A fome e as lágrimas.
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- Criado: Domingo, 14 Agosto 2022 12:37
- Escrito por Abdon Marinho
A FOME E AS LÁGRIMAS.
Por Abdon C. Marinho.
DOMINGO passado recebi um vídeo de um amigo através de um aplicativo de mensagens. Primeiro “spoiler”: se queres me ocultar algo basta mandar por áudio ou vídeo, raramente os abro. Segundo “spoiler”: quando abro a informação principal deve ser a primeira pois raramente chego até o fim.
Mas, era domingo, aquele ócio domingueiro, nada para fazer, quem mandou foi um querido amigo, senti-me na obrigação de abrir o tal vídeo.
Não me interessei pela “moral da história”, vi por poucos segundos, porém. até onde vi, testemunhei um político maranhense, com mandato há mais de uma década “se debulhando” em lágrimas ao discorrer sobre a fome, os indicadores de miséria que atormenta o nosso povo desde sempre.
A impressão que tive, naquele começo de vídeo, foi que a excelência estava tendo contato com dura realidade do povo maranhense pela primeira vez, que nunca soubera ou tivera contato com as necessidades reais dos cidadãos; ou que acabara de “pousar” de Marte, quem sabe de um outro planeta ou mesmo galáxia mais distante.
O presente texto – assim como tantos outros que escrevi –, se preocupa com os fatos não com as pessoas, daí porque sempre que possível, procuro omitir os nomes dos personagens.
Os fatos são mais importantes e falam por si.
O fato do presente texto é que um parlamentar, com mandato há mais de uma década, numa das casas do parlamento, em lágrimas, discorreu sobre as condições de miséria e sofrimento do povo do nosso estado como se estivesse travando contato com tal realidade pela primeira vez.
Os “cupinchas” e aduladores puseram a escrever ou a dizer: como é sensível. Ele chora diante do sofrimento do povo.
Os adversários foram na contramão: como é hipócrita, vive no luxo enquanto o povo amarga necessidades.
Tenho um marco temporal de quando iniciei a colocar no papel o que penso sobre os fatos e acontecimentos e até mesmo arriscando-me vez ou outra por outros ramos da escrita: o ano de 2010, quando perdemos o saudoso amigo e jornalista Walter Rodrigues. Até então, como sempre conversarmos e trocávamos impressões sobre tudo, embora muita vezes discordando, sentia-me contemplado com suas análises.
Com seu desaparecimento precoce e com o jornalismo – ressalvando-se raras e honradas exceções –, caminhando para o honrado trabalho de assessoria de imprensa, senti-me na obrigação cívica de deixar o testemunho destes meus anos escritos.
Neste tempo – só no meu site constam mais de mil textos –, apenas eu escrevi, com certeza, mais duas centenas de textos abordando a miséria maranhense, os indicadores africanos, a fome do povo e sobre a necessidade de fazermos um enfrentamento consistente de tal situação.
Antes de mim, muitos outros fizeram isso.
Quase todos anos a ONU, o IBGE, e tantos outros institutos e instituições informam os nossos tristes indicadores econômicos e sociais.
O empobrecimento do Maranhão vem de décadas de equívocos políticos e de exploração dos recursos públicos e naturais do estado em detrimento de uma imensa maioria que a cada dia que passa vai ficando mais pobre e mais dependente dos favores dos governos e dos poderosos.
A realidade nua e crua é que a medida a nossa elite política acumula cada dia mais riqueza, o estado e povo vai ficando cada vez mais pobre e miserável.
A miséria do nosso povo, portanto, sempre deve nos causar vergonha e indignação, mas não, surpresa.
O que fizeram nossos políticos, legítimos representantes do povo para mudar a realidade econômica e social do estado nas últimas décadas?
O que faziam enquanto o povo passava (e passa) fome?
Gastavam os recursos públicos em mordomias, compravam iguarias divinas para os lautos banquetes palacianos?
Enricavam cada vez mais? Construíam mansões? Compravam apartamentões, carrões, aviões ou emissoras de rádio e televisão para funcionarem como instrumentos de manipulação do povo sofrido e incauto?
Ignoravam que quase tudo que se consome no Maranhão vem de outros estados?
