Trinta anos de uma campanha memorável IV — Episódio 4 — Quase um milagre.
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- Criado: Domingo, 28 Abril 2024 15:31
- Escrito por Abdon Marinho
TRINTA ANOS DE UMA CAMPANHA MEMORÁVEL IV.
Episódio 4 — Quase um milagre.
Por Abdon C. Marinho.
ERA A QUARTA ou quinta vez que Juarez me pedia para ir ao comitê de campanha no Sítio Leal. Não tinha mais como adiar. Pretendia contribuir com a campanha lá do gabinete onde trabalhava desde que assumira o segundo mandato de deputado estadual.
Em 1990 dei uma modesta ajuda na eleição e ele – quando assumiu e por ter sido eleito segundo secretário da mesa diretora da Assembleia, o que fez surgir um cargo –, me convidou para trabalhar com ele, logo no início do mandato.
Adiei o máximo que pude essa ida para o comitê porque era uma “curva fora do caminho”. Desde que comecei a trabalhar na assembleia havia estabelecido uma rotina. Todos os dias chegava antes das 7 horas pois nesse horário o deputado saía da Rádio Educadora e ia para o gabinete onde víamos os jornais do dia e algumas outras missões. Após isso ele ia em casa tomar seu café e/ou descansar um pouco antes de voltar para a sessão que tinha início pelas 9:30 horas. Eu “assumia” o gabinete a partir daí, ficava até pouco antes das 18 horas, quando “subia” até a Praça Deodoro onde pegava o ônibus do campus com destino à UFMA onde cursava direito noturno e só saía por volta das 22 horas com destino a casa onde residia.
Sabia que não seria fácil conciliar essa rotina de vida, trabalho e estudos a partir do comitê de campanha do Sitio Leal. Além do mais achava que pouco ou nada teria a contribuir numa campanha de governador.
Mas, como aprendi que “quem aluga a bunda não escolhe a hora de sentar”, teria que ir mesmo para o comitê. Naquela altura do campeonato o PSB já tinha “fechado” com Cafeteira e Juarez estava definido como o candidato a vice-governador.
Desde a primeira vez que Juarez pediu para ir o comitê, me recomendara procurar por Chico Branco.
— Chegando lá procure pelo Chico Branco.
Com meus botões pensei que ele seria dentre os inúmeros coordenadores de campanha.
Já habituado com o “meu” expediente da assembleia sai de casa no horário de sempre e bem antes das sete horas já estava descendo na parada do Bairro Filipinho, em frente à fábrica da Antártica.
Sabia que o comitê funcionava na antiga casa que fora a residência do governador Cafeteira e uma vaga ideia de sua localização. Como fazíamos naquele tempo, antes dos celulares com localizadores, etc., perguntei numa banca onde ficava e desci a rua. Cheguei a tempo de acordar o caseiro chamado de Branquinho devido sua condição de portador de albinismo.
Quando Chico Branco chegou, já por volta das dez horas, me apresentei dizendo que estava ali para ajudar com a campanha fiquei sabendo que “éramos” a coordenação da campanha – poucos dias depois Roberto Oliveira Paula veio se juntar a nós –, entendi da insistência de Juarez para que fosse para o comitê.
Não que não tivéssemos outras pessoas no processo eleitoral. O núcleo político tinha Aderson Lago, Benedito Terceiro, Conceição Andrade, Zé Costa, José Carlos Sabóia e os próprios candidatos, Cafeteira e Juarez; a parte jurídica era conduzida pelos doutores João Itapary e Laplace Passos Filho; o financeiro era conduzido pelo doutor Jesus Itapary; Cordeiro Filho e Américo Azevedo cuidavam da parte mais criativa com textos, adesivos charge, etc., mas para colocar o comitê em ordem e fazermos as coisas funcionarem ou seja, “carregar o piano” era conosco.
Ainda hoje me pergunto como uma campanha de governador feita naqueles moldes chegou tão longe. Acredito que só uma energia muito forte para justificar.
O núcleo político, por exemplo, exceto pelos candidatos e por Conceição, todos estavam também ou principalmente preocupados com suas próprias eleições.
Os demais, apesar de suas inquestionáveis capacidades, não possuíam a expertise para conduzirem uma campanha para o governo estadual e contra a filha do ex-presidente Sarney, que “assumiu” parte da coordenação de sua campanha.
O mandato de Sarney na presidência da República acabou em março de 1990. Naquele mesmo ano ele transferiu seu domicílio para o Amapá por onde elegeu-se senador. O ex-governador Cafeteira elegeu-se pelo Maranhão.
Em 1994 ambos estavam “livres” para se confrontarem na disputa eleitoral.
No dia seguinte fui à assembleia legislativa apenas buscar minha agenda e um caderno para organizar umas coisas e passar umas orientações para os demais funcionários.
Dentro do comitê assumi a responsabilidade de mapear e contactar quase que diariamente a situação nos municípios do estado. Dia após dia, com o auxílio de um telefone fixo e de um caderno ia organizando um histórico político de cada município. Quem eram as forças políticas, quem estava apoiando cada um, qual a aceitação, quem poderia influenciar o resultado do pleito, etc., depois, quando conseguimos alguns especialistas em informática, solicitamos que aquelas informações fossem digitalizadas e a elas agregadas outras informações do IBGE e passei a utilizar como um ficheiro.
Ficou um trabalho tão bom que quando, no segundo turno, avançavam as apurações, pelos municípios que faltavam já sabia qual seria o resultado.
Foi um processo eleitoral renhido, dividido basicamente em três partes: a campanha de Cafeteira, com sua enorme força popular e com o apoio do PSB; a campanha de Jackson Lago, com seu enorme prestígio e militância aguerrida na ilha; e a de Roseana Sarney, com o apoio das máquinas dos governos estadual e federal.
A divisão das forças contrárias ao grupo Sarney impediria uma vitória – pelo menos para os opositores –, em primeiro turno.
Assim era necessário garantir a ida para o segundo turno e “economizar” as energias para o embate do segundo turno.
Conforme vimos no episódio anterior, somente a soma dos votos de Cafeteria e Jackson se unidos, teria permitido uma vitória em primeiro turno. A divisão, entretanto, favorecia Roseana Sarney que chegou perto de liquidar a fatura no primeiro turno.
A campanha de Cafeteira se comparada à de Roseana – se é que é possível comparar coisas tão distintas –, era como se fosse uma campanha de presidente e uma de vereador dos cafundós. Faltava recursos, pessoal e estrutura mínima. Apenas para se ter um parâmetro, quando iniciou a propaganda no rádio e na televisão, o estúdio da campanha de Cafeteira foi montado na edícula do comitê e possuía duas câmeras sendo que só uma tinha qualidade. Quando mudava o ângulo, tínhamos uma imagem sofrível. A equipe de captação e edição era de responsabilidade do funcionário chamado Bareta e do filho de Aderson Lago, Bebeto, na época, se muito, com pouco mais de 15 anos. As fitas gravadas e editadas eram entregues ao professores Solano e Joaquim que as levavam para as emissoras responsáveis pela difusão dos programas.
Quando o resultado do primeiro turno saiu, mal acreditávamos que tínhamos conseguido chegar tão longe.
Foi uma campanha feita na base da intuição, com muita dedicação mas longe de qualquer coisa que se parecesse com uma campanha profissional de um governo estadual.
A história do segundo turno e de como um falso morto influenciou o resultado das eleições, as armas secretas de Sarney, veremos no próximo episódio.
Abdon C. Marinho é advogado.