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O candidato.

Escrito por Abdon Mar­inho


O CANDIDATO.

Por Abdon C. Marinho*.

UMA DAS lições mais impor­tantes da minha car­reira jurídica aprendi com o colega e decano da advo­ca­cia maran­hense, Car­los Augusto Macedo Couto, pro­fes­sor Car­los Couto, para os próx­i­mos. A lição não me foi dada como pro­fes­sor, mas, como colega e como cidadão.

Con­forme já disse algu­mas vezes, come­cei a minha car­reira jurídica pelo Dire­ito Eleitoral, primeiro pelo fato de, desde muito cedo, pos­suir envolvi­mento político: mil­itân­cia estu­dan­til e par­tidária ini­ci­ada ainda criança/​adolescente e depois por gostar, efe­ti­va­mente, daquela movi­men­tação.

O ingresso na fac­ul­dade de dire­ito, alcançou-​me, em 1991, quando já tra­bal­hava com o dep­utado Juarez Medeiros na Assem­bleia Leg­isla­tiva, fazia admin­is­tração noturno e tra­bal­hava durante o dia. Aprovado para o curso de dire­ito, tran­quei o curso de admin­is­tração para seguir a car­reira jurídica.

Em 1992 já estava par­tic­i­pando da minha primeira cam­panha eleitoral; em 1994, jun­ta­mente com Roberto Paula, Chico Branco, estava na coor­de­nação da cam­panha eleitoral do ex-​governador Epitá­cio Cafeteira ao gov­erno estad­ual, atuando como coor­de­nador e como uma espé­cie de estag­iário do Dr. Laplace Pas­sos, que era o advo­gado da cam­panha.

Tendo con­cluído o curso de dire­ito em 1996 e rece­bido a carteira da OAB/​MA em 1997, já nesse ano e até as eleições do ano seguinte, 1998, atuei nova­mente como coor­de­nador da cam­panha eleitoral do ex-​governador e senador Cafeteira ao gov­erno estad­ual.

Esse breve histórico para dizer que desde “menino” que tenho atu­ação no ramo do dire­ito eleitoral, prin­ci­pal­mente, atuando como advo­gado junto ao Tri­bunal Regional Eleitoral — TRE. Antes da pan­demia – e de alguns per­calços já relata­dos em tex­tos ante­ri­ores –, não tinha sessão, mesmo as admin­is­tra­ti­vas, que não me fizesse pre­sente, gan­hando dos cole­gas o car­in­hoso apelido de “oitavo mem­bro da corte” e de “decano do tri­bunal”, com dire­ito a “cadeira cativa” e tudo mais, com os cole­gas mais novos, quando chegava, por excesso de defer­ên­cia, levantar-​se para que pudesse sen­tar.

Foi nos primeiros anos como advo­gado atu­ante no TRE – quando mil­i­tava mais do que advo­gava –, que recebi a lição do mestre Couto, referida acima.

Era uma eleição ren­hida e o resul­tado de um jul­ga­mento, que achava abso­lu­ta­mente injusto, como tan­tos out­ros que vieram depois dele que me tirou do sério e me fez perder a com­pos­tura, a ponto de fazer comen­tários duros a respeito dos jul­gadores.

Vendo meu com­por­ta­mento, Couto chamou-​me e me disse: — meu caro doutor, se não acred­itares na Justiça, serás eter­na­mente frustrado e infe­liz com min­istério que escol­h­estes seguir. Não adi­antas esbrave­jar ou ten­tar “resolver no grito”. Preparas o teu recurso, vais atrás de out­ras instân­cias. Um advo­gado não tem o dire­ito de não acred­i­tar na Justiça. Algo mais ou menos assim.

Com mais meio quarto de século de profis­são e mais de vinte anos da lição rece­bida do mestre, mesmo com uma “car­rada de decepções” no cur­rículo, nunca perdi minha fé na Justiça.

