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Por quem choram as mães?

Escrito por Abdon Mar­inho

(Foto AFP)

POR QUEM CHORAM AS MÃES?

Abdon C. Marinho*.

SEM­PRE que nos deparamos com tragé­dias humanas como as que vive­mos atual­mente em diver­sos can­tos do mundo uma ideia me vem à mente: como estão as mães? Por quem elas choram?

Faço isso diante de todos os con­fli­tos. As guer­ras na África; a guerra na Ucrâ­nia dev­ido a invasão russa; os con­fli­tos nas Améri­cas, a fome em todos os can­tos do plan­eta.

Há uma sem­ana, prati­ca­mente, desde que estourou mais esse con­flito con­flito entre o Hamas e o gov­erno israe­lense, essa é uma ideia que não me sai da cabeça.

Primeiro, o sofri­mento cau­sado às mães judias ante o ataque ter­ror­ista do Hamas que ceifou a vida de cen­te­nas de judeus e não judeus no dia 7 de out­ubro. Jovens, idosos, homens, mul­heres e até cri­anças que perderam a vida ou se encon­tram sequestradas, em condições indizíveis e sofrendo todo tipo de pri­vações, humil­hações e o risco per­ma­nente e imi­nente da morte.

Como estarão suas mães? Como aguen­tam tamanha provação?

Segundo, o sofri­mento cau­sado às mães palesti­nas ante a reação israe­lense.

O cerco à Faixa de Gaza há mais uma sem­ana cria situ­ações de vio­lên­cia e sofri­mento ímpares.

Esse tempo todo estão sem água potável, sem elet­ri­ci­dade, sem ali­men­tação, força­dos a se deslo­carem para o sul do ter­ritório, sem saber se voltam as suas casas e com bom­bas sendo ati­radas sobre suas cabeças, uma a cada dois min­u­tos, segundo os espe­cial­is­tas que se deram o tra­balho de con­tar.

Quão deses­per­adas não estão essas mães para pro­te­gerem seus fil­hos, para alimentá-​los, para curá-​los de suas enfer­mi­dades ou dos estil­haços das bom­bas ou mesmo o sofri­mento que pas­sam diante da morte que os ron­dam e está sem­pre presente?

Como essas mães refrig­eram seus corações diante do medo, do deses­pero, da angús­tia, da impotên­cia por nada poderem faz­erem por seus fil­hos?

Caberia alguma com­para­ção ou sime­tria entre os povos para saber quem sofre mais? Acred­ito que não.

Em maior ou menor pro­porção o sofri­mento é igual para as mães.

Talvez não o seja para os que ata­cam e para os que são ata­ca­dos, mas, para as mães, não.

Para elas o sofri­mento é o mesmo de Maria diante do martírio de Jesus Cristo. O sofri­mento de vê-​lo pade­cer sob Pilatos, de ser humil­hado, de car­regar a própria cruz ao monte do calvário e ser cru­ci­fi­cado.

Até porque, a ver­dadeira mãe sofre com a dor de outra mãe, mesmo que em cam­pos opos­tos.

São capazes de sen­tir o deses­pero que acomete a outra.

Pode­ria exam­i­nar essa etapa do con­flito judaico-​palestino de forma bem prática.

Dizer, de forma pro­to­co­lar, que o Estado de Israel tem total dire­ito de defender-​se mas, que mesmo o dire­ito à mais ampla defesa pos­sui lim­ites; que a própria guerra pos­sui lim­ites muito claros nas con­venções internacionais.

Pode­ria dizer que o direto que tem Israel de defender-​se dos ataques ter­ror­ista do Hamas não o exime de obser­var tais con­venções e a respeitar os dire­itos humanos das pop­u­lações civis alo­jadas na Faixa de Gaza, que no fundo é uma prisão a céu aberto, e que os países de todo o mundo são cúm­plices de toda desumanidade prat­i­cada con­tra o povo.

Pode­ria, ainda, chamar a atenção para o fato do gov­erno israe­lense não poder ou não ser aceitável que use o pre­texto dos ataques para con­fi­nar ainda mais o povo palestino, notada­mente aquele que vive na Faixa de Gaza.

Guerra nen­huma, em tem­pos mod­er­nos, pode ter esse caráter expan­sion­ista.