A miséria dos cidadãos maranhenses não é algo para ser ignorada ou para causar surpresas nos “representantes do povo”, antes, deveriam envergonhá-los, fazer saírem de joelhos dos palácios e irem se penitenciar perante São José, em Ribamar.
Ao assistir um parlamentar chorando como se estivesse surpreso com a fome do povo que representa, imagino o quanto estas pessoas – mesmo os que vieram origem humilde –, se afastaram da realidade dos cidadãos.
É como se tivessem passado a habitar outro mundo.
As denúncias ou promessas de desenvolverem o estado não passam de figuras retóricas, pois ignoram a realidade dos representados.
Não sabem, por exemplo, que muitas vezes, as mães ou os pais têm que escolher entre ficar com fome ou alimentar os filhos; não sabem as péssimas condições habitacionais ou de higiene em que são obrigados a viverem.
Mas, a cada dois ou quatro anos, lá estão eles com suas promessas vãs, seus discursos bonitos, dizendo que vão combater a fome, a miséria, desenvolver o estado.
Promessas, engodos, nada mais!
Entre as tantas vezes que falei sobre a situação de pobreza, miséria e fome que acomete o nosso povo, uma me é especialmente cara – e decepcionante.
Há quase oito anos, em 5 de outubro de 2014, escrevi uma carta pública aos futuros governantes, que assumiriam no ano seguinte.
A carta, além de ser publicada no nosso site, foi publicada no Jornal Pequeno e, acredito, alguns blogues.
Na carta trato de todos “gargalos” que nos colocam na “rabeira” de tudo, educação, saúde, corrupção mazelas administrativas, etc., especificamente no ponto que tratei da miséria do povo, disse:
“O Maranhão, informa a propaganda oficial, festeja mais um recorde na produção de grãos. Comemora-se que a nossa produção chegou a dois por cento da produção de grãos do Brasil. É um dado que não nos serve, nem como piada. Não aceitável que um estado com tantos recursos hídricos, tão extenso, com tantas áreas agricultáveis produza tão pouco. Não sei se sabes, ao longo dos anos foi destruída a assistência técnica ao homem do campo. Isso, aliado a uma política predatória de assistencialismo tem produzido, não produtos agrícolas, mas homens preguiçosos, cidadãos, que entra dia sai dia, vivendo de esmolas. O Maranhão não pode continuar a ser uma terra onde a maioria da população viva de esmolas. Meu pai, com sua sabedoria de analfabeto, costumava dizer que esmolas só eram devidas a quem não tinha condições de trabalhar, aos que eram cegos ou aleijados. Hoje, a esmola é devida a todos, é a primeira opção do cidadão. Precisamos devolver ao homem o amor pelo trabalho, à satisfação de ganhar o próprio sustento, a não depender ninguém, a ser livre. Essa é a palavra, precisamos devolver ao homem a sua liberdade cidadã”.
O que constamos, quase oito anos depois, é que “não leram a carta”, nem aquela, nem as que fizemos posteriormente, alertando para os desacertos ou as centenas de textos tratando destes e de tantos outros assuntos.
Se leram procuraram fazer o oposto do recomendado ou ficaram na comodidade da realidade paralela.
O Maranhão continua produzindo pouco e o que produz é como “commodities”; o povo mesmo, a maioria dos cidadãos continua vivendo de esmolas, dos programas assistenciais; se habituaram à humilhação de viverem como pedintes e o governo parece sentir-se bem no papel de provedor.
Vejo com tristeza e desalento as multidões que se formam para receber uma cesta básica, uns quilos de pescado; as enormes filas nos restaurantes populares em busca de um prato de comida a um preço módico para si e os seus familiares – mesmo nos menores municípios –, ou as filam que se formam diante dos CRAS — Centro de Referência e Assistência Social, em busca de um cadastro de um benefício qualquer.
Como admitir que o estado tão rico viva com tamanha pobreza?
As únicas lágrimas que comportariam à classe política local diante de tão vexatória situação, diante da fome e da miséria e do triste legado destinado ao povo, deveriam ser as lágrimas da vergonha.
Abdon C. Marinho é advogado.