AbdonMarinho - RSS

4934 Irv­ing Place
Pond, MO 63040

+1 (555) 456 3890
info@​company.​com

Qual­i­fi­cação, mestrado e doutorado.

Escrito por Abdon Mar­inho


QUAL­I­FI­CAÇÃO, MESTRADO E DOUTORADO.

Por Abdon C. Marinho*.

LEIO e tam­bém assisto nos infind­áveis com­er­ci­ais que o gov­erno estad­ual vai “requal­i­ficar” a MA-​203, a nossa Estada da Raposa, ou Avenida do Araçagy, como queiram.

A notí­cia da “requal­i­fi­cação” trouxe muita ale­gria, líderes soltaram fogos de artifí­cios, as mídias dig­i­tais já têm dias tratando do assunto.

Fiquei pen­sando no que disse outro dia numa con­versa com umas lid­er­anças políti­cas e comu­nitárias: nós, a sociedade, como um todo, perdemos a nossa con­sciên­cia crítica e nada ilus­tra tão bem isso quanto o ‘fes­te­jar” uma requal­i­fi­cação de obra pública.

A nossa famosa MA 203 é a prova mais elo­quente do que digo.

Amante das palavras, sei que, grosso modo, requal­i­ficar, na sua acepção mais comum, sig­nifica qual­i­ficar nova­mente.

Ora, o vestibu­lar para “qual­i­fi­cação” da men­cionada obra deu-​se ainda pelo iní­cio do ano de 2010 – ou antes –, com gor­das ver­bas des­ti­nadas pelo Min­istério do Tur­ismo, quando ainda min­istro o ex-​deputado Gastão Vieira.

Depois de idas e vin­das e muitos mil­hões acresci­dos depois, se não me falha a memória, a “for­matura” da obra deu-​se no ano pas­sado, doze anos depois do iní­cio da “qual­i­fi­cação” – que, pelo visto, não foi tão qual­i­fi­cada assim – deve ter sido como um “curso de verão” que durou mais de uma década.

O tempo que levaram para “qual­i­ficar” a obra – do vestibu­lar à for­matura ou inau­gu­ração –, daria para fazer uma boa grad­u­ação, um ou mais mestra­dos e até doutorado. Em ter­mos bíbli­cos, é quase o mesmo tempo que Jacó levou para gan­har, de Labão, o dire­ito de casar-​se com Raquel (14 anos, 7 + 7 anos). Lia a Bíblia e lembrei-​me dessa pas­sagem ao escr­ever o texto.

Vejam, não esta­mos falando de uma “transamazônica” da vida, esta­mos falando de uma via que, saindo do retorno do Olho d’Água até o ele­vado Neiva Mor­eira, na con­fluên­cia com a MA-​204, não alcança a dis­tân­cia de 7 km.

Parece uma história de “tran­coso”, como se dizia antiga­mente, ou um mito, como o suplí­cio de Sisifo, con­de­nado a car­regar pela eternidade uma pedra a até o cume da mon­tanha e ela cair e ele começar tudo de nova­mente, con­forme ensina a mitolo­gia grega, dizer que pas­saram mais de uma década – e muitos mil­hões depois –, para “qual­i­ficar” um pedaço de via de menos de 7 km e, pouco mais de um ano depois – se tanto –, já man­darem “requal­i­ficar” tal obra.

E os cidadãos aceita­mos tal situ­ação e até mesmo fes­te­jamos como se fosse per­feita­mente nor­mal ou como se o poder público estivesse nos fazendo um favor.

Há mais de vinte anos morando em um sítio na Estrada de Riba­mar, fiz das MA’s 201, 204 e 203 meu roteiro diário de “viagem” entre minha casa e o tra­balho. Durante todo período de “qual­i­fi­cação” da via em dis­cussão, meu aux­il­iar, sen­hor Afrânio, quase que como um mantra repetia, na ida e na volta, “que a obra não daria certo”, “que não prestava”, “que era din­heiro jogado fora”, etcetera e tal. Eu, cré­dulo, ou tolo, só dizia: — que é isso, meu filho, como é que uma obra feita por umas das maiores empre­sas do estado ou do país, com grandes engen­heiros envolvi­dos, com “din­heiro no balde”, com o estado acom­pan­hando, em plena cap­i­tal, não dará certo?