Por isso deve­mos repu­diar a invasão russa na Ucrâ­nia; por isso deve­mos protes­tar con­tra qual­quer ten­ta­tiva do gov­erno israe­lense de pre­tender um metro, sequer, de qual­quer ter­ritório, recon­hecido como palestino.

Uma coisa são as incursões para irem atrás do Hamas, lib­er­tar os reféns sub­traí­dos de seus famil­iares, outra coisa, bem difer­ente, é querer ou pre­tender acrescer qual­quer metro de terra da Faixa de Gaza ao seu ter­ritório.

Aliás, desde 1947, quando a ONU criou o Estado de Israel e a solução de dois esta­dos difer­entes em um mesmo espaço ter­ri­to­r­ial (divi­dido entre o Estado de Israel e Estado da Palestina) que per­manece insolúvel a questão da definição das fron­teiras entre eles.

Já passa da hora – e faz tempo –, da ONU e seus organ­is­mos pararem com a polit­icagem e se debruçarem sobre essa questão resolvendo-​a defin­i­ti­va­mente, com ambos os esta­dos respei­tando os ter­mos da res­olução que dividiu o ter­ritório entre eles.

Nesses anos todos, desde que “cri­aram” a solução de dois esta­dos que não resolvem a questão fron­teir­iça com o povo palestino con­fi­nado em dois ter­ritórios: Faixa de Gaza (maior den­si­dade pop­u­la­cional do mundo, com dois mil­hões de pes­soas no espaço de 365 km2) e a Cisjordâ­nia, com Israel, sem­pre que pode, trans­ferindo judeus para áreas recon­heci­das como palesti­nas.

Nada, repito, nada jus­ti­fica um ataque ter­ror­ista com os prat­i­ca­dos pelo Hamas, mas, por outro lado, a omis­são reit­er­ada dos organ­is­mos inter­na­cionais e mesmo de algu­mas nações em não protestarem ou faz­erem “vis­tas grossas” a uma questão pen­dente desde 1947, tem sido o com­bustível para incen­ti­var essa guerra e tan­tas out­ras que vieram antes.

Em 1947 resolveu-​se o prob­lema dos Judeus, mas­sacra­dos e espo­li­a­dos por todos os regimes autoritários do mundo, com a cri­ação do Estado de Israel, mas criou-​se um prob­lema para os povos que ocu­pavam aquele ter­ritório desde o iní­cio da Era cristã quando se deu a última grande diás­pora que durou 19 sécu­los, pois somente a par­tir 1948 o povo judeu pode se reunir nova­mente em mesmo ter­ritório.

Os con­fli­tos veem desde então.

Desde 1948 que não há con­vivên­cia pací­fica entre judeus e palesti­nos, com diver­sas guer­ras, con­fli­tos entre eles e o sofri­mento indizível dos povos, prin­ci­pal­mente, da pop­u­lação civil que em todas as guer­ras é quem mais sofre.

Muitas lágri­mas as mães destes povos ainda vert­erão até que os sen­hores das guer­ras dêem-​se por saci­a­dos com os seus lucros e os políti­cos tomem juízo.

Chorarão as mães pelos fil­hos que perderão nas guer­ras e pelos fil­hos que mor­rerão sem ter a chance de crescer; chorarão pelas pri­vações e pelas as angús­tias de cada dia.

Deus salve as mães de tan­tos sofri­men­tos.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Reflexões para o Oito de Outubro.

Escrito por Abdon Mar­inho


REFLEXÕES PARA O OITO DE OUT­UBRO.

Por Abdon C. Marinho.

O MUNDO acorda em sus­pense diante da nova guerra eterna entre Judeus e Palesti­nos. Ontem, 7, o grupo Hamas de forma sur­preen­dente ata­cou o Estado de Israel, matando e seques­trando dezenas, talvez, cen­te­nas de civis.

O hor­rip­i­lante cam­inho do ter­ror­ismo.

Em reação aos ataques, Israel ataca com exces­siva força os palesti­nos já espremi­dos na Faixa de Gaza, tam­bém civis, tam­bém tra­bal­hadores, tam­bém inocentes e que sofrem há décadas com a guerra e com a falta de tudo, inclu­sive, de uma existên­cia digna.

A guerra é sem­pre bru­tal e suas víti­mas mais efe­ti­vas são aque­les que nada fizeram.

