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Trinta anos de uma cam­panha memorável.

Escrito por Abdon Mar­inho


TRINTA ANOS DE UMA CAM­PANHA MEM­O­RÁVEL.

Por Abdon C. Marinho*.

Episó­dio 1 — Fatos históri­cos ante­ri­ores.

ENQUANTO me preparo para mais uma cam­panha eleitoral – leitura de res­oluções, regras, entendi­men­tos, debates sobre o que vai ou não poder se fazer –, min­has lem­branças foram sendo tomadas por flash­backs daquela que, para mim, foi a mais impor­tante cam­panha que par­ticipei.

Falo da cam­panha eleitoral de 1994 – aquela que gan­hamos e não lev­a­mos.

Os indi­cadores do IBGE apon­tam o nosso estado “ainda” na rabeira de tudo. Por der­radeiro saiu de renda per capita e lá estava o Maran­hão com uma renda de menos de mil reais, um com­par­a­tivo com um mais ele­vado, chega a ser menos de um terço da renda per capita do Dis­trito Fed­eral, que encabeça a lista. Antes dessa tinha saído a de esgo­ta­mento san­itário, mais uma vez, lá atrás; e, antes ainda indi­cadores edu­ca­cionais (os foi de infraestru­tura?), atrás. Pouca difer­ença faz qual é o indi­cador, rara­mente o nos desta­camos de forma positiva.

Esses números e fatos me fiz­eram pen­sar: e se em 1994, além de gan­har­mos, tivésse­mos lev­ado a vitória para “casa”? Se tivésse­mos feito a “tran­sição” de poder com Cafeteira? O Maran­hão seria um estado mel­hor? Teríamos nos desen­volvido como fiz­eram out­ros esta­dos ao romperem com suas oli­gar­quias estad­u­ais?

Em 1986, Cafeteira elegeu-​se gov­er­nador numa aliança com o grupo do arqui-​inimigo Sar­ney, alçado à presidên­cia da República por conta da morte de Tan­credo Neves. O grupo “Nossa Luta”, for­mado por diver­sas lid­er­anças cam­pone­sas, lid­er­ado por Juarez Medeiros, Con­ceição Andrade, José Car­los Sabóia, José Costa, Celso Veras, e tan­tos out­ros, inte­grava o PMDB (Par­tido do Movi­mento Democrático Brasileiro) e apoiou, em torno de alguns com­pro­mis­sos, a eleição de Cafeteira, em 1986.

Deve­mos lem­brar que em 1986, após a eleição de Tancredo/​Sarney o país ainda fazia uma tran­sição do bipar­tidarismo para o sis­tema pluri­par­tidário que vive­mos até hoje. Todos os que eram con­tra a ditadura ficaram “hospeda­dos” no MDB.

Um esclarec­i­mento: até o iní­cio da rede­moc­ra­ti­za­ção do país os par­tidos políti­cos não eram chama­dos par­tidos, com isso tín­hamos a ARENA, que dava sus­ten­tação ao régime mil­i­tar e o MDB, onde ficavam todos que se opun­ham ao mesmo.

Com o iní­cio da aber­tura política a ARENA transformou-​se em PDS; e por ocasião da eleição indi­reta no Colé­gio Eleitoral, surgiu a dis­sidên­cia do par­tido chamada “Frente Lib­eral”, que pos­te­ri­or­mente veio a chamar-​se Par­tido da Frente Lib­eral — PFL.

Além do MDB e ARENA/​PDS, poucos par­tidos tin­ham reg­istros e/​ou pos­suíam den­si­dade política para enfrentar dis­putas, den­tre eles, o Par­tido Democrático Tra­bal­hista — PDT, que con­seguiu reg­istro em 1981 e o Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT, que con­seguiu reg­istro em 1982.

No Maran­hão, além de todos os prob­le­mas que per­du­ram até hoje, vivíamos uma fase de muitos con­fli­tos agrários, tradução para assas­si­natos, “gri­lagem de ter­ras” – e toda sorte de vio­lên­cia.

Foi em tal con­texto que o grupo “Nossa Luta” apoiou a eleição de Cafeteira em 1986 e con­seguiu eleger três par­la­mentares: José Car­los Sabóia, dep­utado fed­eral; Juarez Medeiros e Con­ceição Andrade, dep­uta­dos estad­u­ais.