Ao anun­cia­rem, “com fes­te­jos” que a obra depois de mais de uma década, como pouco mais de um ano de inau­gu­rada, pas­sará por uma “requal­i­fi­cação”, deram total razão ao que meu aux­il­iar repetia durante toda “qual­i­fi­cação” da obra e que eu estava abso­lu­ta­mente errado ao acred­i­tar no poder público.

O sen­hor Afrânio, que não é engen­heiro civil, não é arquiteto, não é empre­it­eiro e que só con­hecia a via por tran­si­tar por ela duas vezes ao dia, sabia mais sobre os “prob­le­mas” da obra que as pes­soas con­tratadas para exe­cu­tar e/​ou fis­calizar os serviços que estavam sendo exe­cu­ta­dos.

O que me choca é que ao anun­cia­rem e fes­te­jarem que irão “requal­i­ficar”, depois de tão pouco tempo depois de inau­gu­rada, a obra pública, não tenha apare­cido ninguém, uma viva alma, para se per­gun­tar ou para ques­tionar as autori­dades a razão para “requal­i­ficar” a obra.

— Parou! Parou! Foi erro de pro­jeto? Foi erro de exe­cução? Quem errou (se errou)? Vai haver ressarci­mento ao mis­erável do contribuinte?

Será que ape­nas eu con­siga achar que isso não está certo? Ou, como na obra o Alienista, de Machado de Assis, todos os out­ros estão cer­tos e eu que estou louco?

Se estiver errado que per­doem e aceitem min­has escusas, mas não tomei con­hec­i­mento de que algum dep­utado estad­ual ou fed­eral ou senador da República, pediu qual­quer esclarec­i­mento ou comis­são par­la­men­tar de inquérito para inves­ti­gar o que “deu errado” com obra ou mesmo tenha feito um dis­curso no “pequeno expe­di­ente” das Casas Leg­isla­ti­vas; não tomei con­hec­i­mento de que algum pro­mo­tor de justiça ou procu­rador tenha aberto algum pro­ced­i­mento; ou mesmo que o Tri­bunal de Con­tas do Estado — TCE tenha se ques­tion­ado ou feito ques­tion­a­men­tos aos respon­sáveis.

Observo o mesmo clima de “nor­mal­i­dade” já obser­vado durante a “qual­i­fi­cação” que se arras­tava ao longo dos anos, atrasando a vida de motoris­tas e transe­untes e con­sumindo incon­táveis mil­hões dos cofres públi­cos.

Arrisco dizer que as inter­venções feitas nos 7km da MA-​103, desde o “vestibu­lar” para ini­ciar a “qual­i­fi­cação”, há mais de uma década, até a “for­matura”, no ano pas­sado, ten­ham con­sum­ido bem mais de 100 mil­hões de reais, e, já se anun­cia, com festa, registre-​se, mais despe­sas com a mesma obra para “requal­i­ficar”.

O que me espanta, repito, é o clima de nor­mal­i­dade com que isso é tratado.

Mesmo a sociedade civil (des)organizada finge que tudo está bem, que é assim mesmo – quando não é.

Imag­ino (só imag­ino) se os recur­sos e o tempo despendi­dos nos sete quilômet­ros da MA-​103, não dariam para fazer, tam­bém, a dupli­cação da MA-​104 – que reclama uma dupli­cação com urgên­cia –, e/​ou, mesmo, a dupli­cação da MA-​101 (Estrada de Riba­mar), outra via per­i­cli­tante que não atende a demanda diária de trân­sito.

Vejam são inda­gações e ques­tion­a­men­tos que, a não ser que esteja habi­tando um mundo para­lelo –, julgo per­ti­nentes.

Mas, como já disse, pode ser que eu esteja abso­lu­ta­mente errado, não é? Paciên­cia.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

A saga de José Cal­heiro de Marinho.

Escrito por Abdon Mar­inho


A SAGA DE JOSÉ CAL­HEIRO DE MAR­INHO.

Por Abdon C. Marinho*.

AH, ABDON, mel­hor não tê-​lo con­hecido. O velho era muito igno­rante.

Assim meu irmão Armando referiu-​se, certa vez, ao nosso avô, José Cal­heiro, pai do nosso pai, em uma das nos­sas “palestras” de boca de noite quando vem por aqui.