Vendo a par­tir das visão e exper­iên­cia que tenho hoje – e já tendo con­hec­i­mento de tan­tas decepções –, a lição do mestre Couto “me salvou”, pois, já imag­i­naram alguém pas­sar um quarto de século (até aqui) ou a vida toda fazendo algo em que não acred­ita? Imag­i­nando que a Justiça apren­dida na vida ou nos ban­cos esco­lares não passa de uma ficção? Que tudo são “esque­mas” ou cor­rupções?

Ao meu sen­tir, pelo menos para este escriba que vos fala, seria uma vida de extrema infe­li­ci­dade. E a razão da nossa existên­cia é ser­mos felizes.

A minha profis­são de fé é acred­i­tar na Justiça, ape­sar de tudo.

Não abro mão, abso­lu­ta­mente, deste credo, pois, se assim o fizesse, estaria dizendo que toda a minha vida profis­sional foi inútil, seria tra­gado pela infe­li­ci­dade.

Como tra­bal­har, fazer algo que não acred­i­tas? Qual o sen­tido de levar uma vida sabendo que o fruto do teu tra­balho não é bené­fico a ninguém?

Agora pus-​me can­didato ao cargo de desem­bar­gador na vaga des­ti­nada, pela Con­sti­tu­ição da República, para advo­ca­cia no critério do Quinto Con­sti­tu­cional.

Um amigo muito próx­imo e querido lis­tava as difi­cul­dades da empreitada:

— Abdon, tu não és “fidalgo”, ou seja, não és filho de gente impor­tante, não nasceu no seio da elite; levas uma vida de “Cas­murro”, não fre­quenta os “salões” de even­tos; não és amigo íntimo (ou não íntimo) dos con­sel­heiros da ordem ou dos desem­bar­gadores e, muito menos, do gov­er­nador, que dá a cane­tada final.

Retru­cava aos argu­men­tos dizendo que pos­suía a prin­ci­pal cre­den­cial: a fé ina­balável na Justiça.

O fato de não ser “fidalgo” ou de não ter nascido no seio da elite, tam­bém, não pode­ria servir como critério; e, muito emb­ora, leve uma vida de “Cas­murro”, sou con­hecido por todos e tenho ideias claras e públi­cas sobre todos os temas com os quais terem que me debater na even­tu­al­i­dade de “chegar lá”.

E quanto ao fato de não poder “fazer cam­panha” dev­ido às lim­i­tações que pas­sas por conta da poliomielite? Indagou.

Pon­derei, em relação a tal assertiva, que não era o que pode­ria ter feito nos últi­mos meses ou que pode­ria fazer no tempo que resta para o primeiro escrutínio, o fator deter­mi­nante para a escolha, mas sim, o que fiz ou como me com­portei ao logo de toda uma vida.

Como tive que via­jar – con­forme relatei na crônica da sem­ana pas­sada –, deixei ao encargo dos meus colab­o­radores a incum­bên­cia de efe­t­uar o reg­istro da can­di­datura – o que fiz­eram em tempo hábil –, entre­tanto, uma inter­pre­tação equiv­o­cada que deram ao edi­tal, acabou por deixarem de fora alguns doc­u­men­tos, o que só foi suprido no prazo de 48 horas, con­forme pre­visão editalícia.

Cheguei a ficar tenso com a situação.

Muito emb­ora saiba das difi­cul­dades que ter­e­mos ao longo da cam­in­hada: primeiro, ser escol­hido pelos advo­ga­dos e advo­gadas aptos a votarem na eleição direta, no total de 12 (doze); segundo, ser escol­hido entre os 06 (seis) pelo Con­selho Estad­ual da OAB; ter­ceiro, fig­u­rar na lista trí­plice, for­mu­lada pelo TJMA; e, por fim, ser escol­hido pelo gov­er­nador.

Dizia aos cole­gas e colab­o­radores que inde­pen­dente do resul­tado de cada uma das eta­pas, o que me impor­tava era poder ser can­didato, dizer a todos: — ei, eu estou aqui.

