Ode ao Ladrão.
Por Abdon C. Marinho*.
O ladrão que trato na presente crônica não é aquele a quem os reis (ou o povo) entregam as administrações das províncias ou mesmo aqueles que se ocupam de espreitar os banhistas para roubar-lhes as vestes, ou que famintos, roubam o pacote de biscoito ou um quilo de carne, conforme nos faz lembrar Vieira** no sermão do “Bom ladrão”.
O ladrão a que me refiro é aquele em quem você confiou, ou trouxe para perto de si, ou que é seu conhecido, ou aquele lhe rouba o celular, o salário do mês e ainda o chama de vagabundo, quando é ele o vagabundo.
O ladrão que trato é também aquele a quem estendestes a mão em uma dificuldade e até o teve por irmão.
O ladrão a que me refiro nessa crônica de ficção é aquele que tu julgastes merecedor de confiança e lhe deu crédito que ele jamais teve.
O ladrão que trato não é um ladrão determinado, mas muitos e indeterminados podem vestir a carapuça que lhe será confortável.
O ladrão é um ser desprezível, asqueroso, imundo, repugnante, nojento, petulante, debochado, sujo, abjeto, infame, torpe, sórdido, fétido …
O ladrão não tem qualquer preocupação com os danos que causa as pessoas ao seu redor – ou de qualquer lugar do mundo –, conhecidas ou não.
O ladrão não liga se está causando sofrimento as crianças, mulheres, enfermos, as famílias.
O ladrão sequer se preocupa se os seus atos prejudicam a sua própria família – se a tiver.
O ladrão não está “nem aí” se dos seus atos decorre a destruição dos sonhos das pessoas, pois ele próprio não possui sonho algum.
O ladrão se aproxima de ti na “maciota”, fingindo ser bom moço, ter sentimentos nobres, familiares, tudo para despertar uma certa empatia – isso até conseguir o que quer.
O ladrão, em verdade, não tem empatia por nada além dos próprios interesses subalternos, mesquinhos …
O ladrão não ama a natureza, as pessoas (só as quer para usar), os animais, ou qualquer ser vivente.
O ladrão é narcisista, ele se acha o máximo quando na verdade não é nada, quando se faz a apuração da sua vida vê-se que nunca fez a diferença na vida de ninguém, entrou e saiu da vida sem deixar nada de útil para a posteridade.
O ladrão cultiva o ódio às minorias, às diferenças, ao ser humano … pois ele próprio não sabe o que seja humanidade.
O ladrão é vaidoso chegando a orgulhar-se da própria indigência do seu caráter (ou seria da ausência?).
O ladrão é também um invejoso. A míngua de conquistar as coisas por seus próprios méritos, tenta – e as vezes consegue –, roubar aquilo que é seu objeto de desejo.
O ladrão quer a sua vida. Ele inveja seu sucesso, seu talento, suas amizades, suas conquistas.
O ladrão tem como uma das principais e primeiras missões tentar conquistar teus amigos, até chegar ao ponto de propor a eles que lhe deem uma “rasteira”.
O ladrão se não consegue o seu intento anterior passa a ter esses amigos como também seus inimigos e passa a trabalhar para roubá-los.
O ladrão é um infeliz que não se preocupa com os próprios riscos que corre no malogro de suas tentativas.
O ladrão é um Midas reverso, tudo que ele toca, mesmo ouro, consegue transformar em m… .
O ladrão não tem talento para escrever, por isso se ocupa em criticar os escritos alheios, à procura de um erro de grafia ou de uma vírgula ou ponto fora de lugar.
O ladrão não tem talento para ler nada além dos manuais de trapaças ou as biografias dos trapaceiros.
O ladrão não tem talento para os negócios pois não consegue, sequer, ser um “bandido honesto”, estando sempre ocupado em “passar a perna” em quem lhe confiou qualquer coisa.
O ladrão não conhece a arte, a literatura, a música, nada que o faça cultivar bons sentimentos.
O ladrão não tem amigos, nenhuma amizade duradoura, no seu entorno só prosperam os sabujos, aduladores e parasitas …
O ladrão não tem amizades porque é incapaz de cultivar bons sentimentos estando sempre a espreita para aplicar um novo golpe em quem cometeu a ingenuidade de lhe confiar.
O ladrão é tão vigarista que quando não consegue ninguém para roubar tenta roubar de si próprio.
O ladrão é incapaz de agir com qualquer escrúpulo, guia-se pelos manuais de trapaça e de contratos fajuto, pouco ligando para o brio e o peso da palavra dada.
O ladrão não sabe o que é pejo, não sabe o significado de caráter ou de decência ou da antiga e pouco usual vergonha na cara.
O ladrão só se preocupa em se “dar bem”, seja roubando um milhão ou mesmo um tostão.
O ladrão é também um covarde, ao roubar tudo de todos, no fim está em busca de alguém que dê cabo a sua vida de crimes.
O ladrão é incapaz de assumir suas próprias responsabilidades por isso tenta roubar a vida de alguém junto com a sua.
O ladrão que é incapaz de ir a guerra ou de qualquer outro gesto de grandeza busca “matar”, tirar as vidas alheias com suas torpezas.
O ladrão de tão infame jamais conseguirá lamber os pés daqueles a quem rouba.
O ladrão imagina que o hábito de roubar lhe confere outro status além do que miseravelmente já é: ladrão.
*Abdon C. Marinho é advogado, escritor e cronista.
** Padre Antônio Vieira (Lisboa, Portugal, 1608 — 1697, Salvador, Brasil).
Post Scriptum (P.S.) — identifique o ladrão que conhece e atrasa sua vida e o coloque no espaço da fotografia.
Outros que se identificarem podem colocar a própria imagem ou onde tem ladrão colocar o nome.