Já é uma “quase” tradição, sem­pre que sai do inte­rior e vem pas­sar uns dias comigo, dedicamos um tempo con­ver­sando sobre as memórias famil­iares, sendo alguns anos mais velho e pos­suindo uma memória muito boa, vai me con­tanto as histórias dos nos­sos tios, pri­mos, fatos que se pas­saram quando ainda era muito novo ou mesmo ante­ri­ores ao meu nasci­mento.

Uma das últi­mas vezes, se não foi a última, ainda antes da pan­demia, nos ocu­pamos de fazer uma espé­cie de árvore genealóg­ica colo­cando, a par­tir dos nos­sos avós pater­nos, todos os nos­sos tios e tias e ainda os pri­mos dos quais lem­brá­va­mos e os seus fil­hos e até os fil­hos destes.

Sem­pre grat­i­f­i­cante a lem­brança dos tios e tias: tio Antônio; tio Fran­cisco (Chiquinho); tio Deolindo; tio João; tio Pedro; tia Mal­fisia; tia Fran­cisca (Chiquinha); tia Zulima; tia Josefa … seus fil­hos, netos, momen­tos tristes e ale­gres.

Sobre o nosso próprio ramo: meu pai Van­der­lino (que agora, por ocasião de pesquisas em doc­u­men­tos, desco­bri que orig­i­nal­mente chamava-​se ou encontra-​se reg­istrado como tal no cartório de Assú (Açú), como Wan­der Lin­dem ou erram lá quando o reg­is­traram ou aqui), ele de Angi­cos; e minha mãe, Neusa, nat­ural de Açú, casaram-​se na cidade dela no dia em que ela com­ple­tou 19 anos, em 1950.

Foi em tal ocasião que o querido irmão disse que o meu avô era muito rude.

É provável que fosse mesmo, ou que essa avali­ação tenha par­tido da per­cepção que temos hoje para avaliar fatos pretéri­tos ou, ainda, do fato do meu irmão ser muito jovem quando meu avô mor­reu.

Mas, cer­ta­mente, era um “velho” duro na queda, arro­jado e com um poder de comando sobre a família inques­tionável. Como, aliás, eram os chefes de família daquela época.

Outro dia, em um dos gru­pos de aplica­tivos da nossa família, uma bis­neta do meu avô per­gun­tou se alguém teria uma fotografia dele. Minha irmã mais velha lem­brou de uma fotografia que teríamos na casa de uma das nos­sas pri­mas, man­dou bus­car e pos­tou no grupo.

Foi quando, jun­tando uma infor­mação daqui ou dali, resolvi escr­ever sobre a saga do patri­arca.

Inde­pen­dente de ser rude ou igno­rante é certo que o José Cal­heiro tinha muita autori­dade per­ante sua família e a exer­cia com “mão de ferro”. Basta dizer que na segunda metade dos anos cinquenta do século pas­sado pas­sado decidiu que viriam para o Maran­hão, deixando para trás o sertão do Rio Grande do Norte, cas­ti­gado pela seca.

Ele e nossa avó, Maria Cal­heiro da Con­ceição, empreen­deram uma ver­dadeira epopeia, com uma dezena de fil­hos, noras, gen­ros, netos, e mesmo alguns ami­gos e par­entes desses que se jun­taram a nossa família para atrav­es­sarem, a pé, ou no lombo de ani­mais, a dis­tân­cia entre o inte­rior do RN ao inte­rior do MA, onde vieram fixar residên­cia.

A epopeia foi pro­gra­mada com ante­cedên­cia, mesmo porque não se desloca quase uma cen­tena de pes­soas (senão mais que isso), inclu­sive, dezenas de cri­anças com impro­vi­sos ou às cegas, sem saber por onde ir, onde parar, onde comer, beber, etc.

Meu avô, ape­sar de não ser letrado, assim como quase toda a família eram de anal­fa­betos, tinha dis­cern­i­mento das coisas.

Um ano antes (ou o que o valha), deter­mi­nou que tio Pedro Cal­heiro, na época com pouco mais de vinte anos, o mais novo da sua prole (um ano mais novo que o meu pai e o mais desas­nado dos fil­hos) que viesse em uma mis­são expe­di­cionária localizar o mel­hor lugar para aco­modar toda nossa família nas ter­ras do Maran­hão.

