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Tem­pos de guer­ras, tem­pos de glória.

Escrito por Abdon Mar­inho

TEM­POS DE GUERRA, TEM­POS DE GLÓRIA.

Por Abdon C. Marinho*.

PAS­SA­DOS ALGUNS dias já me sinto à von­tade – e acred­ito ser dev­ido –, para com­par­til­har com os leitores que acom­pan­ham meus tex­tões há mais de uma década, uma exper­iên­cia que me mar­cou nos últi­mos dias, sobre­tudo, por ser uma primeira vez.

Desde muito cedo aprendi que a vida é uma guerra e que não podemos nos deixar abater diante das intempéries.

Longe de ser uma pes­soa frágil, considero-​me como as árvores da caatinga ou como o couro do “gibão” dos vaque­iros do sertão nordes­tino.

Acostumei-​me a ser assim: a não me deixar abater diante das difi­cul­dades ou a encon­trar graça ou motivo para piada onde os demais só enx­ergam tris­teza ou angús­tia.

Diante da pos­si­bil­i­dade de ter que fazer uso de uma cadeira de rodas para me deslo­car senti o “chão fal­tar”. Não foi a primeira vez, tam­bém, me senti mal quando os médi­cos da rede Sara de São Luís me recomen­daram o uso de uma ben­gala a cerca de duas décadas quando tive a segunda recidiva da poliomielite.

Agora, desta vez por imposição da neces­si­dade, deu-​se nova­mente, a mesma sen­sação de tris­teza e angús­tia quando tive, pela primeira vez, na vida tive que fazer uso de uma cadeira de rodas nos meus deslo­ca­men­tos.

Havendo a neces­si­dade de ir aten­der uma demanda na Paraíba e tendo o cliente exigido que fosse pes­soal­mente, não tive escolha: foi pegar fazer as malas, “pegar o Gua­n­abara”, e par­tir.

Con­forme já externei em tex­tos ante­ri­ores, atual­mente enfrento uma ter­ceira recidiva da poliomielite.

Há alguns anos, senti uma intensa fraqueza mus­cu­lar nos mem­bros infe­ri­ores e por último, tenho sen­tido que tornozelo dire­ito já não se encon­tra com a firmeza de out­rora, o resul­tado é que qual­quer sap­ato que use o pé vira, ou seja, o apoio na lat­eral do pé o que provoca dores inten­sas no tornozelo que para poupá-​lo evito car­regar qual­quer peso e o corpo tenta com­pen­sar forçando o uso da ben­gala o que tem provo­cado dores no cotovelo e ombro esquer­dos, lado em uso a ben­gala.

Há quase um ano que faço fisioter­apia pelo menos três vezes na sem­ana e tento man­ter uma rotina de exer­cí­cios diários. Essa neces­si­dade forçou-​me a mon­tar prati­ca­mente uma acad­e­mia com­pleta em casa.

Viagem inadiável é necessária aos negó­cios, sem pos­si­bil­i­dade de uma outra pes­soa ir no meu lugar, nada restava a fazer.

Com tan­tas “quizilas” já sabia que não teria qual­quer condição de per­cor­rer as lon­gas dis­tân­cias den­tro dos nos­sos aero­por­tos. É tudo muito longe. Os pré­dios públi­cos, tam­bém, são todos muito sun­tu­osos, difi­cul­tando ou inibindo o acesso de pes­soas com defi­ciên­cia ou mobil­i­dade reduzida.

Sobre tal situ­ação, aliás, se ainda não existe uma lei fed­eral, estad­ual ou munic­i­pal, é opor­tuno que se aprove uma garan­ti­ndo que todos os pré­dios públi­cos ou mesmo empre­sas pri­vadas man­ten­ham cadeiras de rodas disponíveis para as pes­soas com defi­ciên­cia ou mobil­i­dade reduzida. Você em algum órgão público ou mesmo empresa pri­vada e só avista os corre­dores a perder de vista e não encon­tra uma cadeira de rodas para facil­i­tar a vida do cidadão. Um hor­ror que cansa só de imag­i­nar.

Via­jei com o amigo Emer­son Pinto que já, ao com­prar as pas­sagens, infor­mou da neces­si­dade de sorte que ao chegar­mos no aero­porto de São Luís, assim como nos demais, já dis­puse­mos da cadeira de rodas para fazer os deslo­ca­men­tos inter­nos.