Ao poder dizer isso – somente isso –, estou dizendo a todas as cri­anças pobres ou ricas, fil­has de cam­pone­ses ou de abas­ta­dos, pre­tas, bran­cas ou de quais­quer das cores do arco-​íris, de qual­quer religião ou credo, que elas tam­bém poderão chegar onde quis­erem, pois o filho de D. Neuza e de seu Van­der­lino, agricul­tores, anal­fa­betos por parte de pai, mãe e parteira e for­agi­dos da seca, chegou até aqui.

É isso que move. Gan­har, ser escol­hido são os obje­tivos, mas o que me move para par­tic­i­par de tal processo é a ideia de que estou sendo o fanal para alguém, sobre­tudo, para aque­les nunca tiveram nada na vida além da força de von­tade.

Sou de uma família grande. Meus avós tiveram mais de uma dúzia de fil­hos e com eles vieram para o Maran­hão, para viver da agri­cul­tura na região do médio Mearim; meus pais tiveram mais de uma dezena de fil­hos.

Destas duas ger­ações, fui o primeiro a con­cluir um curso supe­rior, ape­sar de todas as difi­cul­dades que enfrenta­mos: a pobreza, a seca, a pólio, a orfan­dade na primeira infân­cia e todas as demais situ­ações já relatadas em diver­sas out­ras oportunidades.

Hoje, na nossa família imensa, com diver­sos doutores, pro­fes­sores, todos bem for­ma­dos e podendo se esta­b­ele­cer onde quis­erem, ouvi de um sobrinho a declar­ação que mais me tocou e emo­cio­nou: — tio, o sen­hor foi a minha inspiração.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Crôni­cas da estrada com Max Harley.

Escrito por Abdon Mar­inho


CRÔNI­CAS DA ESTRADA COM MAX HARLEY.

Por Abdon C. Marinho*.

CHEG­AMOS em Luis Domingues por volta de 1:30 horas da quarta-​feira, dia 15 de março. Emb­ora ache agradável via­jar à noite pois as estradas estão geral­mente vazias e a pas­sagem por nos­sas cidades remeta-​me às lem­branças da infân­cia e ado­lescên­cia, há muito tempo deixei de fazer isso. As condições das estradas e a vio­lên­cia, cada vez mais pre­sente por onde quer que passé, acabou por me fazer preferir as via­gens diur­nas, só via­jando à noite, e, assim mesmo, cer­cado de caute­las, quando abso­lu­ta­mente necessário.

Surgiu a neces­si­dade. Uma sem­ana antes, aprox­i­mada­mente, Max me per­gunta se não que­ria ir a Luis Domingues, pois em razão de um com­pro­misso dele em outro municí­pio aproveitaríamos para fazer uma viagem só.

Achei bom. Como há algum tempo a prefeitura munic­i­pal encontra-​se em refor­mas já fazia um bom tempo que não ia lá, sendo que ami­gos e servi­dores do municí­pio já estavam lig­ando e per­gun­tando que dia iria.

Max tam­bém tinha que ir em razão do “fechamento” das prestações de con­tas para encam­in­har para o TCE.

Dois dias depois ele me liga: — doutor, o com­pro­misso que tinha agen­dado para o outro municí­pio, em razão do con­gresso de prefeitos pro­movido pela FAMEM, foi deslo­cado de quarta-​feira, 15, para a sexta-​feira, 17.

Tive­mos que reor­ga­ni­zar a viagem.

As pas­sagens já com­pradas para o domingo, à tarde, com retorno na quarta-​feira, final do dia, tiveram que ser remar­cadas para terça-​feira à noite (após o encon­tro dos prefeitos) com retorno para a sexta-​feira, no fim da tarde.

Por sorte, sem­pre tenho uma ou duas pas­sagens “sobrando” na pasta, o que facilita a troca.

Exces­si­va­mente pre­venido, o que, às vezes irrita os que via­jam comigo, pois gostam de chegar “em cima” da hora, sai do escritório pouco depois das 15 horas.