Cabe, ainda, salien­tar que em 1985, na esteira da rede­moc­ra­ti­za­ção, tive­mos a eleição para prefeitos das cap­i­tais. Em São Luís a dis­puta teve como atores prin­ci­pais, a esposa do ex-​governador João Castelo, que foi eleita, sendo uma das primeiras mul­heres a se elegerem prefeita de cap­i­tal; o dep­utado fed­eral Jaime San­tana, pelo PFL, com o apoio do prefeito biônico, Mauro Fecury, do gov­erno estad­ual, e do gov­erno fed­eral, a cam­panha gan­hou o sug­es­tivo nome de “força total”, que perdeu por menos de dez mil votos; na mesma dis­puta, logo em seguida vieram Jack­son Lago, pelo PDT; Haroldo Sabóia, pelo PMDB; Luis Soares (Vila Nova), pelo PT; e, Ema­noel Viana, pelo PMB.

Cafeteira foi eleito, em 1986, pela Col­i­gação “Aliança Democrática”, que reuniu PMDB, PFL, PTB, PCB e PCdoB, esses últi­mos par­tidos tira­dos da ile­gal­i­dade recen­te­mente pelo gov­erno Sar­ney. Nas palavras de Ader­son Lago, que foi um dos que coor­de­nou a cam­panha foi “uma festa”, bas­tava pen­sar numa neces­si­dade que a solução já se mostrava pre­sente.

A vitória con­tra o ex-​governador João Castelo foi con­tun­dente: 81,03% con­tra 16,52%; a can­di­datura do PT, rep­re­sen­tado por Delta Mar­tins obteve ape­nas 2,45%.

O PDT de Jack­son Lago apoiou Cafeteira mas sem inte­grar a col­i­gação, lançando cha­pas para o Senado e para Câmara dos Dep­uta­dos e Assem­bleia.

Nessa mesma eleição, por conta do quo­ciente eleitoral o líder do PDT, Jack­son Lago, ape­sar de ter obtido uma votação das mais expres­si­vas, na con­seguiu ir para o Con­gresso Nacional como dep­utado.

O gov­erno Cafeteira, a par­tir de 1987, foi mon­tado a par­tir das forças que o apoiaram, inclu­sive, cabendo ao PDT a Sec­re­taria de Saúde, que pas­sou a ser coman­dada por Jack­son Lago.

Em 1988, eleições munic­i­pais nova­mente, dois secretários de Cafeteira deixam o gov­erno para dis­putarem a prefeitura da cap­i­tal, Jack­son Lago, do PDT, pela col­i­gação União da Ilha, com­posta por PDT, PMC, PCdoB, PSB e PSDB; e Car­los Guter­res, PMDB, que for­mou a col­i­gação Aliança Democrática for­mada pelos par­tidos PMDB, PFL, PJ, PND, PDC; Ainda fig­u­raram na dis­puta Jairz­inho da Silva, pela col­i­gação Resistên­cia, for­mada por PDS, PTB. PMB e PTR; José Heluy, do PT; e Edi­valdo Holanda, pelo PL, estes últi­mos em col­i­gações menores.

Cabe uma obser­vação sobre o per­son­agem Jairz­inho da Silva, radi­al­ista pop­u­lar que há muitos anos tinha um pro­grama na Rádio Riba­mar. Em 1982 ele foi eleito vereador da cap­i­tal (o prefeito era biônico, mas os vereadores eram eleitos); em 1985, foi eleito vice-​prefeito na chapa com Gardê­nia Gonçalves; em 1986, foi eleito dep­utado estad­ual e em 1988, estava can­didato a prefeito da cap­i­tal, ficando em ter­ceiro lugar, com 20% dos votos váli­dos.

Como sabe­mos, aquela foi uma das mais dis­putadas eleições, tendo Jack­son Lago sido eleito com 31,14% (85.801) e Car­los Guter­res, ficando em segundo lugar com 30,71% (84.636), pouco mais de mil votos entre os dois can­didatos.

Con­vém obser­var, que a regra dos dois turnos foi imple­men­tada na Con­sti­tu­ição de 1988, mas como o processo eleitoral já havia sido defla­grado por ocasião de sua pro­mul­gação a regra não pode­ria ser apli­cada.

(Juarez Medeiros, Neud­son Claudino, Luiz Vila Nova, Domin­gos Dutra e José Costa, reg­istro de 1990).