Muito emb­ora, exter­na­mente, tudo pare­cesse “cor­rer as mil mar­avil­has”, aprovei­tando para tirar fotos, reg­is­trar o momento, furar as filas e con­tar com o olhar com­pas­sivo das pes­soas e brin­cava com Emer­son enquanto ele empurrava a cadeira de rodas “pra cima e pra baixo” dizendo está­va­mos pare­cendo aquele filme Intocáveis, com François Cluzet e Omar Sy, que entrou em car­taz em 2011, inter­na­mente, nos vagares que só a mim perte­cem, estava “destruído”, lem­brava da primeira fase da pólio, quando os médi­cos diziam que não con­seguiria andar e que tive que apren­der a andar nova­mente; como tive uma infân­cia e ado­lescên­cia ativa ape­sar de todos os pesares, cor­rendo para todos lugares, par­tic­i­pando de quase todas as brin­cadeiras, pegando ônibus para ir para a escola ou fac­ul­dade (às vezes, até dando bico para acom­pan­har os cole­gas); depois veio a segunda recidiva impondo o charme cruel da ben­gala e agora, essa ter­ceira recidiva, impondo o uso da cadeira de rodas.

E agora, como será daqui pra frente, pre­cis­arei sem­pre de alguém para me acom­pan­har, pro­te­ger, levar aos lugares mais corriqueiros?

Difer­ente de um atleta – emb­ora insista em dizer que sou um –, que por um aci­dente ou uma outra cir­cun­stân­cia, tem que fazer uso de tal apoio, no meu caso é um pouco difer­ente, não sei o grau de seque­las que sobrarão desta vez.

Ten­ta­tiva me con­vencer que era momen­tâ­neo, que era dev­ido as dis­tân­cias a serem per­cor­ri­das e tan­tas out­ras des­cul­pas para jus­ti­ficar a situ­ação.

A tais angús­tias, somava-​se o fato da recidiva apare­cer jus­ta­mente nesta quadra em que estou implan­tando uma nova empresa que tem como ponto ful­cral a ideia de aju­dar tanta gente ou o fato de alcançar-​me jus­ta­mente quando decido colo­car o meu nome na dis­puta da vaga de desem­bar­gador pelo quinto con­sti­tu­cional, com lim­i­tações para vis­i­tar os cole­gas no inte­rior ou mesmo na cap­i­tal, sem lorde ir para o corpo a corpo nos vários colé­gios eleitorais.

No texto em que coloco-​me à dis­posição dos cole­gas na dis­puta pela vaga da advo­ca­cia já os alerto das difi­cul­dades que ter­e­mos e apelo para que cada um sinta-​se “dono” da “cam­panha” e con­siga os votos como para si próprio fosse.

Sem­pre que me deparo com tais situ­ações ou “prob­le­mas”, por assim dizer, fico me imag­i­nando que essa é mais uma guerra a ser enfrentada, como se Deus que creio estivesse, mais uma vez, tes­tando os lim­ites da minha resil­iên­cia e fé. Veio a pólio, a orfan­dade logo em seguida, a cri­ação como Deus cria batatas na beira do rio, a segunda orfan­dade, a segunda recidiva, a ter­ceira recidiva … o que mais?

Sou deten­tor de imensa fé em Deus. Tal cir­cun­stân­cia foi se cristal­izando ao longo dos anos quando pas­sei a perce­ber que os desafios que eram pos­tos diante de mim em cada etapa da vida, eram desafios para os quais estava pronto para encarar ou já pos­suía as condições necessárias para os seus enfrenta­men­tos. E, sem­pre com o máx­imo de dig­nidade, os enfrentei.

Não sei quan­tos desafios ainda terei pela frente, mas sei que tem­pos de guer­ras tam­bém podem ser tem­pos de glória.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

LULA REINA, BOL­SONARO AVANÇA DUAS CASAS.

Escrito por Abdon Mar­inho


LULA REINA, BOL­SONARO AVANÇA DUAS CASAS.

Por Abdon C. Marinho.

O BRASIL, segundo pesquisas abal­izadas, desponta como uma das nações mais polar­izadas no campo da política. Arrisco dizer que nem seria necessário pesquisa alguma pois essa é uma real­i­dade bem pre­sente por onde se passa, nos esta­dos, nas cidades, nas comu­nidades, ainda que peque­nas, nas empre­sas, repar­tições e den­tro dos lares.

