PREFEITOS, VEREADORES E CAUSOS DELICIOSOS.
Por Abdon C. Marinho*.
QUEM trabalha ou tem vivências pelo interior e se interessa pelos causos de nosso povo já deve ter tomado conhecimento de muitas histórias interessantes, sobretudo, aquelas envolvendo as autoridades locais.
Prefeitos e vereadores, então, sempre dão motivos – e gostam disso –, para viverem “na boca do povo”.
Na última viagem para a baixada com o amigo e contador Max Harley Passos Freitas revivermos alguns causos envolvendo situações presenciadas por nós e outras que apenas ficamos sabendo por terceiros.
Essas lembranças me fizeram “puxar pela memória” outros causos e motivaram a escrever a nossa já tradicional crônica de domingo.
Como se diz lá no sertão que o “nome é que faz o fuxico”, contaremos os “milagres” sem dar nomes aos “santos” – sei que é chato isso, mas espero que a leitura seja divertida.
Um assessor entra no gabinete do prefeito, sem bater e sem pedir licença – bem no estilo daqueles assessores que acham que o prefeito lhe deve, eternamente a vitória nas urnas –, dizendo:
— Prefeito, prefeito, D. Fulana de tal “caiu de uma árvore” (um acidente grave qualquer, que não recordo), está toda quebrada e precisamos levá-la com urgência para São Luís.
O prefeito, naquele momento recebia uma equipe de um órgão de controle que iria fazer uma auditoria nas contas do município – estava na “moda” as tais auditorias e tudo que um prefeito temia era ser “azateado” para uma delas –, vira-se, e responde:
— Não posso fazer nada, estamos sem qualquer dinheiro nas contas.
Um quarto de hora depois um outro assessor adentra na sala:
— Prefeito é urgente, precisamos deslocar a D. Fulana!
O prefeito retruca:
— Já disse que não tem dinheiro nas contas.
Não demora muito, o primeiro assessor retorna:
— Siô, é sério, a mulher vai morrer se não for “acudida”.
— Querem que faça o quê? Já disse que não temos dinheiro. Responde o prefeito.
Os auditores que tudo assistiam, já preocupados com a morte eminente da cidadã, argumentam:
— Seu prefeito, não tem mesmo dinheiro algum para socorrer a senhora?
O prefeito responde:
— A única conta que temos recursos é a conta do FUNDEF.
Um auditor olha para o outro e dizem, em uníssono:
— Seu prefeito, use o dinheiro do FUNDEF e salve a mulher.
E assim foi feito, com o aval dos fiscalizadores.
Certa vez fui chamado por um prefeito para acompanhar umas tratativas para eleição da mesa diretora da câmara.
Não tinha nada a fazer em tal articulação, mas como manda quem pode e obedece quem tem juízo, lá segui eu com meu “fiel escudeiro”, Afrânio, para o dito povoado distante alguns quilômetros da sede do município. Fiquei no alpendre com Afrânio enquanto o prefeito estava alojado em um quarto da casa recebendo um e outro vereador para as “tratativas” e fechar a chapa para mesa – esse é um hábito do interior do Maranhão, os assuntos mais sérios e sigilosos são tratados nos quartos de dormir.
Entra vereador e sai vereador do quarto e nada de fecharem a chapa.
Já era a quarta ou quinta vez que o prefeito chamava uma vereadora para os “ajustes” no quarto, sem que chegassem a um entendimento.
No alpendre, eu e Afrânio só a ouvíamos “resmungar”:
— Se ele me chamar novamente, não irei.
Quase meia hora reclamando que não iria, que o atenderia, quando escutamos a voz do prefeito:
— Fulana, corre aqui!
E ela sem nem pedir licença, correu para o quarto para ter com o prefeito.
Seu Afrânio olhou para mim e disse:
— Oxe, agora mesmo ela não disse que não iria?
Virei-me e disse:
— Ah, seu Afrânio, esses são os “mistérios” da política.
O certo é que o prefeito conseguiu “fazer” a mesa da câmara. Mas pouco tempo depois os vereadores, não se sabe por qual motivo, se rebelaram contra ele e já estavam falando e cassação de mandato – me procurou.
— Doutor, os vereadores estão querendo me cassar. Disse-me.
— É mesmo, prefeito. Devemos nos nos preocupar com isso.
Respondeu-me:
— Não precisamos nos preocupar, pois além de terem razão, a vice-prefeita é de minha total confiança.
Disse isso, batendo no peito do lado do coração:
— A comadre Fulana é daqui, ô.
Dias depois descobrimos que a articulação para cassá-lo partira da proporia vice.
A situação virou um bordão do escritório. Quando queremos nos referir a alguma situação de “trairagem”, dizemos: — a comadre Fulano é daqui, ô!
Voltando a falar no hábito das pessoas do interior fazerem seus negócios mais sérios nos quartos de dormir, certa fez fui chamado para fazer a defesa, em processo eleitoral de uma prefeita recém-eleita, acusada pelos adversários de compra de votos.
Fui conversar com ela:
— Mas a senhora deu alguma coisa, algum dinheiro, para alguém?
Ao que ela me respondeu com a sinceridade que se espera de todo cliente:
— Doutor, só fazemos política com dinheiro, aqui todo mundo pede tudo. Mas lhe garanto que nenhuma testemunha que coloquem no processo vão provar que dei qualquer coisa, pois o que dei a algum eleitor foi dentro do quarto e sem ninguém para ver.
Ganhamos o processo.
No terceiro ou quarto mandato dentro da mesma família, a acusação mais comum lançada contra o chefe político local era que ele havia constituído uma “oligarquia”.
Os adversários só dizia isso: era oligarquia pra lá, era oligarquia pra cá.
Certo dia um aliado político desse prefeito chegou pra ele e disse:
—Pois é, seu Fulano, esses adversários só ficam falando de oligarquia pra cá e pra lá, mas a “nossa” oligarquia é tão boa.
Determinado prefeito acossando um empresário saiu-se com essa:
— Muito bem meu amigo, fizemos aqui esse negócio, falta só a parte do vereador?
O empresário virou-se para ele e indagou:
–– Como assim, prefeito, do vereador?!
Ao que ele respondeu, apontando para si:
–– sim, do vereador. Prefeito não pede dinheiro, quem pede é vereador.
Certa vez o prefeito ia transitando com um grupo de vereadores no próprio carro, quando um dos edis, saiu-se com essa:
–– sabe prefeito, acho que o senhor deveria destinar uma verba para recuperação dessa via, ela está muito ruim.
O prefeito retrucou:
–– É verdade, vereador fulano, mas se investir o recurso na estrada não terei como ajudá-los na eleição que se aproxima.
O autor da proposta então respondeu:
–– Pensando bem prefeito, o senhor tem razão, a estrada assim, com esses buracos, ajuda a evitar acidentes.
O certo é que a estrada nunca foi feita – até hoje. Acho que ajudar a reduzir as estatísticas de acidentes de trânsito.
Um derradeiro causo envolvendo o mesmo público é de um prefeito que disse, certa vez:
–– Uma das minhas primeiras medidas será dar um iPad para cada vereador.
O interlocutor, sem entender, perguntou:
–– Mas, por qual razão, prefeito?
O prefeito, não perdeu a viagem:
–– Ah, meu amigo, aí pede.
E caíram na gargalhada.
Assim caminha a humanidade. Qualquer coincidência com fatos vivenciados por alguns dos leitores é “mera semelhança”.
Abdon C. Marinho é advogado.