pan­har todas as difi­cul­dades do ensino público brasileiro. De mea­dos dos anos setenta até hoje acom­pan­hei todos seus prob­le­mas e, tam­bém, os pequenos avanços e recuos.

Com os meus mestres aprendi quase tudo que sei e à escola pública devo tudo que sou.

Acho opor­tuno his­to­riar todos estes fatos – e assim saberem que não se trata de um “à toa” falando –, para dizer que por uma con­tingên­cia profis­sional e por um dever de cidada­nia, vi-​me obri­gado a colocar-​me con­trário aos mestres que tanto admiro e respeito.

Pois bem, como advo­gado e por conta desta famil­iari­dade com as questões lig­adas à edu­cação fui con­vi­dado para par­tic­i­par de uma reunião para dis­cu­tir a pauta de reivin­di­cações dos mestres munic­i­pais – na ver­dade, do sindi­cato da cat­e­go­ria –, sob pena de par­al­iza­ção dos mes­mos, o que prej­u­di­cará mil­hares de estu­dantes e, em um efeito bumerangue, a eles próprios.

Não ape­nas como advo­gado, mas como cidadão, coloquei-​me con­trário as suas reivin­di­cações. No caso em tela, e que acred­ito seja a mesma situ­ação de diver­sos municí­pios, os mestres já gan­ham acima do piso salar­ial pre­visto na Con­sti­tu­ição Fed­eral e reg­u­la­men­tado por lei e pos­suem plano de car­reira, outra pre­visão con­sti­tu­cional.

Con­forme esclareci aos mes­mos, muito emb­ora pos­sam ter dire­itos a um novo rea­juste salar­ial, por conta de algum mecan­ismo do seu estatuto, não acho cor­reto, ético e moral­mente aceitável que já con­sumindo mais de oitenta por cento do orça­mento da edu­cação, pleit­eiem um aumento que des­tinem para o paga­mento dos servi­dores públi­cos efe­tivos da edu­cação todos os recur­sos do FUN­DEB – no caso, o aumento salar­ial pleit­eado, caso implan­tado, não ape­nas irá con­sumir todos os recur­sos des­ti­na­dos à edu­cação como ainda se terá que bus­car receita de out­ras áreas para com­ple­tar.

Disse-​lhes mais: não achava justo a munic­i­pal­i­dade des­cumprir a própria Con­sti­tu­ição e a Lei de Respon­s­abil­i­dade Fis­cal — LRF, para atendê-​los, uma vez que ela limita os gas­tos com pes­soal.

A Con­sti­tu­ição esta­b­elece que esta­dos e municí­pios dev­erão inve­stir nunca menos que vinte e cinco por cento de sua receita na edu­cação.

Este “piso” de gas­tos é para edu­cação de uma forma geral, englobando o paga­mento de servi­dores e a sua manutenção.

Muito emb­ora seja um “piso”, os entes fed­er­a­dos não podem se afas­tar muito dele sob pena de fal­tar recur­sos para out­ras áreas como a saúde, a infraestru­tura, a assistên­cia social, a segu­rança pública, o paga­mento dos demais servi­dores e todas as demais despe­sas que devem “caber” no orça­mento público.

No caso dos municí­pios – que rara­mente dis­põem de arrecadação –, a neces­si­dade de equi­líbrio entre as diver­sas despe­sas faz-​se muito mais exigida.

Não dev­e­ria ser motivo de orgulho para ninguém, muito menos para os mestres, que os gestores públi­cos “estufem” o peito para diz­erem que estão “gas­tando” cem por cento (ou próx­imo ou além disso) da receita do FUN­DEB ape­nas com o paga­mento dos salários dos servi­dores da edu­cação.

Estes gestores estão erra­dos e, talvez, por isso a qual­i­dade do ensino público não tenha “acom­pan­hado” a val­oriza­ção que o mag­istério vem tendo desde o advento da Con­sti­tu­ição de 1988 e depois, a par­tir dos anos noventa, com a cri­ação dos fun­dos (FUN­DEF e FUN­DEB).