Tal nível de polar­iza­ção faz com que opiniões ou análises políti­cas sejam tidas como pros­elit­ismo a favor de um ou con­tra outro e vice-​versa.

Esse estado de coisas leva à ignorân­cia ou a má-​fé – ou à ambas –, se se deparam com alguma opinião que con­trarie a sua “ide­olo­gia”. Um caldo de cul­tura que impede a leitura de opiniões dis­so­nantes das suas, fazendo com que se retroal­i­mentem a par­tir dos próprios (pré) con­ceitos ou a par­tir de ideias de um grupo bem exclu­sivo e con­cor­dantes com as suas.

Uma das car­ac­terís­ti­cas destes tem­pos de obscu­ran­tismo é colo­car deter­mi­na­dos autores em uma espé­cie de “índex” proibido.

Muito emb­ora essa seja uma prática da Idade Média dão um nome bem atual: “cancelamento”.

Faço tal reg­istro ape­nas para consignar que talvez tenha pas­sado desaperce­bido por muitos o alerta que fiz logo no iní­cio da pandemia.

Dizia naquela opor­tu­nidade – quando os desati­nos na con­dução da crise san­itária gan­hava corpo e termo “genocí­dio” se tor­nava cada vez mais pre­sente nos debates –, que, muito emb­ora o termo não se apli­casse à pop­u­lação brasileira como um todo, era per­feita­mente aplicável em relação ao trata­mento dis­pen­sado as povos indí­ge­nas, uma vez que se tratavam de gru­pos étni­cos menores.

Pon­tuando que o trata­mento inad­e­quado da pan­demia em relação a essas pop­u­lações pode­ria, sim, embasar uma con­de­nação do man­datário nacional, não ape­nas no Brasil, mas, prin­ci­pal­mente, nas cortes internacionais.

Com muito mais ênfase, inúmeras vezes, nas min­has análises, pontuei que o gov­erno do então pres­i­dente “tra­bal­hava” – não sei se por devaneios ou desvar­ios –, com per­spec­tiva de um golpe mil­i­tar que o entron­izasse no poder pelo tempo que achasse dev­ido.

Fiz tal análise política, acred­ito, pelo menos uma dúzia de vezes.

Inúmeras vezes, disse, tam­bém, que cog­i­tar ou ten­tar imple­men­tar uma ditadura mil­i­tar no Brasil em pleno século XXI era algo abso­lu­ta­mente sem nexo ou conexão com a real­i­dade mundial.

Em out­ras palavras, não havia “clima” para uma rup­tura insti­tu­cional e que ten­tar tal lou­cura seria con­duzir o país a uma guerra civil e a destru­ição da nação.

Entre muitas das análises sobre o cenário político escrevi um texto com o seguinte título: “Um can­didato entre o Planalto e a Papuda”, ilus­trava o texto uma charge col­hida da inter­net mostrando uma ampul­heta com o então pres­i­dente, na parte de cima, vestido de pres­i­dente, com faixa e tudo; e, na parte de baixo, já se for­mando no uni­forme de pre­sidiário.

Foi logo no iní­cio do processo eleitoral.

Soube que os “devo­tos” do ex-​presidente, sobre­tudo aque­les inca­pazes de enten­der, repito, que uma análise política “não é con­tra ou a favor de ninguém”, pois se o for, torna-​se pros­elit­ismo, “subi­ram” nas taman­cas de ódio e desejaram-​me o fogo do inferno pela eternidade.

O tempo – esse incon­testável sen­hor da razão –, pas­sou e com ele a certeza de que tudo (ou quase tudo) que afirmei (e que tenho afir­mado), eram ver­dades.

Com as sementes golpis­tas semeadas durante qua­tro anos – todas as vezes que ata­cou as insti­tu­ições, prin­ci­pal­mente, o Con­gresso Nacional, o Supremo Tri­bunal Fed­eral, a Justiça Eleitoral e o processo eleitoral –, após a der­rota nas urnas, no segundo turno, o man­datário entrou, para o público em geral, em uma espé­cie de mutismo, enquanto fazendo uso do que convencionou-​se chamar “apito de cachorro”, dire­ta­mente ou através de inter­postas pes­soas, insu­flava os seus seguidores a ocu­par as ruas, por­tas dos quar­téis mil­itares chamando para o golpe institucional.