Apan­hamos o Max que já estava de pron­tidão nos aguardando e seguimos para o ter­mi­nal.

Con­seguimos “pegar” um ferry-​boat extra que sairia as 16:30 horas.

Cheg­amos a Pin­heiro pouco depois das 19 horas, jan­ta­mos, e por volta das 20 horas, seguimos viagem noite a den­tro.

Enquanto ouvíamos a trilha sonora preparada pelo outro com­pan­heiro de viagem, Ali­son Fer­nando, espe­cial­mente para a viagem íamos con­ver­sando sobre os “cau­sos” já viven­ci­a­dos, eu nes­tas quase três décadas, Max, já pas­sando das duas. Max diz que quando par­tic­ipa ou sabe de algum causo engraçado tenta ao máx­imo guardar, com todos os seus detal­hes, para contar-​me ou con­tar ao seu pai, Dr. Zé Maria, outra pes­soa boa de cau­sos.

Noite de terça, as cidades por onde íamos pas­sando ou se prepar­avam para adorme­cer ou já estavam adorme­ci­das, aqui ou ali, em alguma porta algu­mas pes­soas ainda con­ver­sando, acolá, a vigília de um velório.

Papo vai, papo vem, Max remem­ora um dos cau­sos do seu tio Luis – e que ficou de fora da crônica escrita na vez ante­rior.

O Dr. Luiz­inho, seu tio, tinha prob­le­mas com bebida, um caso típico de dupla per­son­al­i­dade, em que quando sóbrio se é uma pes­soa, abso­lu­ta­mente cen­trada e tra­bal­hadora, mas que quando bebe perde total­mente o bom senso.

Ele tinha con­sciên­cia disso, tanto que quando sóbrio entre­gava todo din­heiro que tinha para a mãe de Max e sua cun­hada (D. Marineia, de saudosa memória), com a recomen­dação de que não lhe devolvesse de forma alguma quando estivesse bêbado.

Tudo com­bi­nado, din­heiro entregue e guardado, na hora que bebia lá ia ele para casa de Max fazer escân­dalo e chamar a mãe dele de ladra: — devolve meu din­heiro, sua ladra! E por aí vai.

A nar­ra­tiva acima é ape­nas para que con­heçam a figura.

O episó­dio a mere­cer fig­u­rar na nossa coleção de crôni­cas de estrada é outro, que se encerra com um mis­tério.

Deu-​se na cidade de Miranda do Norte, fins dos setenta ou iní­cio dos oitenta, noite de chuva intensa, em um cabaré “daque­les” bem pop­u­lares, madru­gada avançada, já quase “comendo” o dia, um som mais alto se sobrepõe sobre os bur­bur­in­hos das mesas e do som ambi­ente, é a dona do cabaré dizendo: — doutor Luiz­inho tenha um pouco mais de respeito no meu esta­b­elec­i­mento.

O Dr. Luiz­inho se foi e per­siste o mis­tério até hoje na família Fre­itas: que tipo de “gosto” o doutor Luiz­inho tomara em um cabaré de quinta em uma madru­gada de chuva tor­ren­cial a ponto de causar indig­nação na dona do esta­b­elec­i­mento? Mis­tério.

Cau­sos anti­gos vão se mis­tu­rando aos novos.

São fatos e pes­soas que vão pas­sando por nos­sas vidas com suas graças que nos fazem rir depois ao lem­brar.

Após a relem­brança do tio Luiz­inho foi a vez falar­mos sobre um treina­mento que dera para uma equipe de um municí­pio em outro municí­pio acen­tuando uma das suas com­pan­heiras de tra­balho achara o nariz de uma das par­tic­i­pantes muito bem feito, além dos out­ros atrib­u­tos de beleza inques­tionáveis.

Foi a deixa para interrompê-​lo para afir­mar: — poxa, Max, ela não me deve ter em boa conta.

