AbdonMarinho - Um presidente entre o Planalto e a Papuda?
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Segunda-​feira, 25 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Um pres­i­dente entre o Planalto e a Papuda?

UM PRES­I­DENTE ENTRE O PLANALTO E A PAPUDA?

Por Abdon C. Marinho.

ANTES que a mil­itân­cia ensande­cida venha ques­tionar o título, informo que o mesmo é fruto das colo­cações do próprio pres­i­dente que, por mais uma vez, infor­mou aos seus seguidores que na hipótese de não reeleger-​se, será preso. Segundo ele, caso isso ocorra rea­girá a tiros.

Faço essa colo­cação ini­cial para dizer que todas as ati­tudes, até ontem, pelo menos, do atual inquilino do Planalto têm sido moti­vadas por esse sen­ti­mento de medo. E, como já disse alguém mais sábio: a pior fera é o homem encur­ral­ado.

Ontem, pela primeira vez – tanto que virou notí­cia –, o pres­i­dente declarou que irá recon­hecer o resul­tado das urnas. Mais de três anos e meio depois da posse, ape­nas ontem, o pres­i­dente disse o óbvio: que irá recon­hecer o resul­tado das urnas.

A mudança de com­por­ta­mento talvez já seja reflexo da influên­cia de mar­queteiros ou das pesquisas que ates­tam que o povo brasileiro não aceita uma rup­tura insti­tu­cional, ou seja, exceto por uma mino­ria de lunáti­cos, ninguém aceita viver sob a égide de uma ditadura mil­i­tar ou tute­lada por mil­itares ou mesmo por qual­quer outro régime que não seja legit­i­mado peri­odica­mente através de eleições livres.

Mesmo entre os apoiadores do atual pres­i­dente aque­les que apoiam uma rup­tura insti­tu­cional são minoritários.

Outra hipótese é ter perce­bido – ou tê-​lo feito perce­ber –, que ao falar mal do sis­tema eleitoral brasileiro, notada­mente das urnas eletrôni­cas, estava falando soz­inho, ainda mais que suas colo­cações sem­pre foram à mín­gua de quais­quer provas, ou mesmo indí­cios e, quase sem­pre, colo­cações men­tirosas.

Ninguém – mais uma vez, a exceção para um grupo de fanáti­cos –, “com­prou” a falá­cia de que o Tri­bunal Supe­rior Eleitoral — TSE estaria mon­tando uma fraude, numa sala sec­reta para lhe tomar a eleição ou dar a vitória ao seu adver­sário.

A can­tilena de três anos e meio teve seu ápice quando o inquilino do planalto pro­moveu uma reunião em pleno Palá­cio da Alvo­rada que con­tou com a pre­sença de quase meia cen­tena de embaix­adores estrangeiros para falar mal do Brasil e do nosso sis­tema eleitoral.

A ousa­dia inédita – pois a todos pare­ceu que bus­cava “carta de seguro” inter­na­cional para um golpe –, foi o estopim para inúmeras reações con­trárias.

Mes­mos os gov­er­nos estrangeiros, sem­pre dis­cre­tos e pro­to­co­lares em se tratando de assun­tos inter­nos de out­ros países, deixaram trans­pare­cer pre­ocu­pação com qual­quer rup­tura insti­tu­cional e man­i­fes­taram con­fi­ança no nosso sis­tema eleitoral e na democ­ra­cia brasileira.

As reações inter­nas foram ainda mais claras.

Diver­sas enti­dades emi­ti­ram notas infor­mando con­fiar no TSE e no sis­tema eleitoral e insti­tu­ições como TCU, ABIN, Polí­cia Fed­eral, entre out­ras, dis­seram ates­tar a segu­rança das urnas eletrôni­cas.

Mais, foi reed­i­tada a Carta pela Democ­ra­cia, do pro­fes­sor Gof­fredo Telles Júnior, de 1977, desta vez cla­mando pelo Estado de Dire­ito Sem­pre, que con­tou com quase um mil­hão de assi­nat­uras; enti­dades patron­ais e sindi­cais, pux­a­dos pela Fed­er­ação das Indús­trias do Estado de São Paulo — FIESP, fiz­eram tam­bém um doc­u­mento exter­nando sua con­fi­ança nas insti­tu­ições e na democ­ra­cia; e, por fim, a posse da nova direção do Tri­bunal Supe­rior Eleitoral — TSE, que difer­ente das vezes ante­ri­ores, sem­pre foi um ato pro­to­co­lar, muitas vezes cir­cun­scrito ao mundo jurídico, desta vez foi o mais impor­tante ato jurídico/​político da história do país, con­tando a pre­sença de quase todos os ex-​presidentes da República, alguns inimi­gos entre si; de todos os min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF; min­istros e desem­bar­gadores de todo o país; quase todos dep­uta­dos fed­erais e senadores; quase todos os gov­er­nadores; todos os can­didatos a pres­i­dente; embaix­adores de mais cinquenta países e diver­sas out­ras autori­dades.

Durante a solenidade de posse em que todos os que falaram man­i­fes­taram con­fi­ança na democ­ra­cia e no sis­tema eleitoral, com exceção do pres­i­dente e sua trupe, todos aplaudi­ram com entu­si­asmo as colo­cações feitas, notada­mente do novo pres­i­dente daquela corte que arran­cou aplau­sos de pé de todos os pre­sentes.

Creio que o pres­i­dente e seu núcleo mais próx­imo devem ter perce­bido que não será pela força bruta que poderá se man­ter no Palá­cio do Planalto, daí a mudança de com­por­ta­mento em afir­mar, ape­nas agora, que recon­hecerá como legí­timo o resul­tado do pleito.