Soube-​se, inclu­sive, de reuniões com os chefes mil­itares com tal intenção – tendo os mesmo se recu­sado a tal aven­tura –, e que o filho zero um fiz­era uma incursão espe­cial ao coman­dante do exército para sondá-​lo sobre tal pos­si­bil­i­dade, tendo sido rechaçado.

Prova maior de que engen­draram um golpe foi a min­uta do decreto com tal intenção apreen­dida pela Polí­cia Fed­eral na casa do ex-​ministro da Justiça – que se encon­tra preso.

Não sat­is­feitos com o fra­casso das ten­ta­ti­vas, por assim dizer, “insti­tu­cionais” do golpe, o pres­i­dente “foge” do país na antevéspera de pas­sar a “faixa”, após um dis­curso com lin­guagem cifrada, instando os seus “devo­tos” a con­tin­uarem as trata­ti­vas golpis­tas.

O ex-​ministro da justiça, agora feito secretário de segu­rança pública do Dis­trito Fed­eral, teve papel sig­ni­fica­tivo no triste evento de 8 de janeiro, quando deu-​se a bizarra ten­ta­tiva de “tomada do poder” pelo “povo”.

Ele (secretário) tomou posse, não desmo­bi­li­zou as forças de segu­rança pública (não fez isso soz­inho) e par­tiu de férias uma sem­ana após assumir o cargo, pre­tendendo com isso fazer crê que nada tinha com a patus­cada.

Mas é fato, sim, que tive­mos uma ten­ta­tiva de golpe, mas, como tudo que fiz­eram nos últi­mos anos, o golpe tam­bém era fake pois não tinha a menor chance de pros­perar.

Foi a der­radeira ten­ta­tiva de “con­vencer” as Forças Armadas a embar­carem na canoa furada do golpismo.

As cenas de van­dal­ismo e a certeza que se tem de quem engen­drou tal vex­ame, pro­duziu o efeito con­trário, dando ao pres­i­dente eleito com uma margem mín­ima de votos – a menor que temos notí­cia –, a legit­im­i­dade para que se sinta o “rei da cocada preta”, como se dizia na minha aldeia, e pas­sasse a gov­ernar como se não devesse nada a ninguém.

Como disse em um texto ante­rior, o atual gov­erno não teve iní­cio no dia primeiro, con­forme man­da­mento con­sti­tu­cional, ele começou, de fato, no dia 8 de janeiro, quando os atos “golpis­tas” o val­i­daram, dando-​lhe uma legit­im­i­dade que até então não tinha.

Foi ali, naquela ten­ta­tiva fake de golpe insti­tu­cional que o sen­hor Bol­sonaro avançou uma casa.

E vamos em frente.

Con­forme pontuei há quase três anos, os maiores diss­a­bores do gov­erno findo viriam da questão ambi­en­tal, notada­mente, da forma como con­duziriam a questão indígena.

Como a des­graça nunca nos decep­ciona – pois sem­pre vem pior do que se pode imag­i­nar –, as ima­gens de seres humanos, índios brasileiros, mor­tos ou mor­rendo de fome chocaram o mundo.

Muito emb­ora nada possa ou deva ser com­parado ao holo­causto judeu na Segunda Guerra Mundial, o que o gov­erno brasileiro fez com os ianomâmis só encon­tra para­lelo ao que a máquina de guerra nazista fez ao povo judeu – guardadas as dev­i­das proporções.

As ima­gens de cri­anças e adul­tos magér­ri­mos, só pele e osso, doentes, com enfer­mi­dades diver­sas, só se assemel­ham com as ima­gens do holo­modor, quando os comu­nistas soviéti­cos diz­imaram pela fome, mil­hares de ucra­ni­anos; ou grande fome chi­nesa ocor­rida depois da tomada do poder pelos comu­nistas de Mao Tse Tung, ocor­rida entre os anos de 1958 a 1961; ou maior de todas as tragé­dias, que foi o mor­ticínio de judeus, ciganos, homos­sex­u­ais, pela máquina de guerra nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

Qual­quer cidadão brasileiro, com ver­gonha na cara, dev­e­ria sentir-​se pes­soal­mente ultra­jado pelo que o gov­erno brasileiro fez com os índios ianomâmis, uma ver­gonha, um hor­ror, uma bar­bárie, cujas ima­gens de fatos semel­hantes só encon­tramos em fotografias em preto e branco pois ocor­ri­dos antes do advento do “em cores”.