Quando perce­beram que estava falando do meu avan­ta­jado e desar­ru­mado nariz, caíram todos na gar­gal­hada.

Na manhã seguinte ele mandou-​lhe uma fotografia minha com o nariz em destaque e contou-​lhe o episó­dio “estradeiro”.

Aliás, sobre essa mesma com­pan­heira de tra­balho, há um outro episó­dio para coleção de cau­sos.

Con­sta que o cidadão que faz entre­gas de doc­u­men­tos entre os órgãos e pequenos man­da­dos, apare­ceu pela repar­tição por volta das 14 horas, tendo um dos servi­dores ques­tion­ado: — seu Coman­dante, apare­cendo por aqui depois de uma soneca.

Ao que ele, sem se aten­tar, emen­dou: — na ver­dade foi uma “f…deca”, mesmo.

Dona Gil que estava um pouco afas­tada deu-​lhe uma chamada: — seu Coman­dante, que história atrav­es­sada é essa?

O seu Coman­dante, todo con­strangido bal­bu­ciou uma des­culpa: — des­culpe, dona Gil, não tinha lhe visto.

Entre cau­sos, lem­branças e boa música íamos ven­cendo as estradas e suas crat­eras de causar inveja a lua.

No dia seguinte, após o tradi­cional almoço na casa do prefeito foi a minha vez de pro­tag­oni­zar um “causo” que será motivo de risos pelas repar­tições públi­cas Maran­hão a fora.

Depois do almoço, invari­avel­mente deli­cioso, à base de gal­inha caipira com pirão de descaída e um assado de pan­ela de dá água na boca, arrematado por um crème que atenta con­tra qual­quer dieta, o prefeito pediu que aten­desse umas sen­ho­ras que ali estavam para ouvir minha opinião sobre deter­mi­nada causa.

Achei mel­hor atendê-​las na própria mesa onde fora servido o almoço.

Max ficou em um canto con­ver­sando com as secretárias de saúde e a de finanças e eu, mas para o meio, ouvindo a história das sen­ho­ras – mas sem ficar total­mente desli­gado do outro assunto. Ouvi clara­mente quando ele, que recusara o crème de sobremesa per­gun­tara se as mex­eri­cas na fruteira eram boas, ao que a empre­gada domés­tica disse não saber; não vi, tam­bém, que Max se serviu de uma.

No final do atendi­mento, aproximei-​me de Max e das secretárias, peguei uma mex­erica, descasquei-​a e ao masti­gar o primeiro gomo, man­dei: — ah, Max, ela não quis foi te dar.

Todos à mesa me olharam sem enten­der pois estavam tratando de outra coisa, e eu ainda ten­tei com­ple­tar: — … a mexerica …”.

— Doutor que con­versa atrav­es­sada foi essa. Atal­hou Max, enquanto todos caiam na gar­gal­hada da minha intro­mis­são “fora de hora”.

Na quinta-​feira, ao tér­mino do segundo dia de expe­di­ente e tendo deix­ado toda a mis­são resolvida ou bem encam­in­hada, peg­amos a estrada de volta, ainda com sol, para poder­mos con­statar suas pés­si­mas condições.

Em Gov­er­nador Nunes Freire, fize­mos aquela “parada obri­gatória” na Padaria Alana para tomar um suco e um cafez­inho com um pastelz­inho.

Sobre essa “parada obri­gatória”, numa vez ante­rior estava tam­bém por lá com Max, quando alguém me liga per­gun­tando por onde estava, sem “papas” na lín­gua, respondi, bem ao meu estilo: — estou em Gov­er­nador Nunes Freire, tomando um deli­cioso suco de caju com um pas­tel de vento.

Max, corado, foi logo dizendo: — doutor, o que é isso, todos estão ouvido o sen­hor dizer que que está sabore­ando “um pas­tel de vento”.

Nessa noite, por conta da audiên­cia pública que Max par­tic­i­paria em Turilân­dia, dormi­mos em Santa Helena, no hotel do mesmo nome, de pro­priedade do já amigo Glad­is­ton.