Em 1990, Cafeteira renun­cia ao gov­erno estad­ual para candidatar-​se ao Senado, assu­mindo o gov­erno o vice-​governador, João Alberto Souza. Após Cafeteira descer a rampa do Palá­cio do Planalto com Sar­ney que deix­ava o gov­erno para Fer­nando Col­lor, eleito em 1989, assumir, recomeçou o dis­tan­ci­a­mento (e a oposição) entre ambos.

Naquela eleição Cafeteira apoiou, jus­ta­mente o adver­sário da eleição ante­rior, o ex-​governador João Castelo, da col­i­gação Maran­hão Livre, PRN, PMDB, PDC, PSDB, PDS, PL, e PSD, con­tra o can­didato do grupo Sar­ney, Edi­son Lobão, do PFL, da col­i­gação Maran­hão do Povo, PFL, PTB, PSC,

Nessa eleição, pela primeira vez na história do estado, a oposição de esquerda teve uma can­di­datura com­pet­i­tiva – não digo com condições de gan­har, mas de dis­putar –, a dep­utada estad­ual Con­ceição Andrade (PSB) foi lançada ao gov­erno tendo o empresário Neud­son Claudino (PT) como vice, na chamada Frente Pop­u­lar do Maran­hão for­mada pelos par­tidos PSB, PR, PDT, PCB e PCdoB.

O resul­tado do primeiro turno foi: Castelo, com 595.392 votos (45,75%); Lobão, com 459.542 votos (35,31%); e Con­ceição com 246.468 votos (18,94%). Se com­para­r­mos com os quase e dois e meio da pro­fes­sora Delta Mar­tins na eleição de 1986, foi um salto extra­ordinário.

No segundo turno esses votos da oposição de esquerda migraram para a chapa Lobão/​Fiquene que obtiveram 695.727 votos (53,92%) con­tra 594.620 votos (46,08%) da chapa Castelo/​Ney Bello.

A oposição de esquerda vin­culava o ex-​governador João Castelo à ditadura por conta de ter sido nomeado gov­er­nador biônico em 1978; por ser rela­cionado aos atos de vio­lên­cia no campo e con­tra os estu­dantes em 1979; por ser ali­ado de Col­lor de Melo nas eleições de 1989.

Todos esses fatores fiz­eram com que preferis­sem o Lobão, can­didato de Sar­ney.

Mesmo os que não o apoiaram não dis­seram nada con­tra.

Nessa eleição de 1990 Cafeteira foi eleito senador com quase sessenta por cento dos votos (59,56%), para ser­mos mais pre­cisos.

Na eleição seguinte, 1992, Con­ceição Andrade eleita prefeita da cap­i­tal pelas forças políti­cas da oposição de esquerda.

No próx­imo (ou próx­i­mos) episó­dio falare­mos da eleição de 1992 e de como a oposição de esquerda perdeu a opor­tu­nidade de gan­har aquela mem­o­rável eleição de 1994.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

PS. Os fatos nar­ra­dos são per­cepções de um ado­les­cente que estava “de fora”, assistindo, com pouca par­tic­i­pação efe­tiva e nos dados cole­ta­dos do TSE.

Ensaio sobre as palavras.

Escrito por Abdon Mar­inho


ENSAIO SOBRE AS PALAVRAS.

Por Abdon C. Marinho*.

QUANDO menino, ainda na primeira infân­cia e morando na aldeia orig­inária, cos­tu­mava ouvir do meu pai, anal­fa­beto por parte de pai, mãe e parteira, uma expressão: — se não sabe falar, mel­hor calar.

Na mesma época tín­hamos por casa um velho cachorro branco – bem velho, mesmo –, que, imag­ino, viera com a família do Rio Grande do Norte por ocasião da vinda para o Maran­hão, a quem todos chamavam de “Calar”. Era o nosso “Baleia”, no para­lelo famil­iar com “Vidas Secas”, de Gra­cil­iano Ramos.

Como disse, ainda na primeira infân­cia e sem con­hecer o sen­tido das palavras, imag­i­nava que meu pai estava referindo-​se ao cachorro. Não sabia falar, era o velho cão.

Out­ros ditos daque­les dias: “lín­gua não é osso mas que­bra caroço”, “palavras cor­tam mais que lâmi­nas”, entre out­ras.