Assim foi feito, durante alguns meses tio Pedro per­cor­reu o estado enten­dendo que o mel­hor lugar seria o povoado Cen­tro Novo, entre Gov­er­nador Archer, Gonçalves Dias, Dom Pedro e que, naquela época, sofria influên­cia de uma das mais impor­tantes cidades do Maran­hão: Pedreiras.

Quando tio Pedro retornou da expe­dição – e podemos chamar assim pois em mea­dos dos anos cinquenta o inte­rior do nordeste só tinha em abundân­cia, a cor­agem do ser­tanejo, de resto fal­tava tudo, comida, estradas, água, comu­ni­cação, e tudo mais) –, ini­cia­ram os prepar­a­tivos para traz­erem a família de José Cal­heiro e Maria Cal­heiro da Con­ceição para o Maran­hão.

Um dia, no começo dos anos dois mil, algum com­pro­misso ou ape­nas uma viagem de pas­seio para rever os par­entes, me colo­cou na estrada.

Ao chegar no Povoado Inde­pendên­cia, disse ao meu par­ceiro de via­gens, seu Afrânio, entre aí, vamos até Pedreiras vis­i­tar tio Pedro. Chegando lá, disse que estava só pas­sando para tomar a bença e que estava indo para o Cen­tro Novo. Não se fazendo de rogado tio Pedro só disse: — Salete, arruma nos­sas coisas, vamos lá com Abdon, vis­i­tar os par­entes. Acomodaram-​se nos ban­cos tra­seiros do carro e seguimos para Gonçalves Dias e, de lá, para o Cen­tro Novo.

Esse era o tio Pedro, não per­dia uma opor­tu­nidade de se encon­trar com os irmãos, os sobrin­hos, os sobrinhos-​netos e parentada de uma forma geral.

Foi nessa opor­tu­nidade, no per­curso entre Pedreiras e o Cen­tro Novo que foi nos con­tando a história do nosso deslo­ca­mento do Rio Grande do Norte para o Maran­hão. Foi o último dos fil­hos de José Cal­heiro a nos deixar, já em 2011. Enquanto viveu, foi uma refer­ên­cia para vida de todos os irmãos e sobrin­hos, sobre­tudo, depois que aque­les se foram.

Quase todos os domin­gos tinha o hábito de me ligar para con­ver­sar­mos, me dava con­sel­hos, já advo­gado, me pedia alguma opinião. Her­dou do “velho” o poder de lid­er­ança e todos os fil­hos ou netos dos seus irmãos o tín­hamos como tal.

O meu avô e sua fil­harada eram nat­u­rais de Angi­cos — RN, na ver­dade de um povoado desse municí­pio que ainda hoje é muito pequeno, não con­tado com quinze mil habi­tantes, segundo dados do IBGE.

Imag­ino o impacto social naquela povoação o deslo­ca­mento de tan­tas pes­soas. Meu avô e sua esposa não deixaram nen­hum dos fil­hos para trás, do mais velho ao mais novo, todos deixaram o que “não” tin­ham e seguiram ao comando dos pais, junto com eles, já suas famílias, esposas, gen­ros, fil­hos e até mesmo out­ras pes­soas que resolveram se jun­tar à car­a­vana para bus­car vida mel­hor no Maran­hão.

Sem estradas e vin­dos a pé e com ani­mais, trazendo o pouco que pos­suíam – e o que dava para traz­erem em baús ou jacás –, empreen­deram a viagem para per­cor­rerem mais de mil quilômet­ros, pelo roteiro atual, mais rápido (imag­ino que nos anos cinquenta fos­sem out­ros cam­in­hos) enfrentando todo tipo de adver­si­dades.

As restrições de viagem eram tan­tas que outro dia soube que minha irmã mais velha – que na época da epopeia tinha cinco ou seis anos –, lem­brava que não pode trazer sua boneca de pano por falta de espaço.

Via­jando pelo inte­rior do nordeste, tendo que atrav­es­sar no mín­imo mais dois esta­dos, além do de origem e de des­tino, imag­ino o alvoroço que tal car­a­vana, com homens, mul­heres, cri­anças, ani­mais, deve ter provo­cado por onde pas­sava, muito emb­ora fosse comum deslo­ca­men­tos em car­a­vanas.

