TRINTA ANOS DE UMA CAMPANHA MEMORÁVEL.
Por Abdon C. Marinho*.
Episódio 1 — Fatos históricos anteriores.
ENQUANTO me preparo para mais uma campanha eleitoral – leitura de resoluções, regras, entendimentos, debates sobre o que vai ou não poder se fazer –, minhas lembranças foram sendo tomadas por flashbacks daquela que, para mim, foi a mais importante campanha que participei.
Falo da campanha eleitoral de 1994 – aquela que ganhamos e não levamos.
Os indicadores do IBGE apontam o nosso estado “ainda” na rabeira de tudo. Por derradeiro saiu de renda per capita e lá estava o Maranhão com uma renda de menos de mil reais, um comparativo com um mais elevado, chega a ser menos de um terço da renda per capita do Distrito Federal, que encabeça a lista. Antes dessa tinha saído a de esgotamento sanitário, mais uma vez, lá atrás; e, antes ainda indicadores educacionais (os foi de infraestrutura?), atrás. Pouca diferença faz qual é o indicador, raramente o nos destacamos de forma positiva.
Esses números e fatos me fizeram pensar: e se em 1994, além de ganharmos, tivéssemos levado a vitória para “casa”? Se tivéssemos feito a “transição” de poder com Cafeteira? O Maranhão seria um estado melhor? Teríamos nos desenvolvido como fizeram outros estados ao romperem com suas oligarquias estaduais?
Em 1986, Cafeteira elegeu-se governador numa aliança com o grupo do arqui-inimigo Sarney, alçado à presidência da República por conta da morte de Tancredo Neves. O grupo “Nossa Luta”, formado por diversas lideranças camponesas, liderado por Juarez Medeiros, Conceição Andrade, José Carlos Sabóia, José Costa, Celso Veras, e tantos outros, integrava o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e apoiou, em torno de alguns compromissos, a eleição de Cafeteira, em 1986.
Devemos lembrar que em 1986, após a eleição de Tancredo/Sarney o país ainda fazia uma transição do bipartidarismo para o sistema pluripartidário que vivemos até hoje. Todos os que eram contra a ditadura ficaram “hospedados” no MDB.
Um esclarecimento: até o início da redemocratização do país os partidos políticos não eram chamados partidos, com isso tínhamos a ARENA, que dava sustentação ao régime militar e o MDB, onde ficavam todos que se opunham ao mesmo.
Com o início da abertura política a ARENA transformou-se em PDS; e por ocasião da eleição indireta no Colégio Eleitoral, surgiu a dissidência do partido chamada “Frente Liberal”, que posteriormente veio a chamar-se Partido da Frente Liberal — PFL.
Além do MDB e ARENA/PDS, poucos partidos tinham registros e/ou possuíam densidade política para enfrentar disputas, dentre eles, o Partido Democrático Trabalhista — PDT, que conseguiu registro em 1981 e o Partido dos Trabalhadores — PT, que conseguiu registro em 1982.
No Maranhão, além de todos os problemas que perduram até hoje, vivíamos uma fase de muitos conflitos agrários, tradução para assassinatos, “grilagem de terras” – e toda sorte de violência.
Foi em tal contexto que o grupo “Nossa Luta” apoiou a eleição de Cafeteira em 1986 e conseguiu eleger três parlamentares: José Carlos Sabóia, deputado federal; Juarez Medeiros e Conceição Andrade, deputados estaduais.
Cabe, ainda, salientar que em 1985, na esteira da redemocratização, tivemos a eleição para prefeitos das capitais. Em São Luís a disputa teve como atores principais, a esposa do ex-governador João Castelo, que foi eleita, sendo uma das primeiras mulheres a se elegerem prefeita de capital; o deputado federal Jaime Santana, pelo PFL, com o apoio do prefeito biônico, Mauro Fecury, do governo estadual, e do governo federal, a campanha ganhou o sugestivo nome de “força total”, que perdeu por menos de dez mil votos; na mesma disputa, logo em seguida vieram Jackson Lago, pelo PDT; Haroldo Sabóia, pelo PMDB; Luis Soares (Vila Nova), pelo PT; e, Emanoel Viana, pelo PMB.
Cafeteira foi eleito, em 1986, pela Coligação “Aliança Democrática”, que reuniu PMDB, PFL, PTB, PCB e PCdoB, esses últimos partidos tirados da ilegalidade recentemente pelo governo Sarney. Nas palavras de Aderson Lago, que foi um dos que coordenou a campanha foi “uma festa”, bastava pensar numa necessidade que a solução já se mostrava presente.
A vitória contra o ex-governador João Castelo foi contundente: 81,03% contra 16,52%; a candidatura do PT, representado por Delta Martins obteve apenas 2,45%.
O PDT de Jackson Lago apoiou Cafeteira mas sem integrar a coligação, lançando chapas para o Senado e para Câmara dos Deputados e Assembleia.