A nossa ver­gonha ocorre agora em pleno século XXI, em tem­pos de comu­ni­cação instan­tânea em todos os can­tos do país.

Como essa des­graça se deu? Quem são os responsáveis?

O Brasil não poderá ser con­sid­er­ado como um país sério se “pas­sar o pano”, tanto na bisonha ten­ta­tiva de golpe, como, prin­ci­pal­mente, na ten­ta­tiva geno­cida de elim­i­nação do povo ianomâmi.

Sim, a palavra genocí­dio, como disse há três anos, é cabível. Por ação ou omis­são – não foi ape­nas incom­petên­cia –, os gov­er­nantes brasileiros, pre­cisam ser respon­s­abi­liza­dos pelas cen­te­nas de mortes evitáveis daquele povo, pelo fato de tê-​los deix­a­dos para “mor­rerem” de fome, con­forme mostram, de forma incon­tável, as ima­gens, fotos, vídeos, etc.

A gravi­dade ímpar dos fatos não admite outra coisa senão a punição exem­plar de todos que con­cor­reram para o genocí­dio, inclu­sive, que sejam feitas prisões pre­ven­ti­vas – respei­tando o dev­ido processo legal –, dos respon­sáveis, antes que os mes­mos fujam para alguma ditadura amiga.

Ao meu sen­tir, não há paci­fi­cação pos­sível sem a punição dos crim­i­nosos.

O trata­mento da questão indí­gena ou a “solução final” dada a ela fez o sen­hor Bol­sonaro avançar a segunda casa.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

O igarapé da minha aldeia encheu.

Escrito por Abdon Mar­inho

O IGARAPÉ DA MINHA ALDEIA ENCHEU.

Por Abdon C. Marinho.

MINHA amada irmã mais velha, Deiza, mandou-​me, no fim de sem­ana pas­sado, as ima­gens do igarapé da minha aldeia com­ple­ta­mente cheio, com as pes­soas admi­radas com o vol­ume de água.

As ima­gens man­dadas por ela ati­varam min­has lem­branças adorme­ci­das há anos.

Pedrin­has é o igarapé da minha infân­cia, dos meus primeiros anos no Cen­tro Novo. Cri­ado soz­inho, como Deus cria batatas na beira do rio, lem­bro que ia pra lá e pas­sava man­hãs ou tardes ou dias inteiro ban­hando nele. Quando mais cheio, usava uma bóia de pneu velho.

Desde sem­pre fez parte da minha história.

Conta a lenda que quando vim ao mundo, em um dia de domingo, minha mãe deu à luz soz­inha pois todos da casa estava para o igarapé, as mul­heres voltadas para lavar as roupas e os demais, homens, meni­nos usando suas águas para a diver­são. Quando a parteira chegou lá estava eu pronto para as batal­has que viriam – e não seriam pou­cas.

As lem­branças que tenho dos meus primeiros anos são de um igarapé perene, com boa água o ano todo, usadas para tudo: dar banho nos ani­mais, nós mes­mos ban­har­mos, lavar as roupas, pescar umas piabas, e tan­tas out­ras coisas.

As águas do Pedrin­has só não eram uti­lizadas para beber, para este fim, uti­lizá­va­mos as águas de um poço cacimba, escav­ado com capri­cho e revestido até o fundo com tábuas de madeira; uma gan­gorra feita por marceneiro ded­i­cado com­punha a estru­tura para a cap­tação da água uti­lizada para beber e coz­in­har.

Imag­ino que rece­beu esse nome dev­ido as pedrin­has que cobriam todo o seu leito, em taman­hos diver­sos e que pare­ciam ter sido pol­i­das à mão.

Uma con­versa de adul­tos entre­ou­vida punha a imag­i­nação em curso. Certa vez ouvi: — fulano foi preso e lev­ado a Pedrin­has. Pen­sava qual o prob­lema de ficar preso em Pedrin­has? Gosto tanto de lá. Na minha mente infan­til, a única refer­ên­cia que tinha de Pedrin­has era a do “meu igarapé” favorito.

O igarapé cor­ria pelas ter­ras de meu pai, ao pé da serra onde pas­sava os dias a pas­sar­in­har ou a procura dos nin­hos – não tenho lem­branças de sua nascente.

