AbdonMarinho - A fome como arma política.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 21 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A fome como arma política.

A FOME COMO ARMA POLÍTICA.

Por Abdon C. Marinho.

ESTA­MOS a menos de noventa dias do pleito eleitoral, este ano pre­visto para ocor­rer em 2 de out­ubro, con­forme a leg­is­lação eleitoral.

Este é o período que os espe­cial­is­tas chamam de “micro­processo” eleitoral, a reta final, daqui a pouco serão as con­venções par­tidárias para escolha dos can­didatos, o iní­cio da cam­panha pro­pri­a­mente dita, a uti­liza­ção do rádio e tele­visão para a pro­pa­ganda eleitoral gra­tuita e o voto, quando os eleitores poderão (?) livre­mente escol­her aque­les que irão con­duzir os des­ti­nos do país, dos esta­dos e exercer a rep­re­sen­tação do povo nas casas dos par­la­men­tos.

Pois bem, foi den­tro deste período del­i­cado do pleito eleitoral que o gov­erno e seus ali­a­dos no Con­gresso Nacional con­tando com a cumpli­ci­dade forçada ou não da oposição resolveu aumen­tar o valor do Auxílio Brasil — o ex-​Bolsa Família –, para R$ 600 reais, criar uma “bolsa-​caminhoneiro” de 1mil reais e uma bolsa-​taxista de R$ 200 reais e dobrar o valor do vale-​gás para R$ 120 reais a cada dois meses.

No Senado da República, onde o mod­elo de rep­re­sen­tação dev­e­ria servir para sal­va­guardar os inter­esses dos esta­dos e da própria União às intem­péries dos inter­esses eleitorais, vez que os mandatos são ren­o­va­dos de forma alter­nada de um e dois terços (nesta eleição será de um terço) ape­nas uma voz se ergueu e votou con­tra. Na Câmara dos Dep­uta­dos até que se teve um número supe­rior a esse, ainda assim, infini­ta­mente minoritário ao atro­pelo das nor­mas eleitorais e morais que dev­e­riam nortear as con­du­tas dos homens públi­cos de qual­quer lugar do mundo.

O que tive­mos, na votação desta PEC (pro­posta de emenda con­sti­tu­cional), tam­bém apel­i­dada de PEC kamikaze; PEC das bon­dades ou Pro­grama Eleitoral do Cen­trão — PEC, foi a classe política nacional — com raras e hon­radas exceções –, bur­lando a leg­is­lação eleitoral e votando, despu­do­rada­mente, na defesa dos próprios inter­esses.

Em out­ras palavras, frau­dando a eleição às por­tas do pleito.

A lei eleitoral, em vigên­cia de 1997, ou seja, há um quarto de século, é bas­tante clara: “§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a dis­tribuição gra­tuita de bens, val­ores ou bene­fí­cios por parte da Admin­is­tração Pública, exceto nos casos de calami­dade pública, de estado de emergên­cia ou de pro­gra­mas soci­ais autor­iza­dos em lei e já em exe­cução orça­men­tária no exer­cí­cio ante­rior, casos em que o Min­istério Público poderá pro­mover o acom­pan­hamento de sua exe­cução finan­ceira e admin­is­tra­tiva”. Lei nº. 9.504÷1997, artigo 73.

Ainda que se alegue que o dis­pos­i­tivo acima foi inserido pela Lei nº. 11.300÷2006, já se vão dezes­seis anos em que os gov­er­nantes estão legal­mente proibidos de, no ano eleitoral, faz­erem o que, agora fal­tando menos de noventa dias para as eleições, os “donos do poder” no Brasil fiz­eram.

Pior do que isso. Fiz­eram com a “cumpli­ci­dade” de todos, políti­cos da situ­ação, da oposição, da imprensa, das enti­dades da sociedade civil, etc.

Ninguém – ou quase ninguém –, levantou-​se para dizer: — ei, isso não pode; isso é fraude eleitoral; não se pode mudar as regras do jogo com a bola rolando ainda mais para explo­rar uma neces­si­dade tão pre­mente da pop­u­lação quanto a fome.

Não tenho notí­cias nem mesmo de que o Min­istério Público Fed­eral – ou o que sobrou dele –, tenha “se lev­an­tado” para dizer que a PEC é fla­grante­mente incon­sti­tu­cional e que os seus partícipes dev­e­riam ser con­sid­er­a­dos inelegíveis.

Nada. Ninguém disse nada. O Brasil de forma acel­er­ada vai se tor­nando o país do vale-​tudo.

— Ah, Abdon, tu és con­tra aumen­tar os auxílios soci­ais com o povo pas­sando fome? Con­ceder bolsa a cam­in­honeiros e taxis­tas, com os preços dos com­bustíveis nas alturas? Aumen­tar o vale-​gás para impedir que o povo volte a coz­in­har na lenha?

Não, de forma alguma. O que sou con­tra é que os gov­er­nantes (exec­u­tivos e leg­is­ladores) que foram incom­pe­tentes na con­dução do país e nos levaram a isso, agora queiram tirar bene­fí­cios da própria incom­petên­cia explo­rando a fome e a mis­éria do povo.