Com o tempo aprendi que você pode expres­sar tudo que pensa sobre quais­quer temas desde que saiba como fazê-​lo.

Aprendi isso com a vida – e após come­ter muitos erros.

O pop­u­lar Abelardo Bar­bosa, o Chacrinha, criou um bor­dão que ultra­pas­sou sua existên­cia ter­rena, dizia ele quando ani­mava nos­sas jovens tardes: — quem não se comu­nica se tram­bica.

Acred­ito ser incon­testável que o atual man­datário da nação seja um grande comu­ni­cador – tanto que con­seguiu eleger-​se pres­i­dente três vezes, algo inédito na história do país desde a rede­moc­ra­ti­za­ção, sem con­tar a eleição da ali­ada em 2010 e 2014 –, por outro lado, exceto pelos seus “devo­tos”, tam­bém é fato a sua imensa capaci­dade de dizer tolices, con­fundir alhos com bugal­hos ou fazer com­para­ções de coisas incom­paráveis ou rel­a­tivizar assun­tos com­plexos.

Talvez esse imenso pendão para tolices até realce a capaci­dade de comunicar-​se, afi­nal, se con­segue se man­ter por tan­tos anos “na crista onda” ape­sar das enormi­dades que pro­fere deve ser porque é bom, é o cara.

E vejam que essa incon­trolável atração por bobagens não vem de agora.

Já no iní­cio da car­reira como líder político, em entre­vista à saudosa revista Play­boy disse, sem pudor, da sua admi­ração por Hitler; lá na frente foi fla­grado em um áudio indis­creto falando da neces­si­dade de con­struir uma rodovia chamada “trans­vi­adônica” lig­ando o municí­pio de Pelotas (RS) ao municí­pio de Camp­inas (SP); já foi fla­grado rel­a­tivizando a escravidão brasileira; já teve áudios divul­ga­dos falando sobre mul­heres do “grelo duro”, e tan­tas out­ras coisas coisas que pas­saríamos dias só escrevendo sobre elas.

Muito emb­ora sua suces­sora eleita em 2010 tenha se nota­bi­lizado pelas bobagens e pelas coisas sem nexo pro­feri­das durante o mandato, acred­ito que chega longe das ditas pelo líder.

No trato da política inter­na­cional, com o debate con­t­a­m­i­nado pelo viés ide­ológico, então nem se fala.

No mesmo dia em o “nosso” líder ataca os Esta­dos Unidos ou as sec­u­lares democ­ra­cias europeias é capaz de defender o régime venezue­lano ou a ditadura cubana.

Tudo isso sem tro­car de terno ou mesmo a gra­vata.

Os despropósi­tos são tan­tos que chegou a colo­car em condições de igual­dade uma nação que estava (está) sendo inva­dida com a nação inva­sora.

Isso não faz muito tempo, foi logo no iní­cio da guerra do Ucrâ­nia, que acaba de com­ple­tar dois anos. Mais à frente, ainda em relação ao mesmo con­flito, con­vi­dou o auto­crata inva­sor Putin a vis­i­tar o Brasil para o encon­tro do G20, dizendo que o país não cumpriria con­tra ele um mandato de prisão expe­dido con­tra ele pelo Tri­bunal Penal Inter­na­cional que temos obri­gação de cumprir por ser­mos sig­natários de tratado com tal final­i­dade.

Não sei se, chamado à atenção, desis­tiu do intento tolo.

Pois bem, feitas tais con­sid­er­ações sobre o mal­trato as palavras ou a sua uti­liza­ção incor­reta, uma vez que mais sábios dizem que palavras causam mais danos que muitas ações, cheg­amos a atual crise diplomática com o Estado de Israel.

Nessa crise diplomática, sob pena de incor­re­mos nos mes­mos erros que pre­tendemos cor­ri­gir e/​ou esclare­cer, faz-​se necessário uma análise longe das explo­rações políti­cas inter­nas e exter­nas.

Em seu périplo pela África, o man­datário do Brasil, atrav­es­sou Hitler de novo na sua história, como já o fiz­eram por ocasião da polêmica entre­vista dos anos setenta, para com­parar o que Israel faz hoje na Faixa de Gaza com o que o nazista fiz­era ao povo judeu durante a Segunda Guerra Mundial.