Na sexta-​feira, após a audiên­cia de Max e de uma ráp­ida parada no Jam­beiros, onde paramos para ele cumpri­men­tar as autori­dades pre­sentes na audiên­cia, par­ti­mos para Cujupe, chegando “em cima” da hora para pegar ferry-​boat para o qual tín­hamos com­prado pas­sagem.

Cheguei em casa, em São José de Riba­mar, às 20:30 horas, depois bus­car todos os atal­hos para vencer um engar­rafa­mento “sem fim” no bairro do Anil.

Fim da crônica.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Um pân­tano das arábias.

Escrito por Abdon Mar­inho

UM PÂN­TANO DAS ARÁBIAS.

Por Abdon C. Marinho*.

SUS­PEITO – ape­nas sus­peito –, que mesmo os devo­tos mais ingên­uos do ex-​presidente já perce­beram que mito, em sen­tido fig­u­rado é “uma pes­soa ou um fato cuja existên­cia, pre­sente na imag­i­nação das pes­soas, não pode ser com­pro­vada; ficção”. É dizer, aquela pes­soa que a despeito de toda a vida pre­gressa foi “con­struída” como um cidadão de bem, bom pai de família, patri­ota, seguidor das leis e defen­sor da ética, efe­ti­va­mente é um mito, ou seja, não existe, é uma ficção.

Na história da nossa tão vilipen­di­ada República, não me recordo de nen­hum episó­dio envol­vendo um pres­i­dente no exer­cí­cio do cargo com con­tra­bando de jóias, com a uti­liza­ção da estru­tura pública, de Estado, para prática de crimes em série con­tra a nação brasileira.

Acho que nem mesmo a notória presidên­cia de Col­lor de Melo, com toda sua “lou­cura” chegou a tanto.

Inimag­inável que os generais-​presidentes, na longa noite da ditadura mil­i­tar que durou 21 anos, admi­tis­sem à incor­po­ração ao patrimônio pes­soal, um pre­sente dado por alguma nação ao pres­i­dente da república.

Há um episó­dio bem ilus­tra­tivo ocor­rido nos fins dos anos setenta, em que o penúl­timo general-​presidente, Ernesto Geisel, tomou con­hec­i­mento que um irmão seu rece­bera de pre­sente um veículo fusca de algum empre­it­eiro “doido” para agradar o poder.

O general-​presidente chamou-​o as falas: — e esse carro?

O irmão foi logo se expli­cando: — olha, foi um pre­sente, não pedi, não fiz nada por conta disso … mas se você quiser eu devolvo ime­di­ata­mente.

O general-​presidente: — que você vai devolver é algo que não se dis­cute. O que esta­mos tratando aqui é se você será preso ou não.

Vejam, um fusca, lá pelos fins dos anos setenta, dev­e­ria valer o cor­re­spon­dente hoje a 50 mil reais.

Não faz muito tempo a imprensa noti­ciou que o caçula do pres­i­dente gan­hara um veículo de uma marca qual­quer de uma empresa que tinha inter­esses em realizar negó­cios com o gov­erno pai, fun­cio­nando o filho como um “abri­dor de por­tas” nos min­istérios. Além do carro sabes de diver­sas out­ras van­ta­gens inde­v­i­das, divul­gadas à exaustão ou, de tão banais, igno­radas.

Não tive­mos notí­cias do pai-​presidente chamando o filho ou os fil­hos para dizer-​lhes que tais com­por­ta­men­tos eram incom­patíveis com o decoro do cargo que o pai ocu­pava.

São out­ras réguas a medi­rem o caráter e o decoro.

Meu pai, com sua sabedo­ria própria dos anal­fa­betos, cos­tu­mava dizer que só podíamos dar aquilo que tín­hamos.

Um pai sem moral não pode ensi­nar ou cobrar bons exem­p­los dos fil­hos.