A edu­cação brasileira, como disse há décadas o grande pro­fes­sor Darcy Ribeiro, con­tinua sendo uma calami­dade.

A própria Con­sti­tu­ição com suas suces­si­vas emen­das comete outro equívoco ao esta­b­ele­cer um piso de gas­tos com pes­soal não infe­rior setenta por cento.

Todos, prin­ci­pal­mente, os inter­es­sa­dos enten­dem que ali é um ponto de par­tida e que não há qual­quer lim­ite para os gas­tos com pes­soal – como se o “saco” dos recur­sos públi­cos não tivesse fundo.

Nunca con­heci um “empreendi­mento” exi­toso con­sumindo setenta por cento da receita na ativi­dade meio.

Como disse de “corpo pre­sente”, não dis­cuto números ou val­ores, mas, sim, per­centu­ais e pro­porções, e não me parece “pro­por­cional” que sendo as cri­anças os des­ti­natários da edu­cação não “sobre” nada dos recur­sos públi­cos para elas.

Repito, muito emb­ora recon­heçamos a importân­cia de mestres e servi­dores, a razão de existên­cia da edu­cação é a for­mação das cri­anças, isso é o óbvio, tanto assim que os val­ores dos impos­tos repas­sa­dos aos entes fed­er­a­dos têm como base a “per capita/​aluno”, entre­tanto, para elas, para inve­stir em mel­hores condições de ensino, em novos saberes e fer­ra­men­tas edu­ca­cionais, não ten­hamos recur­sos.

Isso não me parece justo. Não foi assim que os meus mestres me ensinaram.

Entendo que gestores e edu­cadores pre­cisam bus­car o ponto de equi­líbrio para com­pat­i­bi­lizar as neces­si­dades de rea­justes dos profis­sion­ais com a neces­si­dade de mel­ho­rias nas condições de ensino das cri­anças e jovens.

Uma pop­u­lação bem for­mada e qual­i­fi­cada é o prin­ci­pal “motor” do desen­volvi­mento do país e é o desen­volvi­mento que nos trará mais recur­sos para inve­stir em mais val­oriza­ção do mag­istério e em mel­hores condições de ensino das nos­sas cri­anças.

Não acred­ito que esta seja a hora de se bus­car os cul­pa­dos mas, sim, de encon­trar soluções.

Os mestres, sem­pre eles, fazem parte da solução e não do prob­lema, para isso é necessário com­preen­são e entendi­mento.

No longo prazo, isso se dará com uma pop­u­lação mais bem for­mada e qual­i­fi­cada, no curto prazo, com pro­je­tos e ati­tudes na área edu­ca­cional que tragam mais recur­sos públi­cos para edu­cação dos municí­pios.

Quando tra­bal­hei em Mor­ros (2010÷2016), foi dado um grande passo em um pro­jeto de longo prazo, durante anos os mestres aceitaram rea­justes menores ou nen­hum para que o municí­pio, com recur­sos próprios, pudesse con­struir seis pólos edu­ca­cionais na zona rural e já deix­asse um ter­reno com­prado para a con­strução de um grande polo edu­ca­cional na sede.

A admin­is­tração elim­i­nou quase uma cen­tena de escol­in­has que não ofer­e­ciam as mín­i­mas condições de ensino para as cri­anças.

Um grande exem­plo.

Este fim de sem­ana par­ticipei breve­mente de um sem­i­nário, em Brasília, voltado para a mel­ho­ria das receitas edu­ca­cionais dos municí­pios no curto prazo, são soluções sim­ples e pouco onerosas capazes de mel­ho­rar o vol­ume de recur­sos para os municí­pios.

É do que pre­cisamos.

Agora mesmo, com o anún­cio de como será o ENEM a par­tir de 2024, novos desafios se apre­sen­tam para o ensino público.

Estes desafios só serão ven­ci­dos com a par­tic­i­pação de todos, pro­fes­sores, servi­dores, gestores, pais e estu­dantes.

Não os vencer­e­mos uns olhando para os out­ros ou se enfrentando, como se fos­sem inimi­gos, mas, olhando jun­tos na mesma direção.

Abdon Mar­inho é advo­gado.