A colo­cação gerou (gera) muitas polêmi­cas, umas legit­i­mas out­ras ilegí­ti­mas; muita explo­ração política tanto em Israel quanto no Brasil – e até mesmo um tolo pedido de impeach­ment, feito por par­la­mentares brasileiros.

Em nome da ver­dade é necessário esclare­cer os fatos.

O pres­i­dente do Brasil, como já fiz­era ao com­parar uma nação inva­sora (Rús­sia) a uma nação inva­dida (Ucrâ­nia), fez uma analo­gia despro­por­cional, equiv­o­cada.

A Segunda Guerra Mundial des­en­cadeada por Hitler cus­tou em vidas humanas, cer­ta­mente, mais de 70 mil­hões de mor­tos. Só Judeus foram cerca de 6 mil­hões diz­ima­dos a sangue frio ou em Cam­pos de Con­cen­tração.

Como podemos perce­ber são coisas incom­patíveis para serem com­para­das.

Mas, por outro lado, a crítica do pres­i­dente brasileiro ao que vem ocor­rendo em Gaza é per­ti­nente, necessária e justa.

Temos uma pop­u­lação de aprox­i­mada­mente 2,5 mil­hões de pes­soas, cer­cada por todos os lados, pas­sando fome, pas­sando sede, sem medica­men­tos, com cirur­gias, inclu­sive em cri­anças, sendo feitas sem aneste­sia, sendo bom­bardeadas dia e noite por Estado reg­u­lar. Deve­mos con­sid­erar que mais de setenta por cento da pop­u­lação de Gaza é com­posta por mul­heres, cri­anças, idosos, pes­soas que nunca fiz­eram nada con­tra a existên­cia do Estado de Israel.

Por mais justo que seja o dire­ito de defesa de Israel, o dire­ito de bus­car os reféns injus­ta­mente sequestra­dos, exis­tem regras legais e humanas que pre­cisam ser respeitadas. A primeira delas é a pro­teção aos civis. Essa regra ele­men­tar não vem sendo respeitada. Mais de setenta por cento das víti­mas da guerra em Gaza são mul­heres, são cri­anças, são idosos, são pes­soas vul­neráveis que não têm, sequer, como fugir (e não teria para onde já que estão pre­sas) das bom­bas que caem sobre suas cabeças.

O pres­i­dente brasileiro não uti­li­zou na sua fala a palavra “holo­causto”, até porque tanto ele quanto a maio­ria das pes­soas não sabem o seu sig­nifi­cado.

O sub­stan­tivo mas­culino holo­causto, segundo os dicionários, já exis­tia e sig­nifi­cava: 1 REL Sac­ri­fí­cio ou rit­ual reli­gioso prat­i­cado espe­cial­mente pelos anti­gos hebreus, em que a vítima era total­mente queimada. 2 A vítima assim sac­ri­fi­cada. 3 POR EXT Ato ou efeito de sacrificar­‑se; expi­ação, sac­ri­fí­cio: “[…] se fora ele, enfim, que, em nome da própria honra, ofer­e­cera seus fil­hos em holo­causto, fora ele tam­bém que, depois de tanta honra, se vira subita­mente despo­jado dela, acabrun­hado, abatido, der­ro­tado” (JU).4 FIG Ato de renun­ciar à von­tade própria em favor de outrem.

Após a Segunda Guerra Mundial, na falta de uma palavra para descr­ever o que ocor­rera o termo pas­sou, tam­bém, a sig­nificar: “Genocí­dio de judeus e de out­ras mino­rias, como os ciganos e os homos­sex­u­ais, ocor­rido em cam­pos de con­cen­tração nazis­tas durante a Segunda Guerra Mundial (19391945)”.(Michaelis, edição eletrônica).

Já deixando os con­sideran­dos e partindo para os “final­mentes”, como diria o saudoso per­son­agem Odorico Paraguaçu, ao meu sen­tir, o man­datário brasileiro fez uma analo­gia despro­por­cional, talvez, imag­ino, por descon­hec­i­mento histórico, entre­tanto, a questão de fundo, o que inter­essa efe­ti­va­mente nos dias atu­ais, per­manece viva e latente que é o mas­sacre de palesti­nos inocentes em uma estre­ita faixa de terra de onde não podem sair.