Ansiosos por se posi­cionarem, muitos já escol­heram o seu lado.

Esse lado nunca é o lado das ver­dadeiras víti­mas.

Ah, é legit­imo o dire­ito de autode­fesa. Claro que sim, é legí­timo.

O que não é legí­timo é quando se usa um dire­ito legí­timo para come­ter ato de vin­gança cole­tiva, punindo, prin­ci­pal­mente, aque­les que nada fiz­eram e que não pos­suem condições mín­ima de se defend­erem.

O nome para isso é covar­dia. Outro nome: ter­ror­ismo de estado e até genocídio.

Os veícu­los de comu­ni­cação e seus donatários pare­cem sen­tir orgas­mos múlti­p­los a cada min­uto que atu­al­izam o número de vidas per­di­das.

Na Europa, a invasão russa na Ucrâ­nia já cam­inha para o segundo ano sem uma per­spec­tiva de solução.

Além das víti­mas fatais choca o sofri­mento dos mil­hões de cidadãos que, de uma hora para outra, se viram pri­va­dos de suas vidas, de suas casas, do seu con­vívio famil­iar e comu­nitário. Muitos foram viver noutra pla­gas, sofrendo pri­vações e todo tipo de pre­con­ceito e incom­preen­sões e, até mesmo, abu­sos diver­sos.

Na Ásia, a pop­u­lação afegã voltou ao indizível sofri­mento de tem­pos pretéri­tos com as mul­heres, sobre­tudo elas, sofrendo todo tipo de abu­sos, humil­hações e pri­vações.

A mesma situ­ação que mul­heres e meni­nas enfrentam no Irã, na Arábia Sau­dita e tan­tos out­ros países. Humil­hação, pri­vação, abuso.

Mel­hor sorte não têm os povos do lado de cá do Atlân­tico.

Hon­duras tornou-​se uma ditadura asquerosa com os san­din­istas que há quarenta anos pen­sá­va­mos que fos­sem red­imir aquele povo tornado-​se seus opres­sores tão ou piores que os lacaios da ditadura de Somoza.

Quanta decepção. Lem­bro que na juven­tude tín­hamos Daniel Ortega como herói lib­er­ta­dor do povo hon­durenho e hoje o vemos pren­dendo, expro­priando opos­i­tores como os tira­nos mais san­guinários.

Merece relevo que até a igreja católica que nos primór­dios do san­din­ismo os apoiou, hoje sente o braço forte da ditadura sobre seus mem­bros e sobre o seu patrimônio.

O san­din­ismo e Ortega, de lib­er­ta­dores viraram (ou sem­pre foram) opres­sores do povo.

Em alguns casos, como das expro­pri­ações dos adver­sários, viraram, na ver­dade, ladrões do povo. Reles ladrões que usam do poder que pos­suem para “tomar” o patrimônio alheio na mão grande.

Essa é a “sorte” de tan­tos out­ros povos das Améri­cas. Os bar­bu­dos de Sierra Maes­tra não iam levar paz e pros­peri­dade a Cuba? Chávez e os seus não iam devolver o pro­gresso à Venezuela?

O que é desses países além de car­i­cat­uras de regimes total­itários?

Mesmo o Brasil, será que não cam­in­hamos para um mod­elo autoritário? Que garan­tias pos­suem os cidadãos diante de poderes con­sti­tuí­dos con­fla­gra­dos e com seus mem­bros só pen­sando nos próprios inter­esses?

O Brasil sofreu uma ten­ta­tiva de golpe, de supressão da democ­ra­cia, de forma atípica – muito emb­ora os mem­bros da inten­tona mais pare­cerem o esfar­ra­pado exército de Bran­ca­le­one –, mas a nossa democ­ra­cia não sairá vito­riosa se con­tin­uar­mos a pen­sar no inter­esse próprio em detri­mento do inter­esse do país.

A democ­ra­cia no mundo todo parece-​me cada vez mais frag­ilizada. Não são poucos os países onde líderes autoritários ameaçam ou estão tomando o poder na maio­ria das vezes com o apoio do povo que não apren­deram nada das lições históri­cas.

Vejam que mesmo a democ­ra­cia amer­i­cana – durante sécu­los um exem­plo de esta­bil­i­dade –, apre­senta sinais de frag­ili­dade.