Nessa mesma eleição, por conta do quociente eleitoral o líder do PDT, Jackson Lago, apesar de ter obtido uma votação das mais expressivas, na conseguiu ir para o Congresso Nacional como deputado.
O governo Cafeteira, a partir de 1987, foi montado a partir das forças que o apoiaram, inclusive, cabendo ao PDT a Secretaria de Saúde, que passou a ser comandada por Jackson Lago.
Em 1988, eleições municipais novamente, dois secretários de Cafeteira deixam o governo para disputarem a prefeitura da capital, Jackson Lago, do PDT, pela coligação União da Ilha, composta por PDT, PMC, PCdoB, PSB e PSDB; e Carlos Guterres, PMDB, que formou a coligação Aliança Democrática formada pelos partidos PMDB, PFL, PJ, PND, PDC; Ainda figuraram na disputa Jairzinho da Silva, pela coligação Resistência, formada por PDS, PTB. PMB e PTR; José Heluy, do PT; e Edivaldo Holanda, pelo PL, estes últimos em coligações menores.
Cabe uma observação sobre o personagem Jairzinho da Silva, radialista popular que há muitos anos tinha um programa na Rádio Ribamar. Em 1982 ele foi eleito vereador da capital (o prefeito era biônico, mas os vereadores eram eleitos); em 1985, foi eleito vice-prefeito na chapa com Gardênia Gonçalves; em 1986, foi eleito deputado estadual e em 1988, estava candidato a prefeito da capital, ficando em terceiro lugar, com 20% dos votos válidos.
Como sabemos, aquela foi uma das mais disputadas eleições, tendo Jackson Lago sido eleito com 31,14% (85.801) e Carlos Guterres, ficando em segundo lugar com 30,71% (84.636), pouco mais de mil votos entre os dois candidatos.
Convém observar, que a regra dos dois turnos foi implementada na Constituição de 1988, mas como o processo eleitoral já havia sido deflagrado por ocasião de sua promulgação a regra não poderia ser aplicada.
(Juarez Medeiros, Neudson Claudino, Luiz Vila Nova, Domingos Dutra e José Costa, registro de 1990).
Em 1990, Cafeteira renuncia ao governo estadual para candidatar-se ao Senado, assumindo o governo o vice-governador, João Alberto Souza. Após Cafeteira descer a rampa do Palácio do Planalto com Sarney que deixava o governo para Fernando Collor, eleito em 1989, assumir, recomeçou o distanciamento (e a oposição) entre ambos.
Naquela eleição Cafeteira apoiou, justamente o adversário da eleição anterior, o ex-governador João Castelo, da coligação Maranhão Livre, PRN, PMDB, PDC, PSDB, PDS, PL, e PSD, contra o candidato do grupo Sarney, Edison Lobão, do PFL, da coligação Maranhão do Povo, PFL, PTB, PSC,
Nessa eleição, pela primeira vez na história do estado, a oposição de esquerda teve uma candidatura competitiva – não digo com condições de ganhar, mas de disputar –, a deputada estadual Conceição Andrade (PSB) foi lançada ao governo tendo o empresário Neudson Claudino (PT) como vice, na chamada Frente Popular do Maranhão formada pelos partidos PSB, PR, PDT, PCB e PCdoB.
O resultado do primeiro turno foi: Castelo, com 595.392 votos (45,75%); Lobão, com 459.542 votos (35,31%); e Conceição com 246.468 votos (18,94%). Se compararmos com os quase e dois e meio da professora Delta Martins na eleição de 1986, foi um salto extraordinário.
No segundo turno esses votos da oposição de esquerda migraram para a chapa Lobão/Fiquene que obtiveram 695.727 votos (53,92%) contra 594.620 votos (46,08%) da chapa Castelo/Ney Bello.
A oposição de esquerda vinculava o ex-governador João Castelo à ditadura por conta de ter sido nomeado governador biônico em 1978; por ser relacionado aos atos de violência no campo e contra os estudantes em 1979; por ser aliado de Collor de Melo nas eleições de 1989.
Todos esses fatores fizeram com que preferissem o Lobão, candidato de Sarney.
Mesmo os que não o apoiaram não disseram nada contra.
Nessa eleição de 1990 Cafeteira foi eleito senador com quase sessenta por cento dos votos (59,56%), para sermos mais precisos.
Na eleição seguinte, 1992, Conceição Andrade eleita prefeita da capital pelas forças políticas da oposição de esquerda.
No próximo (ou próximos) episódio falaremos da eleição de 1992 e de como a oposição de esquerda perdeu a oportunidade de ganhar aquela memorável eleição de 1994.
Abdon C. Marinho é advogado.
PS. Os fatos narrados são percepções de um adolescente que estava “de fora”, assistindo, com pouca participação efetiva e nos dados coletados do TSE.