Com­parar fatos ocor­ri­dos há mais de setenta anos com os que estão acon­te­cendo nesse momento é abso­lu­ta­mente inde­v­ido, mas, mais grave ainda é “fechar os olhos” para o mor­ticínio que acon­tece nesse momento à vista de todos.

— Ah, o pres­i­dente do Brasil falou “besteira” ao com­parar a segunda guerra com a guerra em Gaza.

Certo, falou besteira. E, por conta dessa besteira, entre tan­tas que ele já disse, vamos igno­rar o quem acon­te­cendo em Gaza, já denun­ci­ado por todos os países sérios do mundo e todas as agên­cias humanitárias?

Ah, o pres­i­dente do Brasil falou besteira, Israel está “lib­er­ado” para matar vel­hos, mul­heres e cri­anças em Gaza? É esse o raciocínio dos bons cristãos brasileiros?

Chega às raias do ridículo que par­la­mentares brasileiros peçam o impeach­ment por causa da fala tola do pres­i­dente e nada digam sobre o mas­sacre que ocorre em Gaza.

Não faz sen­tido nen­hum. Esses valentes parece-​me mais tolos do que a tolice que querem com­bater.

Claro que o pres­i­dente pode­ria uti­lizar a mesma lóg­ica que uti­liza para criticar Israel para criticar a invasão Russa à Ucrâ­nia; para criticar o régime venezue­lano, o cubano ou mesmo aque­las san­guinárias ditaduras africanas pelas quais parece nutrir afeto.

Mas, por conta disso, deve­mos calar ou fin­gir que o mas­sacre é devido?

Uma coisa que tam­bém aprendi é que não podemos mudar o pas­sado, não podemos retornar no tempo e impedir as mortes dos mil­hões que pere­ce­ram na Segunda Guerra, por exem­plo, mas podemos (e deve­mos) tra­bal­har para que tais tragé­dias não se repi­tam.

E essas tragé­dias estão aí, à vista de todos.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Reflexões para a democracia

Escrito por Abdon Mar­inho

Reflexões para a democ­ra­cia.

Por Abdon C. Marinho*.

POUCO mais de três anos, se não me falha a memória, 10 de janeiro de 2021, escrevi sobre a ten­ta­tiva de insur­reição nos EUA. O texto teve como título “Os EUA vivem seu dia de República de Bananas” e abor­dava a gravi­dade que fora a invasão do Con­gresso Amer­i­cano pelos ali­a­dos do pres­i­dente der­ro­tado Don­ald Trump – insu­fla­dos, clara­mente, pelo próprio –, para impedi­rem a cer­ti­fi­cação do resul­tado das urnas e con­fir­mar a eleição de Joe Biden.

As ima­gens em tempo real da ação dos insur­rec­tos mostravam cenas típi­cas das republi­que­tas da América Cen­tral, América do Sul, do Caribe ou de alguma nação per­dida nos cafundós da África. Os par­la­mentares tiveram que ser reti­ra­dos às pres­sas do plenário para locais seguros, enquanto vân­da­los depre­davam tudo que encon­travam pela frente.

Quem em sã con­sciên­cia iria imag­i­nar tais cenas na nação que sem­pre foi recon­hecida pela solidez de sua democ­ra­cia? As cenas reme­tiam a tudo, menos que se está­va­mos assistindo a um aten­tado ao coração da democ­ra­cia amer­i­cana.

Ao saldo de tudo, qua­tro ou cinco mor­tos, dezenas de feri­dos e a certeza de que nem mesmo a democ­ra­cia mais impor­tante é con­sol­i­dada do mundo encontra-​se imune às ondas do rad­i­cal­ismo que alas­tra pelo mundo.

As forças de segu­rança iden­ti­ficaram e pren­deram os par­ticipes da “ten­ta­tiva de golpe” e justiça do país, até aqui, já con­de­nou e man­dou para cadeia (com penas altas) grande parte deles.

Uma comis­são do Con­gresso Amer­i­cano que apurou os fatos ocor­ri­dos em 06 de janeiro de 2021 apon­tou respon­s­abil­i­dade do ex-​presidente Trump que responde em diver­sos esta­dos as diver­sas acusações civis e crim­i­nais – inclu­sive a de aten­tar con­tra a democ­ra­cia amer­i­cana –, mas que segue can­didato pelo Par­tido Repub­li­cano (com chances de vitória), ainda que seja con­de­nado por deli­tos de tamanha gravi­dade.