Cor­rendo às mar­gens da estrada por entre o capim, o Pedrin­has gan­hava corpo numa espé­cie de várzea que ficava abaixo de um cur­ral ao lado de casa. Era nesse local que o uti­lizá­va­mos para o lazer.

Com o pas­sar dos anos as águas foram escasse­ando, o igarapé deixou de ser perene – acred­ito que a esti­agem, o des­mata­mento, a ocu­pação, ten­ham “matado” suas nascentes –, ainda assim, no inverno, usá­va­mos suas águas para as brin­cadeiras.

Foi por esse tempo, fins dos anos setenta para oitenta, que para ter uma outra reserva de água para os ani­mais e para o uso domés­tico, que meu pai con­tra­tou umas horas de tra­tor e fez um açude grande que rece­bia parte das águas do Pedrin­has no inverno.

Com o Pedrin­has seco ou com pouquís­sima água mudamos as brin­cadeiras para o açude. Já eram meus últi­mos anos no Cen­tro Novo. Dali a pouco iria para sede do municí­pio, primeiro Gov­er­nador Archer, depois Gonçalves Dias e, por fim, para a cap­i­tal.

Quando morava em Gonçalves Dias, vez ou outra, pegava minha “monareta” e ia até o Cen­tro Novo atrás dos resquí­cios da minha infân­cia. Pas­sava pelo cemitério onde des­cansa minha mãe e tan­tos out­ros entes queri­dos, pas­sava pelo Pedrin­has – ou o que fora ele –, subia a ladeira, até alcançar, às mar­gens esquerda, o local onde ficava o nosso cur­ral e casa onde nasci. Ambos extin­tos. À dire­ita só o chão árido, batido do que fora a casa de tia Mal­fisia (a irmã mais velha do meu pai), a casa do Pingo e prima Ciça e, por fim a casa de Maria Bizunga.

A ladeira às mar­gens do Pedrin­has que aces­sava a casa do meu pai era muito alta. Por isso mesmo o igarapé se aco­mo­dava em uma espé­cie de remanso entre os mor­ros.

Era em tal ladeira que den­tro de “con­gas” de coqueiros usá­va­mos para escor­re­gar até lá em baixo. A estrada até o povoado era “car­roçal”, quando, uma vez na vida outra na morte, pas­sava algum carro, era novi­dade para um mês inteiro.

Seguia na minha monareta, pas­sando pela antiga casa de Batista, pelo ter­reno que fora o sítio do meu avô (que não cheguei a con­hecer) – atrás deste ter­reno ficava um outro espaço caro as min­has lem­branças: um pomar com diver­sos tipos de mangueiras; manga de mesa, manga rosa, manga esse, e tan­tas out­ras. Mais atrás ficavam as capoeiras que não con­hecia.

Pas­sava pela casa que fora de tia Chiquinha, dos pri­mos, até chegar a casa de tio Diolindo, o tie Dió. Ficava um tempo com prima Clarice e depois me prepar­ava para ped­alar mais uma légua voltando.

Lev­ava quase um dia inteiro em tais aven­turas.

Há uns dez anos fui a Gov­er­nador Archer e de lá para Gonçalves Dias revis­i­tando min­has lem­branças.

Nos anos que pas­sei em Gov­er­nador Archer, morei na Rua do Sossego, por trás da casa adquirida ou alu­gada para estu­dar­mos, ficava (ou ainda fica) um campo de fute­bol por onde cor­tava cam­inho até a Escola Alde­nora Belo, onde estu­dava, depois morei na casa da minha irmã Bibia, na Rua Sete de Setem­bro.

Já na saída lembre-​me do sítio do primo Arlindo, filho de um irmão de minha mãe, eu, minha irmã Ana e suas fil­has Elianai e Etnã, passá­va­mos tardes brin­cado em banho do ter­reno.

Adi­ante pas­samos pelo pé de tamarindo onde, quando cri­ança, com meu pai ou algum irmão mais velho, a cav­alo ou de burro, pará­va­mos para comer algum de seus fru­tos, se era a estação. Mais à frente à entrada do povoado Vences­lau e na outra margem a entrada do Cen­tro do Came­los. Logo depois, pas­sando por onde out­rora fora um igarapé grande e de águas tur­bu­len­tas, que os bur­ros tin­ham difi­cul­dades em vencer, cheg­amos ao Cen­tro Novo.