Há três anos, como uma republi­queta de bananas qual­quer, sofreu uma ten­ta­tiva de golpe, quando por meios vio­len­tos ten­taram alterar o resul­tado eleitoral.

Agora, de forma inédita na sua história, des­ti­tuíram o pres­i­dente da Câmara dos Dep­uta­dos por causa da exces­siva polar­iza­ção política.

Não demora, como ocor­reu na Ale­manha nos anos ante­ri­ores ao nazismo, aque­les que ten­taram der­rubar a democ­ra­cia amer­i­cana chegarão ao poder mesmo todos sabendo que não pos­suem qual­quer com­pro­misso com ela.

O homem, defin­i­ti­va­mente, é o ser mais irra­cional do plan­eta pois emb­ora sabendo e tendo capaci­dade para dis­cernir entre o certo e o errado ele busca o cam­inho errado, ainda que isso só traga diss­a­bores para si mesmo e para todos no seu entorno.

Desde sem­pre sabe­mos que deve­mos preser­var a natureza, cuidar do plan­eta que é a “casa” de todos.

O que fize­mos? Destruí­mos o plan­eta, des­mata­mos as flo­restas, mata­mos os rios, cór­re­gos, igara­pés, poluí­mos os mares, con­sum­i­mos além do necessário.

Como sabe­mos e temos a opor­tu­nidade de con­statar, um dia a conta chega.

A cada dia o plan­eta está mais aque­cido, geleiras der­retem, a cada dia, a cada mês, dizem foi o mais quente de todo o sem­pre.

Even­tos climáti­cos nunca vis­tos acon­te­cem em todo mundo, calor escal­dante na Europa, tromba d’água na África, seca nunca vista na Amazô­nia, tor­na­dos e enchentes no sul Brasil.

Condições climáti­cas extremas, agravadas pela pobreza mais extrema ainda, além das guer­ras inter­nas e abu­sos con­stantes provo­cam as ondas de migração de pes­soas que só bus­cam um pouco de mel­hora para suas vidas.

Pes­soas que são aban­don­adas ou deix­adas à própria sorte quando não são mais mal­tratadas ainda.

Ninguém se acha cul­pado, ninguém se acha respon­sável – talvez Deus –, se a seca dos rios amazôni­cos, mata os peixes e mamíferos e se os humanos mor­rem de sede ou con­somem lama.

Mas é, tam­bém, em nome de Deus que se come­tem os maiores absur­dos. Na grande maio­ria das vezes aque­les que bradam o dia inteiro o nome de Deus são os primeiros a duvi­darem de sua existên­cia.

Ao fazer tais reflexões sobre os nos­sos dias, esse pequeno recorte neste 8 de out­ubro, imag­ino se não somos o mais retum­bante fra­casso da criação.

Daqui a pouco nen­hum de nós estará aqui. Nada. Nen­huma pro­priedade, nen­huma for­tuna, nen­huma posse. Nada disso nos servirá mais. Talvez não sejamos, sequer, um retrato na parede.

Daqui a pouco, talvez nem o plan­eta exista mais.

Nossa própria descendên­cia talvez não mais exista para nos honrar.

E isso encadeia uma outra inda­gação: o que esta­mos fazendo para ser­mos hon­ra­dos?

O que esta­mos, efe­ti­va­mente, fazendo de útil para ela, para a nossa descendên­cia?

São tan­tas reflexões. São tan­tas inda­gações.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Uma preta no Supremo.

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA PRETA NO SUPREMO.

Por Abdon C. Marinho.

CER­TA­MENTE muitos já falaram e escreveram sobre a neces­si­dade de ter­mos um Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF – e out­ros tri­bunais supe­ri­ores –, mais diver­si­fi­cado. Cer­ta­mente todos ape­los serão igno­ra­dos pelo pres­i­dente da República e por aque­les que influ­en­ciam o seu pen­sa­mento e as suas ações.

Aliás, equiv­o­cada­mente, sua excelên­cia já declarou pub­li­ca­mente que na escolha para tais car­gos não tem com­pro­misso com a afir­mação de gênero ou de raça.

Como todos que me con­hecem sabem, sou teimoso (os próx­i­mos dizem que sou “teimosão”) e por isso mesmo não é o fato de “advogar” uma causa per­dida que não deve­mos fazê-​lo, ainda mais quando faze­mos na defesa de con­vicções firmes.