Dois anos depois da – por assim dizer –, “tomada do Capitólio” foi a vez da “graça” chegar nas ter­ras tupiniquins. Mil­hares de brasileiros “fan­tasi­a­dos” de patri­o­tas acharam que dev­e­riam invadir e depredar as sedes dos três poderes da República.

Na defesa dos que foram pre­sos – e alguns já con­de­na­dos a duras penas –, alegam que há excesso na apli­cação da lei; que aque­les atos foram ape­nas “um piquenique que deu errado”; que bader­nas como aquela Brasília já estava “cansada” de assi­s­tir.

Pois bem, lá atrás, acho que em mea­dos de 2022, escrevi um texto onde dizia que com a democ­ra­cia não se dev­e­ria brin­car, o título é mais ou menos esse, caso alguém deseje pesquisar.

Caso exam­inemos iso­lada­mente ape­nas os acon­tec­i­men­tos no dia 8 de janeiro de 2023, sabe­mos que aque­las pes­soas, soz­in­has, “armadas” com paus e pedras não teriam como “tomarem” o poder. Na ver­dade, acred­ito, que muitos não pas­saram de inocentes úteis uti­liza­dos como “bucha” para des­en­cadearem algo maior – que não acon­te­ceu.

A “baderna” era o estopim – ou a última car­tada de pressão –, para que out­ros agentes entrassem em ação e pro­moverem a rup­tura.

Hoje sabe­mos que gen­erais far­da­dos (ou de pija­mas) tra­ma­ram por um golpe de estado; sabe­mos que estes mes­mos – e out­ros –, tin­ham as demais insti­tu­ições da república como “inimi­gas”; sabe­mos que uma min­uta de golpe surgida lá atrás não se tratava ape­nas de um exer­cí­cio retórico; sabe­mos que a mobi­liza­ção, por sessenta dias, em frente aos quar­téis não era um movi­mento espon­tâ­neo; sabe­mos que empresários, mil­itares e tan­tos out­ros pres­sion­aram por uma rup­tura; sabe­mos que adver­sários políti­cos, autori­dades civis dos demais poderes e até ali­a­dos do então gov­erno estava, sendo bis­bil­ho­ta­dos e mon­i­tora­dos ile­gal­mente pela chamada “Abin para­lela”.

A ousa­dia foi tamanha que gravaram uma reunião para tratar de golpe de estado, virada de mesa, con­tato direto com o inimigo, e tudo mais.

Quem teve tempo – e dis­posição –, para assi­s­tir a “reunião do golpe” que foi disponi­bi­lizada pelo STF, deve ter perce­bido que, exceto pelas baixarias e palavrões, o “colóquio” faz lem­brar aque­les filmes da Segunda Guerra Mundial, onde os nazis­tas dis­cu­tiam sobre os pas­sos da guerra ou a solução final para os judeus, homos­sex­u­ais, ciganos, etc., enquanto degus­tavam pratos e bebidas ou fumavam um charuto.

Muito vaga­mente, até pelo que disse acima, me lem­brou o clás­sico “Vestí­gios do Dia”.

Esses dois exem­p­los, seja o amer­i­cano, seja o brasileiro, sevem para mostrar o quanto são frágeis os arran­jos democráti­cos na atu­al­i­dade.

Mesmo democ­ra­cias con­sol­i­dadas pas­sam por situ­ações como as que estão nar­radas.

Os seres humanos são capazes de tudo por suas próprias ambições. A prin­ci­pal dela é pelo poder. Não é de hoje a frase de que poder cor­rompe, o poder abso­luto cor­rompe abso­lu­ta­mente.

Nor­mal – mas não moral –, que aque­les que este­jam no poder não queiram deixá-​lo rel­a­tivizem as regras democráti­cas para não “largarem o osso”.

Mas a democ­ra­cia, como disse no texto já referido e repito aqui, é coisa séria, não com­porta deter­mi­na­dos “fetiches” e, talvez, pre­scinda de mecan­is­mos legais que a pro­teja de pro­je­tos autoritários.

Vejamos o ocor­rido nos EUA, à mín­gua de qual­quer prova, o pres­i­dente de plan­tão ale­gava fraudes inex­is­tentes para manter-​se no poder.