Via­java com Afrânio e o sobrinho Wal­lace e ia dizendo o que era cada coisa, de quem fora cada casa, o que acon­te­cera em cada local.

Paramos no local onde ficava a casa onde nasci e nosso cur­ral – próx­imo dali foi con­struída a casa da minha irmã que adquiriu a pro­priedade.

Em seguida paramos no cemitério e em seguida na casa de um primo, até vencer­mos aquela légua para chegar em Gonçalves Dias.

Tudo já tão difer­ente da minha infân­cia.

As lem­branças do que pas­sei tornaram-​se um tesouro só meu. O que pas­sei no pomar, o que senti na serra, os risos no igarapé ou no açude, os medos que senti ao escor­re­gar … out­ros até lem­bram, mas são out­ras lem­branças.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

O IGARAPÉ DA MINHA ALDEIA ENCHEU.

Por Abdon C. Marinho.

MINHA amada irmã mais velha, Deiza, mandou-​me, no fim de sem­ana pas­sado, as ima­gens do igarapé da minha aldeia com­ple­ta­mente cheio, com as pes­soas admi­radas com o vol­ume de água.

As ima­gens man­dadas por ela ati­varam min­has lem­branças adorme­ci­das há anos.

Pedrin­has é o igarapé da minha infân­cia, dos meus primeiros anos no Cen­tro Novo. Cri­ado soz­inho, como Deus cria batatas na beira do rio, lem­bro que ia pra lá e pas­sava man­hãs ou tardes ou dias inteiro ban­hando nele. Quando mais cheio, usava uma bóia de pneu velho.

Desde sem­pre fez parte da minha história.

Conta a lenda que quando vim ao mundo, em um dia de domingo, minha mãe deu à luz soz­inha pois todos da casa estava para o igarapé, as mul­heres voltadas para lavar as roupas e os demais, homens, meni­nos usando suas águas para a diver­são. Quando a parteira chegou lá estava eu pronto para as batal­has que viriam – e não seriam pou­cas.

As lem­branças que tenho dos meus primeiros anos são de um igarapé perene, com boa água o ano todo, usadas para tudo: dar banho nos ani­mais, nós mes­mos ban­har­mos, lavar as roupas, pescar umas piabas, e tan­tas out­ras coisas.

As águas do Pedrin­has só não eram uti­lizadas para beber, para este fim, uti­lizá­va­mos as águas de um poço cacimba, escav­ado com capri­cho e revestido até o fundo com tábuas de madeira; uma gan­gorra feita por marceneiro ded­i­cado com­punha a estru­tura para a cap­tação da água uti­lizada para beber e coz­in­har.

Imag­ino que rece­beu esse nome dev­ido as pedrin­has que cobriam todo o seu leito, em taman­hos diver­sos e que pare­ciam ter sido pol­i­das à mão.

Uma con­versa de adul­tos entre­ou­vida punha a imag­i­nação em curso. Certa vez ouvi: — fulano foi preso e lev­ado a Pedrin­has. Pen­sava qual o prob­lema de ficar preso em Pedrin­has? Gosto tanto de lá. Na minha mente infan­til, a única refer­ên­cia que tinha de Pedrin­has era a do “meu igarapé” favorito.

O igarapé cor­ria pelas ter­ras de meu pai, ao pé da serra onde pas­sava os dias a pas­sar­in­har ou a procura dos nin­hos – não tenho lem­branças de sua nascente.

Cor­rendo às mar­gens da estrada por entre o capim, o Pedrin­has gan­hava corpo numa espé­cie de várzea que ficava abaixo de um cur­ral ao lado de casa. Era nesse local que o uti­lizá­va­mos para o lazer.

Com o pas­sar dos anos as águas foram escasse­ando, o igarapé deixou de ser perene – acred­ito que a esti­agem, o des­mata­mento, a ocu­pação, ten­ham “matado” suas nascentes –, ainda assim, no inverno, usá­va­mos suas águas para as brin­cadeiras.

Foi por esse tempo, fins dos anos setenta para oitenta, que para ter uma outra reserva de água para os ani­mais e para o uso domés­tico, que meu pai con­tra­tou umas horas de tra­tor e fez um açude grande que rece­bia parte das águas do Pedrin­has no inverno.