A min­is­tra Rosa Weber aposentou-​se, ao com­ple­tar 75 anos, no último dia 30 de setem­bro. Ela era uma das duas úni­cas min­is­tras da Suprema Corte do Brasil, a outra é a min­is­tra Car­men Lúcia, que, tam­bém, não tarda a se aposen­tar.

A bolsa de apos­tas sobre quem suced­erá a min­is­tra Rosa Weber crava como certa que a escolha do suces­sor estará entre os sen­hores Flávio Dino, atual min­istro da Justiça; Bruno Dan­tas, min­istro pres­i­dente do Tri­bunal de Con­tas da União; e Jorge Mes­sias, Advogado-​Geral da União. Os três, aliás, já tra­bal­ham com tal per­spec­tiva, tanto que em tom de pil­héria na posse de Roberto Bar­roso, como pres­i­dente do STF cel­e­braram um “pacto” de con­tin­uarem ami­gos inde­pen­dente de quem dos três seja o escol­hido.

Pois bem, deix­e­mos os para lá uma vez que nossa crônica sem­anal trata do tipo de democ­ra­cia que dese­jamos para o nosso país, mel­hor dizendo, para o futuro do país.

Nesse sen­tido é necessário, sim, que o pres­i­dente da República tenha com­pro­misso com as polit­i­cas de afir­mação de gênero e de raça. Não faz sen­tido que nomear mais uma vez alguém do sexo mas­culino e branco para ficar no STF vinte ou trinta anos. Trata-​se de um lamen­tável equívoco fazer isso.

Como temos uma Suprema Corte “jovem” é cada vez mais necessário que ela seja diversa refletindo o tecido social que com­põe o Brasil.

O que acres­centa ao país um min­istro do STF, jovem, branco, rico e bem nascido? A resposta é uma só: rep­re­senta a real­i­dade da qual nunca nos afas­ta­mos que é a de “Casa Grande e Sen­zala”, com os pre­tos e par­dos só tendo acesso aos palá­cios da Justiça para engraxar os sap­atos dos bran­cos ou faz­erem a fax­ina do ambi­ente.

Essa é a real­i­dade do Brasil desde que por aqui apor­taram os por­tugue­ses em 1500.

Os indi­cadores soci­ais e econômi­cos do país ainda hoje apon­tam a ter­rível desigual­dade edu­ca­cional entre par­dos e pre­tos em relação aos bran­cos; a desigual­dade entre a qual­i­dade da edu­cação básica pública, des­ti­nada aos pobres e edu­cação pri­vada des­ti­nada aos ricos.

Os dados estão aí, à dis­posição de todos, basta ter o tra­balho de exam­i­nar o último censo divul­gado pelo IBGE.

Temos um país desigual em relação a gênero, em relação a raça, em relação a diver­si­dade.

Uma das for­mas de cor­ri­gir­mos isso são os gov­er­nantes do país, dos esta­dos, Dis­trito Fed­eral e dos municí­pios se com­pro­m­e­terem com as políti­cas públi­cas de afir­mação é jus­ta­mente o oposto do que declarou sua excelên­cia.

Defendo que a indi­cação para ocu­par a vaga aberta com a aposen­ta­do­ria de Rosa Weber recaia sobre uma mul­her preta e, de prefer­ên­cia, nordes­tina.

Como disse ante­ri­or­mente, não se trata “ape­nas” de uma indi­cação e nomeação de uma pes­soa, não é nada disso, as indi­cações de min­istros para tri­bunais ou para out­ras posições de ponta pre­cisam refle­tir a diver­si­dade que temos no país.

Se a ascen­são social não ocorre por conta das condições do racismo e machismo estru­tural que não é por ninguém descon­hecida ela pre­cisa ocor­rer com o com­pro­me­ti­mento dos gov­er­nantes de romper com tais cor­rentes.

Ape­nas para ficar no “caso” do STF, caso se con­cretize o que se tem desen­hado, ter­e­mos onze min­istros, com ape­nas uma mul­her e nen­hum preto. E será assim ainda por muitas décadas, pois já como dito lá atrás, temos min­istros rel­a­ti­va­mente jovens para os car­gos que ocu­pam.