Imag­ino que o gen­eral Geisel – aquele que deter­mi­nou a devolução ime­di­ata do pre­sente do irmão e ficou em dúvida dev­e­ria trancafia-​lo na prisão –, esteja a retorcer-​se no túmulo ao tomar con­hec­i­mento, do além, do caso de um ex-​capitão das forças armadas que chegou à presidên­cia da república e que rece­beu pre­sentes de ele­vadís­simo valor e, muito pior que isso, fez uso dos mil­itares que serviam a si e ao gov­erno para “con­tra­ban­dear” tais pre­sentes para o solo nacional, sem o paga­mento dev­ido dos trib­u­tos.

No caso em tela, o papel dos mil­itares brasileiros foi servir de “mulas” ao con­tra­bando.

Que triste papel.

O gen­eral deve perguntar-​se como con­seguiram chegar a tamanha degradação. Sim, as pes­soas que tiveram boa for­mação têm difi­cul­dades para come­ter ilíc­i­tos. Elas sabem que fazer a dis­tinção entre o certo é o errado.

No episó­dio dos pre­sentes ofer­ta­dos pelo dita­dor sau­dita, o almi­rante que chefi­ava à del­e­gação os rece­beu e, segundo o próprio, não procurou saber o que tinha nos pacotes. Os dis­tribuiu entre os mem­bros da del­e­gação que o acom­pan­hava para que os mes­mos os fizesse chegar ao des­tino: as mãos do pres­i­dente.

Um dos pre­sentes, no valor de quase meio mil­hão, chegou ao des­tino se se encon­tra com o pres­i­dente; o segundo foi apreen­dido pela alfândega.

O almi­rante das Forças Armadas, rece­beu os pacotes com os supos­tos pre­sentes e não per­gun­tou o que se tratava ou pediu qual­quer doc­u­men­tação para que apre­sen­tasse as autori­dades alfan­degárias brasileiras ou mesmo sau­di­tas, caso fosse per­gun­tado.

E, isso porque vin­ham em um voo de car­reira.

Ape­sar disso, o almi­rante não teve curiosi­dade ou procurou por alguma forma cumprir seu papel. E se fos­sem pacotes com dro­gas? E se fosse algum artefato radioa­t­ivo? Ou um corpo humano desmem­brado? Não deram sum­iço a um jor­nal­ista fazendo sumir seu corpo?

O almi­rante, sim­ples­mente, foi para o hotel e dis­tribuiu entre seus acom­pan­hantes, tam­bém mil­itares, os pacotes para que chegassem ao pres­i­dente.

Chegando ao Brasil, no aero­porto inter­na­cional, a comi­tiva, emb­ora tendo rece­bido pre­sentes que “descon­heciam o con­teúdo” não foi ori­en­tada a pas­sar pelo corre­dor dos que tem algo a declarar, mas sim, pelo con­trário, foi ori­en­tada a pas­sar pelo corre­dor do “nada a declarar”.

Pois bem, mas tendo um dos mem­bros da comi­tiva sido retido para ver­i­fi­cação da bagagem e se con­statando o valiosís­simo pre­sente, mais de 16 mil­hões de reais, com cer­ti­fi­cado de famosa joal­he­ria, o almi­rante ficou sabendo do que se tratava, mas, ao invés de infor­mar a alfân­dega que outro pacote con­tendo idên­tico pre­sente, ou chamado o outro inte­grante da comi­tiva que con­seguiu pas­sar sem ser molestado, nada disse ou fez, pelo con­trário, ten­tou foi lib­erar o pacote apreen­dido dizendo tratar-​se de pre­sente para a primeira-​dama.

Ora, um almi­rante, como sól­ida for­mação mil­i­tar e insti­tu­cional, diante de tal situ­ação não sabia que o seu com­pro­misso com a pátria era fazer o certo? Não sabia que era o caso de se aplicar o artigo 142 da Con­sti­tu­ição Fed­eral? Não con­hecem o artigo 142 de cor e salteado?