Assim, sob o comando de José Cal­heiro de Mar­inho, apor­ta­mos em ter­ras maran­henses onde cri­aram fil­hos e deixaram para a pos­teri­dade uma descendên­cia de pes­soas sérias, hon­es­tas e tra­bal­hado­ras.

A família Cal­heiro de Mar­inho, como disse ante­ri­or­mente, ficou rad­i­cada no Povoado Cen­tro Novo, tra­bal­hando como agricul­tores, depois, prin­ci­pal­mente, após a par­tida do “velho” fora se espal­hando para out­ros lugares, com destaque para Pedreiras, naquela época uma das mais prósperas do estado e tida como a “cap­i­tal do Mearim”.

A saga de José Cal­heiro de Mar­inho e Maria Cal­heiro da Con­ceição nos trouxe até aqui. Não somos só o que somos na atu­al­i­dade, tam­bém somos a nossa história, o nosso pas­sado, a história dos que vieram antes de nós. E por isso deve­mos honrá-​los.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Todos con­tra Dallagnol?

Escrito por Abdon Mar­inho


TODOS CON­TRA DALLAGNOL?

Por Abdon C. Marinho*.

CHEGAVA a Pin­heiro, no começo da noite de terça-​feira, 16, quando fui alcançado pela notí­cia de que o Tri­bunal Supe­rior Eleitoral — TSE, dera provi­mento a recurso ordinário em pedido de reg­istro de can­di­datura para inde­ferir o reg­istro de Deltan Dal­lagnol, dep­utado fed­eral pelo Podemos-​PR.

Fora do habit­ual, por conta da eleição do quinto con­sti­tu­cional da Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil, Sec­cional do Maran­hão — OAB/​MA, na qual con­corri e fui fragorosa­mente der­ro­tado pela segunda vez, deixei a Ilha no ferry-​boat das 16 horas, antes do resul­tado do cer­tame, mas a tempo de não chegar muito tarde na região do alto Turi, onde teríamos com­pro­mis­sos durante todo o dia.

As duas notí­cias chegaram jun­tas e antes mesmo que tivesse tempo de “lam­ber” as feri­das da der­rota no cer­tame da OABMA, os ami­gos já estavam querendo saber minha opinião sobre a cas­sação do Dal­lagnol ou instigando-​me a escr­ever sobre o assunto.

Muitos destes ami­gos, con­forme a própria incli­nação política, com a própria opinião ou “acórdão” for­mado à espera de um aval da minha parte.

Segundo os lulis­tas, o TSE agiu na estrita obe­diên­cia da Lei da Ficha Limpa (LC 1352010), sendo o pedido de reg­istro inde­ferido com justiça.

Já para os bol­sonar­is­tas, aquela corte, notada­mente o min­istro Bened­ito Gonçalves, rela­tor do acórdão, agira como o menino baiano da piada muito pop­u­lar, segundo a qual o baian­inho grita para a mãe: — mãi­inha, mãi­inha, temos remé­dio para pic­ada de cobra? —por que, menino? Você foi pic­ado? Per­gunta à mãe. Ao que o guri responde: — não, mãi­inha, mas a cobra já está vindo acolá, na minha direção.

Ainda segundo esses críti­cos, inclu­sive, alguns juris­tas reno­ma­dos, o TSE teria apli­cado uma penal­i­dade com base no “nada jurídico”, na suposição do que pode­ria vir a acon­te­cer.

Algo bem assemel­hado ao que assis­ti­mos no filme Minor­ity Report — A Nova Lei, clás­sico de 2002, dirigido por Steven Spiel­berg e tendo Tom Cruise como pro­tag­o­nista. No filme, para os que não lem­bram, um depar­ta­mento espe­cial­izado da polí­cia chamado “Pré-​Crime” prende as pes­soas basea­dos no con­hec­i­mento prévio fornecido por três videntes de que aque­las pes­soas come­te­riam crimes no futuro.