O con­sti­tu­inte orig­inário ao escr­ever a Con­sti­tu­ição Fed­eral cidadã esta­b­ele­ceu: “Art. 101. O Supremo Tri­bunal Fed­eral compõe-​se de onze Min­istros, escol­hi­dos den­tre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e rep­utação ilibada”.

Vejam que os critérios são bem claros: mais de 35 anos e menos de 70 anos de idade, com notável saber jurídico e rep­utação ilibada.

A regra esta­b­ele­cida foi para que os gov­er­nantes tivessem den­tro da sociedade uma ampla pos­si­bil­i­dade de escol­has e que refletisse o país e não para que tratasse a escolha de min­istros do STF como de “sua cota pes­soal”.

Não temos na majoritária pop­u­lação negra e fem­i­nina pes­soas que preen­cham os req­ui­si­tos con­sti­tu­cionais? Claro que temos – e muitos.

Chega ser ridículo achar que não temos mul­heres e pre­tos capazes de preencherem os req­ui­si­tos con­sti­tu­cionais para ocu­par essas funções de Estado.

Se não tivésse­mos seria muito pior, sig­nifi­caria que o Brasil teria fra­cas­sado como pro­jeto de nação.

Acon­tece, infe­liz­mente, que essas pes­soas estão “ocul­tas”, estru­tu­ral­mente falando, não é dada vis­i­bil­i­dade sobre o tal­ento de pre­tos, par­dos e mul­heres.

Tenho dúvi­das se essa falta de vis­i­bil­i­dade não ocorre de forma inten­cional para man­ter o sis­tema de “Casa Grande e Sen­zala” que nunca deixou de existir.

Uma outra dis­torção – solid­i­fi­cada sobre­tudo nos últi­mos tem­pos –, é a que se esta­b­ele­ceu de que os car­gos de min­istros do STF e de out­ros tri­bunais supe­ri­ores são “car­gos de con­fi­ança” dos gov­er­nantes de plan­tão – vício que se esten­deu aos esta­dos com a nomeação de desem­bar­gadores e con­sel­heiros de tri­bunais de con­tas –, e não funções de Estado.

Vejam que absurdo, ninguém fica indig­nado ou vai para ruas ao assi­s­tir o pres­i­dente ou o gov­er­nador indicar/​nomear para tais car­gos pes­soas de suas “coz­in­has” ou mesmo de suas famílias.

Trata-​se de um absurdo, esses car­gos, essas funções, repito, são de Estado e não da con­fi­ança do gov­er­nante.

Vou além, arrisco dizer que mesmo os car­gos de min­istros ou de secretários dos poderes exec­u­tivos tam­bém dev­e­riam refle­tir a com­posição do tecido social e do pacto fed­er­a­tivo e não preenchi­dos por pes­soas, vul­gar­mente falando, da “cur­riola” dos gov­er­nantes ou par­tidos.

Nes­sas dis­torções vamos cada vez mais nos tor­nando atrasa­dos.

Veja que os gov­er­nantes, os donos do poder, a mídia e mesmo uma parcela sig­ni­fica­tiva trata com tanta nat­u­ral­i­dade esses desati­nos que ninguém protesta.

Ninguém acha um absurdo o pres­i­dente dizer que para escol­her que é indifer­ente a com­posição de gênero e raça. Ouviu-​se um ou dois mux­oxos e só.

Tudo nor­mal que escolha o advo­gado pes­soal, o amigo íntimo ou o que o valha.

O mesmo ocorre quando os gov­er­nadores fazem o mesmo tipo de escolhas.

Ao que parece, esta­mos longe de saber­mos o que é uma república.

Mas o pior de tudo não é os gov­er­nantes não terem tal noção e por isso mesmo se locu­pletarem do poder para o seu deleite e sat­is­fação pes­soal é a pop­u­lação não ter con­sciên­cia de que tais práti­cas estão erradas, são crim­i­nosas, lesam a pátria.

O Brasil pre­cisa de uma mul­her preta no STF e que não seja para servir o cafez­inho ou limpar o chão dos impo­lu­tos homens bran­cos.

Só com a pop­u­lação ocu­pando seus espaços ter­e­mos uma democ­ra­cia, ter­e­mos uma república, o resto será engodo e cortina de fumaça para o fra­casso de um pro­jeto de nação.

Abdon C. Mar­inho é advogado.