Esse “desejo” mobi­li­zou cidadãos rad­i­cais de todo o país e os fez invadir o pré­dio do con­gresso cau­sando a situ­ação descrita no iní­cio e que ren­deu no final daquele dia per­das de vidas humanas, e depois a prisão e con­de­nação de cen­te­nas deles.

Não canso de dizer que isso acon­te­ceu numa nação que tinha a democ­ra­cia solid­i­fi­cada há mais de 200 anos.

Nem mesmo essa solidez impediu o dia de ver­gonha amer­i­cana para o mundo. E é essa mesma solidez que per­mite ao ex-​presidente Trump que mesmo con­de­nado por acusações crim­i­nais diver­sas possa ser can­didato à presidên­cia nova­mente e até ser eleito.

No caso do Brasil, talvez pelos sus­tos que já pas­samos ao longo da nossa história repub­li­cana, temos mecan­is­mos que sus­pen­dem os dire­itos políti­cos em deter­mi­nadas situ­ações, como é o caso do ex-​presidente da República já inelegível até o ano de 2030, se out­ras con­de­nações não sur­girem na esteira das inves­ti­gações já em curso e aumentarem esse prazo.

Essas duas situ­ações em relação as democ­ra­cias amer­i­cana e brasileira são o objeto da minha primeira reflexão.

Muito emb­ora ainda este­jamos falando em tese, nada impede que Don­ald Trump ape­sar de clara­mente ter aten­tado con­tra a democ­ra­cia amer­i­cana con­corra e até venha a gan­har as eleições – sem qual­quer garan­tia de que não tente nova­mente pro­mover um golpe. Ele próprio já disse que gostaria de exercer poderes dita­to­ri­ais por um dia para fazer deter­mi­nadas coisas.

Ape­sar disso, pelo que tenho acom­pan­hado, a Suprema Corte daquele país vai cam­in­har no sen­tido de dizer que a pro­teção da democ­ra­cia é papel dos cidadãos amer­i­canos e não do Judi­ciário e que impedir que esse ou aquele cidadão – por mais grave que tenha sido os deli­tos cometi­dos –, tem o dire­ito de con­cor­rer as eleições porque impedir feriria os dire­itos dos cidadãos/​eleitores.

A Suprema Corte ainda não decidiu sobre a “eleg­i­bil­i­dade de Trump”, essa é uma con­jec­tura que faço.

Já no Brasil há várias pre­visões de ineleg­i­bil­i­dade dos seus cidadãos.

Quem estará certo?

Como pro­te­ger – e se deve­mos pro­te­ger –, as democ­ra­cias dos pro­je­tos de poder dos tira­nos?

Ainda que não seja opor­tuno “fechar questão” sobre o certo e o errado, os exem­p­los das democ­ra­cias que foram destruí­das “de den­tro pra fora” estão aí à vista de todos.

Eleição não é, por si, garan­tia de democ­ra­cia ou de liber­dade.

Vejo inúmeros defen­sores de ditaduras, de dire­ita ou de esquerda, diz­erem que o dita­dor fulano ou bel­trano foi eleito e que, por isso, tem a legit­im­i­dade para fazer o que quiser.

Não é assim que as coisas fun­cionam ou são.

O Iraque tinha eleições reg­u­lar­mente as quais Sad­dam Hus­sein gan­hava com quase cem por cento dos votos; na Cor­eia do Norte o líder supremo é ado­rado como um Deus; na Venezuela com eleições pre­vis­tas para esse ano (ainda sem data) os opos­i­tores foram excluí­dos do processo; na Rús­sia sequer se fala em opos­i­tor, o último grande nome, Alexey Navalny, foi morto na prisão aos 47 anos de idade. Nas eleições do próx­imo mês Putin dev­erá gan­har de “lavagem” e ficar no poder até os fins dos seus dias.

Navalny foi o último exem­plar de oposição russa com capi­lar­i­dade nacional – e por isso foi morto –, outro não sur­girá enquanto o auto­crata Putin não cair ou mor­rer.

E assim são tan­tos out­ros exem­p­los.

É dizer, repito, em tem­pos extremos, as democ­ra­cias, em todos os lugares, encontram-​se ameaçadas cabendo aos cidadãos de bem exercerem a vig­ilân­cia das liber­dades indi­vid­u­ais antes que sobreven­ham os males maiores.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.