Para estes críti­cos a Corte Eleitoral se afas­tou do expresso comando legal pre­visto na Lei Com­ple­men­tar nº. 64/​1990, com as alter­ações trazi­das pela LC 1352010: “q) os mag­istra­dos e os mem­bros do Min­istério Público que forem aposen­ta­dos com­pul­so­ri­a­mente por decisão san­cionatória, que ten­ham per­dido o cargo por sen­tença ou que ten­ham pedido exon­er­ação ou aposen­ta­do­ria vol­un­tária na pendên­cia de processo admin­is­tra­tivo dis­ci­pli­nar, pelo prazo de 8 (oito) anos”.

Em uma nação polar­izada entre o “nós con­tra eles” com o clima de “fla-​flu” na final de campe­onato brasileiro, dire­cio­nando as emoções, faz-​se necessário um pouco de água na fer­vura ou, como diziam os anti­gos, “nem tanto aos céus, nem tanto à terra”.

Sou advo­gado há mais de vinte e cinco anos e com atu­ação no ramo do dire­ito eleitoral há mais trinta (tendo ini­ci­ado a fre­quên­cia assí­dua ao TRE/​MA nas eleições de 1992, como estag­iário), o que me obriga a ten­tar enten­der as decisões dos tri­bunais – ainda que delas dis­corde, sem os aço­da­men­tos das mil­itân­cias políti­cas –, sobre­tudo, quando elas são unân­imes.

A Justiça Eleitoral é uma justiça espe­cial­izada cri­ada por decreto, em 1932.

Desde então inte­gra a estru­tura judi­ciária brasileira com rel­e­vantes serviços presta­dos a nossa democ­ra­cia. Por sua natureza, nos ter­mos da Con­sti­tu­ição, art. 119, é com­posto por, no mín­imo, sete juízes, sendo três, den­tre os min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF; dois, den­tre os min­istros do Supe­rior Tri­bunal de Justiça — STJ; e dois, por nomeação do Pres­i­dente da República, den­tre seis advo­ga­dos de notável saber jurídico e idonei­dade moral, indi­ca­dos pelo STF.

Vejam que são sete jul­gadores (na atual com­posição: seis homens e uma mul­her) vin­dos de tri­bunais dis­tin­tos e da advo­ca­cia, ori­un­dos de esta­dos difer­entes da fed­er­ação, escol­hi­dos para seus tri­bunais de origem por pres­i­dentes diver­sos, den­tre os quais, três escol­hi­dos pelo ex-​presidente Bol­sonaro, um do STF e os dois juris­tas, e den­tre os seis, nen­hum deles opôs qual­quer reparo, ou pediu vis­tas para mel­hor exam­i­nar, ou dis­cor­dou, ainda que pon­tual­mente, do voto do rela­tor, Bened­ito Gonçalves, rela­tor do processo.

Estavam jul­gando o reg­istro de can­di­datura de um dep­utado fed­eral, con­hecido e recon­hecido nacional­mente por seu tra­balho como mem­bro do Min­istério Público no com­bate à cor­rupção e como “líder” da Oper­ação Lava Jato, que teve a maior votação (344.917 votos) para o cargo em que con­cor­reu no Estado do Paraná.

Mesmo assim, como dito acima, nen­hum dos demais jul­gadores teve qual­quer dúvida ou fez qual­quer objeção ou mesmo pediu vis­tas para exam­i­nar mel­hor o processo, emb­ora, sem nada a ver, nem mesmo aque­les juízes indi­ca­dos pelo ex-​presidente Bol­sonaro, encon­trou dúvida ou viu obstácu­los que os impedis­sem de acom­pan­har o rela­tor do processo no seu voto, o que afasta a ideia de que o min­istro Bened­ito Gonçalves seria o menin­inho baiano que avis­tou a cobra acolá e induziu que seria pic­ado por ela; ou o Tom Cruise do filme Minor­ity Report, chefe do depar­ta­mento de Pré-​Crime, pren­dendo os crim­i­nosos antes dos crimes serem cometi­dos; ou mesmo alguém que age com base na con­ju­gação dos ver­bos no futuro do pretérito.

A propósito, o min­istro Gonçalves é car­i­oca.

Bem difer­ente das con­tro­vér­sias surgi­das a pos­te­ri­ori, o jul­ga­mento deu-​se na tran­quil­i­dade de uma noite de natal em maio, com todos os jul­gadores con­cor­dando com o voto do rela­tor, e o jul­ga­mento se encer­rando em menos de dez min­u­tos.