Ora, o artigo 142 diz que: “Forças Armadas, con­sti­tuí­das pela Mar­inha, pelo Exército e pela Aeronáu­tica, são insti­tu­ições nacionais per­ma­nentes e reg­u­lares, orga­ni­zadas com base na hier­ar­quia e na dis­ci­plina, sob a autori­dade suprema do Pres­i­dente da República, e destinam-​se à defesa da Pátria, à garan­tia dos poderes con­sti­tu­cionais e, por ini­cia­tiva de qual­quer destes, da lei e da ordem”.

Ao tomar con­hec­i­mento que nas baga­gens que estavam sob sua autori­dade con­tin­ham pre­sentes de alto valor e que dev­e­riam ser declar­a­dos à alfân­dega para incor­po­ração ao patrimônio nacional, não dev­e­ria ter chamado o outro inte­grante para que pas­sasse pela a alfân­dega e declarasse o outro pre­sente? Esse não é o com­por­ta­mento que se espera de alguém for­mado na mis­são de defender a pátria?

Pelo com­por­ta­mento demon­strado no episó­dio, sou ten­tado a acred­i­tar que o único lamento que deve ter exis­tido foi pelo fato da alfân­dega ter apreen­dido o pacote de maior valor (16 mil­hões) e não o outro avali­ado em meio mil­hão de reais.

O almi­rante Taman­daré deve ser outro que estar a revolver-​se no túmulo.

Na hora que o almi­rante e seus sub­or­di­na­dos mil­itares sou­beram o que con­tin­ham os pacotes e que acima de mil dólares dev­e­riam declarar e pagar o imposto ou preencher a guia de que per­tence­riam os bens a união e não fiz­eram isso, imag­ino que ten­ham se “desin­vesti­dos” do papel de defen­sores da pátria para investirem-​se no papel de con­tra­ban­dis­tas.

O pior estaria por vir. Com­pro­vando o inter­esse em apropriar-​se dos pre­sentes – pois se fosse para incor­po­rar ao patrimônio da união bas­taria preencher a guia própria, inclu­sive em relação ao outro “pre­sente” que entrou de forma clan­des­tina –, as maiores autori­dades do país, pres­i­dente da república, min­istros de Estado, pas­saram quase dois anos ten­tando desem­baraçar o con­tra­bando na base da pressão, sem pagar os impos­tos e sem preencher a guia de que o bem per­tence­ria a união, sendo que a última “investida” con­tra a alfân­dega deu-​se na antevéspera do ex-​presidente “fugir” do país.

Um fato rel­e­vante – não sei se ver­dadeiro –, que os envolvi­dos neste pân­tano chegaram a solic­i­tar que o “pre­sentes” apreen­di­dos fos­sem devolvi­dos ao doador.

Como assim? Não era mais fácil só incor­po­rar ao patrimônio da união? Ou a ideia de devolvê-​los seria para rece­ber por outra forma e em caráter pessoal?

Temos um pân­tano das arábias. Com diver­sas autori­dades do país aten­tando, de forma ver­gonhosa, con­tra os inter­esses nacionais.

Uma der­radeira per­gunta, para evi­tar qual­quer ques­tion­a­mento sobre a quem per­tence os pre­sentes apreen­di­dos se faz necessária: se o ex-​presidente não fosse o pres­i­dente no momento da doação, mas sim, um obscuro dep­utado escon­dido no fundão da Câmara dos Dep­uta­dos, ele rece­be­ria os pre­sentes de tamanha monta?

Se você acha que não então você sabe que os pre­sentes foram dados ao “pres­i­dente” e não a pes­soa e, por isso mesmo, perte­cem ao país.

O que ten­taram fazer, e feliz­mente não con­seguiram, foi pegar na “mão grande” algo que não lhes per­ten­ciam.

O código penal brasileiro deve ter alguma tipificação.

Cer­ta­mente, voltare­mos ao assunto.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.