AbdonMarinho - Um candidato improvável.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 21 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Um can­didato improvável.


Um can­didato improvável.

Por Abdon C. Marinho*.

QUANDO se aprox­i­mava do fim o ano de 1998 recebi do amigo Juarez Medeiros, de quem fui chefe de gabi­nete na Assem­bleia Leg­isla­tiva do Maran­hão e depois na COL­ISEU (Com­pan­hia de Limpeza de Serviços Urbanos de São Luís) a pro­posta para adquirir uma pro­priedade que ele rece­bera em uma per­muta com o amigo comum Alberto Carneiro local­izado no Povoado Quinta, São José de Ribamar.

Não tinha neces­si­dade ou a ideia de com­prar um imóvel e muito menos morar na zona rural da ilha. Aceitei o desafio para aju­dar o amigo (que a época se prepar­ava para ingres­sar na car­reira de pro­mo­tor de justiça) mas, com a intenção de vender o quanto antes.

O próprio Juarez, em uma folha de chamex, com sua incon­fundível caligrafia escreveu os ter­mos do con­trato.

Era ape­nas um ter­reno com muitas jaque­iras, mangueiras e out­ras arvores e uma cas­inha que era ocu­pada pelo caseiro.

Pas­sa­dos seis ou oito meses sem con­seguir vender o imóvel resolvi “dar uma arru­mada” para pas­sar os finais de sem­ana. Depois qua­tro ou cinco finais de sem­ana no sitio decidi “ir ficando” por lá, onde con­tinuo até hoje.

Devo dizer, entre­tanto, que esse não é o assunto desse texto.

Já vivia no sitio dois ou três anos, quando um dos caseiros me disse que alguém de nome Mulato que­ria falar comigo. Disse que tudo bem, pode­ria apare­cer em um dos finais de sem­ana pelo sítio.

Um sábado qual­quer pelo começo dos anos 2000, apareceu-​me o Mulato que até então não sabia o que que­ria comigo e que o que tinha de infor­mações sobre o mesmo é que morava na invasão nas prox­im­i­dades da Quinta chamada Cidade Alta e que tinha algum envolvi­mento comu­nitário.

O sitio ainda não pos­suía muro e eu estava deitado numa rede na varanda quando aproximou-​se da can­cela e disse que podia chegar-​se.

Era um rapa­zote com pouco mais de vinte anos, uns dez (ou pouco mais) a menos que eu. Perguntei-​lhe o que que­ria e disse que que­ria me con­hecer, sabia que era advo­gado, que tinha exper­iên­cia com polit­ica – naquela época já estava com meu escritório de advo­ca­cia e já pas­sara pela asses­so­ria de Juarez na Assem­bleia, pela COL­ISEU, pelo tra­balho na cam­panha de Con­ceição em 1992, pela cam­panha de Cafeteira em 1994 e 1998, pela cam­panha de Castelo em 1996, pela de Ricardo Murad em 2000 e 2002 –, que­ria tro­car ideias comigo e, se pos­sível, apren­der alguma coisa.

Fiquei sur­preso com o assunto, mas a par­tir daquele dia pas­samos a tro­car algu­mas ideias sobre a polit­ica no estado, na cidade, as nos­sas visões de mundo. Acho que foi nesse mesmo encon­tro que me disse do desejo de ser político, quiça prefeito do município.

Con­tin­u­amos a man­ter con­tato e sem­pre que tín­hamos opor­tu­nidade trocá­va­mos algu­mas ideias sobre os acon­tec­i­men­tos do momento.

Pas­sa­dos alguns anos Mulato me liga e diz pede para pas­sar no escritório para falar comigo. Quando chegou disse-​me o assunto: que­ria que lhe emprestasse um mil ou um mil e quin­hen­tos reais para abrir uma gale­te­ria.

Disse-​lhe: –– Ô Mulat­inho não posso lhe emprestar o din­heiro por dois motivos: quem empresta din­heiro corre o risco de perder o amigo e/​ou o din­heiro ou as duas coisas. Não quero nem uma coisa, nem outra, nem as duas.

Ape­sar disso acabei por fazer o emprés­timo – que recebi um ano e pouco depois –, e me tornei freguês do galeto do Mulat­inho nos finais de sem­ana. Só lig­ava e/​ou man­dava men­sagem e pedia um galeto que man­dava deixar ou ia ele mesmo deixar aprovei­tando essas opor­tu­nidades para con­ver­sar um pouco.