Ora, cas­sar o reg­istro de um dep­utado fed­eral, pes­soa pública recon­hecida nacional­mente, mais votado no seu estado – e, em decor­rên­cia disso, torná-​lo inelegível por oito anos –, sem um mísero fiapo de dis­cordân­cia, como pode?

Obriguei-​me a fazer uma leitura min­u­ciosa do voto do min­istro Gonçalves. Ele tem 37 pági­nas, das quais, 4 pági­nas são con­sum­i­das só com a ementa.

Um jul­ga­mento tão rel­e­vante, capaz de des­per­tar tan­tas paixões e com uma matéria tão con­tro­ver­tida, para ser con­cluído em menos de dez min­u­tos imag­ino (só imag­ino) que o voto tenha sido dis­tribuído antes aos demais jul­gadores (que con­cor­daram, imag­i­nação minha, mais uma vez), deixando para o jul­ga­mento, pro­pri­a­mente dito, ape­nas a leitura da ementa, isso é comum.

Se isso, de fato, ocor­reu, sig­nifica que mesmo con­hecendo o voto ante­ci­pada­mente, nen­hum dos jul­gadores viu motivo para dis­cor­dar do rela­tor.

Em lin­has gerais, a cas­sação do reg­istro de Deltan Dal­lagnol deu-​se com base no dis­pos­i­tivo já referido acima (art. 1º, I, q, da LC 6490), tendo o TSE enten­dido, de forma unân­ime, que ele (Deltan) ten­tou frau­dar a “lei da ficha limpa”, ante­ci­pando o pedido de afas­ta­mento do Min­istério Público Fed­eral quando encontrava-​se na eminên­cia de ter con­tra si proces­sos admin­is­tra­tivos dis­ci­pli­nares (PAD’s) aber­tos.

Diz o rela­tor: “é inequívoco que o recor­rido, quando de sua exon­er­ação a pedido, já havia sido con­de­nado às penas de advertên­cia e cen­sura em dois proces­sos admin­is­tra­tivos dis­ci­pli­nares fin­dos, e que, ainda, tinha con­tra si 15 pro­ced­i­men­tos diver­sos em trâmite no Con­selho Nacional do Min­istério Público (CNMP) para apu­rar out­ras infrações funcionais”.

Mais adi­ante, após citar o Tratado de Dire­ito Pri­vado de Pontes de Miranda – e qual­quer voto que cite Pontes de Miranda merece respeito –, afirma: “Em out­ras palavras, o objeto da con­tro­vér­sia em apreço não é, como quer fazer crer o recor­rido, a pos­si­bil­i­dade ou não de se con­ferir inter­pre­tação amplia­tiva ao termo “processo admin­is­tra­tivo dis­ci­pli­nar”. O que aqui se tem é uma con­duta ante­rior e con­trária ao Dire­ito para evi­tar a instau­ração desses proces­sos, ou seja, fraude à lei”.

O voto do min­istro Gonçalves é muito bem fun­da­men­tado – e nisso reside uma das belezas do dire­ito –, não se trata de algo ter­a­tológico como muitos tem divul­gado, trata-​se de um voto con­sis­tente – tanto assim que con­tou com o apoio unân­ime dos seus pares –, e que difi­cil­mente será rever­tido.

Para os fiéis devo­tos da Lei da Ficha Limpa, entre os quais o próprio Deltan Dal­lagnol, temos ela aí na sua mais fiel con­cepção, como, aliás, declarou, já a respeito deste mesmo processo, um dos seus ide­al­izadores.

Não sei se cabe aqui qual­quer juízo de valor, se foi justo ou injusto o jul­ga­mento – ainda mais quando temos tan­tos cor­rup­tos nos mais ele­va­dos car­gos em todas as instân­cias da República –, mas, sim, se houve o amparo legal na decisão Corte.

Na esteira do voto que li – e que salvei para uti­lizar em situ­ações futuras –, a Lei da Ficha Limpa entra em um novo está­gio, e, diante disso, sim, houve amparo jurídico na decisão.

Não sei se isso é motivo para fes­te­jar ou nos inqui­etar­mos.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

P.S. O jul­ga­mento de Deltan Dal­lagnol, pela sua com­plex­i­dade jurídica, soci­ológ­ica e política é algo que deman­dará out­ros tex­tões. Cer­ta­mente, voltare­mos a ele.