E vejam que não fazem questão de dis­farçar o caráter eleitor­eiro da PEC e do “pacote de bon­dades”: os acrésci­mos e novos bene­fí­cios con­ce­di­dos encer­ram em 31 de dezem­bro de 2022.

Ora, quer dizer que até dezem­bro os brasileiros vão “resolver” suas vidas e não vão mais pre­cisar do auxílio Brasil “turbinado”, do vale-​gás; do vale-​caminhoneiro; do vale-​táxi e dos demais pen­duri­cal­hos?

Os dados sobre a fome no Brasil são ante­ri­ores ao ano eleitoral.

Desde o ano pas­sado – e até antes –, temos assis­tido as pes­soas faz­erem filas para rece­berem ou mesmo com­prarem ossos ou car­caças de fran­gos na intenção de suprirem a neces­si­dade de pro­teí­nas; há muito tempo as insti­tu­ições de pesquisas apon­tam para o empo­brec­i­mento da pop­u­lação, para o fato de con­seguirem pagar suas con­tas bási­cas; para o aumento do número de pes­soas vivendo nas ruas por não poderem pagar o aluguel ou vivendo da cari­dade alheia; há muito tempo que os podem ir ao super­me­r­cado com­prar o que comer voltam com o car­rinho cada vez mais vazio.

Ape­sar de todo instru­men­tal que pos­suem os gov­er­nantes só se deram conta da “emergên­cia” e da “calami­dade” que levaram o país agora, fal­tando menos de noventa dias para as eleições.

Mas, pas­mem, já sabem que a “emergên­cia” e a “calami­dade” ces­sarão no final de dezem­bro, cer­ta­mente Papai Noël ou o Ano Novo, trarão a solução para os prob­le­mas que cri­aram ou que não foram capazes de resolver.

Vejam que os políti­cos não se dão conta da enorme con­tradição do seu dis­curso pois à medida que se acham mere­ce­dores do voto da pop­u­lação pelo “belís­simo” tra­balho que fiz­eram à frente da nação, votam uma PEC recon­hecendo que esta­mos em emergên­cia e em estado de calami­dade com o povo mor­rendo de fome nas ruas e sem poderem aguardar mais três meses.

Os gov­er­nantes estão no poder há qua­tro, oito, doze, vinte ou trinta anos – muitos deles até mais do que isso –, pas­saram a achar que se não aprovassem uma PEC fal­tando menos de noventa dias para o pleito o povo brasileiro, pelo menos uma grande parcela da pop­u­lação iria mor­rer de fome.

Daí a urgên­cia. O povo não teria como esperar pelo pacote de bon­dades para depois das eleições sob o risco de pere­cer. Meu Deus! Como são gen­tis e pre­ocu­pa­dos.

Há anos no poder não foram capazes de atacar as causas dos prob­le­mas que nos afligem, mas, agora, se vestem de “valente” para, com o nosso din­heiro, atacar os efeitos – e, em seus próprios bene­fí­cios.

Sei per­feita­mente da grave situ­ação que passa o país, sei das neces­si­dades do povo brasileiro e nem pre­cis­aria que insti­tu­ições de pesquisas me dissessem, todos dias, todas as sem­anas, sou abor­dado co pedi­dos de cidadãos para com­prar comida, por um emprego, etc., como disse, desde muito tempo, os gov­er­nantes só desco­bri­ram agora.

Vejo gen­erais, coro­néis, juris­tas, políti­cos, min­istros, “todos” se dizendo pre­ocu­pa­dos com risco de fraude nas urnas eletrôni­cas – quando, desde 1996, não se tem notí­cia ou reg­istro de nen­huma incon­formi­dade e para qual exis­tem diver­sos mecan­is­mos de segu­rança –, mas que não se dão conta que a ver­dadeira fraude é aquela que acon­tece à vista de todos com a explo­ração da von­tade do povo a par­tir da neces­si­dade inadiável que tem o cidadão de alimentar-​se a si e a sua família.

Estes ilus­tres falas­trões emude­cem diante da fraude eleitoral mais man­i­festa e cruel e que não depende de sofisti­ca­dos pro­gra­mas de com­putação para serem com­pro­vadas: basta olhar em volta

A ver­dadeira fraude eleitoral se man­i­festa com a desigual­dade entre os com­peti­dores e é isso que esta­mos assistindo no Brasil.

Vemos aque­les que têm mandato dis­porem de mil­hões e mil­hões de reais do orça­mento da União e dos esta­dos para tocarem suas cam­pan­has – parte deles do chamado “orça­mento secreto” –, e dis­porem de bil­hões de reais dos recur­sos dos fun­dos par­tidário e eleitoral em detri­mento dos cidadãos comuns que tam­bém têm o dire­ito e a garan­tia con­sti­tu­cional de par­tic­i­parem dos negó­cios do país.

A explo­ração da fome da fome, da mis­éria e a desigual­dade finan­ceira dev­ido a uti­liza­ção de recur­sos públi­cos por uns em detri­mento de out­ros, são as prin­ci­pais e mais graves for­mas de fraudes eleitorais.

Os cidadãos de bem não podemos e não temos o dire­ito de se calar­mos diante delas.

Um der­radeiro acréscimo: não há que se falar em democ­ra­cia quando o processo eleitoral não asse­gura entre os que pleit­eiam mandatos ele­tivos qual­quer isono­mia.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.