Até então, o pres­i­dente – e mesmo alguns chefes mil­itares, por sabu­jice ou falta de pulso –, estava querendo manter-​se no poder inde­pen­dente do recon­hec­i­mento das urnas ou não.

Para isso bus­cava demon­strar força, inclu­sive, junto aos mil­itares.

É sabido que o atual pres­i­dente é bem quisto entre os mil­itares e entre as forças aux­il­iares da segu­rança pública mas é abso­lu­ta­mente equiv­o­cado o envolvi­mento de mil­itares com política. Talvez o que ganhe com esse apoio nem de longe chegue a com­pen­sar as per­das político/​eleitoral que terá, caso per­sista na uti­liza­ção destes apoios como arma de intim­i­dação do con­junto da sociedade.

Agora mesmo, tomei con­hec­i­mento que o tradi­cional des­file mil­i­tar de 7 de setem­bro, jus­ta­mente no ano do bicen­tenário da inde­pendên­cia, no Rio de Janeiro, será sub­sti­tuído por um ato cívico público na praia de Copaca­bana.

A menos que se dê uma “última forma”, trata-​se de uma lou­cura que levará o der­radeiro prestí­gio das Forças Armadas para a lama.

Uma pesquisa recente rev­elou que as Forças Armadas do Brasil estão entre as menos con­fiáveis do mundo em relação à pop­u­lação do país.

Todos sabe­mos que o tal ato cívico que ocor­rerá no Rio de Janeiro, e em out­ras partes do país, são atos políti­cos con­vo­ca­dos pelo pres­i­dente para serem uti­liza­dos como atos de campanha.

A rigor os mil­itares irem à Copaca­bana misturar-​se a par­tidários de uma cam­panha eleitoral é o maior absurdo que as Forças Armadas irão praticar desde o golpe mil­i­tar de 1964 – claro que sem­pre existe a pos­si­bil­i­dade de pio­rarem o que já está pés­simo.

Desde 1985 que os mil­itares brasileiros têm se man­ti­dos dis­cre­tos e nos quar­téis, agora anun­ciam pre­sença em atos con­vo­ca­dos por um can­didato em cam­panha eleitoral.

A per­gunta que se faz necessária é: eles enlouque­ce­ram?

Esse tipo de evento não cabe par­tic­i­pação de mil­itares, nem mesmo à paisana e fora do horário de expe­di­ente.

O único ato que “cabe” par­tic­i­pação de mil­i­tar é des­file, de prefer­ên­cia marchando a passo de ganso. E só.

Mesmo que fosse um “ato cívico”, não caberia a pre­sença deles.

Não podemos esque­cer que esta­mos em plena cam­panha eleitoral e que um dos can­didatos fez a “con­vo­cação” para o ato em plena con­venção par­tidária.

Os mil­itares, sejam das Forças Armadas ou aux­il­iares, têm com­pro­mis­sos com a nação e com o con­junto da sociedade. Não podem darem ao des­frute de par­tic­i­parem de atos de cam­pan­has eleitorais desse ou daquele can­didato.

O mel­hor lugar para estarem é em casa ou nos respec­tivos quar­téis.

Noutro giro, caso insis­tam nesse tipo de ati­tude, ape­nas com­pro­vará que o pres­i­dente não falava sério ao dizer que respeitará o resul­tado das urnas caso venha a perder, tanto assim que não se importa em a arras­tar os mil­itares para a desmor­al­iza­ção insti­tu­cional ao utilizá-​los para demon­stração de força política na sua cam­panha eleitoral.

Engraçado que difer­ente do pensa o pres­i­dente e sua trupe, eu acho que ele poderá virar o jogo e gan­har a eleição den­tro da legal­i­dade.

O único desafio a ser ven­cido é reverter a rejeição que ele mesmo con­struiu ao longo dos anos.

Fora isso pos­sui uma rede política onde cada eleitor seu é um aguer­rido cabo eleitoral que aman­hece o dia fazendo cam­panha e anoitece fazendo cam­panha — isso é um baita difer­en­cial em relação as demais can­di­dat­uras. Mesmo o ex-​presidente Lula que se encon­tra à frente na dis­puta – segundo as pesquisas –, não pos­sui esse nível de enga­ja­mento político.

Aliás, muitos dos eleitores que man­i­fes­tam voto em Lula o faz por não quer­erem con­tin­uar com o atual gov­erno, é o voto pela falta de opção.

Esse eleitor, muito emb­ora odiando o atual gov­erno, não sai às ruas que­brando lanças pelos opos­i­tores. Bem difer­ente do eleitor con­victo do atual pres­i­dente que não se con­strange de só falar de política e defender seu can­didato – mesmo nos momen­tos mais inconvenientes.

Claro que tam­bém existe o voto anti-​PT nas hostes bol­sonar­is­tas, mas esses em menor escala.

Outra van­tagem do atual pres­i­dente diz respeito ao apoio e mil­itân­cia seg­men­tada como no caso dos mil­itares dos evangéli­cos e de alguns setores do agronegó­cio. São pes­soas diu­tur­na­mente em cam­panha, nos quar­téis, nas igre­jas, nos púl­pi­tos e nas redes sociais.

Ali­a­dos destes setores – que fazem política 24 horas por dia –, a esta­bi­liza­ção nos preços dos com­bustíveis e os vários auxílios econômi­cos à pop­u­lação mais vul­nerável e a deter­mi­na­dos seg­men­tos, pode sim, levar o atual gov­er­nante à vitória em out­ubro.

O desafio é come­ter menos equívo­cos ou falar menos besteiras que o prin­ci­pal adver­sário.

Outro desafio é a exces­siva polar­iza­ção – bus­cada por ambos –, que poderá levar a eleição a ter um des­fe­cho ainda no primeiro turno.

Abdon C. Mar­inho é advogado.