O tempo pas­sou, o Mulat­inho “pas­sou” a gale­te­ria, em uma eleição foi can­didato a vereador, não con­seguindo êxito para eleger-​se, em alguns momen­tos as vis­si­tudes da polit­ica colocaram-​nos em dis­cordân­cia, mas sem que a amizade fosse afe­tada, dizia que dis­cor­dava e pronto.

No ini­cio do ano pre­sente me procurou lá no sitio para dizer-​me que seria can­didato a prefeito e me atu­alizar sobre as diver­sas trata­ti­vas que teria par­tic­i­pado nos últi­mos tem­pos mas que não deram certo sobre­tudo por motivos diver­sos; que seria can­didato por um par­tido diverso daquele pelo qual mil­i­tara entre out­ras coisas.

Disse-​lhe que achava salu­tar sua can­di­datura e que pes­soas com a nossa origem não podem aguardar que os donos do poder, os ricos “abram” espaços para os nos­sos son­hos e propósi­tos, que nós que deve­mos bus­car nos­sos espaços e “forçar” as por­tas se quis­er­mos entrar.

Em julho Guil­herme me procurou nova­mente que­ria saber da pos­si­bil­i­dade de fazer a con­venção do seu par­tido no meu sítio. Não é uma ideia que tenha gostado. Os meus finais de sem­ana sequer gosto de sair de casa, cos­tu­mando me dedicar ao ócio, a leitura, a escrita, a ouvir música e as tare­fas domés­ti­cas.

Em um momento de bobagem acabei con­cor­dando em alu­gar o espaço para o par­tido – não pelo din­heiro –, mas para evi­tar prob­le­mas futuros com a leg­is­lação eleitoral.

No dia da con­venção, pela manhã, enquanto arru­mavam o ambi­ente e comíamos uma farofa de ovo com lin­guiça, fazíamos um ret­ro­specto (parte dos fatos ele me lem­brou) e inter­na­mente ia pen­sando no quando de improvável que tinha essa can­di­datura de Mulato. Um rapaz crescido numa invasão, “galeteiro” e, de repente, can­didato a prefeito da cidade. Não de qual­quer municí­pio, mas da ter­ceira maior do estado.

Numa análise sobre a con­jun­tura do país em um momento em que a democ­ra­cia é sem­pre colo­cada em xeque vejo o quanto de inspi­rador é o legado de tal pro­jeto politico e porque ela (a democ­ra­cia) pre­cisa ser defen­dida pelos cidadãos de bem: para pos­si­bil­i­tar que qual­quer um, qual­quer do povo, ape­nas depen­dendo do próprio esforço possa chegar a onde quiser.

Trata-​se, por óbvio, ainda mais nos dias de hoje em que a política tornou-​se ante de qual­quer coisa, um negó­cio, uma can­di­datura improvável.

Ninguém espera que um filho da per­ife­ria, um fave­lado, um ex-​galeteiro seja can­didato a prefeito, quando muito é chamado para ser “bucha de can­hão” numa can­di­datura a vereador, para com­por o quo­ciente eleitoral.

Por isso que a democ­ra­cia é inspi­radora.

Nesse mesmo dia (da con­venção) eu dizia a ele: –– Olha, Mulat­inho, inde­pen­dente do resul­tado do pleito, de qual posição você vai chegar, você já é um vito­rioso. A sua vitória é ter chegado até aqui, é não ter se cur­vado à von­tade dos poderosos, não ter se “ven­dido” por algu­mas moedas, empre­gos ou promes­sas, e ter aceitado o desafio de, sem din­heiro, sem apoio de grandes políti­cos, das grandes máquinas par­tidárias, dos gru­pos econômi­cos, sair can­didato.

Em São José de Riba­mar a dis­puta dar-​se entre o atual prefeito, Dr. Julinho (que foi meu pro­fes­sor no Cursinho do Pro­fes­sor José Maria do Ama­ral, no final da década de oitenta), que faz uma admin­is­tração bem avali­ada, segundo algu­mas pesquisas que tive acesso; o pres­i­dente da Câmara Munic­i­pal, Dudu Diniz, que tem o apoio da pres­i­dente da Assem­bleia Leg­isla­tiva e do Gov­erno Estad­ual, tendo arreg­i­men­tado, esses dois chefes de poderes para sua con­venção; o Guil­herme Mulato; e mais dois out­ros que pos­suem alguma tradição pes­soal ou de par­entesco com a política.

Sair can­didato em situ­ação tão adversa é uma vitória. A vitória da ousadia

Abdon C. Mar­inho é advogado.