QUALIFICAÇÃO, MESTRADO E DOUTORADO.
Por Abdon C. Marinho*.
LEIO e também assisto nos infindáveis comerciais que o governo estadual vai “requalificar” a MA-203, a nossa Estada da Raposa, ou Avenida do Araçagy, como queiram.
A notícia da “requalificação” trouxe muita alegria, líderes soltaram fogos de artifícios, as mídias digitais já têm dias tratando do assunto.
Fiquei pensando no que disse outro dia numa conversa com umas lideranças políticas e comunitárias: nós, a sociedade, como um todo, perdemos a nossa consciência crítica e nada ilustra tão bem isso quanto o ‘festejar” uma requalificação de obra pública.
A nossa famosa MA 203 é a prova mais eloquente do que digo.
Amante das palavras, sei que, grosso modo, requalificar, na sua acepção mais comum, significa qualificar novamente.
Ora, o vestibular para “qualificação” da mencionada obra deu-se ainda pelo início do ano de 2010 – ou antes –, com gordas verbas destinadas pelo Ministério do Turismo, quando ainda ministro o ex-deputado Gastão Vieira.
Depois de idas e vindas e muitos milhões acrescidos depois, se não me falha a memória, a “formatura” da obra deu-se no ano passado, doze anos depois do início da “qualificação” – que, pelo visto, não foi tão qualificada assim – deve ter sido como um “curso de verão” que durou mais de uma década.
O tempo que levaram para “qualificar” a obra – do vestibular à formatura ou inauguração –, daria para fazer uma boa graduação, um ou mais mestrados e até doutorado. Em termos bíblicos, é quase o mesmo tempo que Jacó levou para ganhar, de Labão, o direito de casar-se com Raquel (14 anos, 7 + 7 anos). Lia a Bíblia e lembrei-me dessa passagem ao escrever o texto.
Vejam, não estamos falando de uma “transamazônica” da vida, estamos falando de uma via que, saindo do retorno do Olho d’Água até o elevado Neiva Moreira, na confluência com a MA-204, não alcança a distância de 7 km.
Parece uma história de “trancoso”, como se dizia antigamente, ou um mito, como o suplício de Sisifo, condenado a carregar pela eternidade uma pedra a até o cume da montanha e ela cair e ele começar tudo de novamente, conforme ensina a mitologia grega, dizer que passaram mais de uma década – e muitos milhões depois –, para “qualificar” um pedaço de via de menos de 7 km e, pouco mais de um ano depois – se tanto –, já mandarem “requalificar” tal obra.
E os cidadãos aceitamos tal situação e até mesmo festejamos como se fosse perfeitamente normal ou como se o poder público estivesse nos fazendo um favor.
Há mais de vinte anos morando em um sítio na Estrada de Ribamar, fiz das MA’s 201, 204 e 203 meu roteiro diário de “viagem” entre minha casa e o trabalho. Durante todo período de “qualificação” da via em discussão, meu auxiliar, senhor Afrânio, quase que como um mantra repetia, na ida e na volta, “que a obra não daria certo”, “que não prestava”, “que era dinheiro jogado fora”, etcetera e tal. Eu, crédulo, ou tolo, só dizia: — que é isso, meu filho, como é que uma obra feita por umas das maiores empresas do estado ou do país, com grandes engenheiros envolvidos, com “dinheiro no balde”, com o estado acompanhando, em plena capital, não dará certo?
Ao anunciarem, “com festejos” que a obra depois de mais de uma década, como pouco mais de um ano de inaugurada, passará por uma “requalificação”, deram total razão ao que meu auxiliar repetia durante toda “qualificação” da obra e que eu estava absolutamente errado ao acreditar no poder público.
O senhor Afrânio, que não é engenheiro civil, não é arquiteto, não é empreiteiro e que só conhecia a via por transitar por ela duas vezes ao dia, sabia mais sobre os “problemas” da obra que as pessoas contratadas para executar e/ou fiscalizar os serviços que estavam sendo executados.
O que me choca é que ao anunciarem e festejarem que irão “requalificar”, depois de tão pouco tempo depois de inaugurada, a obra pública, não tenha aparecido ninguém, uma viva alma, para se perguntar ou para questionar as autoridades a razão para “requalificar” a obra.
— Parou! Parou! Foi erro de projeto? Foi erro de execução? Quem errou (se errou)? Vai haver ressarcimento ao miserável do contribuinte?
Será que apenas eu consiga achar que isso não está certo? Ou, como na obra o Alienista, de Machado de Assis, todos os outros estão certos e eu que estou louco?
Se estiver errado que perdoem e aceitem minhas escusas, mas não tomei conhecimento de que algum deputado estadual ou federal ou senador da República, pediu qualquer esclarecimento ou comissão parlamentar de inquérito para investigar o que “deu errado” com obra ou mesmo tenha feito um discurso no “pequeno expediente” das Casas Legislativas; não tomei conhecimento de que algum promotor de justiça ou procurador tenha aberto algum procedimento; ou mesmo que o Tribunal de Contas do Estado — TCE tenha se questionado ou feito questionamentos aos responsáveis.
Observo o mesmo clima de “normalidade” já observado durante a “qualificação” que se arrastava ao longo dos anos, atrasando a vida de motoristas e transeuntes e consumindo incontáveis milhões dos cofres públicos.
Arrisco dizer que as intervenções feitas nos 7km da MA-103, desde o “vestibular” para iniciar a “qualificação”, há mais de uma década, até a “formatura”, no ano passado, tenham consumido bem mais de 100 milhões de reais, e, já se anuncia, com festa, registre-se, mais despesas com a mesma obra para “requalificar”.
O que me espanta, repito, é o clima de normalidade com que isso é tratado.
Mesmo a sociedade civil (des)organizada finge que tudo está bem, que é assim mesmo – quando não é.
Imagino (só imagino) se os recursos e o tempo despendidos nos sete quilômetros da MA-103, não dariam para fazer, também, a duplicação da MA-104 – que reclama uma duplicação com urgência –, e/ou, mesmo, a duplicação da MA-101 (Estrada de Ribamar), outra via periclitante que não atende a demanda diária de trânsito.
Vejam são indagações e questionamentos que, a não ser que esteja habitando um mundo paralelo –, julgo pertinentes.
Mas, como já disse, pode ser que eu esteja absolutamente errado, não é? Paciência.
Abdon C. Marinho é advogado.