Com o Pedrin­has seco ou com pouquís­sima água mudamos as brin­cadeiras para o açude. Já eram meus últi­mos anos no Cen­tro Novo. Dali a pouco iria para sede do municí­pio, primeiro Gov­er­nador Archer, depois Gonçalves Dias e, por fim, para a cap­i­tal.

Quando morava em Gonçalves Dias, vez ou outra, pegava minha “monareta” e ia até o Cen­tro Novo atrás dos resquí­cios da minha infân­cia. Pas­sava pelo cemitério onde des­cansa minha mãe e tan­tos out­ros entes queri­dos, pas­sava pelo Pedrin­has – ou o que fora ele –, subia a ladeira, até alcançar, às mar­gens esquerda, o local onde ficava o nosso cur­ral e casa onde nasci. Ambos extin­tos. À dire­ita só o chão árido, batido do que fora a casa de tia Mal­fisia (a irmã mais velha do meu pai), a casa do Pingo e prima Ciça e, por fim a casa de Maria Bizunga.

A ladeira às mar­gens do Pedrin­has que aces­sava a casa do meu pai era muito alta. Por isso mesmo o igarapé se aco­mo­dava em uma espé­cie de remanso entre os mor­ros.

Era em tal ladeira que den­tro de “con­gas” de coqueiros usá­va­mos para escor­re­gar até lá em baixo. A estrada até o povoado era “car­roçal”, quando, uma vez na vida outra na morte, pas­sava algum carro, era novi­dade para um mês inteiro.

Seguia na minha monareta, pas­sando pela antiga casa de Batista, pelo ter­reno que fora o sítio do meu avô (que não cheguei a con­hecer) – atrás deste ter­reno ficava um outro espaço caro as min­has lem­branças: um pomar com diver­sos tipos de mangueiras; manga de mesa, manga rosa, manga esse, e tan­tas out­ras. Mais atrás ficavam as capoeiras que não con­hecia.

Pas­sava pela casa que fora de tia Chiquinha, dos pri­mos, até chegar a casa de tio Diolindo, o tie Dió. Ficava um tempo com prima Clarice e depois me prepar­ava para ped­alar mais uma légua voltando.

Lev­ava quase um dia inteiro em tais aven­turas.

Há uns dez anos fui a Gov­er­nador Archer e de lá para Gonçalves Dias revis­i­tando min­has lem­branças.

Nos anos que pas­sei em Gov­er­nador Archer, morei na Rua do Sossego, por trás da casa adquirida ou alu­gada para estu­dar­mos, ficava (ou ainda fica) um campo de fute­bol por onde cor­tava cam­inho até a Escola Alde­nora Belo, onde estu­dava, depois morei na casa da minha irmã Bibia, na Rua Sete de Setem­bro.

Já na saída lembre-​me do sítio do primo Arlindo, filho de um irmão de minha mãe, eu, minha irmã Ana e suas fil­has Elianai e Etnã, passá­va­mos tardes brin­cado em banho do ter­reno.

Adi­ante pas­samos pelo pé de tamarindo onde, quando cri­ança, com meu pai ou algum irmão mais velho, a cav­alo ou de burro, pará­va­mos para comer algum de seus fru­tos, se era a estação. Mais à frente à entrada do povoado Vences­lau e na outra margem a entrada do Cen­tro do Came­los. Logo depois, pas­sando por onde out­rora fora um igarapé grande e de águas tur­bu­len­tas, que os bur­ros tin­ham difi­cul­dades em vencer, cheg­amos ao Cen­tro Novo.

Via­java com Afrânio e o sobrinho Wal­lace e ia dizendo o que era cada coisa, de quem fora cada casa, o que acon­te­cera em cada local.

Paramos no local onde ficava a casa onde nasci e nosso cur­ral – próx­imo dali foi con­struída a casa da minha irmã que adquiriu a pro­priedade.

Em seguida paramos no cemitério e em seguida na casa de um primo, até vencer­mos aquela légua para chegar em Gonçalves Dias.

Tudo já tão difer­ente da minha infân­cia.

As lem­branças do que pas­sei tornaram-​se um tesouro só meu. O que pas­sei no pomar, o que senti na serra, os risos no igarapé ou no açude, os medos que senti ao escor­re­gar … out­ros até lem­bram, mas são out­ras lem­branças.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.